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O agravo de instrumento tirado antes da formação da relação processual.

Ausência de intimação do agravado frente ao principio constitucional do contraditório

Agenda 01/01/2003 às 00:00

O escopo do tema

As questões processuais, na perspectiva da oposição entre as partes, que manifestam entendimentos diversos sobre a aplicabilidade das normas jurídicas positivas, sobre dada matéria, sempre mereceram analise e exame versando as garantias constitucionais do "due process of law", dentre elas, a do contraditório.

Com efeito, sob a ótica do devido processo legal, no que pertine com as normas de procedimento [1], expressam-se, sobremodo, as garantias de igualdade das partes litigantes; do denominado "jus actionis"; e, por ultimo, mas, não menos relevante, a do respeito ao direito de defesa e ao contraditório. [2]

Ora, o que se coloca em relevo, nestas notas, é a indagação sobre se a dinâmica do recurso de Agravo de Instrumento, na roupagem que lhe deu a Lei nº 9.139/95, quando interposto antes da constituição da relação jurídico-processual, não afeta – em especial – o primado do contraditório.

Nesse sentido, mormente revestido o Agravo – na sua nova concepção normativa – de eventual eficácia liminar ativa (CPC, art. 527, II), surge a hipótese, aliás freqüente, tanto por essa antecipação tutelar admitida, quanto, inclusive, por sua apreciação pelo mérito, de se caracterizar como apreciação do litígio, "inaudita altera pars", sob forma complementar das cautelares e das tutelas, em geral.

Adite-se que, manejado o Agravo nessas circunstancias, isto é, antes de citado, na ação principal, o réu, segue-se, não só a possibilidade de deferimento liminar, mas, o próprio julgamento, pelo mérito, do Recurso, independente de audiência do Agravado, sem sua intimação – ainda que já tenha ingressado no pólo passivo – cerceando seu direito de contra minutar e opor-se ao pedido do Agravante.

A matéria tem sido, de longo tempo, objeto de nossas cogitações, seja na linha meramente analítica do fenômeno, à luz do direito processual, seja para vislumbrar remédios possíveis à vista de situações teratológicas, derivadas dessa mecânica imprimida ao Agravo.


A dinâmica processual do Agravo de Instrumento

Nos termos da legislação que – em grande parte – modificou as feições do Agravo de Instrumento, como foi conformado, então, pelo Código de Processo de 1973, a concepção mais importante, a nosso ver, deu-se na possibilidade de outorga de efeito suspensivo, relativamente à decisão jurisdicional atacada pelo Recurso.

Tal adiantamento de tutela jurisdicional, cabente ao Relator do Agravo, por requerimento do Agravante, configurou, de um, a inviabilidade da utilização do Mandado de Segurança, como era de praxe, para conferir eficácia suspensiva ao Recurso e, de dois, tornou habitual sua interposição antes de formada a relação processual, isto é, previamente à citação da parte adversa.

Por evidente, confrontada a parte na distribuição da inicial, e antes da intimação do réu, com o indeferimento de pleito tutelar antecipado ou de pedido similar, valer-se-á, de pronto, do Agravo de Instrumento, objetivando ou conferir efetividade ao requerimento, antes afastado no juízo monocrático, ou suspender os efeitos daquela decisão deambular.

É que, malgrado restrita, na redação do inciso II, do art. 527, da Lei de Ritos, a perspectiva de atribuição, pelo Relator, de "efeito suspensivo" ao Agravo, de pronto compreendeu-se, de forma ampliada, esse atributo, confortando-o para abranger provimentos cautelares ou de antecipação de tutela. [3]

Dessarte, abrigou-se o provimento liminar, nos Agravos, em sentido "inaudita altera pars", nas disposições do art. 273 da Lei de Processo (na redação dada pela Lei nº 8.952/94) que cuida da antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional, e do art. 800, parágrafo único, que trata da Medida Cautelar, quando proposta, diretamente, ao Tribunal.

Segue, todavia, comparados, instrumentalmente, o instituto da tutela antecipada e o das cautelares, que, em ambas as hipóteses, a parte contraria, sem embargo da conferencia de efeito liminar, comparecerá em Juízo para opor contestação, inavendo – pois – apreciação final (de mérito) independente da oitiva do réu.

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Contudo, sob a mecânica do Recurso de Agravo, uma vez processado sem a audiência da parte adversa, que não tinha sido ainda citada, na lide principal, quando de sua interposição, decorre o seu julgamento em sede substantiva, confirmando ou não o efeito suspensivo (também chamado de ativo) e, assim, resolvendo, de forma terminativa, a questão proposta pelo Agravante.

Do quanto exposto, preliminarmente, nada obstante se possa admitir esteio, na Lei Processual, ao ato do Relator examinando e solvendo – quando presente – o pedido liminar do recorrente, no Agravo, denota-se que o principio do contraditório restaria atendido se, antes da decisão meritória, fosse intimada a parte requerida para oferecer razões em contraminuta ao Recurso.

