Sobejo é o entendimento de que em relação à Constituição, direito adquirido não prevalece contra a mesma, exceto se já recebeu guarida na própria Carta Magna.
Nesse esteio a Constituição de 88 no seu art. 5º, inciso XXXVI consagrou, verbis :
“Art. 5º
XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.”
Logo se vê pelo dispositivo retromencionado, que a lex superior erigiu e defende, como norma constitucional, a manutenção dos chamados direitos adquiridos. Tudo isso em nome da segurança das relações jurídicas.
Mas, o que vem a ser segurança jurídica?
Pontifica o mestre Jorge Reinaldo Vanossi em seu El Estado de Derecho en el Constitucionalismo Social — a segurança jurídica consiste no conjunto de condições que tornam possível às pessoas o conhecimento antecipado e reflexivo das consequências diretas de seus atos e de seus fatos à luz da liberdade reconhecida.
Pois bem, a nota essencial da segurança jurídica encontra-se na certeza que a pessoa tem de que as relações realizadas por ela, sob a égide de determinada norma, devem perdurar mesmo que tal norma seja revogada expressa ou tacitamente.
Assim, ao ingressar no serviço público, o cidadão sabe previamente das condições de seu trabalho, deveres e direitos, restrições funcionais, etc., uma vez que, existe um plexo de normas, inclusive constitucionais, disciplinando suas atividades. Portanto, o indivíduo tem uma relativa certeza de que o avençado por ele, sob o império de uma lei, deve ser respeitado.
O servidor que nomeado por concurso em caráter efetivo, atendendo os requisitos de provimento do cargo e, tenha transposto o estágio probatório de dois anos, lhe é assegurado estabilidade. Estabilidade é garantia de permanência no serviço público, atributo pessoal do ocupante do cargo; é direito adquirido albergado pela Carta de 88.
Desta forma, configura-se de insuportável ilegalidade a proposta do Executivo que pretende extinguir a estabilidade dos servidores públicos e, mais descabida é a sua proposta de Emenda Constitucional nº 33-A, que altera o sistema previdenciário, cancelando o direito dos aposentados perceberem proventos iguais aos vencimentos pagos aos servidores em atividade (CF, art. 40, §§ 4º e 5º), restrição àqueles que se acham no gozo do benefício, violentando assim, o ordenamento jurídico.
Quasímodo jurídico, como diria o prof. Paulo Bonavides, é pretender por meio de emenda alterar estas e outras garantias constitucionais, atingindo a própria cláusula de reserva legal que impede a ofensa ao direito adquirido (CF, art. 5º, XXXVI).
Não andou bem o presidente Fernando Henrique Cardoso, ao avalizar mudanças desta ordem, onde ofende o princípio da reserva legal, impedindo a prevalência do direito adquirido. Certo, é verdade, o país precisar de mudanças, mas antes é preciso respeitar o fato produzido de forma idônea e que foi incorporado definitivamente ao patrimônio do seu titular — direito adquirido.
Mark Twain, mestre da literatura americana, polêmico autor do Huckleberry Finn, considerado por Ernest Hemingway e William Faulkner como o pai do romance nos EUA, dizia — em questões de Estado, cuide das formalidades e pode esquecer as moralidades. No Brasil, olvidam-se até das formalidades, e quanto às moralidades ninguém sabe nem o que é isto.