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Os fins sociais da norma e os princípios gerais de direito

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Agenda 01/02/2003 às 00:00

6. PRINCÍPIOS GERAIS DE DIREITO

CARLOS MAXIMILIANO em sua clássica obra Hermenêutica e aplicação do direito no capítulo referente aos princípios gerais de direito inaugura-o com a seguinte lavra:

"Todo conjunto harmônico de regras positivas é apenas o resumo, a síntese, o substratum de um complexo de altos ditames, o índice materializado de um sistema orgânico, a concretização de uma doutrina, série de postulados que enfeixam princípios superiores. Constituem estes as diretivas idéias do hermeneuta, os pressupostos científicos da ordem jurídica." [50]

Os princípios gerais de direito são os cânones que não foram ditados, explicitamente, pelo elaborador da norma, mas que estão contidos de forma imanente no ordenamento jurídico. Os princípios gerais de direito não são resgatados fora do ordenamento jurídico, porém descobertos no seu interior.

De acordo com os ensinamentos de ATALIBA tem-se que:

"Os princípios são as linhas mestras, os grandes nortes, as diretrizes magnas do sistema jurídico. Apontam os rumos a serem seguidos por toda a sociedade e obrigatoriamente perseguidos pelos órgãos do governo (poderes constituídos).

Eles expressam a substância última do querer popular, seus objetivos e desígnios, as linhas mestras da legislação, da administração e da jurisdição. Por estas não podem ser contrariados; têm que ser prestigiados até as últimas conseqüências." [51]

GRAU aponta no sentido de encontrar o fundamento do direito posto na sociedade que historicamente o pressupõe, e que é no direito pressuposto que se encontra os princípios gerais de um determinado direito dessa sociedade. A sociedade produz o direito pressuposto; o Estado o direito posto, apenas o direito produzido pela sociedade é comprometido com a justiça. [52]

Ao invocar os princípios gerais do direito o aplicador investiga o pensamento mais alto da cultura jurídica, perquirindo o pensamento filosófico sobranceiro ao sistema, ou as idéias estruturais do regime, impondo, por consectário lógico, a regra em que dada espécie se contém implícita no organismo jurídico nacional, permitindo ao aplicador do direito suprir a deficiência legislativa com a adoção de um cânon que o legislador não chegou a ditar sob a forma de preceito, mas que se contém imanente no espírito do sistema jurídico. [53]

Inquestionável que os princípios gerais de direito é fonte de máxima importância, contudo da mais difícil utilização, pois exigem do aplicador do direito um manuseio com instrumentos mais abstratos, complexos e de idéias de maior teor cultural do que os preceitos singelos de aplicação quotidiana.

Os princípios gerais de direito, entendemos, não são preceitos de ordem ética, política, sociológica ou técnica, mas elementos componentes do direito. São normas jurídicas de valor genérico que orientam a compreensão do sistema jurídico, em sua aplicação e integração, podendo estar positivados ou não.

TORRÉ destaca que os princípios gerais de direito se reduzem a justiça, mas com ela não se identificam. [54]

HART em seu pós-escrito dirigido às críticas que seu pensamento recebeu, ensina que os princípios jurídicos diferem das demais regras de "tudo ou nada" porque, quando são aplicáveis, não "obrigam" a uma decisão, mas apontam para uma decisão, ou afirmam uma razão que pode ser afastada. E comenta ainda o entendimento de DWORKIN, para quem, os princípios jurídicos diferem das regras porque têm uma dimensão de peso, mas não de validade, e, por isso, sucede que, em conflito com outro princípio de maior peso, um princípio pode ser afastado, não logrando determinar a decisão, mas, não obstante, sobreviverá intato para ser utilizado noutros casos em que possa prevalecer, em concorrência com qualquer outro princípio de menor peso. Por outro lado, as regras ou são válidas ou inválidas, mas não tem esta dimensão de peso, por isso quando entrarem em conflito, apenas uma delas pode ser válida, e a outra reformulada, de forma a torná-la coerente com a sua concorrente e, conseqüentemente, inaplicável ao caso dado. [55]

DWORKIN após a superação do positivismo jurídico por HART, e mais pretencioso, nega este positivismo, para afirmar o direito como construção a partir de princípios. Para ele os princípios estão acima da prática, e é a eles que os aplicadores do direito e os cidadãos estão adstritos. [56]

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7. CONCLUSÃO

A norma jurídica não se identifica com suas palavras, que constituem apenas um meio de comunicação, em regra, imperfeito. Entendê-la não pode se restringir a averiguar o sentido imediato oriundo da expressão, mas indagar e buscar o que o texto encerra, desenvolvendo-o em todos os seus espectros possíveis até alcançar o seu real conteúdo.

