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O bitcoin como objeto material da lavagem de capitais

A facilidade na aquisição e a praticidade da moeda universal bitcoin revolucionaram as relações comerciais que usualmente ocorrem no meio virtual.

I - INTRODUÇÃO

O bitcoin trouxe um modelo inédito de transferência de valores que implementou uma nova forma de transação eletrônica a nível mundial, sem a necessidade de um órgão gestor central.

A facilidade na aquisição e a praticidade da moeda universal bitcoin revolucionaram as relações comerciais que usualmente ocorrem no meio virtual. No entanto, da mesma forma que o bitcoin é facilmente adquirido e utilizado, empresas e organizações praticantes de ilícitos penais e tributários empregam a compra dessa criptomoeda para atribuir a aparência de licitude ao “dinheiro sujo”, a denominada lavagem de capitais.

A gestão, criação e circulação da moeda bitcoin não possui qualquer meio de fiscalização ou supervisão por parte de qualquer órgão regulamentador. Com isso, os interessados na aquisição da moeda procuram os sites de câmbio ou um usuário que deseja comercializar a moeda e então, revestem o dinheiro ilícito de uma vestimenta neutra.

No decorrer do presente artigo passaremos a expor de forma mais clara e objetiva o conceito, origem, forma de utilização do bitcoin e sua utilização para lavagem de capitais.


II – CONCEITO E ORIGEM DOS BITCOINS 

Cada país possui uma moeda de circulação reconhecida oficialmente. No Brasil, a moeda nacional é o Real. No entanto, nada impede a circulação de dinheiro estrangeiro em nossa pátria, como Dólar, o Euro, dentre outras. Existem nações que reconhecem como moeda oficial aquela instituída por um bloco econômico, no caso, o Euro que é utilizado nos países da Europa.

Em todos esses aspectos, o conceito de moeda é comum para todos eles, que requer a centralização de um órgão para legislar e gerir a circulação do dinheiro, existindo diversas regras para transacionar com as moedas convencionais.

O bitcoin, por sua vez, independe de legislação e não é restrito a uma só nação ou bloco econômico. Trata-se de uma moeda universal. Entretanto, essa moeda é  totalmente virtual, inexistindo simbologia física que represente seu valor econômico, embora existam pessoas que mandam reproduzir moedas metálicas e insiram a chave eletrônica do bitcoin para transacionar como uma representação de uma simbologia física.

Não se sabe ao certo quem foi o programador que desenvolveu os algoritmos que criaram as unidades monetárias de bitcoin. Há uma grande corrente sustentando que o desenvolvedor do projeto é o professor japonês Satoshi Nakamoto, o qual sempre nega ter sido o inventor da moeda.

Para Nakamoto{C}[1], o comércio na internet sempre dependeu da interferência de uma instituição autônoma de confiança para transacionar aquisição de bens e serviços entre os envolvidos na relação de consumo.

Com o lançamento do bitcoin na Web em 2008, foi instituída uma “moeda” eletrônica que funciona como uma cadeia de assinaturas digitais. Cada proprietário transfere a moeda para o seguinte por uma assinatura digital, um hash[2] da operação anterior e a chave pública do próximo proprietário, adicionando-os para o final da moeda. Nesses casos, não há com gastar o dinheiro duas vezes, como se fosse uma cópia de arquivo armazenado no computador.

O Professor Fernando Ulrich{C}[3] nos traz um exemplo prático de uma transação por meio de Bitcoins:

Quando a Maria decide transferir bitcoins ao João, ela cria uma mensagem, chamada de “transação”, que contém a chave pública do João, assinando com sua chave privada. Olhando a chave pública da Maria, qualquer um pode verificar que a transação foi de fato assinada com sua chave privada, sendo, assim, uma troca autêntica, e que João é o novo proprietário dos fundos.

Assim que os bitcoins foram lançados no mercado era possível realizar a sua fabricação usando apenas a CPU e a GPU de um computador comum. Embora isso ainda seja possível, os retornos fazem deste método impraticável, pois gasta-se muito em energia elétrica, não sendo compensado com a fabricação das moedas. Atualmente, utiliza-se um software e um hardware customizados que permitem um processamento mais célere com o mesmo uso de energia.

