1. Introdução
No Estado de Direito, a liberdade é a regra e a prisão uma exceção, que somente pode ser aplicada pela autoridade judiciária competente, federal ou estadual, civil ou militar, conforme estabelece a Constituição Federal de 1998, com base nas disposições que foram enumeradas no art. 5º, que trata dos direitos e garantias fundamentais do cidadão.
O Direito Administrativo Militar, ou como preferem alguns, Direito Administrativo Disciplinar Militar, após a Constituição Federal de 1988 começou a ganhar força em razão do trabalho doutrinário que passou a ser realizado por estudiosos deste ramo especializado, dentre eles, Álvaro Lazzarini, Eliezer Pereira Martins e Paulo Tadeu Rodrigues Rosa, que de forma corajosa passaram a resgatar a dignidade dos integrantes do estamento militar que deve ser observada tanto pela sociedade como pelas Instituições, passou por modificações que ainda estão sendo incorporadas pelos diversos órgãos responsáveis pela segurança pública e nacional.
É importante se observar, que o militar em decorrência das particularidades de sua profissão, que exige até mesmo o sacrifício da própria vida, fica sujeito a regramentos determinados dentre eles: o Código Penal Militar, o Código de Processo Penal Militar, e os Regulamentos Disciplinares, que na sua maioria foram editados por meio de decreto do Poder Executivo, o que fere flagrantemente o disposto na Constituição Federal de 1988.
A inconstitucionalidade dos regulamentos disciplinares editados com base em decretos tem sido defendida pela doutrina especializada, como por exemplo, Eliezer Pereira Martins e Paulo Tadeu Rodrigues Rosa, que desde o advento da Constituição Federal de 1988 vislumbrou que a Constituição Federal de 1988 passou a apresentar um maior rigor técnico quando tratou dos crimes propriamente militares e das transgressões disciplinares militares, ou como prefere o Regulamento Disciplinar da Marinha do Brasil das contravenções disciplinares.
A respeito da matéria Paulo Tadeu Rodrigues Rosa escreveu um texto, que também pode ser encontrado em sua obra Direito Administrativo Militar –Teoria e Prática, 3ª ed., Editora Lumen Juris, Rio de Janeiro, denominado de Regulamento disciplinar militar e as suas inconstitucionalidades, onde trata da adequação da legislação castrense aos princípios constitucionais, que devem ser observados pela administração pública militar na busca de uma efetiva aplicação da justiça, que é essencial para a construção do Estado democrático de Direito.[2]
No intuito de combater a tese que foi defendida pelo autor, sugiram outras correntes de pensamento, as quais passaram a defender que o texto constitucional não poderia ser interpretado daquela forma, e que os regulamentos disciplinares poderiam sim ser editados por meio de decreto. Na realidade, verifica-se uma tentativa de se negar vigência ao texto constitucional sob o argumento que tal pretensão poderia levar a quebra da hierarquia e da disciplina, o que não passa de uma falácia. Afinal, no Estado de Direito a lei é a principal fonte do Direito, e qualquer seguimento da sociedade deve observá-la e respeitá-la, sob quebra aí sim do próprio Estado de Direito que foi estabelecido pela Constituição Federal de 1988.
Neste sentido, verifica-se que a prisão de uma pessoa, nacional ou estrangeiro, que esteja em território nacional, na seara militar, somente pode ser decretada por ordem emanada de uma autoridade judiciária militar competente com base na lei. Assim, fica a seguinte indagação, Como o sistema jurídico poderá admitir uma prisão administrativa fundada em um ato praticado por autoridade administrativa que justifica a sua decisão em um regulamento disciplinar militar que não foi editado por meio de lei, mas com base um decreto proveniente do Poder executivo?
Segundo a doutrina especializada [3], qualquer modificação ocorrida após a Constituição Federal de 1988 nos regulamentos disciplinares militares somente poderá ser feita por meio de uma lei proveniente da Assembléia Legislativa ou do Congresso Nacional, sob pena de nulidade do ato, que poderá ser apreciada pelo Poder Judiciário em atendimento ao art. 5 º, inciso XXXV, da Constituição Federal. O Judiciário neste caso, para se evitar qualquer tipo de discussão tem com competência para analisar a questão, pois se trata de uma questão relacionada com os elementos extrínsecos do ato administrativo, ou seja, competência, finalidade e forma.
