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Lobão, o novo arauto da República Velha

Agenda 14/03/2015 às 20:21

A imprensa conspira contra a ordem e o progresso do Brasil ao dar tanto destaque às bobagens ditas pelo ex-roqueiro paulista.

Nos últimos dias Lobão ganhou mais e mais espaço na mídia. A irrelevância artística do roqueiro aposentado deixou de ser importante no momento em que ele se tornou um eloquente porta-voz da destruição do regime constitucional, do desprezo à soberania popular, do desdém ao resultado da eleição e, principalmente, da legitimação do golpe de estado.

Lobão - um clone tupiniquim de Ted Nugent, ex-roqueiro norte-americano que se tornou pregador da extrema direita racista nos EUA - se ajustou bem ao papel que garante sua existência pública e, eventualmente, financeira. Como uma metralhadora giratória ele vai dizendo besteiras que são reproduzidas pela imprensa como se fossem oráculos de uma nova política e os fundamentos da renovação do Brasil.

Ganhou destaque a última bobagem que ele disse. Segundo Lobão somente os ricos deveriam entrar na política. Os pobres deveriam ser afastados dela e, num mundo ideallobãonizado, sequer ter direito a voto.

Após quatro derrotas eleitorais dolorosas, a elite brasileira - da qual Lobão pretende ser o porta estandarte - perdeu a fé na igualdade jurídica e na soberania popular como fundamento do poder político. Como os militares se recusam a dar um golpe de estado, os  ex-donos do Estado mergulham no passado do país para encontrar paradigmas. Mas eles não tem coragem de dizer o que deve ser dito. Então eu mesmo farei isto.

A partir da Proclamação da República, livres do poder moderador de D. Pedro II que as vezes incomodava um ou outro aristocrata muito abusado, os ricos passaram a controlar todas as instituições públicas o tempo todo. Sob a  Constituição de 1891 a esmagadora maioria dos brasileiros não tinha direito a voto. E aqueles que votavam nem sempre o faziam com liberdade. De fato, nem sempre os votos representavam a vontade dos eleitores pois as fraudes eram comuns.

Várias práticas fraudulentas do período imperial foram conservados durante a 1a. República. Naquele tempo os fósforos contratados pelos Coronéis votavam em nome dos eleitores inscritos. As vezes eles faziam isto várias vezes no mesmo dia em seções eleitorais diferentes. Os fósforos votavam em nome de eleitores mortos e, inclusive, se faziam passar por pessoas que compareciam para votar e não conseguiam convencer os mesários que eram quem diziam ser.

Além dos fósforos, os Coronéis contratavam cabalistas para organizar o curral eleitoral e garantir que todos os eleitores fossem votar e votassem corretamente. Os cabalistastambém ficavam encarregados de negociar com cada eleitor o preço de seu voto. Mas o processo todo poderia ficar caro, pois o candidato tinha que arcar com os custos dosfósforos, dos cabalistas e dos votos dos eleitores. Em razão disto, os Coronéis preferiam outro tipo de fraude.

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A fraude eleitoral mais econômica e apreciada durante a República Velha era a eleição no bico de pena. Neste caso todo o processo eleitoral era fraudado, desde a elaboração da lista dos eleitores inscritos, até a coleta dos votos, a apuração e a proclamação do resultado.

Na primeira eleição presidencial brasileira, em 1894, apenas 2,2% da população votou. Vivíamos então numa república governada por ricos, em nome dos ricos e em benefício dos ricos. Quando disse que somente os ricos deveriam entrar na política, Lobão fez uma referência implícita à 1a. República, que pode ser descrita como idade de ouro do poder dos ricos no Brasil.

paraíso dos ricos, porém, era tão instável que durou apenas algumas décadas. Em 1930 acabou a festa que Lobão reverencia e pretende recriar. A existência de uma Justiça Eleitoral moderna, independente e informatizada impede a atuação de fósforos cabalistase dificulta muito a realização de eleições no bico de pena. A proibição da compra de votos e sua consequencia (a perda do mandato daquele que ousar recorrer ao expediente que era comum durante a República Velha) conspiram contra a lobãonização do cenário político-eleitoral brasileiro.

Acumular riqueza no Brasil é possível. De fato, os ricos ficaram mais ricos na última década. O divórcio entre o poder econômico e o poder político, porém, é um fenômeno histórico inevitável que não pode ser revertido. A população brasileira, mais educada do que jamais foi no passado, não vai abrir mão do seu direito de votar. E os ricos não conseguirão se eleger só porque são ricos. Tampouco conseguirão convencer a maioria dos eleitores que sendo ricos governarão em benefício dos pobres, coisa que nunca fizeram quando tiveram a oportunidade sob a vigência da Constituição de 1891.

Lobão aponta sua metralhadora verbal para o futuro, mas todos os seus cartuchos engasgam num passado que ele mesmo parece ignorar ou não consegue esconder. Pessoalmente, não acredito que seja lamentável que a elite brasileira tenha encontrado no ex-artista o vocalizador dos seus desejos neuróticos de reviver à República Velha. Estranho seria se esta elite decadente fosse capaz de fazer algo melhor do que isto.

Sobre o autor
Fábio de Oliveira Ribeiro

Advogado em Osasco (SP)

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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