Nesse sentido, propriamente não parece invalido ou em afronta ao contraditório o deferimento liminar de efeito suspensivo, este suportado na doutrina do Código de Processo, mas, resta duvidoso – a nosso ver – se seria cabível, como é da praxe, a apreciação "de meritis" do Agravo, independente do oferecimento de contradita de parte do Agravado.


Os provimentos "inaudita altera pars" e o principio do contraditório

Com efeito, retomando a linha de exame anterior, não parecem afrontar a garantia ao contraditório e, genericamente, ao preceito de bilateralidade da audiência, no processo civil, os provimentos liminares que independem da oitiva da parte contraria.

O douto Nelson Nery Junior, sintetizando o tema, escreve que tais decisões jurisdicionais não afetam e nem cerceiam o direito da parte adversa em contraditar, pois se demarcam pela sua provisoriedade, ou seja, podem ser, potencialmente, modificadas, "por interferência da manifestação da parte contraria", sem embargo de se dar "a posteriori" do deferimento da ordem. [4]

De outra sorte, concorre para justificar o cabimento das liminares, nesses casos, a vigência do principio da eficácia das decisões judiciais, eventualmente comprometido, se não deferida de logo, dada a urgência do provimento reclamado ("periculum in mora").

Contudo, ainda de Nery Junior se colhe advertência – na conclusão de suas lições – enfatizando que restaria ofendido o principio do contraditório caso "não se desse oportunidade de defesa ou de recurso contra a liminar" outorgada em desfavor do réu. [5]

Calha observar, nesta senda, em relação ao tema central do Agravo de Instrumento, processado antes da citação do réu-Agravado nos autos da ação principal, e – por isso – julgado, "de meritis", independente de apresentação de oposição, na forma de contra minuta, que – em principio – o réu-Agravado resta carente de recursos, genericamente, para se manifestar em divergência com a decisão final do Agravo, em sendo esta, por obvio, favorável ao Agravante.

É que, no âmbito do Tribunal, em que apreciado o Agravo, decorrida a jurisdição com o Acórdão que o solve, pelo mérito, descaberia intervenção posterior do Agravante, quando vier a ser cientificado, na ação principal, desse resultado.

Também perante o magistrado singular, na demanda instaurada, queda-se, usualmente, sem ação eficiente o réu-Agravado, pois não segue – em principio – nenhum despacho, passível de Agravo, do cumprimento do Acórdão da Corte "ad quem".

A possibilidade, eventualmente vislumbrada, a nosso ver, adviria de, ao ser citado o réu-Agravado, e tomando conhecimento da interposição do Recurso de Agravo (na forma do art. 526 da Lei Processual) pudesse intervir, por petição, junto ao Tribunal para requerer, se ainda não prolatada a decisão final, fosse admitida a apresentação de contra minuta.

Por evidente, contudo, tal alternativa figura-se como meramente circunstancial, vinculada à eventualidade do conhecimento da interposição do Agravo, depois da citação, o que – convenhamos – não se mostra adequado ao contorno normativo que a questão mereceria.


A intimação no Agravo de Instrumento na ótica da jurisprudência

Caberia, nesta analise, discorrer, ainda que brevemente, sobre o entendimento pretoriano, versando – especificamente quanto ao Agravo de Instrumento – a matéria alusiva à intimação do Agravado.

Em principio, dos arestos coligidos junto ao Superior Tribunal de Justiça, denota-se um dissídio conceitual que coloca a intimação, de um, sob prisma de procedimento dispensável, portanto não indutor de nulidade processual, quando – em sentido valorativo – a defesa, que pudesse ser apresentada pelo Agravado, desde logo não colheria frutos, donde a ausência de notificação não teria acarretado prejuízo à parte.

Todavia, predominando, uma segunda corrente de exegese, pontua – com maior rigor e formalismo – a obrigatoriedade da intimação do Agravado para vir responder ao Recurso, independente do conteúdo da contra minuta, a ser ofertada, dando pela nulidade do Acórdão da Corte "ad quem", se preterido o ato de cientificação.

Exemplificando a inteligência mais branda, relativamente à intimação, que recorre – de fundo – à estimada impossibilidade de êxito da defesa, evidencia-se o Acórdão que se transcreve:

Independentemente da irregularidade processual existente nos autos, pela falta de intimação do agravado, a tese jurídica discutida pelo agravante não lograria êxito se presente nos autos a recorrida. Princípio da economia processual que prevalece sobre a forma. (REsp nº 258.014/SP)

Sob pressuposto diverso, agora alinhado com o desapego ao formalismo, em outro escólio da Corte Superior se colhe ser prescindível a intimação do Agravado, dado o indeferimento, ao cabo, pelo Tribunal "ad quem" do pleito recursal do Agravante, assim:

A nulidade havida na decisão do agravo de instrumento, em virtude da falta de intimação do agravado para se manifestar, desmerece acolhida, tendo em vista que, negado provimento ao recurso, não houve prejuízo à parte (CPC, art. 249, § 2º). (REsp nº 284.449/SP)

Observa-se, dos arestos, antes colacionados, que o primeiro deles, com a devida vênia, ao estimar, previamente, estar a defesa fadada ao insucesso, suprime a instancia recursal própria, fazendo às vezes da Corte Estadual ou Regional.

