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Da necessidade de lavagem de dinheiro nas atividades das organizações criminosas

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Agenda 30/01/2015 às 14:51

Organização Criminosa consiste na formação de grupos, de forma disciplinada e hierarquizada com intuito de adquirir vantagem econômica com a prática de ilícitos penais e a lavagem de dinheiro consiste no meio pelo qual essas organizações branqueiam e/ou..

1. INTRODUÇÃO

A pesquisa que hora apresenta-se traz à apreciação do direito uma visão neo-reparativa em face da formação das organizações criminosas, sua relação com o crime de lavagem de capitais e ainda, a necessidade do crime de lavagem de dinheiro nas atividades das organizações criminosas.

O tema delimita-se dentro das organizações criminosas e lavagem de dinheiro - o estudo das organizações, sua formação, suas características - e também é focado no estudo do crime de lavagem de dinheiro, as polêmicas a respeito do crime antecedente para a configuração do crime de lavagem, bem como a forma que as organizações vêm se utilizando do crime aqui trazido à baila.

A relevância do assunto para o estudo aqui proposto é justamente pelo momento em que estamos vivendo, pois cada vez mais o crime organizado se fortalece o Estado se enfraquece, possibilitando ainda mais a prática desse delito; no entanto, às vezes esse tipo de situação é deixado de lado, ou seja, não é dada a importância merecida ao caso.

Objetivou-se com isso buscar dentro da doutrina e no ordenamento jurídico algum mecanismo ou sistemática que pudesse servir como um chamariz para essa nova situação em que estamos vivendo. Tentou-se demonstrar que as organizações criminosas, para a prática de suas atividades, necessitam lavar o dinheiro e com isso deve-se buscar formas de coibir a formação dessas organizações, bem como a prática da lavagem.

Para tanto, pesquisou-se a doutrina pátria, o direito comparado e jurisprudências.


2. ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS

Define-se como Organizações Criminosas o disposto na Lei nº 12.694/12 em seu artigo 2º.

No Brasil, até a vinda da lei nº 12.694/12, não havia uma definição concreta a respeito do conceito de Organização Criminosa; podíamos interpretar de várias maneiras.

Essa falta de definição estava causando um grande problema em face da aplicação do delito ocorrido, ou seja, deixava-se sempre uma margem de dúvida acerca da ocorrência do referido crime.

Isso também ocasionara uma grande dificuldade para o combate, a repressão e prevenção do crime de lavagem de dinheiro, dificultando assim a aplicação de meios operacionais preventivos contra grupos estruturados para a prática de crimes.

Com a omissão da legislação éramos obrigados a nos reportar e utilizar a definição trazida pela Convenção de Palermo, que em seu artigo 2º, preceituava:

(…) grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material1.

No decorrer da história, sempre em busca de uma definição acerca deste assunto, vários doutrinadores se manifestaram acerca do tema, em busca de um posicionamento definitivo a respeito da conceituação de organização criminosa.

Dentre eles, Ada Becchi leciona da seguinte maneira:

O termo organizar contém, na linguagem corrente, uma ação muito ampla. Individua uma ação voltada a estabelecer uma ordem nas relações entre vários elementos que compõem o todo e/ou resultado das ações. Compõe, em substância, alguns dados centrais: A articulação de um conjunto em elementos distintos. As relações entre esses elementos, a ordem que deles resulta, o objetivo para o qual tudo é dirigido. Em face do último aspecto, a relação fundamental entre os elementos é pressuposta de natureza cooperativa.2

Afirma ainda a Ada Becchi conceituando:

Conjunto formalizado e hierarquizado de indivíduos integrados para garantir a cooperação e a coordenação dos membros para a perseguição de determinados escopos, ou seja, como uma entidade estruturada dotada de ideais explícitos, de uma estrutura formalizada e de um conjunto de regras concebidas para modelarem o comportamento em vista da realização daqueles objetivos3.

Diante dessa hipótese a lei nº 12.694/12 trouxe a definição para organização criminosa, conforme o disposto artigo 2º, determinando alguns requisitos específicos para a tipificação deste crime:

Para efeito desta lei, considera-se organização criminosa a associação, de 3 ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com o objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de crimes cuja pena máxima seja igual ou superior a 4 anos ou que sejam de caráter transacional.4

Em síntese, essa postura taxativa do artigo 2º impôs características específicas para a configuração de organização criminosa, sendo esses:

Através de pesquisas, chegou-se a conclusão que se torna quase impossível conceituar organização criminosa, pois esta possui poder de modificar e variar sua estrutura e ainda de restringir a infração penal, justamente por possuírem um grande poder variante.