Na realidade, a prisão administrativa não deve ser um instrumento de mera coação, mas uma medida excepcional, devendo ser assegurado ao infrator todas as garantias processuais, para que o cerceamento da liberdade, jus libertatis quando necessário possa ser revisto pelo Poder Judiciário, que é o guardião dos direitos e garantias do cidadão
Verifica-se desta afirmação que não se busca impedir a possibilidade da prisão administrativa. O que se defende na realidade é que a prisão administrativa não seja utilizada de forma inadequada. Por ser a sanção mais grave nesta seara do direito disciplinar deve ser aplicada somente nos casos em que a falta praticada seja de natureza grave e outros mecanismos previstos em lei não sejam suficientes para repreensão do ato praticado. Não se pode esquecer a lição que sempre esteve presente nos regulamentos disciplinares segundo a qual sanção deve levar ao aprendizado do transgressor e a sua adequação aos princípios militares.
No Estado de Minas Gerais, os legisladores preocupados com esta questão resolveram rever a existência da prisão administrativa nos regulamentos da Corporação e decidiram pela sua extinção. A medida segundo os próprios legisladores buscou a valorização do profissional de segurança pública, que no dia-a-dia enfrenta várias situações de conflito. A prisão administrativa não deve ser o único meio de resposta a ser utilizado pelo Estado na manutenção da hierarquia e da disciplina. Existem outros instrumentos que também podem ser utilizados.
É importante se observar, que o legislador manteve a possibilidade da prisão cautelar administrativa quando esta for essencial para a manutenção da hierarquia e da disciplina, até mesmo para que se evitar que o transgressor venha a praticar outras faltas que venham a comprometer a imagem da Instituição Estadual.
Na realidade, o legislador buscou construir novos paradigmas, mas em nenhum momento se esquecer da importância da manutenção da hierarquia e da disciplina nas Instituições Militares. Uma leitura ainda que perfunctória do Código de Ética e Disciplina do Militares do Estado deixa esta questão devidamente evidenciada.
2. Prisão administrativa e a sua necessidade nas Instituições Militares
O militar é uma pessoa que deve estar preparada para o exercício de suas funções constitucionais. Segundo a doutrina espanhola, os militares são os responsáveis pela preservação dos direitos e garantias fundamentais do cidadão e por isso merecem a proteção do Estado para que possam desempenhar as suas atividades com independência e responsabilidade.
A prática de um ilícito não é uma realidade apenas do cidadão comum, mas também daqueles que integram uma organização ou mesmo uma corporação. A punição deve ser uma realidade no sistema para se evitar o senso de impunidade que vem tomando conta de alguns países, como ocorre atualmente com a Colômbia, e porque não se dizer com o Brasil, onde todos os dias a mídia escrita ou falada noticia fatos que depois de algum acabam sem solução, e mais, sem que os cofres do Estado sejam devidamente restituídos.
Nenhum estudioso do direito militar, civil ou militar, tem dúvidas que a hierarquia e a disciplina são preceitos fundamentais das Corporações Militares. Nos últimos tempos, alguns estudiosos têm apontado a ética como um terceiro princípio a ser observado pelos integrantes das Corporações Militares. Na realidade, ninguém questiona estes princípios. O que se busca na realidade é uma adequação das normas militares com a Constituição Federal de 1988, que é uma norma vigente e deve ser observada e respeitada.
Tomando-se como base os preceitos militares, verifica-se que é preciso diferenciar o policial militar que tem como atividade-fim a defesa da ordem pública dos militares que integram as Forças Armadas, que são os responsáveis pela preservação da segurança nacional. O primeiro deve ser treinado para atuar nas questões que envolvem o cidadão, o morador das urbes, enquanto que o segundo recebe uma formação voltada para a guerra, que tem como fundamento a localização e destruição do inimigo e a preservação da soberania nacional.
Deve-se observar que o fato das funções que são desenvolvidas por estes profissionais serem em seu fim diversas não impede a existência nas forças policiais de uma hierarquia militar, ou melhor, de uma estética militar, mas isso não significa que os integrantes das Forças Auxiliares, Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, ou mesmo os integrantes das Forças Armadas, não são destinatários dos direitos e garantias que foram expressamente estabelecidos pela Constituição Federal.
