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O ilegítimo debate da pena de morte

Em decorrência da condenação do brasileiro ao fuzilamento na Indonésia, muitos se perguntam se não deveria haver plebiscito sobre a pena de morte no Brasil. Contudo, a "discussão" sobre a pena é inconstitucional.

Em decorrência da condenação do brasileiro à pena de antecipação da morte, por fuzilamento, na Indonésia – motivada pelo crime de tráfico de drogas –, muitos se perguntam se não deveria haver plebiscito sobre a pena de morte no Brasil. O tema enjoativo sempre se manifesta nessas horas. O pior é que se procura por um debate que não existe. Isto é, essa conversa não pode ser levada a sério ao menos enquanto a Constituição Federal de 1988 não for rasgada definitivamente.

Vejamos rapidamente o Princípio da Hierarquia Constitucional: a Constituição prevalece sobre todo o ordenamento jurídico e só pode ser modificada (mutação constitucional) mediante a observação de regras descritas no próprio texto constitucional. Neste caso, o instituto das cláusulas pétreas (as que não se modificam) diz “expressamente” o que NÃO se pode modificar por meio de emendas à Constituição. Observe-se com atençao o § 4º, IV do art. 60: “§ 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: IV - os direitos e garantias individuais”.

Por sua vez, o Título II da CF/88 trata dos Direitos e das Garantias Fundamentais e tem início com o famoso artigo 5º: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes”.

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Observemos com atenção ainda mais acurada que, no meio do caput do artigo, assegura-se a “inviolabilidade do direito à vida” e isto quer dizer que o Estado não pode atentar contra a vida do cidadão – salvo nos casos permitidos de aborto, legítima defesa, estado de necessidade e no estrito cumprimento do dever legal – este, a cargo das Forças Armadas e policiais. Ainda que amplamente praticada, a eutanásia não é admitida legalmente.

Como reza a denominação correta – consoante sua Constituição –, o Estado brasileiro  não poderá aplicar medidas de antecipação da morte. Permitirá nos casos mencionados, mas não adotará nenhuma delas como política pública. Se a natureza jurídica da pena de morte é a extirpação do direito e se a Constituição Federal de 1988 assegura a “inviolabilidade do direito à vida”, amparar os dois preceitos seria um absurdo lógico.

Outra falência cognitiva está em discutir a pena de prisão perpétua – uma vez que a pena de morte afrontaria alguns preceitos religiosos. Do mesmo modo, no mesmo artigo 5º, a Constituição proíbe a adoção de penas crueis e degradantes: “III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”. Logo, a prisão perpétua está rechaçada porque é a mais degradante das penas. Além do fator da ressocialização previsto na pena, a prisão perpétua leva-nos à conclusão de que alguns são “irrecuperáveis”.

 Ainda prevê o inciso XLI, do mesmo artigo 5º, que: “a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais”. Quer dizer que, qualquer iniciativa que promova adulteração/violação do artigo 5º da CF/88 será considerada ilegal e ilegítima, cabendo-lhe sim o “rigor da lei”. Se não bastasse, o inciso XLVII declara taxativamente que: “não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX; b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis.

Trata-se, como visto, da Constituição protegendo-se a si mesma, inclusive, para que não supervenha o expediente utilizado pelos nazistas contra a Constituição de Weimar (1919). Nem é o caso de se expor prós e contras acerca dessas penas, simplesmente, não cabe sequer debater o assunto com a mínima seriedade jurídica.

Sobre os autores
Vinicius Valentin Raduan Miguel

Advogado. Mestre em Direitos Humanos e Política Internacional pela Universidade de Glasgow. Professor de Direitos Humanos e Hermenêutica Jurídica da Faculdade Católica de Rondônia. Professor Substituto/Auxiliar do Departamento de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Rondônia, onde é coordenador da Pós-Graduação em Segurança Pública e Direitos Humanos. Presidente da Comissão de Estudos Constitucionais da OAB/RO. Representante da Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente (ANCED) no Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura.

Fátima Ferreira Martinez

Professora de Ética e Legislação Aplicada aos Negócios no Centro Universitário Eurípides de Marília – UNIVEM. Bacharel e Mestra em Direito.

Vinício Carrilho Martinez

Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito. Coordenador do Curso de Licenciatura em Pedagogia, da UFSCar. Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Departamento de Educação- Ded/CECH. Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS/UFSCar Head of BRaS Research Group – Constitucional Studies and BRaS Academic Committee Member. Advogado (OAB/108390).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MIGUEL, Vinicius Valentin Raduan; MARTINEZ, Fátima Ferreira et al. O ilegítimo debate da pena de morte. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4219, 19 jan. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/35638. Acesso em: 22 nov. 2024.

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