As organizações criminosas alternam suas funções, suas atividades, sempre buscando o caminho para a atividade mais lucrativa, com intuito de ludibriar a persecução penal, ou ainda, para acompanhar a evolução, ou seja, das tecnologias que aparecem cada vez mais em nosso cotidiano.

Procuram evoluir de forma imediata e com muita rapidez, a fim de se anteceder às leis (mudança legislativa) pois, se o legislador modificar alguma lei, as organizações poderão moldar sua estrutura sem dificuldades para enquadrá-las aos novos padrões legais (camuflar-se).

Diante dessas assertivas a lei 12. 694/12 estabeleceu o conceito de organização criminosa em seu artigo 2º, devendo assim, para sua configuração, serem obedecidos os requisitos elencados no presente artigo.

2.1. Escorço histórico

Conforme pesquisas realizadas, descobriu-se que as organizações criminosas tiveram seu surgimento nos meados do ano 1860, na Sicília – Itália.

Assim surgiu a modalidade mafiosa “La Cosa Nostra”, ainda na Sicília.

Com esta máfia surgiu os chamados “homens de honra”, formados por grupos de três a quatro pessoas. Estes rurais pleiteavam suas próprias terras e, diante disso, passaram a ter confrontos com a burguesia.

Para que não permanecessem no prejuízo e para não serem mortos, os latifundiários eram obrigados a realizar acordos com a máfia, pois de modo contrário sofreriam consequências terríveis como invasão de terras, seus armazéns saqueados, dentre outras violências.

A máfia somente poupava mulheres e crianças. Poupavam também a Polícia, pois entendiam que estes somente estavam cumprindo com seu estrito cumprimento do dever legal.

Com o passar do tempo foram surgindo novas organizações na Itália como, por exemplo, a “Camorra” das prisões napolitanas, a “N’Drangheta calabresa”, e a “Sacra Corona”.

Alguns anos depois, nos Estados Unidos, surge a “Mano Nera”, formada por imigrantes italianos. Na Rússia, a “Organizatsiya”. No Japão destacam-se o “Boryokudan” e a “Yakusa” com as ramificações “Yamaguchi-gumi” da cidade de Kobe, “Sumiypugliesa”, dentre outras.

Entretanto, o estudo histórico das organizações criminosas nos dias de hoje, de nada valem devido à ocorrência da globalização e o capitalismo, bem como a maneira complexa em que se operam e como os fatos ocorrem.

Nesse sentido, leciona Zaffaroni:

[...] o “organized crime” como tentativa de categorização é um fenômeno de nosso século e de pouco vale que os autores se percam em descobrir seus pretensos precedentes históricos, mesmo remotos, porque entram em contradição com as próprias premissas classificatórias. É absolutamente inútil buscar o crime organizado na Antigüidade, na Idade Média, na Ásia ou na China, na pirataria etc., porque isso não faz mais que indicar que se há olvidado uma ou mais das características em que se pretende fundar essa categoria, como são a estrutura empresarial e, particularmente, o mercado ilícito (Zaffaroni apud Beck, 2004, p.59)5.

2.2. Características

Para melhor entendermos a consistência de organizações criminosas, devemos estudar algumas de suas principais características, cujas quais possibilitam fácil identificação ao nos depararmos diante de algumas delas.

Podemos relacioná-las da seguinte forma:

Diante disso, já sabemos que as organizações criminosas giram em torno de poder; logo, o dinheiro gera poder e o poder gera o dinheiro.

Onde há crime de lavagem de dinheiro, sempre haverá uma organização criminosa por de trás, pois toda organização criminosa necessita do crime de lavagem; não obstante, nem todo agente praticante da lavagem pertence a uma organização criminosa.

2.3. Finalidade das Organizações Criminosas

A conduta nas organizações criminosas tem como finalidade o lucro econômico ilícito; no entanto, não podemos deixar de lembrar que a existência da vantagem econômica e dos ganhos é o fator principal em quase todas as modalidades de organizações criminosas. Neste caso, só temos como exceção a prática do terrorismo.

