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A Soberania no Século XXI

Agenda 12/02/2015 às 11:53

O artigo visa estudar sobre a evolução do conceito e a aplicação da Soberania, no decorrer do tempo e em especial ante as conjunturas do século XXI, trazendo os devidos apontamentos históricos e adaptações diante de fenômenos mundiais como a Globalização.

I. Introdução

Desde a criação dos primeiros Estados, das primeiras comunidades organizadas, temos a concessão de poderes a uma liderança - uma concessão de autoridade - de forma que essa relação hierárquica acaba por definir uma sociedade civilizada. O estado natural do ser humano foi substituído por uma unificação dos interesses da coletividade que acabaram por se tornar fontes de direito. Tais interesses se exterioraram na forma da soberania - o poder dado ao Estado - para representar, de forma direta ou indireta - os interesses da nação.

Os conceitos de soberania foram alterados no decorrer dos séculos, tendo partido como uma materialização do poder do líder de uma comunidade, e considerado posteriormente como uma representação dos interesses da nação. A soberania de um ente formado pelas pessoas que encontram-se por compor um determinado espaço, bem como a autonomia que esse ente vem a possuir em relação às outras nações no cenário mundial.

Apesar do conceito ter sofrido pequenas alterações de forma gradual no decorrer do tempo, nos deparamos atualmente com drásticas mudanças nas dinâmicas de relações entre os seres humanos, bem como entre as nações. A maior facilidade na comunicação, nos transportes e na troca de bens e de conhecimento tem ocasionado uma espécie de unificação internacional que transcende a ordem anterior de relacionamentos a uma escala mundial.

O presente estudo tem como objetivo analisar tais mudanças, concentualizando a idéia da soberania desde sua gênese até as noções atuais, levando em consideração as mudanças ocorridas na população humana nas últimas décadas, e, por fim, o reflexo de tais mudanças na soberania das nações na realidade contemporânea.


II. A Soberania

A soberania é entendida como o caráter do poder dado a um Estado fornecendo-lhe uma espécie de supremacia sobre às sociedades de indivíduos que compõem sua população - elemento essencial para sua formação. Sumula-se em um status de elevadas garantias, momento em que não se vislumbra a formação de qualquer outra forma de poderio que supera as capacidades do Estado.

Demonstra-se como sendo uma construção da autoridade absoluta e irrevogável, segundo a filosofia de Hobbes; que aduz acerca do fenômeno onde as comunidades de seres humanos acordam em concedê-la ao Estado em troca da observância aos interesses de toda a coletividade, fazendo as comunidades deixarem o estado natural originário da humanidade. Hobbes alinha superficialmente o conceito das avenças tomadas entre a sociedade e seu Estado, tendo o conceito de soberania sido completado com a idéia do direito natural do ser humano, este que passa a ser o motivo pela concessão dos poderes à autoridade do Estado. [1]

Não obstante, porém, ao conceito inicial do contrato político preconizado por Hobbes, o vetor que constrói o conceito do direito natural do ser humano expõe a população, ou o corpo de cidadãos, como o lastro da estrutura governamental do Estado, sendo a exegese dessa filosofia - de John Locke - um dos pilares da ciência política democrática no período pós iluminista.


III. Transição pela História

A soberania é tida como de posse do Estado desde o século XVI, momento em que nasce a idéia jurídica que dela temos[2]. A Idade Média trouxe o juramento por parte da realeaza e limitou a atuação do rei aos seus súditos. O poder era então visto como concedido pelo sobrenatural; era concedido e limitado pela Igreja. Jean Bodin aduzia que a soberania do rei é originária, limitada, absoluta, perpétua e irresponsável perante qualquer outro poder. Trata-se da teoria absolutista da soberania, a soberania do monarca, teoria que se firmou e teve seu auge nas publicações dos ideais de Maquiavel.

Até a ascenção do ideal iluminista com o advento da Revolução Francesa, momento em que a população efetivou a entrega da soberania às bases públicas. Para Renard, o Rei é propriedade da Coroa, e não o oposto. A escola Clássica Francesa, tendo Rousseau como seu membro mais destacado, frisava que o poder de soberania teria como única fonte a nação em si, e que seus governantes somente governam em razão do concentimento da nação.