Contudo, de outra sorte, o segundo Acórdão – de forma mais apropriada, a nosso ver – tem cabimento, pois seria inexigível o apego à formalidade, diante da substancia do afastamento da pretensão do Agravante – "pas de nullitè sans grief".

Como, antes referido, entretanto, a corrente que parece dominante, na matéria, junto ao Superior Tribunal de Justiça, confere acentuado rigorismo às normas do direito processual.

Assim, colhe-se de inúmeros Acórdãos:

Recebido, pelo Tribunal, o Agravo de Instrumento de que trata o CPC, art. 525, deverá o Relator, obrigatoriamente, intimar o agravado para oferecimento de resposta (CPC, art. 527, III). Da não observância da norma prescrita pelo CPC, art. 527 decorre evidente cerceamento de defesa, suficiente à anulação do Acórdão impugnado. (REsp nº 265299 / SP)

Malgrado essa concepção mais rigorosa sobre a intimação do Agravado, no respectivo Agravo [6], a Corte Superior, em outros Acórdãos, porém, admite a perspectiva do julgamento do Recurso, sem a audiência da parte contraria, como se pode conferir:

A intimação do agravado para apresentar resposta ao agravo de instrumento (art. 522, CPC) é obrigatória, nos termos do artigo 527, III, CPC. No entanto, tratando-se de decisão liminar, oriunda de processo em que ainda não foi concretizada a relação processual, em atenção ao princípio da celeridade e à regra da efetividade, já decidiu a Turma que o agravo pode ser julgado independentemente da intimação da parte agravada, que ainda não foi citada e não tem advogado constituído nos autos. (REsp nº 175368 / RS – grifou-se [7])

De se denotar da fundamentação, derivada da ementa, antes transcrita, ainda que gizada a obrigatoriedade da intimação, dada a literalidade da norma processual, a inteligência pelo prevalecimento, na hipótese cogitada, do primado da celeridade das decisões jurisdicionais e, máxime, de sua efetividade.

Entrementes, ressalte-se, embora anuindo-se com ambas as menções do Acórdão, não parece demasia reiterar-se, ao menos para eficácia do julgamento final, a necessidade – se possível – da intimação do Agravado para responder ao Recurso.

Sem embargo da anotação anterior, passa-se que, confortada a possibilidade genérica de manejo do Recurso de Agravo, a qualquer tempo, logo, admissível até antes de se constituir a relação processual, no âmbito da ação aforada, seguirão, decerto, hipóteses em que, dado o fator tempo, pode não haver possibilidade de se concretizar, antes do julgamento pelo mérito, a intimação do réu-Agravado.

O ideal seria – a nosso ver – visando contornar tais situações que, como norma, o Agravo, interposto antes da citação do réu, só pudesse ser apreciado pelo Tribunal "ad quem", nada obstante o deferimento de efeito ativo liminar, após noticiada a formação integral da lide e, daí, depois da intimação do réu, como Agravado, para responder.

Não nos parece – admitida essa modificação à Lei de Processo – configurar-se qualquer prejuízo ao Agravante, máxime se outorgado o efeito ativo, e, certamente, atender-se, mais propriamente, ao principio do contraditório.

Restaria, também, conformado o caráter de provisoriedade da liminar, conferida, porventura, ao Agravante, abrindo-se oportunidade para que o Agravado – em querendo – buscasse a modificação, em sede de mérito, de tal provimento liminar.


Notas

1. Denominado no direito anglo-saxão de "procedural due process".

2. Nelson Nery Junior, "Princípios do Processo Civil na Constituição Federal", 3ª edição – Editora RT – pág. 40.

3. Essa, por exemplo, a conclusão do CETARS, assim ementada: "Pode o relator conceder tutela antecipada ou cautelar, quando o agravo ataca decisões indeferitórias". A titulo de fundamentação coligem-se os arts. 273 e parágrafos e 800, parágrafo único, do CPC.

4. ob. cit. pág. 145 "et passim", coligindo ensinamento de Ada P. Grinover para quem a concessão de liminares constituiria só "aparente derrogação" do primado do contraditório, ante a oportunidade posterior de sua revogabilidade, decorrente de seu caráter provisório ("Os princípios constitucionais e o Código de Processo Civil").

5. ob. cit. pág. 148.

6. Ver, também, igualmente, o REsp nº 127421 / SP e o REsp nº 172712 / SP.

7. Em igual sentido, o que consta do REsp nº 205039 / RS do seguinte teor: "O agravo de instrumento contra decisão que indefere pedido liminar (...) pode ser julgado independentemente de intimação do agravado, que ainda não foi citado e não tem advogado constituído nos autos (art. 527, III, do CPC)".

Sobre o autor
Cassio Penteado

Advogado e consultor do escritório Oliveira de Toledo & Advogados Associados - São Paulo -SP e Recife - PE.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PENTEADO JUNIOR, Cassio Penteado. O agravo de instrumento tirado antes da formação da relação processual.: Ausência de intimação do agravado frente ao principio constitucional do contraditório. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 61, 1 jan. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3560. Acesso em: 5 nov. 2024.

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