CONTEXTUALIZAÇÃO NECESSÁRIA
A liquidação de sentença, com as reformas processuais outrora introduzidas, atualmente apresenta contornos qualitativos de fase processual, a qual se inicia com o exarar de decisão judicial que encerra uma condenação ilíquida.
Em termos técnicos, a decisão judicial ilíquida é aquela que julga procedente ou parcialmente procedente a demanda, sem, contudo, fixar o correspondente monetário da condenação.
A decisão judicial ilíquida delimita, portanto, o “an debeatur” (direito reconhecido pela decisão judicial), deixando, contudo, de demarcar o “quantum debeatur” (valor monetário equivalente ao direito reconhecido pela decisão).
Desta forma, a liquidação da sentença tem como vocação o alcance da liquidez necessária e imprescindível a revestir a decisão judicial originária (sentença proferida no processo de conhecimento) de condições de exequibilidade.
DELIMITAÇÃO DE ESCOPO EM PERÍCIAS VOLTADAS À LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA
A liquidação de sentença deve seguir os contornos previamente delineados pela decisão proferida no processo de conhecimento, nada sendo possível retirar, tampouco, acrescentar, independentemente da argumentação esposada pelos atores processuais.
Desta forma, a liquidação de sentença tem o seu objeto circundado pelos limites traçados na decisão liquidanda, conforme leciona MENDONÇA LIMA[1]:
“Liquida-se e executa-se o que o Juiz deu e não aquilo que não deu, embora pudesse ter dado, se pedido ou não”.
Neste mesmo sentido, vem bem a calhar os ensinamentos extraídos da cátedra de WAMBIER[2], o qual, dedicando obra exclusiva sobre o assunto, assim leciona:
“O objeto litigioso da liquidação de sentença está, entretanto, absoluta e completamente limitado pelo que se decidiu na sentença que se vai liquidar. Qualquer desbordamento desses estreitos limites ensejará a incidência da vedação imposta pelo art. 475-G do Código de Processo Civil (equivalente ao revogado art. 610). Segundo esse dispositivo, É defeso, na liquidação, discutir de novo a lide ou modificar a sentença que a julgou.”
Complementado, assim sacramenta o tema:
“A sentença ilíquida, opera no terreno da determinação daquilo que é devido pelo réu ao autor, enquanto que a liquidação contém pedido exclusivamente dirigido à determinação do quanto é devido pelo réu ao autor. A primeira constitui a obrigação, ao passo que a segunda somente pode quantificá-la, sendo defeso qualquer nova discussão a respeito de questões que envolvam a própria formação do título.”.
ARRUDA ALVIM NETO[3], de forma objetiva, assim ressalta a importância de serem observados os estritos termos da decisão judicial liquidanda:
“(...) hão de ser respeitados necessariamente os termos da decisão liquidanda”.
Em conformidade com o que se depreende do excerto doutrinário reproduzido, a sentença ilíquida, proferida no processo de conhecimento, se constitui no marco inicial, na gênese das discussões a serem eventualmente travadas para a quantificação do direito então declarado.
Por consequência, os embates, que porventura ocorram na fase de liquidação, devem estar necessariamente vinculados e adstritos à obrigação contida na decisão judicial liquidanda, voltada, exclusivamente, a mensuração do “quantum debeatur”, ou seja, da tradução em números do direito então assegurado pela decisão judicial proferida (“an debeatur”).
ESPÉCIES DE LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA TECNICAMENTE ADMITIDAS
Em consonância com a norma processual de regência, três são as espécies de liquidação de sentença admitidas, quais sejam: (a) por cálculo aritmético; (b) por arbitramento; e (c) por artigos.
A liquidação por cálculo aritmético, à luz do apregoado pelo art. 475-B do Código de Processo Civil, é aplicável nos casos de menor complexidade técnica, onde o credor poderá requerer o cumprimento de sentença apresentando memória analítica de apuração e evolução dos valores entendidos como devidos.
Nada impede - e inclusive, aconselha-se - que o credor se valha da colaboração de um profissional habilitado para a elaboração da referida memória de cálculo, reduzindo a probabilidade de erros, bem como conferindo a tal demonstrativo credibilidade inerente à formação acadêmica do Perito Assistente contratado.
A espécie de liquidação por arbitramento, por sua vez, é empregada quando a mesma for determinada por sentença, convencionada pelas partes ou, então, a natureza do objeto da liquidação assim o exigir.
A liquidação por arbitramento, por se destinar a solução de questões envoltas em maior complexidade técnica, demandará, necessariamente, a nomeação de Perito, tal como delineado pelo art. 475–D do Código de Processo Civil.