O conceito assim se permaneceu; temos observado inúmeras transformações nas nocções jurídicas sobre o Estado, através dos séculos. Porém, manteve-se estável o significado bem como a presença da soberania clássica entre os países do globo. Enxergamos isso após a explosão de diversas guerras, inclusive mundiais, que trouxeram resultados catastróficos para muitos estados. Ainda sim, a soberania de direito de cada Estado manteve-se considerada um bem jurídico importante de cada país. Nota-se que até o final do século XX as relações políticas internacionais sempre observaram o respeito à soberania das nações. Ainda após os acordos e tratados oriundos das derrotas do eixo na Segunda Guerra Mundial, a soberania de cada país manteve-se ao menos formalmente intacta e respeitada.

A idéia do poder concedido de forma ilimitada ao Estado pode ser considerado como ultrapassado na realidade contemporânea. Os mesmos ideais iluministas anteriormente mencionados, foram bem sintetizados através da Escola Racional do Direito - consubstanciada nas idéias do jusnaturalismo - que vetorizava a manutenção dos direitos naturais do ser humano, em especial a liberdade e igualdade, de forma que o Estado é construído para tais garantir[3]. Kant, então, promoveu a criação dos alicerces para um direito universal, envolvendo todos os Estados, delimitando seus limites, respeitada a liberdade, e, por fim, idealizando a criação de um Estado único[4].

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IV. A Soberania no Século XXI

A teoria realista da soberania preceitua que essa é orignariamente da própria nação, mas que juridicamente pertence ao Estado. Tal teoria se enquatra melhor nas novas realidades internacionais; para o Direito Público Internacional, tendo os Estados como players no cenário mundial, é desses a vontade que se destaca. Desta forma, a soberania deixa de ser considerada como um poder em si, mas uma característica desse poder, uma qualidade de supremacia que pode ser caráter de qualquer poder. Desta forma, a soberania de um Estado é exercida em nome do interesse da nação[5].

De fato nota-se que na segunda metade do Século XX houve um certo enfraquecimento do poder do Estado Nação de exercer sua soberania, na forma de declarar guerras, instituir a paz, e até em controlar a moeda. Segundo Bodin, tais poderes seriam de prerrogativa da soberania[6]. Porém, nesse tempo, nota-se cada vez mais a presença de poderes não Estatais, sobre a soberania dos Estados. Temos atualmente uma forma de unificação internacional; a maior facilidade em trocar bens, serviços e principalmente cultura e informação entre os países vem ocasionando uma sorte de fatores que levam a doutrina a crer que a soberania atingiu um momento de crise. Trata-se da globalização.

A globalização foi (e ainda vem sido) o fenômeno provocado pelo progresso ocasionado pela chamada Era da Comunicação. O capital circula livre através do globo e a disseminação de grupos financeiros e Joint Ventures abriu o espaço econômico internacional para uma enorme gama de troca, comércio e influências externas. A livre circulação do capital se dá pela própria natureza desse em estar constantemente em movimento e expansão, uma expansão tamanha que gera a formação de grandes conglomerados, de forma que as limitações territoriais das fronteiras das nações não poderiam a obstar[7]. As corporações e grandes conglomerados na nova ordem capitalista não teria outra opção senão se internacionalizar:

“Foi a partir das duas últimas décadas do séc. XIX que a evolução orgânica do capitalismo , através dos mecanismos de concentração e centralização, fez surgir e por fim consolidou as grandes corporações e seu domínio sobre uma parte substancial dos mais importantes setores da produção industrial. A emergência e a consolidação do capitalismo monopolista foram uma conseqüência das própria condições e exigências da expansão do capital. Num certo momento, o processo de expansão do capital transpõe os estreitos marcos de um único setor de produção industrial e,então, a acumulação se traduz na formação de vastos conglomerados abarcando vários setores ao mesmo tempo. É por fim o processo de expansão passa a se dar ao nível internacional com o surgimento das empresas multinacionais.[8]

Para os teóricos do conceito, o sistema ocasionaria uma forma de desconstrução do poder para personalizações jurídicas não estatais. O Estado como conhecemos seria somente um sobrevivente da era anterior, fadado a desaparecer. Haveria então um enfraquecimento, um compromentimento de sua capacidade de agir como um ente soberano sobre todas as demais forças participantes da comunidade internacional.

Temos então a criação de uma personificação jurídica mundial - a comunidade internacional, bem como a criação de conjuntos de nações, unificados com a finalidade de unir e facilitar a circulação de capital; os mercados comuns, tal como a União Européia, podem ser vistos como um fenômeno federativo onde cada Estado perde grande parte de sua soberania[9].