Na realidade, o que se questiona é utilização da prisão administrativa como um instrumento efetivo de controle por parte da Administração. A prisão administrativa pode e deve ser utilizada quando necessária, assim como ocorre com as prisões previstas na seara processual. Mas, fica a seguinte indagação. Será que a prisão administrativa por si só melhora a qualidade do homem ou eventualmente corrige os seus defeitos de formação? Será que não existem outras penalidades que poderiam ser aplicadas sem a quebra dos princípios de hierarquia e disciplina, permitindo desta forma a reeducação do infrator?
O art. 24, do Código de Ética e Disciplina dos Militares do Estado de Minas Gerais preceitua que, "Conforme a natureza, a gradação e as circunstâncias da transgressão, serão aplicáveis as seguintes sanções disciplinares: I - advertência; II - repreensão; III - prestação de serviços de natureza preferencialmente operacional, correspondente a um turno de serviço semanal, que não exceda a oito horas; IV - suspensão, de até dez dias; V - reforma disciplinar compulsória; VI - demissão; VII - perda do posto, patente ou graduação do militar da reserva".
Verifica-se que os militares são os responsáveis pela preservação dos direitos e garantias fundamentais do cidadão, e somente conhecendo a Justiça é que poderão agir com Justiça, sem que as suas ações fiquem sujeitas a denúncias por parte do Mistério Público, Civil ou Militar, em decorrência da prática de ilícitos capitulas na Lei de Abuso de Autoridade ou na Legislação Especial Militar.
A leitura atenta do artigo denominado Extinção da Prisão Administrativa Disciplinar, que foi publicado, por exemplo, no Site Oficial do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, e que foi escrito no ano de 2002 pelo Professor de Direito Paulo Tadeu Rodrigues Rosa, deixa evidenciado que a intenção do autor naquele momento foi reconhecer a tentativa do Estado de Minas Gerais na busca de mudança dos preceitos disciplinares aplicados aos militares estaduais, tendo em vista a diferença de funções que são desenvolvidas pelos militares estaduais e militares federais.
Não se pode esquecer ainda, ao contrário do que vem sendo afirmado por alguns estudiosos, com o intuito de defender paradigmas anteriores ao vigente Estado de Direito, que o Estado de Minas Gerais, o Estado da liberdade, não foi o único Estado a afastar a possibilidade de prisão administrativa. Uma leitura atenta, sem qualquer tendência ideológica, do Regulamento Disciplinar da Polícia Militar do Estado de São Paulo deixa evidenciado que aquela Corporação limitou e bem a possibilidade da prisão administrativa, criando institutos alternativos, dentre eles, a permanência disciplinar, com o intuito de construir novos paradigmas na seara disciplinar que passou e vem passando por transformações em razão do advento da Constituição Federal de 1988.
3. Sanções no Código de Ética e Disciplina
A Polícia Militar segundo a Constituição Federal de 1988 é responsável pela preservação da ordem pública, em seus aspectos segurança pública e tranqüilidade, conforme ensina Álvaro Lazzarini. O Corpo de Bombeiros Militar, que na maioria dos Estados foi separado da PM, como ocorreu, por exemplo, no Estado de Minas Gerais, é responsável pela preservação da salubridade pública, defesa civil, prevenção e combate a incêndios, entre outras atribuições previstas na Constituição Federal e nas Constituição Estaduais e ainda nas Leis Especiais.
O exercício das atividades de segurança exige a existência de uma ética, um código, que não seja draconiano, mas que impeça a prática de atos desleais para com a população. Assim como o pesquisador, ou melhor, o verdadeiro pesquisador, não os falsos doutores, aqueles que buscam autores desconhecidos para se apropriarem de seus textos, não deve utilizar o texto de um outro autor sem citar a fonte, o policial militar ou bombeiro militar não deve praticar atos ilícitos contra a administração pública ou abusos de autoridade contra o cidadão, que possui direitos que lhe foram outorgados pela Constituição Federal.
O respeito a lei é uma premissa que deve ser observada tanto pelas autoridades, agentes de autoridade, como pelos brasileiros e estrangeiros residentes no território nacional. As sanções administrativas têm por objetivo reeducar o infrator que praticou um ilícito que possa comprometer as funções que foram livremente por eles assumidas.
