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Delinquência, criminologia e maioridade penal

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Agenda 06/04/2015 às 15:37

6. CONSEQUÊNCIAS DA REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL NO BRASIL

O artigo 228 da Constituição Federal estabelece que: "são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial".

A legislação especial ao qual a Constituição Federal faz referência trata-se do Estatuto da Criança e do Adolescente. De acordo com o estatuto, o adolescente menor de 18 anos que pratica ato infracional pode sofrer, como medida socioeducativa, desde advertência e prestação de serviços à comunidade até a internação em estabelecimento educacional.

Os casos de internação previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente só devem ocorrer nas hipóteses de: a) ato infracional considerado violento ou com grave ameaça; b) nos casos em que há reincidência de infrações consideradas graves; c) quando há descumprimento de medida socioeducativa anterior. De acordo com a legislação, a internação não pode durar mais de três anos e a liberação é obrigatória aos 21 anos de idade.

Atualmente, com o intuito de reduzir a criminalidade, tem se discutido deliberadamente acerca da redução da maioridade penal no Brasil. Há 22 anos foi apresentada uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC 171/1993).O texto original é de autoria do ex-deputado Benedito Domingos (PP-DF), e altera a redação do artigo 228 da Constituição Federal, com o objetivo de reduzir de 18 para 16 anos a idade mínima para a responsabilização penal.

O ex-deputado Benedito Domingos argumenta que a maioridade penal foi fixada em 1940, quando os jovens, segundo ele, tinham "um desenvolvimento mental inferior aos jovens de hoje da mesma idade".

O ex-deputado acrescenta ainda que: "o acesso à informação, a liberdade de imprensa, a ausência de censura prévia, a liberação sexual, dentre outros fatores", aumentaram a capacidade de discernimento dos jovens para "entender o caráter delituoso" e, por isso, capazes de serem responsabilizados criminalmente.

Finaliza o seu argumento afirmando que: "se há algum tempo atrás se entendia que a capacidade de discernimento tomava vulto a partir dos 18 anos, hoje, de maneira límpida e cristalina, o mesmo ocorre quando nos deparamos com os adolescentes com mais de 16", afirma o texto.

No que se refere ao tema redução da maioridade penal no Brasil, encontramos aqueles que defendem a redução da maioridade penal, bem como aqueles que são contrários a ela.

Para aqueles que são favoráveis a redução da maioridade penal estes argumentam que:

1) A alteração do artigo 228 da Constituição de 1988 não seria inconstitucional, tendo em vista que o artigo 60 da Constituição, no seu inciso 4º, estabelece que as Propostas de Emendas Constitucionais não podem extinguir direitos e garantias individuais. Os defensores da PEC 171 afirmam que ela não acaba com direitos, apenas impõe novas regras;

2) A impunidade gera mais violência. Os jovens e o crime organizado possuem consciência de que as penas aplicadas aos menores infratores são brandas e não podem ser presos e punidos como adultos. Por isso continuam a cometer crimes;

3) A redução da maioridade penal iria proteger os jovens do aliciamento feito pelo crime organizado, que tem recrutado menores de 18 anos para atividades, sobretudo, relacionado ao tráfico de drogas;

4) O Brasil precisa alinhar a sua legislação à de países desenvolvidos com os Estados Unidos, onde, na maioria dos Estados, adolescentes acima de 12 anos de idade podem ser submetidos a processos judiciais da mesma forma que adultos;

5) Por fim, pesquisas revelam que a maioria da população brasileira é a favor da redução da maioridade penal.O instituto CNT/MDA realizou uma pesquisa no ano de 2013 no qual esta indicou que 92,7% dos brasileiros são a favor da medida. No mesmo ano, pesquisa do instituto Datafolha indicou que 93% dos paulistanos são a favor da redução.