Como visto, o bitcoin não é emitido por uma nação ou um órgão, em outras palavras, a produção dessa criptomoeda é denominada mineração, o que se se aproxima das conhecida mineração de diamantes.

Apesar de reter as características gerais de uma moeda convencional, o bitcoin não é considerado pelos governos como uma moeda. Mesmo assim, essa moeda digital emplacou um novo modelo de consumo mundial baseado em transações independentes de fornecimento de informações do usuário, registrando-se apenas que é o novo detentor da unidade comercializada.

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O alto valor econômico e a facilidade em transacionar por meio do bitcoin atraem os praticantes de ilícitos a utilizarem a moeda que não possui qualquer mecanismo de fiscalização. A lavagem de capitais, por exemplo, se torna mais fácil por meio da moeda eletrônica em questão.


III - VALOR ECONÔMICO DA BITCOIN E SUA RELAÇÃO COM OUTRAS MOEDAS DE CUNHO DIGITAL

Como moeda digital, o valor do bitcoin é dado livremente pelos indivíduos no mercado, de forma que nenhum administrador poderá controlá-lo, dado sua natureza descentralizada. Tal descentralização se caracteriza pelo fato de que o bitcoin é desatrelado de qualquer governo, não depende de qualquer órgão regulador financeiro ou gateway[4] intermediário e não possui um banco central emissor de moeda.

Embora a moeda bitcoin seja mais conhecida e utilizada, outras criptomoedas foram criadas e podem ser utilizadas no meio virtual, dentre as quais se destacam: a Cannabis Coin, a Ripple, a Litecoin e as BitShares. Os valores de mercado das moedas digitais encontram-se disponíveis no seguinte sítio eletrônico: http://coinmarketcap.com/.

Diversos fatores podem influenciar no valor das moedas digitais, tais como: grau de dispersão e consolidação da moeda; o conhecimento dos usuários acerca do seu funcionamento; a estabilidade da moeda diante de ambientes especulativos. O bitcoin, por exemplo, sofre instabilidades devido à falta de crédito das pessoas no sistema de dinheiro digital, ao risco de ciberataques e à ausência da consolidação legal de sua situação como moeda.


IV - LAVAGEM DE DINHEIRO 

O crime de lavagem de dinheiro é procedimento criminoso, constituído por um conjunto de atos praticados para mascarar a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, valores ou direitos originados de forma criminosa ou contravencional, com o objetivo de reinserção na economia, com aparência de licitude.

Trata-se, em suma, do movimento de afastamento dos bens de seu passado sujo, que se inicia com a ocultação simples e termina com a introdução no circuito comercial ou financeiro, com aspecto legítimo.[5]

O processo de lavagem de dinheiro inicia-se com a prática de uma infração penal e a consequente ocultação dos valores auferidos ilicitamente. Logo após, são desenvolvidas diversas operações para dissimulação da origem dos bens, completando-se com a reinserção do capital na economia formal com aparência lícita. Em suma, as fases do crime de lavagem de dinheiro são: ocultação, dissimulação e integração dos bens à economia formal.

A ocultação é o movimento para “distanciar” o valor de sua origem criminosa ou contravencional, alterando qualitativamente os bens e afastando-os do local da prática delitiva anterior. Alguns exemplos de atos de ocultação são: depósito em contas de terceiros (laranjas), a transferência de capital sujo para fora do país ou seu envio para práticas lícitas comerciais sem controles rígidos de receitas e despesas, tais como padarias e postos de gasolina.

A seguir, tem-se o mascaramento ou dissimulação do capital, que se caracteriza pelo uso de transações financeiras ou comerciais posteriores à ocultação, contribuindo assim, pelo afastamento dos valores de sua origem ilícita.

Ao final, ocorre a integração é o ato final da lavagem, que é a introdução dos valores na economia com aparência de serem lícitos.

No Brasil, não é necessária a completude do ciclo exposto para a tipificação do crime de lavagem de dinheiro. Não se exige a integração do capital à economia para a prática de tal delito. Basta a consumação da primeira etapa – a ocultação.