A dificuldade da interpretação é selecionar, mediante o emprego dos vários processos interpretativos, a melhor, mesmo que de lege ferenda, entre as várias soluções que a norma comporta, sem esquecer que a escolha deverá ocorrer sobre o prisma da utilidade social e da justiça, sendo que esta é histórico-social e objetiva por estar na consciência jurídica da sociedade.

Conclui-se que o operador do direito ao aplicar a norma, quer seja ela de subsunção do fato à norma, quer seja de integração de lacuna, exerce um mister com dimensão nitidamente descobridora de norma individual, já que despendem, se necessário, de uma construção jurídica a fim de elaborar uma justificação aceitável de uma situação existente, não aplicando os textos legais friamente, atendo-se, intuitivamente, às suas finalidades, com sensibilidade, condicionando e inspirando sua decisão aos limites contidos no sistema jurídico, demarcados pelos princípios gerais de direito.

Não se aceitando essa maleabilidade para o descobrimento normativo, o direito não se concretizaria, pois, sendo inflexível, não teria a possibilidade de acompanhar as mutações sociais e valorativas da realidade, que não é, nem vai ser, plena e acabada, estando sempre se perfazendo.

Espera-se que o conceito de direito se expanda, aprofundando suas bases numa política mais geral de integridade, comunidade e fraternidade, inumando a idéia de ser o direito um instrumento de dominação de classes. Se o direito não existe por e para um ideal de justiça, para que então o direito?

É preciso vivificar os artigos 4º e 5º da Lei de Introdução ao Código Civil, buscando a justiça, arrefecendo a norma quando este se chocar com aquela. E que os defensores do positivismo não se esqueçam que não é a doutrina ou a jurisprudência que estão trazendo esse entendimento, mas sim o direito posto por intermédio dos dispositivos aqui tratados.

A era da aplicação mecânica do direito está por se esvair. Cada vez mais os aplicadores do direito estão cientes que só com a revitalização da norma, por intermédio da adaptação das normas ao fim social imposto pelo meio e pela realidade, é que se poderá alcançar a justiça.


NOTAS

01. Hans Kelsen, Teoria pura do direito, passim.

02. Ibidem.

03. Decreto-lei nº 4.657, de 04 de setembro de 1942.

04. Ou melhor, "abandonar" este simples ensaio, afinal seria muita pretensão concluir peremptoriamente.

05. Maria Helena Diniz, Lei de introdução ao código civil brasileiro interpretada, p. 4.

06. Maria Helena Diniz, op. cit., p. XVII.

07. As lacunas de conhecimento referem-se aos casos individuais em que não há certeza fática, restando dúvida ao aplicador do direito se certo fato pertence ou não a uma determinada classe ou tipo.

08. Destaca-se aqui a zona de certeza positiva, dentro na qual ninguém duvidaria do cabimento da aplicação da palavra que os designa e uma zona de certeza negativa em que seria certo que por ela não estaria obrigada. As dúvidas só tem cabida no intervalo entre ambas.

Cf.: Karl Engisch, Introdução ao pensamento jurídico, p. 209, que diz que se pode distinguir "... nos conceitos jurídicos indeterminados um núcleo conceitual e um halo conceitual. Sempre que temos uma noção clara do conteúdo e da extensão dum conceito, estamos no domínio do núcleo conceitual. Onde as dúvidas começam, começa o halo do conceito".

09. As tradicionas lacunas jurídicas.

10. Hermenêutica e aplicação do direito, p. 29.

11. Manuel Atienza, Introducción al derecho, p. 19: "Probablemente es impossible eliminar del todo la vaguedad de nuestros conceptos, en especial cuando el vehículo de los mismos es el lenguaje natural (castellano, catalán, inglés...) y no un lenguaje artificial construido a propósito para eliminar en lo posible la vaguedad y las imprecisiones en general (el lenguaje científico)."

12. Maria Helena Diniz, op. cit., p. 10.

13. Eros Roberto Grau. O direito posto e o direito pressuposto, p. 19.

14. Tercio Sampaio Ferraz Jr., p. 285.

15. Eduardo J. Couture, Introdução ao estudo do processo civil, p. 55.

16. Caio Mário da Silva Pereira, Institutos de direito civil, p. 125.

17. Claus-Wilhelm Canaris, Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito, p.106.

18. Herbert L. A. Hart, O conceito de direito, passim.

19. Cf.: Ronald Dworkin, O império do direit, p. 3-10, que entende que o aplicador "descobre" o direito, e não "cria" o direito, o que com ele concordamos.