Podemos observar que nas negociações legais é completamente normal que o foco seja sempre a obtenção de vantagem econômica; dessa maneira, nos casos ilícitos não seria diferente. Quem pensa em praticar algum crime contra ordem econômica, tráfico de entorpecentes, fraude a licitação, etc., sempre estará visando tirar grandes proveitos e grandes lucros, de maneira que os fatos ocorrerão despercebidos, a fim de que não se note a ilicitude destes.

Salienta-se que da leitura do Decreto n. 5.015/2004, o qual promulga a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, notamos com clareza o objetivo fundamental de uma organização criminosa: a obtenção de benefícios financeiros e materiais.

O poder, como por todos visto como uma finalidade de uma organização criminosa, não é, pois o poder é simplesmente uma ferramenta para que se chegue ao almejado, ou seja, à vantagem econômica.

A realidade é que, no crime organizado, a ligação entre capital e lucro é conveniente no sentido do lucro, visto que de um capital aparentemente pequeno, existe uma grande expectativa de lucro incrivelmente elevado. Como consequência, a circulação de tanto dinheiro no crime organizado é quase inevitável.

Em síntese, as organizações criminosas têm o poder como ferramenta de trabalho e o dinheiro com principal mercadoria, como bem definido no decreto acima citado, obtenção de benefícios materiais e financeiros.

2.4. O conflito existente entre a definição de organização criminosa em face do artigo 288 do Código Penal

A tipificação de organização criminosa sempre foi motivo de grandes discussões acerca de sua diferença com o artigo 288 do Código Penal, que traz em seu corpo a definição de quadrilha ou bando. Assim, vejamos o significado de associação para o crime, quadrilha ou bando.

Quadrilha ou bando é a reunião permanente e duradoura de quatro ou mais pessoas, ajustadas de forma combinada à prática de vários crimes. Trata-se de um tipo penal autônomo previsto no art. 288 do Código Penal, vejamos: “Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes.”

A quadrilha é diferente de coautoria. Na quadrilha, basta que haja quatro ou mais pessoas, previamente ajustadas para a prática, em regra, da mesma infração penal não se exigindo a reunião permanente.

Na coautoria, exige-se uma associação permanente, duradoura e estável com a participação de no mínimo quatro pessoas, estas por sua vez com o mesmo propósito, as quais devem estar destinadas a prática de vários crimes.

No caso da associação criminosa, se faz necessário à reunião de duas ou mais pessoas para a prática de uma infração penal. A associação criminosa se faz presente em algumas legislações; assim, ela não é estranha ao ordenamento jurídico. Podemos citar como exemplo a lei nº 11.343/2006, que traz em seu artigo 35 a associação para o crime de tráfico.

Art. 35. Associarem-se duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e §1º, e 34 desta Lei: Pena - reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 700 (setecentos) a 1.200 (mil e duzentos) dias-multa.

Parágrafo único: Nas mesmas penas do caput deste artigo incorre quem se associa para a prática reiterada do crime definido no art. 36 desta Lei.

O artigo 288 do Código Penal, trazido à baila, se preocupa com o “inter criminis”, ou seja, com a intenção dos agentes praticantes. Preocupa-se com a intenção dos grupos em praticar crimes, devido ao risco e as consequências terríveis que a formação de uma quadrilha ou bando, bem como associação aos crimes podem causar, pois a reunião dos indivíduos para planejamento de crimes pode causar grandes danos à ordem pública, devido ao sua complexidade e grau de periculosidade. Dessa forma, exige-se um cuidado especial quando se trata deste crime.

Verifica-se, portanto, que tratar-se de um crime específico, totalmente independente da ocorrência de outro delito, direcionado à proteção da paz pública posta em perigo pelo simples fato de estruturar-se a quadrilha ou bando com finalidade desviante.

Nesta linha de raciocínio, para o crime de quadrilha ou bando, basta uma associação elementar capaz de prosseguir com o fim pretendido. Não é necessária a divisão de funções, estrutura hierarquizada, estatutos rígidos, diversificação de atividades delitivas, como é exigida para a configuração de uma organização criminosa.

