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O AI-5 ditatorial (1968) e o art. 5º democrático (1988): filhos de uma mesma pátria

Agenda 15/03/2015 às 16:02

Uma reflexão comparativa dos anos de 1968 e 1988, onde, dois momentos políticos, distintos, se encontram sob o mesmo cenário.

 ATO INSTITUCIONAL Nº 5, DE 13 DE DEZEMBRO DE 1968

“... Que medidas mais enérgicas deveriam ser tomadas para controlar as manifestações de descontentamento de qualquer ordem.

Nas palavras do ministro do Exército, Aurélio de Lira Tavares, o governo precisava ser mais enérgico no combate a "ideias subversivas". O diagnóstico militar era o de que havia "um processo bem adiantado de guerra revolucionária" liderado pelos comunistas.” *

Senado Federal

Subsecretaria de Informações

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, ouvido o Conselho de Segurança Nacional, e

CONSIDERANDO que a Revolução Brasileira de 31 de março de 1964 teve, conforme decorre dos Atos com os quais se institucionalizou, fundamentos e propósitos que visavam a dar ao País um regime que, atendendo às exigências de um sistema jurídico e político, assegurasse autêntica ordem democrática, baseada na liberdade, no respeito à dignidade da pessoa humana, no combate à subversão e às ideologias contrárias às tradições de nosso povo, na luta contra a corrupção, buscando, deste modo, "os. Meios indispensáveis à obra de reconstrução econômica, financeira, política e moral do Brasil, de maneira a poder enfrentar, de modo direito e imediato, os graves e urgentes problemas de que depende a restauração da ordem interna e do prestígio internacional da nossa pátria" (Preâmbulo do Ato Institucional nº 1, de 9 de abril de 1964);

Complementando as palavras do ministro do Exército, foi, também, com base nas palavras do então Ministro do Trabalho, Jarbas Passarinho, que, em 13/12/1968, foi baixado o maior atentado contra nosso país. O Ato Institucional nº 5, mais conhecido como AI-5 que:

“Suspende a garantia do habeas corpus para determinados crimes; dispõe sobre os poderes do Presidente da República de decretar: estado de sítio, nos casos previstos na Constituição Federal de 1967; intervenção federal, sem os limites constitucionais; suspensão de direitos políticos e restrição ao exercício de qualquer direito público ou privado; cassação de mandatos eletivos; recesso do Congresso Nacional, das Assembleias Legislativas e das Câmaras de Vereadores; exclui da apreciação judicial atos praticados de acordo com suas normas e Atos Complementares decorrentes”.

Foi o mais famigerado e violento ato (que perdurou por 10 anos) da ditadura militar para conter a “ordem” que estava, segundo quem o instituiu, partindo para caminhos perigosos.

Pois bem, para não dispersarmos com a lei “seca”, vamos partir para os dias de hoje e analisar não o texto expresso, mas, sim, refletir sobre os motivos determinantes (segundo o governo da época) que levaram à decretação do AI-5 e o surgimento, 10 anos após sua extinção, do nosso art. da Constituição Federal de 1988, melhor dizendo, nossa carta de alforria social.

Ordem democrática, baseada na liberdade, no respeito à dignidade da pessoa humana, na luta contra a corrupção, buscando, deste modo, "os meios indispensáveis à obra de reconstrução econômica, financeira, política e moral do Brasil"... determinaram aquilo que, hoje, aqui, é objeto de reflexão, pois são os mesmo motivos que enfrentamos em nosso cotidiano atual.

Muito me preocupa o caminho para qual a nossa raça (humana) caminha. De verdade. E cada vez mais a frase de Albert Einstein “Não sei como será a 3ª guerra mundial, mas a 4ª, com certeza, será com paus e pedras” faz, a cada dia, mais sentido.

Voltemos para uma reflexão entre o AI-5 e toda a sua censura e o art. e toda a sua liberdade.

Vale frisar que o art. da nossa Constituição (apelidada de Constituição cidadã) veio para resgatar aquilo que foi subtraído nos anos cinza, os anos de chumbo da ditadura. Resgatar o mínimo que uma pessoa precisa para viver, unicamente, como ser humano de forma digna.