As partes litigantes, a exemplo de perícias instauradas em fase de cognição, poderão ser assessoradas por Peritos Assistentes, os quais apresentarão seus Pareceres Técnicos no prazo legal assinalado (10 dias após a juntada do Laudo Pericial Oficial).
Já a espécie de liquidação por artigos é cabível quando a mensuração do “quantum debeatur” depender de alegação e efetiva comprovação de fato novo. Neste sentido, assim leciona WAMBIER[4]
“A liquidação por artigos será necessária, portanto, quando, para se determinar o valor da condenação, houver necessidade da prova de fato que tenha ocorrido depois da sentença, e que tenha relação direta com a determinação da extensão da obrigação nela constituída, ou de fato que, mesmo não sendo a ela superveniente, não tenha sido objeto de alegação e prova no bojo do anterior processo de conhecimento, embora se trata de fato vinculado à obrigação resultante da sentença.”
Portanto, em todas as espécies de liquidação de sentença admitidas, o Magistrado que preside a causa, bem como as partes litigantes poderão se valer de profissionais com formação técnica específica, os quais contribuirão para a perfeita tradução monetária do direito reconhecido na decisão judicial ilíquida.
IMPROPRIEDADE GERALMENTE COMETIDA EM PERÍCIAS DESTA NATUREZA
A principal impropriedade técnica geralmente cometida em perícias realizadas em sede de liquidação de sentença decorre da ausência de precisão na interpretação da condenação, concorrendo, por conseguinte, na ampliação ou redução do próprio “an debeatur” pretendido em liquidação.
A falta de precisão na interpretação da decisão judicial pode ser considerada como um engano material, decorrente da ausência de experiência ou de conhecimento específico acerca da abrangência dos termos jurídicos empregados.
Não compete às partes litigantes ou ao Perito Judicial, em fase de liquidação de sentença, discorrerem ou empregarem critérios próprios para tal finalidade, eis que as decisões judiciais, em regra, não facultam a adoção de premissas alternativas, tampouco, a norma processual conferiu tal discricionariedade ao profissional incumbido dos auspícios periciais.
O Perito não tem a competência para imprimir novos critérios evolutivos, se não aqueles expressamente delineados nas respeitáveis decisões judiciais liquidandas.
Agindo de forma diversa, o Perito incorre na ampliação ou redução dos horizontes originalmente delineados pela decisão liquidanda, concedendo direitos que, muitas vezes, não foram sequer alvo de apreciação em sede de cognição.
Quanto à impossibilidade de reduzir ou ampliar, sob quaisquer justificativas, os marcos impostos pela decisão judicial liquidanda, novamente vem bem a calhar os ensinamentos da cátedra de WAMBIER[5]:
“A liquidação de sentença, assim, é ação em que a cognição é parcial, isto é, limitada apenas à discussão do quantum debeatur relativo à responsabilidade determinada na sentença liquidanda. Não se pode, na liquidação, pleitear nova condenação, relativa a direitos não referidos na sentença.
Também é vedada pelo sistema a hipótese de se buscar, pela liquidação, ampliar os limites da condenação (...)”.
Não compete ao Perito criar alternativas ou inovar o originalmente sentenciado, sob pena de atrair para si, poderes que, na verdade, são conferidos exclusivamente ao Judiciário.
Em corroboração ao exposto, confira-se na sequência a inteligência insculpida no art. 475-G na norma processual pátria em vigência:
“CPC, art. 475-G – É defeso, na liquidação, discutir de novo a lide ou modificar a sentença que a julgou”.
Ao Perito não resta conferido o direito de inovar, mas, única e exclusivamente, a obrigação de mensurar o “quantum debeatur” à luz dos estritos termos delineados na decisão judicial liquidanda.
Desta forma, o profissional incumbido dos misteres periciais em demandas judiciais que se encontram em fase de liquidação de sentença, deve-se atentar aos estritos limites demarcados pelos termos liquidandos, sob pena de, atraindo para si poderes que não lhe foram conferidos, incorrer na concessão de direitos às partes que sequer foram evocados em fase de cognição, tampouco, submetidos à ampla defesa e ao contraditório.
[1] MENDONÇA LIMA. Alcides de. COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. 2 ed. Rio de Janeiro. Forense. 1.977.
[2] WAMBIER. Luiz Rodrigues. SENTENÇA CIVIL: LIQUIDAÇÃO E CUMPRIMENTO. 3.ed. Editora RT. 2.006
[3] ARRUDA ALVIM NETO. José Manoel de. INTERPRETAÇÃO DA SENTENÇA LIQUIDANDA – Fidelidade ao seu sentido original – Multa convencional e “astreintes” diferenças e limites, RePro, São Paulo, RT.1.995.
[4] WAMBIER. op. cit.
[5] WAMBIER. op. cit.
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