Problematização: Tício foi julgado pelo Egrégio Tribunal do Júri e foi absolvido. O promotor de justiça recorreu alegando que a decisão dos jurados foi manifestamente contrária à prova dos autos. O Tribunal de Justiça deu provimento ao recurso, anulou e determinou novo julgamento. No segundo julgamento, Tício foi condenado e a defesa recorreu alegando nulidade, porque o Promotor fez a leitura em plenário da ementa do acórdão que anulou julgamento anterior.
Solução jurídica:
Explicava Tucci: “assim, considerada stricto sensu, a pronúncia é a decisão interlocutória mediante a qual o magistrado declara a viabilidade da acusação por se convencer da existência do crime e de indícios de que o réu seja o seu autor”[1].
Como é de conhecimento correntio, da decisão de pronúncia caberá recurso em sentido estrito, portanto, o art. 478, I, do Código de Processo Penal, é taxativo ao dispor que as partes não poderão, durante os debates, fazer referência à decisão de pronúncia, às decisões posteriores que julgaram admissível a acusação ou à determinação do uso de algemas como argumento de autoridade, independentemente se tais atos beneficiem ou prejudiquem o acusado, sob pena de nulidade.
Entendo que a leitura do acórdão que anulou julgamento anterior e determinou que o réu fosse submetido a novo julgamento não causa nulidade, porque:
1.Não é literalmente qualquer referência à sentença de pronúncia em plenário que invalida um julgamento, portanto, a simples leitura do acórdão que anulou julgamento anterior e determinou que o réu fosse submetido a novo julgamento também não tem o condão de anular um julgamento.
2.Ademais, não é considerado “argumento de autoridade”; assim, não há qualquer vedação a que o promotor ou assistente de acusação faça referência ao acórdão que anulou julgamento anterior e determinou que o réu fosse submetido a novo julgamento ou àquilo que nela conste, inclusive, podendo ler referida decisão, até porque a acusação em plenário tem o direito de informar aos jurados a verdade produzida nos autos, qual seja, que o réu foi submetido a um julgamento, foi absolvido e que o Tribunal ad quem devolveu os autos para que fosse realizado outro julgamento.
No mesmo sentido já decidiu o STJ:
“Na hipótese em apreço, tendo constado da ata de julgamento que o Promotor de Justiça procedera a leitura do acórdão anulatório da anterior assentada, sem referência ao seu emprego como argumento de autoridade, não há lastro para o reconhecimento de eiva apta a invalidar tal ato processual. Habeas Corpus não conhecido.” (STJ: Habeas Corpus nº 204.947/PE no Superior Tribunal de Justiça, que não foi conhecido, em 11/03/2014).
3.O rol previsto no artigo 478 do Código de Processo Penal é taxativo; in casu, concluímos que não é proibida a leitura do acórdão que anula julgamento anterior e determina que o réu seja submetido a novo julgamento.
Nesse sentido manifesta-se o TJSP, TJMG, TJSC, TJDFT, TJRS, entre outros:
TJSP:
A leitura pelo membro do Ministério Público, quando dos debates orais, de trechos de acórdão que anulou anterior julgamento proferido pelo Tribunal do Júri, não se amolda a nenhuma das hipóteses previstas no art. 478 do CPP, eis que, além de tal decisum não ter julgado admissível a acusação, determinando-se, tão-somente, a realização de um novo julgamento, referida tese não se constituiu em um argumento de autoridade passível de, por si só, influenciar na decisão dos jurados. (TJSP: ACÓRDÃO:20112743, APELAÇÃO CRIMINAL: 1337/2010, PROCESSO: 2010320579).
TJMG:
APELAÇÃO CRIMINAL - TRIBUNAL DO JÚRI - HOMICÍDIO QUALIFICADO-PRIVILEGIADO - NULIDADE - ALUSÃO EM PLENÁRIO AO ACÓRDÃO QUE CASSOU O PRIMEIRO JÚRI - AFRONTA AO ART. 478, DO CPP - NÃO OCORRÊNCIA - DECISÃO QUE NÃO SE INCLUI NO ROL DAS PEÇAS PROCESSUAIS VEDADAS NO DISPOSITIVO LEGAL. (Apelação Crime Nº 1.0079.97.025003-5/002, 1ª Câmara Criminal do TJMG, Relatora Desa. Márcia Milanez, Julgado em 16/01/2010, DJ 21/01/2011).
TJSC:
Alegada nulidade por violação ao disposto no artigo 478, inciso I, do código de processo penal. Leitura em plenário, pelo ministério público, da ementa do acórdão que anulou julgamento anterior. Hipótese não prevista no art. 478, inciso I, do código de processo penal. Ausência de demonstração de prejuízo pela defesa. Nulidade inocorrente. Preliminar afastada. (...) (TJSC; ACr 2009.043370-1; Joaçaba; Terceira Câmara Criminal; Rel. Des. José Antônio Torres Marques; DJSC 02/12/2009; Pág. 388)
TJDFT:
PROCESSO PENAL. JÚRI. ALEGADA NULIDADE POR VIOLAÇÃO AO DISPOSTO NO ARTIGO 478, INCISO I, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. LEITURA EM PLENÁRIO, PELO MINISTÉRIO PÚBLICO, DA EMENTA DO ACÓRDÃO QUE ANULOU JULGAMENTO ANTERIOR. HIPÓTESE NÃO PREVISTA NO ART. 478, INCISO I, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. (Apelação Criminal nº 20060110692455, Relator ALFEU MACHADO, 2ª Turma Criminal do TJDFT, julgado em 02/09/2010, DJ 15/09/2010 p. 213).
TJRS:
Preliminar defensiva de nulidade posterior à pronúncia, por violação ao artigo 478, inciso I, do CPP, eis que o agente ministerial, em Plenário, leu aos Jurados o acórdão que anulou o primeiro julgamento do réu, igualmente rejeitada. O referido artigo é taxativo, em relação às peças que não poderão ser lidas em Plenário. (...) PRELIMINARES REJEITADAS. APELAÇÃO PARCIALMENTE CONHECIDA E, NESTA PARTE, IMPROVIDA. (TJRS; ACr 70027688902; Cruz Alta; Segunda Câmara Criminal; Rel. Des. José Antônio Cidade Pitrez; Julg. 19/02/2009; DOERS 07/04/2009; Pág. 116)
Parte integrante do livro Manual do Júri – Teoria e Prática, 2ª edição, 2015, Editora JH Mizuno
Nota
[1] Tucci, Rogério Lauria. Persecução penal, prisão e liberdade. São Paulo: Saraiva, 1980, p. 144.