Na época em que vigorou o AI-5, as liberdades individuais foram restringidas, senão extintas, e desrespeitadas no Brasil. É o movimento final de "legalização" da arbitrariedade que pavimentou uma escalada de torturas e assassinatos contra opositores do regime.

Foi o grande, senão o único, responsável pelo endurecimento da censura no regime militar, estendendo a fiscalização prévia aos artigos e reportagens da imprensa, às letras de música, às peças teatrais e às cenas de filmes.

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Com a chegada do art. da CF/88, este trouxe, além de um universo de outras garantias individuais e coletivas, a garantia da legalidade, desta vez, legítima. Importante “bagagem” trazida pela CF/88, pois o art. 11 do AI-5 estabelecia que:

Art . 11 - Excluem-se de qualquer apreciação judicial todos os atos praticados de acordo com este Ato institucional e seus Atos Complementares, bem como os respectivos efeitos.

Nítido poder absolutista e insegurança jurídica. E o que era a segurança jurídica? Não existia!

Com a chegada das garantias individuais e coletivas, após 10 anos de “privação de emoções” (e hoje, 25 anos, após estarmos vivendo sem algemas invisíveis), parece que o momento é o mesmo de meados de 1968.

Se observarmos, atentamente, os motivos descritos no preâmbulo do AI-5, veremos (e aposto que com muito espanto), que são os mesmos motivos que podem motivar uma repetição do tão famigerado e criticado ato.

Sei que muitos não vão concordar, dizer que o momento é outro e que hoje seria diferente, mas não podemos esquecer de uma frase que circula sempre em nosso meio de que “quem não conhece a história tende a repeti-la”.

Estamos, descontroladamente, fazendo valer nossos direitos de forma desordenada, esquecendo que a mesma CF/88, o mesmo art. , o mesmo inciso I, estabelece que temos Direitos e Obrigações. Sim, obrigações.

Não podemos usar aquilo que foi conquistado para contradizer tudo aquilo que reivindicamos. Estamos vivendo em uma ditadura democrática pessoal, em que cada um acha que pode fazer o que quer (e da forma que quiser), no tempo que achar que deve fazer. E há sério risco para que se instaure, novamente, um sistema de governo totalitário.

No título deste artigo, usei uma expressão, já bem conhecida, sobre o ano de 1968, mas uma nova para o de 1988. E por que usei a expressão “o ano que não começou”?

Pelo simples fato de não ter começado, ainda, a ser implementado por nós (e não somente pelo governo) o real significado do art. da nossa CF/88.

Buscamos nossos direitos, mas esquecemos das nossas obrigações (constitucionalmente garantidas).

A legalidade trazida pelo art. 5º, principalmente no inciso II, trata da base direta de um Estado Democrático de Direito, pois estabelece a ideia de “governo das leis” e não “governos dos homens”. Democracia e não Ditadura. É a manifestação do poder do “todo” e não do “um”.

O grande problema que enfrentamos hoje, na minha visão, é de como esse poder é exercido por nós. Acredito que estamos tendo uma interpretação errada daquilo que foi proposto. Não adianta ficarmos culpando o Governo se não fazemos absolutamente nada para que se efetive, de forma concreta, as nossas garantias conquistadas.

Devemos exercer a nossa liberdade de forma consciente, sabendo que, também, existem outras liberdades individuais. Não podemos ser totalitários de nós mesmo, pois, dessa forma, seremos totalitários perpétuos dentro de uma democracia imaginária.

Devemos ter a consciência de que se não abrirmos os olhos a tempo, podemos decretar a nossa censura novamente. Se nos é lícito manifestar, que manifestemos. Se nos é lícito expressar, que expressemos. Se nos é lícito discordar, que discordemos, porém, de forma ordenada e respeitando os direitos e obrigações alheios.

ORDEM E PROGRESSO, PROGRESSO E ORDEM!

Sobre o autor
Denis Caramigo Ventura

Denis Caramigo Ventura: Advogado criminalista especialista em Crimes Sexuais; www.caramigoadvogados.com.br E-mail: caramigo@caramigoadvogados.com.br Facebook: Denis Caramigo Ventura Twitter: @deniscaramigo Instagram: @deniscaramigoventura

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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