A ética é essencial na formação de um profissional de segurança pública que deve respeitar os seus pares, dever de urbanidade, e o cidadão, que não é na linguagem militar o paisano folgado, mas o destinatário das questões de ordem pública, que é a razão da existência das forças policiais.
A punição, ou como prefere a doutrina especializa, a sanção disciplinar, deve levar a uma reflexão e a prisão administrativa no decorrer dos anos tem se mostrado incapaz de conduzir a um aprimoramento profissional. As atividades de polícia não podem e não devem ser confundidas com as questões militares federais, segurança nacional, que tem por objetivo a preservação e a defesa do território nacional contra o inimigo externo.
A falta de critérios objetivos na avaliação das punições pode conduzir a excessos, onde o respeito é imposto pelo terror. O poder disciplinar e hierárquico integram os poderes da administração pública, civil ou militar, mas devem ser utilizados com parcimônia, na busca do cumprimento dos princípios aos quais os administradores e os seus agentes se encontram sujeitos em atendimento ao art. 37, caput, da CF.
A prisão administrativa é uma das sanções que podem ser aplicadas ao infrator, mas existem outras. Quando necessário, assim como ocorre com a prisão na seara processual, a prisão administrativa pode e deve ser aplicada. O que é preciso é se estabelecer de forma clara, as hipóteses que autorizam ou não a aplicação da prisão administrativa e ainda a possibilidade de aplicação de outros instrumentos de controle da disciplina e da hierarquia.
4. Considerações finais
As forças policiais são essenciais para a manutenção do Estado de Direito, e são responsáveis pela preservação dos direitos e garantias fundamentais do cidadão. A Constituição Federal e os instrumentos internacionais que foram subscritos pelo Brasil asseguram aos brasileiros e estrangeiros residentes no país, e mesmo àqueles que estejam de passagem pelo território nacional direitos que são essenciais à vida em sociedade.
As atividades desenvolvidas pelos órgãos policiais não se confundem com as funções que são reservadas aos integrantes das Forças Armadas, que também são essenciais no Estado democrático de Direito. Se um Estado não possui forças de segurança plenamente qualificadas e com os instrumentos necessários ao cumprimento de suas funções, a soberania deste Estado fica sujeita a atos de organizações criminosas que procuram desequilibrar o governo que foi escolhido e eleito de forma legítima pelo povo.
O policial militar é o responsável por várias atividades que são desenvolvidas na sociedade organizada. Nesse sentido, para que possa bem desenvolver as suas atividades deve conhecer a Justiça, caso contrário não será capaz de agir com imparcialidade no trato das questões relacionadas com as atividades de segurança pública ou salubridade pública.
A punição é essencial para se evitar a impunidade, mas deve ser aplicada em conformidade com os princípios constitucionais. A manutenção da hierarquia e da disciplina não pressupõe o desrespeito à lei ou prática de atos abusivos ou ilegais.
A Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais extinguiu a prisão administrativa, mas sem buscar a quebra da disciplina. Existem situações que a autoridade militar tem competência para decretar a prisão cautelar do infrator. Verifica-se, na realidade, a busca de novos paradigmas que somente o tempo pode permitir uma melhor avaliação. O Estado de São Paulo também limitou de forma considerável a prisão administrativa.
Na realidade, o militar estadual infrator deve ser punido e até mesmo demitido das fileiras da Corporação quando praticar atos que sejam considerados ilegais ou abusivos, mas somente deverá sofrer uma sanção após um processo administrativo onde lhe seja assegurada a ampla defesa e o contraditório. Na busca da reeducação do infrator, o Estado administração, que é o legítimo titular do jus puniendi, em alguns Estado da Federação têm entendido que existem outros instrumentos que poderão ser utilizados. Essa atitude demonstra que somente investindo na formação dos militares estaduais, em uma efetiva melhoria dos instrumentos que são colocados a disposição destes profissionais de segurança pública, é que o padrão de excelência poderá ser alcançado, com uma polícia que seja realmente comunitária e responsável pela preservação dos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos.
Notas e referências bibliográficas
[1] O Texto Extinção da Prisão Administrativa foi produzido originariamente em 04 julho de 2002, e publicado em sites especializados da Internet, dentre eles, o Site Oficial do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia.
[2]ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues. Regulamento disciplinar militar e as suas inconstitucionalidades. Internet: http://www.neofito.com.br, ago/99. p.1-4.
[3] ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues., ob. cit. p. 3.