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Crise: reflexões sobre um criminoso conceito de liberdade

Agenda 23/03/2015 às 16:03

Aqueles que querem depor a presidenta não são apenas inimigos do PT, eles são inimigos da "soberania popular" e da igualdade jurídica de todos os cidadãos perante as urnas.

Dilma Rousseff foi eleita pela maioria dos brasileiros para governar o Brasil. As eleições foram limpas e homologadas pelo TSE. Do ponto de vista jurídico e constitucional a legitimidade do mandato dela é inquestionável. Mesmo assim a posse dela tem sido questionada e grupos minoritários exigem o Impedimento e até o uso da força militar para depor a presidenta.

A liberdade conferida aos descontentes pela CF/88 permite que eles proclamem seu desgosto, permite até que eles se reúnam para demonstrar publicamente seu descontentamento. Mas nenhuma Constituição confere ao cidadão o direito de destruir os fundamentos do poder. O fundamento do poder no Brasil é a “soberania popular” e a mesma é exercida através do voto. Há igualdade jurídica entre os eleitores das diversas regiões, ganha o candidato a presidente que tiver mais votos. Um cidadão não pode alegar que seu voto é melhor que o de seu adversário ou que o voto dele tem menos valor que o seu ou deve ser desconsiderado só porque foi atribuído a um candidato que ele odeia. O resultado das eleições deve ser respeitado e qualquer tentativa de alterar as regras do jogo político acarretará rompimento da ordem constitucional.

As Forças Armadas não são guardiãs da Constituição e sim das fronteiras do país. Se houver tumulto provocado pelos descontentes e o mesmo não puder ser contido com o uso das PMs as mesmas poderão ser utilizadas, mas não para derrubar o governo legítimo eleito e sim para conter com o uso da força aqueles que pretendem rasgar a Constituição e impor sua vontade pela força bruta.

A participação do governo numa Monarquia decorre do Direito Divino e da descendência da família real. Numa República só participam do governo aqueles que foram eleitos, que receberam o poder mediante eleições legítimas como as que ocorreram em 2014. Uma vez homologado pelo TSE o resultado das eleições, aplica-se ao nosso regime republicado o mesmo conceito de liberdade que havia nas monarquias anteriores à época moderna em que se “...insistia enfaticamente em separar a liberdade dos súditos de qualquer participação no governo; para o povo, ‘liberdade e independência consistem em ter por governo as leis mediante as quais sua vida e seus bens podem ser mais seus; não em partilhar do governo ou pertencer a ele’, como resumiu Carlos I em seu discurso no cadafalso.” (Entre o Passado e o Futuro, Hannah Arendt, coleção Debates, editora Perspectiva, 2009, p. 197).

O regime constitucional permite aos cidadãos defenderem publicamente a deposição da presidenta. Mas ela não pode ser deposta. Se agirem para realizar seu desejo, os defensores do golpe se colocarão fora do regime constitucional e isto permitirá a Dilma Rousseff usar a força para garantir a ordem.

A liberdade dos inimigos da presidenta não é e não deve ser absoluta, tampouco pode limitar a liberdade dos cidadãos que votaram no PT ou das instituições públicas que realizaram as eleições e proclamaram seu resultado. O liberalismo é um corolário da CF/88 e como disse Hannah Arend “ ‘Nenhuma pessoa pretende que as ações devam ser tão livres quanto as opiniões’. Isso, é claro, inclui-se entre os dogmas fundamentais do liberalismo, o qual, não obstante o nome, colaborou para a eliminação da noção de liberdade do âmbito político. Pois a política, de acordo com a mesma filosofia, deve ocupar-se quase exclusivamente da manutenção da vida e a salvaguarda de seus interesses.” (Entre o Passado e o Futuro, Hannah Arendt, coleção Debates, editora Perspectiva, 2009, p. 202).

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O perigo para o regime constitucional em vigor não vem das ruas, nem dos discursos inflamados em manifestações ridículas convocadas pela classe média e pela classe alta derrotadas nas eleições. A única instituição que pode colocar em risco a democracia neste momento é a imprensa, esta mesma imprensa que está parcialmente atolada no escândalo do HSBC-Suíça.

Nos últimos dias a “liberdade de imprensa”  tem sido mal utilizada. Jornais, revistas e redes de TV implicadas no Swissleaks, inspirados pelo desejo de vingança contra um governo legítimo que cumpre sua missão de perseguir sonegadores de impostos, estão discretamente apoiando os grupos que pretende destruir a liberdade constitucional,  que tentam impor ao povo brasileiro o triunfo de um candidato derrotado nas urnas. As empresas de comunicação não conspiram contra Dilma Rousseff ou contra o PT. O alvo dos inimigos do regime constitucional é a “soberania popular”. A verdade nua e crua é evidente: os descendentes dos senhores de escravos odeiam os descendentes de índios e de negros. Eles acreditam que são melhores que os “outros brasileiros" e, sobretudo, não acreditam mais na virtude de um regime que reconhece a igualdade jurídica de todos perante as urnas (em que não conseguem obter a maioria dos votos).

Os golpistas são racistas, sim, mas a maioria deles nunca dirá isto abertamente. Racismo é crime e os espertalhões não querem ser tratados como criminosos, muito embora tenham um conceito criminoso de liberdade, uma concepção distorcida de República e, sobretudo, uma idéia excludente de democracia. Eles querem uma democracia sem povo, ou no mínimo, sem eleições desde que eles mesmos estejam no poder sem precisar ser eleitos. 

Sobre o autor
Fábio de Oliveira Ribeiro

Advogado em Osasco (SP)

Informações sobre o texto

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