O professor ROQUE DE BRITO ALVES cita alguns exemplos históricos e literários do denominado “homicídio sem motivo”.
Historicamente, como exemplo da falta de motivo para o crime, cita-se, quase sempre, o célebre caso dos irmãos Loeb e Leopoldo que, em 1924, nos Estados Unidos, mataram um rapaz que não conheciam, que nunca tinham visto antes, sendo condenados à prisão perpétua, surgindo, a respeito as mais diversas interpretações psicológicas e jurídicas. Ainda na ficção literária, menciona-se, na questão, como sem motivo o delito praticado pelo personagem Lafcadio no romance "Os Subterrâneos do Vaticano", de André Gide. Também, particularmente sobre "O homicídio sem motivo" existe expressiva literatura como os livros de Giraud,Podolsky, Stearns, Herren, Satten, Merninger etc, conforme podemos observar da citação de Ferracuti e Wolfgang em sua excelente obra sobre os aspectos criminológicos do comportamento violento, e que são em nosso entendimento sobre uma criminalidade sem motivo aparente. (ALVES, Roque de Brito. O denominado "crime sem motivo". Disponível em: http://www.pernambuco.com/diario/2004/04/30/opiniao.html)
O tema “homicídio sem motivo” divide a doutrina brasileira com quatro posições antagônicas:
1a posição: Incide a qualificadora do motivo fútil. Capez[1] defende que que: “Não nos parece adequado. Matar alguém sem nenhum motivo é ainda pior que matar por mesquinharia, estando, portanto, incluído no conceito de fútil, não se compreende que o legislador fosse permitir pena mais branda para quem age sem qualquer motivo.”[2]
É também a posição do professor César Danilo Ribeiro de Novais, in verbis:
Pouco esforço é preciso para notar o equívoco dessa posição. Como é sabido, fútil é o motivo que redunda em desproporção entre o crime e sua causa moral. É o móvel escasso ou de ínfimo valor, insignificante, leviano, de somenos ou de nenhuma importância. Assim, obviamente e logicamente, o sujeito que pratica o homicídio sem razão alguma, o faz futilmente. O homicídio gratuito, motivado pelo nada, é fútil. O nada também é fútil. Vale dizer, considerando que o motivo fútil é o pequeno demais, a falta de motivo a ele deve equiparar-se, pois, ausente, é como se fora ainda menor. (Novais. César Danilo Ribeiro de. “Homicídio: ausência de motivo é, sim, motivo fútil”. Disponível no https://www.mpmt.mp.br//storage/webdisco/2010/03/01/outros/359b750e162c6de1bdd4d2a26ae015d8.pdf)
2a posição: Incide a qualificadora do motivo torpe. Damásio Evangelista de Jesus, defende que “O motivo fútil não se confunde com a ausência de motivo. Assim se o sujeito pratica o fato sem razão alguma, não incide essa qualificadora, nada impedindo que responda por outra, como é o caso do motivo torpe”. (JESUS. Damásio Evangelista. Direito Penal: Parte Especial. 24ª edição revista e atualizada. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 67)
3a posição: não incide a qualificadora do motivo fútil nem a do motivo torpe. Para Bitencourt,[3] a insuficiência de motivo não pode, porém, ser confundida com ausência de motivos. Para o renomado autor, homicídio sem motivo será simples, pois não é possível o uso da analogia in malam partem.
4a posição: não existe homicídio sem motivo. Minha posição: Estamos diante de um absurdo jurídico: homicídio com motivo é qualificado; homicídio sem motivo é simples. Bitencourt tem razão em um ponto: o princípio da reserva legal veda a interpretação extensiva in malam partem, ou seja, onde lemos “motivo fútil ou torpe” não poderemos ler “ausência de motivo”, pois estaríamos fazendo uma analogia in malam partem, porém defendo que é impossível alguém matar seu semelhante sem motivo, matar sem razão alguma revela torpeza, um ato perverso, repugnante, vil; portanto, o motivo será torpe. Lembre-se, ainda, de um detalhe importante: não estamos fazendo uma interpretação extensiva, e sim uma interpretação analógica, que a própria lei permite (art. 121, § 2o, inciso I: “mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe”). Nelson Hungria já defendia: "Não há crime gratuito ou sem motivo. Motivos imorais ou anti-sociais e motivos morais e sociais, conforme sejam, ou não, contrários às condições ético-jurídicas da vida em sociedade. O amor à família, o sentimento de honra, a gratidão, a revolta contra a injustiça, as paixões, nobres em geral, podem levar ao crime; mas o juiz terá de distinguir entre esses casos aqueles outros que o `movens' é o egoísmo feroz, a cólera má, a prepotência, a malvadez, a improbidade, a cobiça, a auri sacra fames (ambição do ouro dinheiro), o espírito de vingança, a empolgadura de vícios." (Comentários ao Código Penal, v. 5. P. 122).
Notas
[1] CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal – Parte Especial, v. 2, Editora Saraiva, p. 48.
[2] RT., 400/133, 511/357, 622/332;RJTJESP, 51/605.
[3] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal – Parte Especial. v. 2, 4. ed. São Paulo: Editora Saraiva, p. 68.