V - BITCOIN COMO OBJETO MATERIAL DO CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO

O objeto material é aquele sobre o qual recai o comportamento ilícito, não confundindo, na maioria das vezes, com o bem jurídico tutelado pela lei penal. O objeto material pode ser bens, direitos e valores advindos da infração penal.

A Convenção de Palermo, internalizada para legislação pátria por meio do Decreto nº. 5.015, de 12 de março de 2004[6] ,dispõe que bens são:

“os ativos de qualquer tipo, corpóreos ou incorpóreos, móveis ou imóveis, tangíveis ou intangíveis, e os documentos ou instrumentos jurídicos que atestem a propriedade ou outros direitos sobre os referidos ativos.”

Os bens passíveis de lavagem são aqueles que decorrem, direta (producta sceleris) ou indiretamente (fructus sceleris), da infração penal. Os bens diretamente provenientes têm ligação imediata com o crime anterior, enquanto os indiretamente são resultado de uma transformação ou substituição dos bens anteriores.

Em razão disso, o bitcoin, por suas características essenciais, entre as quais se podem citar a utilização de pseudônimo por seus usuários e a falta de controle por parte do governo sobre sua emissão e circulação, faz com que facilmente se torne objeto material do crime de lavagem de dinheiro.

Diversos governos mundiais planejam regulamentar o uso do bitcoin, com a finalidade de impedir crimes financeiros. Há pouco mais de um ano, a China proibiu que instituições financeiras utilizassem o bitcoin, por temerem que a criptomoeda fosse utilizada em atividades ilegais e especulação monetária. No entanto, os indivíduos poderiam utilizá-la normalmente. Em abril do corrente ano, o governo chinês informou que empresas que negociam o câmbio de bitcoins por yuans (moeda chinesa) terão a conta congelada e, em consequência, perderão todo o dinheiro negociado.

A disseminação das moedas virtuais pelo mundo, em especial o bitcoin, além de auxiliar nas transações comercias convencionais, está se tornando cada vez mais objeto de facilitação à prática de ilícitos como tráfico de drogas, pessoas e armas, assassinatos, pornografia infantil, dentre outros. Ademais, todo dinheiro oriundo das práticas criminosas podem se revestir de uma falsa licitude com a compra de bitcoins. Após, o dinheiro é injetado em novas transações legais ou ilegais sem qualquer suspeita quanto a sua verdadeira origem.


Notas

[1]          NAKAMOTO,  Satoshi. Bitcoin: A Peer-to-Peer Electronic Cash System. Instituto Satoshi Nakamoto. Outubro de 2008.

[2]           O conceito teórico diz que "hash é a transformação de uma grande quantidade de dados em uma pequena quantidade de informações.

[3]         ULRICH, Fernando. Bitcoin a Moeda na Era Digital. Mises Brasil. São Paulo, 2014. p. 18.

[4]           Gateway, também denominado de ponte de ligação, são equipamentos que permitem a comunicação entre duas redes com arquiteturas diferentes.

[5]          BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Gustavo Henrique Badaró. Lavagem de dinheiro: aspectos penais e processuais penais: comentários à Lei 9.613/1998, com as alterações da Lei 12.683/2012. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, Cap. 1, p.21.

[6]         BRASIL,  Decreto nº. 5.015, de 12 de março de 2004. Promulga a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5015.htm>. Acesso em 13 de dezembro de 2014


REFERÊNCIAS 

Sobre os autores
Alexandre Bispo dos Anjos

Membro do Instituto Brasileiro de Direito Digital - IBDDIG. Possui certificação pela International Society of Neuro-Semantics em Coaching Essentials.Foi auxiliar jurídico no escritório Russomano Advocacia. Foi gerente jurídico do CTFAO.

Jacqueline Oliveira Silva

Membro do Instituto Brasileiro de Direito Digital; Trabalha em Ministério Público do Distrito Federal e Territórios; Já trabalhou em Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ANJOS, Alexandre Bispo; SILVA, Jacqueline Oliveira. O bitcoin como objeto material da lavagem de capitais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5145, 2 ago. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/36046. Acesso em: 17 nov. 2024.

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