Nessa esteira, seguem os apontamentos de SIQUEIRA FILHO, in verbis:

A mera conjugação de interesses, direcionados para um objetivo ilícito comum, não é suficiente para identificar o crime em comento, sendo, ainda imperioso que se caracterize a societas sceleris. Se o que move os agentes é a ocasional prática de um delito, não se configura o delito. Para tal mister, indispensável a consubstanciação de um vínculo estável e permanente, tendente a se prolongar no tempo, a integrar os componentes da organização, unidos na intenção de delinqüir, reiteradamente. Pouco importa se a quadrilha está estruturada de forma complexa ou simples.6

A respeito do assunto, Julio Fabrinni Mirabete apresenta deliberações do Tribunal de justiça do Estado de São Paulo:

TJSP: Para a caracterização do crime de quadrilha ou bando previsto no art. 288 do CP, exige a Lei que da empreitada criminosa participem mais de três pessoas, resultando um número mínimo de quatro, que não se perfaz com a simples co-participação, pois é necessária a associação permanente com finalidade estabelecida para o cometimento de crimes. (RT 764/562)

TJSP: (...) Meros registros de que alguns dos acusados estariam envolvidos em outras ocorrências ilícitas, embora de semelhante execução, ou até haver entre eles laços de parentescos, podem atuar no plano de simples indícios, mas não bastam, por si sós, a lastrear a configuração do crime de quadrilha, que reclama prova segura e convincente do engajamento de todos os agentes a um vínculo associativo e consolidado para empreitadas delitivas. (RT 781/576 e JTJ 233/323)7

O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, não corrobora da opinião que devemos fazer analogia para a aplicação do crime disposto no artigo 288 do Código Penal para Organizações Criminosas. Vejamos:

A Ministra Carmen Lúcia Antunes Rocha que, em novembro de 2009, havia pedido vista dos autos após os votos dos Ministros Marco Aurélio (relator) e Dias Toffoli, favoráveis ao encerramento do processo.

Na sessão do dia 12 de junho, a Ministra Cármen Lúcia votou da mesma forma, concedendo a ordem e, na sequência do julgamento, os Ministros Luiz Fux e Rosa Weber também se manifestaram nesse sentido.

A Ministra Cármen Lúcia ressaltou “a atipicidade do crime de organização criminosa, tendo em vista que o delito não consta na legislação penal brasileira." Ela afirmou "que, conforme o relator, se não há o tipo penal antecedente, que se supõe ter provocado o surgimento do que posteriormente seria "lavado", não se tem comdizer que o acusado praticou o delito previsto no artigo 1º da Lei 9.613/98”.

A Ministra aduz que a questão foi debatida recentemente pelo Plenário do Supremo, que concluiu no sentido do voto do Ministro Marco Aurélio, ou seja, de que “a definição emprestada de organização criminosa seria acrescentar à norma penal elementos inexistentes, o que seria uma intolerável tentativa de substituir o legislador, que não se expressou nesse sentido”. “Não há como se levar em consideração o que foi denunciado e o que foi aceito” .

Assim, resta demonstrado que o crime de quadrilha ou bando e as organizações criminosas são figuras distintas. Cada uma possui suas características e seu próprio modo de ocorrência. Diante disso, impossibilita-se a aplicação do tipo penal de quadrilha ou bando nos casos de organização criminosa na tentativa de coibir essas práticas.

Sobre a autora
Giovanna Fabíola Martins Duarte

Advogada graduada pela Faculdades Integradas Metropolitanas de Campinas - METROCAMP, profissional altamente qualificada, com experiência interna em Delegacias e Ministério Público, vasto conhecimento e vivência nas esferas penal, cível, administrativa e militar, especialista em crimes financeiros e lavagem de dinheiro.Pós-graduada em Direito Penal Econômico de Empresa pela Escola de Direito do Brasil.Pós-graduada em Direito Militar pela Universidade Cruzeiro do Sul.Certificada pela Escola Superior de Advocacia da Ordem dos Advogados do Brasil - ESA OAB - em Negociação e Defesa da Dívida Bancária e Teoria e Prática no Direito das Sucessões (ênfase na sucessão do cônjuge e do companheiro).Pós-graduada em Direito Empresarial e Societário pela Faculdades Metropolitanas de Campinas - Metrocamp.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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