“Desloca-se ademais, a política, com toda a sua arquitetura convencional de organização de poder e soberania , a qual “não pode mais doravante , ser pensado a partir da esfera nacional , pois o mundo se torna primordial e cessa de ser um além-da- nação(...)

O Estado deixa de ser uma soberania que joga seu destino por meio de intervenções sobre uma conjuntura mundial que lhes seria relativamente exterior, a medida que o planetário deixa de ser internacional e exterior.[10]

Não somente na questão da criação de blocos econômicos internacionais, temos visto também, no decorrer da segunda metade do Século XX, uma série de acordos internacionais firmados com a finalidade de garantir a observância dos direitos humanos - com origem na geração constitucional de direitos fundamentais criada pela Revolução Francesa. Tais acordos envolviam uma gama de nações localizadas em determinado espaço territorial. Temos como exemplos disso a Convenção Americana dos Direitos do Homem - ou Tratado de San Jose da Costa Rica - e a Convenção Européia para a Salvaguarda dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais. Esse último teve uma importância considerável na digressão da unificação de prerrogativas humanas entre diversos países. Envolveu países-membros Europeus que tanto se orgulhavam de sua atonomia soberana, de forma revolucionar a ordem jurídica internacional[11].

Houve portanto uma manifesta limitação à soberania dos países-membros, baseada na ratificação da Convenção, concedendo poder vinculante à doutrina do Tribunal Europeu e da Convenção de Roma.

“Em última análise, portanto, a vinculação dos Estados é resultado de sua própria Constituição e, por via de conseqüência, de sua pró- pria soberania para adotá-la. É como ensina Sílvio DOBROWOLSKI, ao assinalar que “o exemplo europeu da criação de um direito comunitário subtraído do controle parlamentar ou de vínculos constitucionais, ilustra, de modo conveniente, a afetação da soberania dos Estados”[12]

Logo, é possível concluir que a nova ordem internacional envolve a unificação de diretrizes tanto no sentido econômico quanto no sentido da aplicação dos direitos humanos, o que acaba por ocasionar a limitação cada vez maior da soberania individual das nações, resultando em uma espécie de nova personalização jurídica tida como a comunidade internacional.

A globalização colocou o Estado Nação em situação de competição com instituições transnacionais de poder que passam a exercer atos de governo e normas a ele impostas. A Organização das Nações Unidas, a Organização Mundial do Comércio, o Fundo Monetário Internacional, etc. se fortaleceram nos últimos tempos e impõem restrições ao poder anteriormente considerado como absoluto e irrevogável dos Estados Nação.

No entanto, em conjunto com a derrubada dos poderes absolutos da soberania das nações, temos a criação de uma composição heterogênea de valores decisórios em tais organizações. Vislumbra-se, em muitos casos, situações em que Estados Nação não somente se vêem menos poderosos do que outros, mas também com menos força perante organizações como o Conselho de Segurança da Onu - que é formado por membros permanentes. Desta forma, pode-se considerar que não somente o conceito clássico da soberania absoluta caiu por terra, mas que houve a criação de uma segunda soberania - um segundo poder dado a estados mais presentes nas organizações internacionais, e que a ele todas as nações que dessa participam estão submetidas[13].

Houve, então, a criação de comunidades de países, e não somente de pessoas. Cedeu-se a soberania às uniões e às organizações internacionais com finalidades econômicas, aproveitando-se do fenômeno da globalização;

“com o gradativo fenecimento do Estado nacional, a soberania vai sendo erodida na mesma velocidade com que a política tradicional se descentraliza, desterritorializa e transnacionaliza, conduz, assim, a uma outra importante questão: como a globalização vai levando a ‘racionalidade do mercado´ a se expandir sobre âmbitos não especificamente econômicos, as fronteiras entre o público e o privado tendem a se esfumaçar e os critérios de eficiência e produtividade a prevalecer às custas dos critérios ‘sociais’ politicamente negociados na democracia representativa[14]

Apesar disso, diz-se, porém, que a soberania dos Estados se mantém, ainda que de forma meramente formal. Uma síntese dessa manutenção da soberania é a existência da autonomia dos Estados membros de organizações como a União Européia de promulgarem suas próprias constituições, de forma a se adaptarem à integração do grupo.


