Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br

Falhas na instalação do software e os caminhos para o ressarcimento na esfera judicial

Agenda 27/02/2015 às 18:03

Além de garantir o adequado funcionamento do software, o fornecedor deve também acompanhar o uso efetivo das licenças, sob pena de falhar no seu dever de cooperação

Falhas graves que comprometem a instalação e funcionamento de um software – problema bem frequente nas aquisições de ERP - podem ser resolvidas amigavelmente entre os contratantes durante a implementação do novo sistema. Prazos e valores podem ser alterados, a fim de que o contrato seja preservado e o resultado seja alcançado.

Porém, se isso já não se mostrar viável - dada a gravidade dos problemas e a demora na solução - o caminho adequado será a rescisão do contrato e  o ressarcimento na esfera judicial. Em certas situações, o histórico de erros e falhas desgasta a relação entre as partes a tal ponto que finalizar a implementação já não é mais do interesse da contratante. Neste caso, buscar o amparo do Poder Judiciário é menos custoso e mais vantajoso do que parece.

A rescisão pela via judicial pode superar até mesmo soluções alternativas como a arbitragem. Primeiro, porque o custo de uma ação é bastante inferior do que recorrer a uma câmara arbitral. Segundo, porque as provas de que a instalação não foi realizada por culpa da contratada serão determinantes para o sucesso da ação, o que depende muito mais das precauções tomadas durante a instalação do que do conhecimento técnico especializado de um árbitro. Dessa forma, as provas apresentadas pelo autor terão importância fundamental na rescisão do contrato, e se refletem diretamente numa decisão positiva ao final da ação.

Por isso, todo e qualquer registro de falhas e desentendimentos deve ser documentado ao longo da relação. Isso inclui desde os aditivos contratuais até os e-mails trocados durante a implementação do software, passando por atas de reunião, notificações, chamadas de suporte técnico e registro de erros. Também é importante demonstrar se houve necessidade de contratar novos profissionais, ou aumentar a jornada de trabalho, para corrigir os problemas surgidos no decorrer da instalação.

Quanto aos fundamentos jurídicos do pedido inicial, algumas teses consagradas da doutrina contratual justificam a rescisão do contrato e o ressarcimento dos prejuízos. A Teoria do Incumprimento Antecipado do Contrato, por exemplo, tem aplicação fundamental nos caso em que a rescisão é buscada antes do prazo final de implementação. São situações em que o contrato ainda não chegou no termo final, mas ao longo da relação se torna evidente que a fornecedora jamais será capaz de concluir a instalação no prazo contratado.

Desenvolvida por doutrinadores de renome como Judith Martins Costa, a tese autoriza a rescisão antecipada quando existem sinais claros e inequívocos de que a implementação do software não será bem sucedida. Esta quebra prematura do contrato, por culpa do fornecedor, obriga-o a indenizar as perdas e os lucros cessantes, inclusive se a contratante sofreu prejuízos nas vendas durante o período de instalação, quando for possível fazer esse levantamento.

Outra doutrina que justifica a rescisão é o cumprimento defeituoso do contrato. A tese é aplicável quando a prestação, embora entregue, não é satisfatória: o software não cumpre com a finalidade para a qual foi adquirido. Ou seja, apesar de concluída a instalação, o sistema não supre a necessidade da empresa, em razão de falhas e erros constantes. Neste caso, a adquirente tem o direito de buscar ressarcimento, seja na forma de um abatimento do valor pactuado, seja com a devolução dos valores pagos, caso não seja mais do seu interesse utilizar o novo sistema.

Contudo, a insatisfação do credor deve ser verificada com padrões objetivos, e compensada com indenização das perdas e danos. Não apenas a entrega defeituosa, mas também a demora na conclusão da instalação poderá tornar inútil a aquisição, o que justifica que a contratada seja condenada à restituição dos valores pagos, ao pagamento da multa prevista no contrato e ao ressarcimento dos prejuízos.

Nos tribunais brasileiros, encontramos inúmeros casos de rescisão de contratos de software, e alguns deles merecem ser mencionados. No processo nº 9192069-91.2009.8.26.0000, por exemplo, a existência de “bugs” no sistema e o atraso na finalização do projeto levaram à condenação das fornecedoras à restituição integral dos valores recebidos, bem como dos gastos efetuados com a migração dos dados ao sistema anterior. Nesse caso, tanto a fabricante do software quanto a empresa responsável pela instalação foram condenadas solidariamente.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Já no processo nº 0106311-45.2005.8.26.0000, o tribunal considerou que a cobrança da licença e manutenção do software está condicionada ao cumprimento adequado das suas funcionalidades. Como neste caso o software não atingiu os objetivos pretendidos, o contratante foi dispensado do pagamento.

Por fim, além de garantir o adequado funcionamento do software, o fornecedor deve também acompanhar o uso efetivo das licenças, sob pena de falhar no seu dever de cooperação. No processo nº 01936-3.2013.8.26.0002, julgado em São Paulo, a fornecedora perdeu o direito de cobrar dois anos de manutenção, em razão de a adquirente não ter instalado e muito menos utilizado o software.

Percebe-se, nos julgados acima, que buscar a rescisão do contrato e a indenização dos prejuízos pela via judicial - ao contrário do que prega o senso comum - é rápida e eficiente. A recuperação de créditos em razão do descumprimento da proposta técnica, dos termos do contrato ou do SLA (service level agreement) pode ser feita no Judiciário, sendo a solução mais adequada quando os problemas chegam a comprometer até mesmo a relação entre a TI e o departamento jurídico. Salva-se não apenas o contrato e os valores investidos, mas também o equilíbrio interno da equipe, imprescindível para o bom funcionamento da empresa.

Sobre a autora
Elisa Mombelli

Advogada especialista em Tecnologia e Internet, sócia do Assis e Mendes Sociedade de Advogados.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!