Do outro lado, há aqueles que são contrários a redução da maioridade penal afirmando que:

1) A legislação brasileira já pune os infratores em ato infracional, onde a partir dos 12 anos de idade qualquer adolescente é responsabilizado pelo ato cometido contra a lei. O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê que essa responsabilização é executada por meio de medidas socioeducativas e possui como o objetivo ajudá-lo a  recomeçar e a prepará-lo para uma vida adulta de acordo com o socialmente estabelecido.

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2 )Para a subprocuradora-geral da República, Raquel Elias Ferreira Dodge, a solução para essa situação não é a redução da idade penal, mas o endurecimento da pena para adultos que corrompem menores – como o Projeto de Lei 508/2015, do deputado Major Olímpio – e o investimento em políticas sociais para os jovens.

3) A Lei já existe, só falta realizar o seu cumprimento.  O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê para o menor infrator seis medidas educativas: advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, semiliberdade e internação. Recomenda que a medida seja aplicada de acordo com a capacidade de cumpri-la, as circunstâncias do fato e a gravidade da infração. Quando os adolescentes são privados de sua liberdade, a instituição na qual eles cumprem a penalidade imposta não está apta a promover a sua reeducação, reproduzindo o ambiente de uma prisão comum.

4) Não há dados que comprovem que a redução da maioridade penal reduz os índices de criminalidade juvenil. Do total de homicídios cometidos no Brasil nos últimos 20 anos, apenas 3% foram realizados por adolescentes. O número é ainda menor em 2013, quando apenas 0,5% dos homicídios foram causados por menores. Por outro lado, são os jovens (de 15 a 29 anos) as maiores vítimas da violência. Em 2012, entre os 56 mil homicídios em solo brasileiro,30 mil eram jovens, em sua maioria negros e pobres.

5) O Brasil tem a 4° maior população carcerária do mundo e um sistema prisional superlotado com 500 mil presos. O Brasil só perde em número de presos para os Estados Unidos (2,2 milhões), China (1,6 milhões) e para a Rússia (740 mil). É indiscutível que o sistema penitenciário brasileiro não cumpre a sua função social de controle, reinserção e reeducação dos agentes da violência, sendo na verdade uma “escola do crime”.

6) Estudos no âmbito da criminologia e das ciências sociais mostram que não há relação direta de causalidade entre a adoção de soluções punitivas e repressivas e a diminuição dos índices de violência. Entretanto, o que tem observado é que são as políticas e ações de natureza social que desempenham um papel importante na redução das taxas de criminalidade.

7) A idade de responsabilidade penal adotada no Brasil não se encontra em desequilíbrio ou atrasada se comparada à maioria dos países do mundo. Ao compararmos uma lista de 54 países analisados no mundo, temos que a maioria deles adota a idade de responsabilidade penal absoluta aos 18 anos de idade, como é o caso brasileiro. Essa fixação majoritária decorre das recomendações internacionais que sugerem a existência de um sistema de justiça especializado para julgar, processar e responsabilizar autores de delitos abaixo dos 18 anos.

8) De acordo com o Cadastro Nacional de Adolescentes em Conflito com a Lei (CNACL), do Conselho Nacional de Justiça, até junho de 2011 registrou ocorrências de mais de 90 mil adolescentes. Desses 90 mil adolescentes, cerca de 30 mil cumprem medidas socioeducativas. Apesar do número ser considerável, na prática ele, corresponde a 0,5% da população jovem do Brasil.

9) A redução da maioridade penal consiste em tratar o efeito e não a causa. Os adolescentes que cometem crimes são originados de um Estado quem não investe em direitos fundamentais e sociais e para o Estado é mais fácil prender do que educar.

10) O estado ao invés de punir deve antes promover a educação de todos os indivíduos. Todos sabem que a educação é fundamental para qualquer indivíduo se tornar um cidadão digno, mas no Brasil e em muitos países muitos jovens pobres são excluídos deste processo.

