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A aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica e sua disciplina no código civil e no código de defesa do consumidor

O presente trabalho tem por finalidade apresentar considerações e análises sobre a Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica, ressaltando a maneira que se sucede a sua aplicação no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor. O texto também faz apontamentos sobre o contexto histórico da Teoria supracitada, bem como realiza a classificação do instituto, com suas devidas distinções doutrinárias. Por fim, o trabalho demonstra os efeitos da utilização correta e incorreta da Desconsideração da Personalidade Jurídica, constatando que pode ser empregada de maneira benéfica aos credores e evitando atos fraudulentos ou que pode ser aplicada de modo que abale a segurança jurídica do instituto da sociedade limitada e da autonomia patrimonial.

Palavras-chave: Desconsideração Inversa da Pessoa Jurídica, Personalidade Jurídica, Autonomia Patrimonial


A legislação traz as seguintes disposições sobre a Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica: o Código Civil (CC) disciplina em seu art. 50 que “Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.” Já o Código de Defesa do Consumidor (CDC) versa em sua SEÇÃO V, intitulada “Da Desconsideração da Personalidade Jurídica”, no art. 28 que: “O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.”

No que se refere ao contexto histórico, as primeiras referências sobre o assunto foram encontradas nos estudos de Maurice Wormser, jurista norte-americano, no ano de 1912.

O ordenamento jurídico confere às pessoas jurídicas personalidade distinta da dos seus membros, valendo-se do princípio da autonomia patrimonial, possibilitando que sociedades empresárias sejam utilizadas como instrumento para a prática de fraudes e abusos de direito contra credores.

Para evitar essa prática, aplica-se a Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica, em casos de fraude e má-fé, no sentindo de atingir e vincular os bens particulares dos sócios à satisfação das dívidas da sociedade. O juiz pode deixar de aplicar as regras de separação patrimonial entre sociedade e sócios, porque é necessário coibir a fraude realizada graças à manipulação de tais regras.

Não é suficiente a simples insolvência do ente coletivo, hipótese em que, não tendo havido fraude na utilização da separação patrimonial, as regras de limitação da responsabilidade dos sócios terão ampla vigência. A desconsideração é instrumento de coibição do mau uso da pessoa jurídica; pressupõe, portanto, o mau uso. Portanto, bem colocada a Súmula N. 430 do STJ que proclama: “O inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente.” 

Preliminarmente, observa-se que a Teoria não anula a personalidade jurídica, mas apenas não a considera para certos atos fraudulentos. Em uma sociedade limitada, a pessoa jurídica tem personalidade distinta dos sócios, e a responsabilidade deles é limitada ao montante que desejam aportar ao capital social. Não há de se falar em Desconsideração da Personalidade Jurídica em sociedades ilimitadas, uma vez que o patrimônio pessoal dos sócios responde pelas dívidas da sociedade. Assim, os bens pessoais de cada sócio são distintos dos bens da sociedade, logo, o patrimônio da sociedade não deve se confundir com o patrimônio de seus sócios.

Cumpre enfatizar os dois requisitos propostos no Código Civil para que ocorra a Desconsideração da Personalidade Jurídica, são eles: o “desvio de finalidade da pessoa jurídica” ou a “confusão patrimonial”. O desvio de finalidade ocorre quando a pessoa jurídica não cumpre a finalidade que se destina, causando prejuízo a terceiros; ou quando ela desrespeita a função social da empresa. A confusão patrimonial se dá quando não for possível distinguir o que é da sociedade e o que é dos sócios. Portanto, existem dois requisitos independentes para a aplicação da teoria, perpetrados através do abuso da estrutura de personificação.

Para uma correta aplicação da Teoria, alguns objetivos devem ser levados em conta: coibir a fraude, o desvio de finalidade da pessoa jurídica e a confusão patrimonial, bem como garantir o direito de receber dos credores e proteger o instituto da pessoa jurídica. Além disso, deve-se verificar se não existe outra norma que resolva o caso em questão, responsabilizando os sócios pessoalmente.

Doutrinariamente, a Teoria subdivide-se em teoria maior e teoria menor. A teoria maior assevera que a comprovação da fraude e do abuso por parte dos sócios constitui requisito para que o juiz possa ignorar a autonomia patrimonial das pessoas jurídicas. Já a teoria menor considera que o simples prejuízo do credor já é suficiente que haja a desconsideração, não se preocupando em verificar se houve ação fraudulenta do principio da autonomia patrimonial por parte dos sócios, nem se houve abuso de personalidade.

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A teoria maior se divide em duas linhas, objetiva e subjetiva. A teoria maior objetiva afirma que a confusão patrimonial constitui o pressuposto necessário e suficiente da desconsideração, basta a constatação da existência de bens do sócio registrados em nome da sociedade, e vice-versa. A teoria maior subjetiva pondera como requisitos para a aplicação da Teoria: a fraude somada ao abuso de direito, princípios dotados de difícil comprovação, pois deve-se demonstrar a intenção que o sócio possui em frustrar os interesses do credor. Segundo CARLOS ROBERTO GONÇALVES, aparentemente, a linha objetivista foi adotada em nosso ordenamento jurídico, tendo a confusão patrimonial como principal pressuposto, fato que segundo FÁBIO ULHOA COELHO, facilita os interesses dos credores ou terceiros lesados.

O Código de Defesa do Consumidor trouxe importantes inovações para assegurar proteção ao consumidor. Uma das medidas protetivas foi a introdução de um dispositivo que autoriza, expressamente, a Desconsideração da Personalidade Jurídica (art. 28). Para impedir que a autonomia patrimonial da sociedade empresária possa ser utilizada como instrumento de fraude ou abuso de direito em prejuízo da satisfação de um interesse do consumidor. Apesar da incidência específica de tais dispositivos em matérias de defesa dos consumidores, é inegável o seu potencial em aplicações, por analogia, para a tutela de outros interesses, individuais ou coletivos.

As hipóteses de aplicação da Teoria contidas no CDC são as seguintes: abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito, violação de estatutos ou contrato social; falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocada por má administração; qualquer hipótese em que a personalidade da pessoa jurídica seja de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.

Se aplicado de forma correta, tendo todos os requisitos legais preenchidos, respeitando as regras de limitação da responsabilidade dos sócios, o instituto da Desconsideração da Personalidade Jurídica tem por finalidade combater a utilização indevida do ente societário por seus sócios, assegurando ao credor que não será vítima de fraude. Contudo, se empregada de maneira equivocada, poderá abalar o instituto da sociedade limitada, bem como o princípio da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, portanto deve-se investir a Teoria com cautela e de maneira correspondente aos ditames consagrados no CC e no CDC.

Referências

FIUZA, Cesar. Direito Civil - Curso Completo. 13ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2009.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, vol I: Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2013

COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial. 18. Ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

Sobre os autores
Vitor Hugo Alonso Casarolli

Graduado em Direito na Universidade Estadual de Londrina (UEL). Pós-graduando em Direito Civil, do Consumidor e Processual Civil no Instituto de Direito Constitucional e Cidadania (IDCC)

Renata Nóbrega

Mestre em Direito pela PUC/SP, Docente na Universidade Estadual de Londrina.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Trabalho publicado e apresentado no 4º Simpósio Nacional de Iniciação Científica da UniFil - Londrina/PR.

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