5.Contratação Direta e a Moralidade Administrativa
A nossa Carta Política de 1988 incluiu, dentre os princípios básicos e orientadores da Administração Pública, o princípio da moralidade, que tem como significado a necessidade do administrador observar os preceitos éticos em sua atuação dentro da Administração. O cumprimento da moralidade, além de constituir um dever do dirigente, apresenta-se como um direito subjetivo de cada administrado.
O agente público, ao exercitar a atividade administrativa, está fazendo uso de uma parcela das atribuições que lhe fora outorgadas pelo Estado. Desempenha, assim, de modo legítimo, uma capacidade de administração que tem na lei seus limites definidos.
Lamentavelmente, algumas formas de desvio de finalidade, no que se refere às contratações diretas, seja por dispensa ou inexigibilidade de licitação, desenham materialmente uma aparência de legalidade, de modo que, mesmo sendo pressentidas, sentidas, ou até mesmo conhecidas, afigura-se difícil exibir a contraprova da legalidade aparente.
É realmente difícil ultrapassar essa penumbra. A dificuldade maior encontra-se na prova, quase impossível em algumas situações. José Cretella Júnior assevera terem os indícios papel relevante na constatação do desvio de finalidade, principalmente:
"quando se sabe quão difícil é encontrar prova, absolutamente irrefutável, que comprometa o editor do ato, autoridade administrativa, regra geral, esclarecida, astuta para incriminar-se, deixando vestígios, mesmo leves, de sua intenção distorcida" (Cretella Júnior, 1978, p. 106).
Essa é a razão por que, sem a efetiva prova do desvio praticado, a esperança deve alojar-se na mudança de mentalidade e na convicção sobre o que seja realmente bem comum e interesse público. Como bem expressa o doutrinador italiano, Jean Rivero, citado pelo Ministro José Augusto Delgado, "violar a moralidade e a finalidade administrativas, é violar o próprio fim legal".(José Delgado, 2001)
Verifica-se que em muitos casos nos quais o administrador vê configurada a inexigibilidade de licitação, deixa-se de observar o que dispõe o art. 25, § 2º da lei 8.666/93, no que se refere ao superfaturamento. Nestas situações, tanto o agente público quanto o fornecedor poderão ser responsabilizados pelos danos à Fazenda Pública. É por esse motivo que o art. 26 exige, de forma expressa, em seu inciso III, que haja justificativa em relação ao valor do contrato.
Infelizmente, alguns administradores ainda não tomaram consciência da necessidade de bem dispor do erário, sendo o superfaturamento uma prática constante, conforme se observa em denúncias diárias veiculadas na imprensa. Sobre o assunto, o Professor Marçal Justen Filho assim leciona: "‘Superfaturamento’ também pode ser interpretado como elevação arbitrária do valor do contrato, tendo em vista os valores praticados pelo próprio contratado em negociações com terceiros".(Justem Filho, 2000, p.268) No entanto, nem sempre contratação direta é sinônimo de superfaturamento. "Somente se caracteriza a reprovabilidade quando ocorrer uma elevação arbitrária de preços, retratando o aproveitamento da oportunidade propiciada pela contratação direta". (idem, ibidem)
Tendo como exemplo dessa prática por demais utilizada nas Administrações Públicas, em especial a Municipal, é comum a decretação de estado de calamidade com o fito de contratação direta de empresas, muitas delas de fachada, aproveitando-se da lacuna deixada pela legislação.
Por fim, o dirigente público deve sempre atentar para o que dispõe a lei, que tem como regra geral a obrigação de licitar. Nesse diapasão, havendo a necessidade de dispensa ou inexigibilidade, se faz necessário que sua conduta siga as diretrizes legais e morais que regulam a atividade pública, pois, a ética no âmbito da administração não pode permitir que pessoas inescrupulosas utilizem o poder público para usufruir vantagens obtidas ilicitamente.
6.Considerações Finais
Finalmente, restou evidenciada a importância do procedimento licitatório para a Administração Pública, como uma forma de controlar as atividades do Administrador na gerência dos recursos públicos, sempre tendo em mente os princípios imperiosos na atividade administrativa, quais sejam: o da legalidade, moralidade, publicidade etc.
O Administrador deve ter muita cautela ao dispensar ou tornar inexigível uma licitação, haja visto os limites impostos para tal discricionariedade, podendo o mesmo ser punido, não somente quando contratar diretamente, mas também quando deixar de observar as formalidade exigíveis para tais processos.
É de observar que no momento pelo qual uma das preocupações governamentais é a reforma do Estado e o repensar do papel a ser desempenhado na sociedade moderna, muitos dos administradores, na gerência do erário, usurpam desse poder, utilizando-se de artifícios e "brechas" na legislação, especialmente no que se refere às contratações diretas, visando interesses próprios ou de terceiros.
Por fim, como bem expõe Sérgio de Andréa ao dizer que "Não basta que o administrador se atenha ao estrito cumprimento da lei; o exercícios de seus direitos, poderes e faculdades devem ser informados por princípios éticos, devendo fazer-se, de modo regular, sem abuso" (Sérgio ferreira, 1981, p.45).
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Nota
1. Nesse Sentido: Maria Sílvia de Pietro, Hely Lopes Meirelles e Marçal Justen Filho.