11) A redução da maioridade penal não afasta crianças e adolescentes do crime, pois se reduzida a maioridade penal para 16 anos estes serão recrutados mais cedo pelo crime organizado. Reduzir a maioridade penal significa fingir que o problema foi solucionado e mascarar um sistema falido carente de políticas sociais.

12) A redução da maioridade afronta acordos internacionais e fere a Constituição Federal que reconhece prioridade e proteção especial a crianças e adolescentes. A redução é inconstitucional e contraria o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE) de princípios administrativos, políticos e pedagógicos que orientam os programas de medidas socioeducativas. A redução da maioridade penal contraria também a Convenção sobre os Direitos da Criança e do Adolescente da Organização das Nações Unidas (ONU) e a Declaração Internacional dos Direitos da Criança compromissos assinados pelo Brasil.

13) Entidades como a Unicef, Ordem dos Advogados do Brasil, o Ministério Público Federal, a Anced (Associação Nacional dos Centros de Defesa dos Direitos da Criança e Adolescente), o Ministério da Justiça e a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH) já se manifestaram contrários ao projeto.

Apesar de todos os argumentos contra apresentados, a comissão especial da Câmara destinada a analisar a PEC 171/1993 foi instalada no dia 8 de Abril de 2015, tendo até 40 sessões para emitir um parecer sobre a proposta. Logo após, o projeto segue para apreciação no plenário da Câmara, onde precisará de 308 votos, dos 513 deputados em dois turnos de votação para ser aprovado.

Após ser aprovado pela Câmara, a proposta de Emenda Constitucional segue para o Senado Federal, onde também será analisada pela Comissão de Constituição e Justiça da respectiva casa e passará por mais duas votações em plenário, onde são exigidos 49 votos entre os 81 senadores.

Com a aprovação da Câmara, a PEC segue para o Senado,  onde também será analisada pela Comissão de Constituição e Justiça da Casa e passará por mais duas votações em plenário, onde são exigidos 49 votos entre os 81 senadores.

Na hipótese de aprovação do texto da PEC pelo Senado, a emenda é promulgada pelas Mesas da Câmara e do Senado. Se o texto for alterado, volta para a Câmara, para ser votado novamente. Não cabe veto da Presidência da República, pois se trata de emenda à Constituição. A redução, se aprovada, pode ser questionada no Supremo Tribunal Federal, sendo o último responsável pela análise da constitucionalidade das leis.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

A criminalidade é um fenômeno que ocorre em todos os países, no qual para combatê-la é necessário que o Estado atue efetivamente na causa do problema por meio de políticas sociais destinadas a promoção dos direitos fundamentais e sociais proclamados pela Constituição Federal. A redução da maioridade penal no Brasil não fará com que os delitos deixem de acontecer ou que a sua ocorrência diminua, tendo em vista que países como Estados Unidos em que na maioria de seus Estados adolescentes com mais de 12 anos já são submetidos ao mesmo tratamento que os adultos fez com que ele possua a maior população carcerária do mundo. Em contraparida, países como Holanda, Noruega e Suécia em que não possui punições tão severas apresentam índices de práticas delituosas reduzidas e conseguem ressocializar a maior parte da sua população carcerária. A ocorrência do crime possui causas biopsicossociais e a redução da maioridade penal sem o investimento em políticas de prevenção primária, uma legislação eficiente e um sistema prisional que realmente promova a ressocialização do recluso de nada irá contribuir para que o país consiga vencer o combate a organizações criminosas e a criminalidade envolvendo adultos e adolescentes.


REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Suécia fecha 4 prisões e prova: a questão é social. Disponível em: <http://www.cartacapital.com.br/sociedade/suecia-fecha-4-prisoes-e-prova-mais-uma-vez-a-questao-e-social-334.html>. Acesso em: 20 Março de 2015.

Sobre o autor
Bruno Viudes Fiorilo

Advogado e Pós-Graduado em Direito Tributário

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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