V. Conclusão

Conclui-se, portanto, que a soberania vem sentido diversas crises no decorrer dos anos, em especial do último século - o Século XX, e na virada para o Século XXI. A maior frequência nas relações entre particulares e entre comunidades em uma escala internacional tem ocasionado uma ampliação do alcance de personalidades jurídicas, o que acabou por criar uma comunidade macroscópica que é finalmente composta pela totalidade da consciência mundial.

No presente estudo, é de se concluir que o conceito de soberania nada mais é do que a exteriorização do direito e da autonomia de um conjunto de pessoas, organizado na forma de uma nação. Uma situação em que o poder concedido pela população de determinado espaço territorial para o Estado. Desta forma, não há como evitar de enxergar-se a soberania como somente uma espécie de exercício de direitos de um determinado grupo; a forma de expressar e de agir de acordo com os direitos dados a um ente em uma determinada escala - no caso, uma nação.

Nesse pensamento, considerando as maiores mudanças ocorridas nas últimas décadas, é possível compará-la com o exercício do direito de apenas um cidadão - uma pessoa - sendo essa um ente jurídico em uma comunidade de outras pessoas, de acordo com os regramentos de sua comunidade. Da mesma forma, a soberania de uma nação passou a ser a exteriorização dos direitos de uma comunidade de indivíduos, ante uma comunidade de nações.

A criação de organizações internacionais para fins políticos, sociais e econômicos nada mais é do que a criação de ordenamentos normativos que atigem à comunidade de Estados assim como as organizações de cada Estado atingem à sua população.

A soberania não foi extinta, e nem será extinta por completo, pelo menos enquanto existir a identificação e a distinção de inteiras comunidades de indivíduos uma com as outras. As previsões são promissoras, porém, não serão facilmente alcançadas.

Tal como é necessário um ordenamento jurídico, social e político, para uma comunidade civilizada, haverá de exitir o mesmo para uma comunidade de nações modernas. Os princípios do direito amplamente pulverizados através do globo haverão de ser profundamente estudados e consolidados para que haja então uma harmonia entre o exercício do direito de todas as comunidades de nações e de indivíduos no planeta. Tal expansão da escala das organizações de tais comunidades não é novidade para a história da humanidade - desde a Idade Média é possível encontrar a unificação de feudos em uma coletividade una, de forma a assim se formarem cidades, Estados e inteiras nações; e mais recentemente organizações internacionais compostas por uma pluralidade de nações.

Desta forma, não há de ser falar em uma extinção da soberania; uma vez que essa pode ser considerada como uma característica de um poder, e não como um poder em si. Haverá então de se falar em uma soberania em escala macroscópica mundial para assuntos de interesse de vários países, sem prejuízo da autonomia de cada um desses, e de cada indivíduo nesses localizados.


Notas

[1] BASTOS, Celso Ribeiro. Curso Teoria do Estado e Ciência Política.São Paulo: 2002.

[2] MASSON, Luciano Rodrigo. A Soberania frente a Globalização. 2012.

[3] MAIA, Fernando Joaquim Ferreira. A Teoria do Globalismo Jurídico e Seus Reflexos na soberania dos Estados. XV ENCONTRO PREPARATÓRIO PARA O CONGRESSO NACIONAL DO CONPEDI. 2006.

[4] AFTALIÓN, Enrique R.;VILANOVA, José. Introducción al derecho. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1995

[5] LOVEIRA, Teoria Geral do Estado - Soberania.

[6] SANTOS Junior, Raimundo Batista. "A globalização ou o mito do fim do Estado." UNICAMP (2001).

[7] SOUZA, Renan Almeida de. A Soberania e a Ordem Mundial Contemporânea. Universidade Federal Fluminense. 2008.

[8] OHLWEILER, Otto Alcides. “Capitalismo Contemporâneo”. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1986.

[9]SANTOS, Flávio Roberto. Soberania na Ciência Política e Teoria Geral do Estado. IESRSA.

[10]ROBELIN, J . “ Les Nouvelles Figures Mondiales de La Politique “. In BIDET, J e

TEXIER, J (org), Le Nouveau Sisteme du Monde, Actuel Marx , Confrontation. Paris: Press Universitaries de France, 1994

[11] CRUZ, Paulo Marcio. Soberania, Estado, Globalização e Crise. Novos Estudos Jurídicos. Univali. 2002.

[12] Idem.

[13]FORJAZ, Maria Cecília Spina. "Globalização e crise do Estado nacional." Revista de Administração de Empresas 40.2 (2000): 38-50.

[14]FARIA, José Eduardo. Direito e globalização econômica. p. 143.

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