20. Herbert L. A. Hart, op. cit., p. 139-141.

21. Ibidem, p. 141.

22. Herbert Hart, op. cit., p. 148.

23. Maria Helena Diniz, op. cit., p. 91-2.

24. Karl Engisch, op. cit., p. 275.

25. Ronald Dworkin, op. cit., p. 11.

26. Carlos Maximiliano, op. cit., p. 83, tratando da importância e complexidade da tarefa do hermeneuta.

27. Tercio Sampaio Ferraz Jr., Ciência jurídica, p. 68.

28. Margarida Maria Lacombe Camargo. Hermenêutica e argumentação, p. 13-14.

29. Ou, in claris non fit interpretatio.

30. Cf.: Carlos Maximiliano, op. cit., p. 196, que também entende que tal parêmia já se acha destituída de valor científico.

31. Apud. Maria Helena Diniz, op. cit., p. 144.

32. Rudolf Von Ihering, A luta pelo direito, p. 43.

33. Maria Helena Diniz, op. cit., p. 138.

34. Karl Larenz, Metodologia da ciência do direito, p. 170.

35. Maria Helena Diniz, op. cit., p. 157.

36. Maria Helena Diniz, op. cit,, p. 158.

37. Vicente Ráo, O direito e a vida dos direito, p. 95.

38. Maria Helena Diniz, op. cit., p. 161.

39. Ibidem, p. 174.

40. Cf.: Hans Kelsen, O que é justiça? Nesta obra o autor inaugura seu pensamento com a seguinte assertiva: "Talvez por se tratar de uma dessas questões para as quais vale o resignado saber de que o homem nunca encontrará uma resposta definitiva; deverá apenas tentar perguntar melhor.", p. 1.

41. J. Flóscolo Nóbrega, Introdução ao direito, p. 30.

42. John Rawls, Uma teoria da justiça, p. 7.

43. Deuteronômio 16:20.

44. Aristóteles, Ética a nicomáquea, VII, 8, 1151, apud Maria Helena Diniz, op. cit, p. 162.

45. Cumpre salientar que, em filosofia social, o conceito de "fim social" equipara-se ao de "bem comum", cf. Silvio de Macedo, Fim social, in Enciclopédia saraiva de direito. v. 37, p. 391.

46. Op. cit., p. 129-130.

47. Rudolf Von Ihering, op. cit., p. 60-5, passim.

48. Goffredo Telles Jr., Introdução à ciência do direito, p. 89-92.

49. Ronald Dworkin, op. cit., p. 492.

50. P. 241.

51. Geraldo Ataliba, República e constituição, p. 34.

52. Eros Grau, op. cit., p. 35-55 passim. Traz ainda o autor: "Ensina Ferrara (1978/160): ‘Todo o edifício jurídico se alicerça em princípios supremos que formam as suas idéias directivas e o seu espírito, e não estão expressos, mas são pressupostos pela ordem jurídica. Estes princípios obtêm-se por indução, remontando de princípios particulares e conceitos mais gerais, e por generalizações sucessivas aos mais elevados cumes do sistema jurídico. E é claro que quanto mais alto se leva esta indução, tanto mais amplo será o horizonte’.", p.55.

53. Caio Mário da Silva Pereira, op. cit., p. 49.

54. Abelardo Torré, Introducción al derecho. 6ª ed., Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1972, p. 367, apud, Maria Helena Diniz, op. cit. 127.

55. Herbert L. A Hart, op. cit., p. 323.

56. Ronald Dworkin, op. cit., p. 492.


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Sobre o autor
Anderson Sant'Ana Pedra

Doutorando em Direito Constitucional pela PUC/SP, Mestre em Direito pela FDC/RJ, Especialista em Direito Público pela Consultime/Cândido Mendes/ES, Chefe da Consultoria Jurídica do TCEES, Professor em graduação e em pós-graduação de Dir. Constitucional e Administrativo, Consultor do DPCC ­ Direito Público Capacitação e Consultoria, Advogado em Vitória/ES

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEDRA, Anderson Sant'Ana. Os fins sociais da norma e os princípios gerais de direito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 62, 1 fev. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3762. Acesso em: 23 dez. 2024.

Mais informações

Texto também divulgado na seguinte publicação: Revista forense eletrônica. Rio de Janeiro: Forense. ISSN nº 1678-6777, v. 368, p. 557-565. jul./2003.

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