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Arrastão - retrato de uma sociedade fragilizada

Agenda 06/04/2015 às 01:18

O que revela a preocupante proliferação da prática de crimes contra grupos de vítimas, em ações cada vez mais ousadas dos bandidos.

Há trinta anos, se alguém ouvisse a expressão “arrastão” no Brasil, certamente a associaria à pesca com rede nas cidades litorâneas, em que o termo corresponde ao ato de puxá-la do mar para a areia, arrastando os peixes ali capturados. Há quinze anos, o ouvinte talvez já a associasse às ações de grupos – quase sempre de adolescentes – que corriam pela praia praticando furtos contra banhistas no Rio de Janeiro. Agora, o significado do vocábulo é outro, muito mais assustador, que traz em si, além do medo, associação à violência grave. 

No contexto atual da segurança pública, arrastão passou a designar a ação de criminosos, em bando ou mesmo apenas em dupla, que atacam vítimas em locais com concentração de pessoas, sem restrição. Clientes em restaurantes ou shoppings, pacientes em clínicas, motoristas em congestionamentos de trânsito, moradores em edifícios residenciais ou até mesmo – e surrealmente - passageiros do metrô, todos são vítimas em potencial dessa modalidade de roubo, cujas consequências não raro descambam para agressões e assassinatos. 

Não há dúvida de que o alastramento dos arrastões está associado à crescente geral de criminalidade que vem se registrando no país, já tão bem estampada pelos sucessivos recordes de homicídios aqui contabilizados. Porém, há algo mais emblemático e específico no caso desta modalidade de crime: a fragilização da sociedade. 

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Na mesma época em que arrastão estava apenas ligado à pesca, grandes concentrações de pessoas eram, para criminosos, sinônimo de alto risco. Agir contra elas era se expor demasiadamente à possibilidade comum de uma reação, fosse das próprias vítimas, fosse de quem estava próximo. Invadir um apartamento com o morador dentro, então, era quase certeza de ser confrontado, pois raros eram os em que o proprietário não dispunha, ao menos, de um revólver calibre 32 ou, para os mais vanguardistas, uma pistola 7,65 para se defender. Hoje, a realidade é completamente diferente. 

Para os criminosos atuais, pessoas aglomeradas são apenas sinônimo de muitas vítimas fáceis. É a certeza de um alto ganho com uma ação só, e a preocupação com a reação praticamente desapareceu. O desarmamento, a única diretriz nacional de segurança pública firmada no país, errou feio seu alvo. Atingiu em cheio quem já era vítima, o cidadão comum, retirando-lhe a chance de se defender, mas não abalou sequer minimamente os bandidos, que ilegalmente seguem cada vez mais armados, com armas que aquele só vê na TV – salvo, claro, quando se torna alvo em concreto. 

Individualmente, ter uma arma ou usá-la para se defender é algo extremamente subjetivo. Pode dar certo ou errado, ser arriscado ou garantia de segurança, tudo depende das circunstâncias. Coletivamente, porém, a possibilidade da presença dela dentre as vítimas em potencial, bem assim de que seja por elas usadas contra ações criminosas, é algo que simplesmente não pode ser eliminado. Se isso é feito, a consequência irremediável é direta: o aumento da ação de bandidos, cada vez mais destemidos, fortalecidos pelo desequilíbrio de forças. E é isso que estamos vendo diariamente.

Sobre o autor
Fabricio Rebelo

Pesquisador nas áreas Jurídica e de Segurança Pública, Coordenador do Centro de Pesquisa em Direito e Segurança (CEPEDES), Professor (cursos livres), Autor de "Articulando em Segurança: contrapontos ao desarmamento civil", Assessor Jurídico.

Informações sobre o texto

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