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Algumas considerações acerca do inquérito policial

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Agenda 01/03/2003 às 00:00

Sumário:

1. Persecução penal; 2. Polícia Judiciária; 3. Inquéritos extrapoliciais; 4. Inquérito policial; 5.Procedimento; 6.Indiciado Menor; 7. Encerramento.

1. PERSECUÇÃO PENAL -

Quando alguém transgride uma norma penal incriminadora, surge para o Estado o dever de punir que só pode ser concretizado através do processo. É através da ação penal que deve ser deduzido em juízo a pretensão punitiva do Estado.

No entanto, para que o Estado exerça o dever de punir, necessário se faz colher o mínimo de elementos probatórios que indiquem a ocorrência do fato e de sua autoria. O meio mais comum, mas não exclusivo, é através do Inquérito Policial, conforme se extrai do parágrafo único, do art. 4º, do Código de Processo Penal, uma vez que as autoridades administrativas também poderão, nos casos especificados em lei, desempenhar a mesma função da autoridade policial.

Note-se que, em razão do caráter não exclusivo do Inquérito Policial, a doutrina mais moderna prefere a denominação mais ampla de Investigação Preliminar [1], já que o Inquérito Policial é apenas uma das formas de Investigação Preliminar [2], havendo outras, como, por exemplo, a sindicância administrativa, que não foram prestigiadas pelo Código de Processo Penal em vigor.

Pode-se resumir, então, afirmando que a persecutio criminis apresenta dois momentos distintos: a) o da investigação e b) o da ação penal.


2. POLÍCIA JUDICIÁRIA –

Conforme Julio Fabbrini Mirabete, "a polícia é uma instituição de direito público destinada a manter a paz pública e a segurança individual" [3], bem como proteger a incolumidade das pessoas e do patrimônio, prestando, assim, segurança pública à sociedade civil, o que é dever do Estado, direito e responsabilidade de todos.

Convém assinalar, por oportuno, que a polícia divide-se da seguinte forma:

a)quanto ao lugar de atividade:

A polícia pode ser terrestre, marítima ou aérea.

b)quanto à exteriorização:

A polícia será secreta ou ostensiva.

c) quanto à organização:

A polícia será de carreira ou leiga.

d)quanto ao objeto:

A polícia pode ser administrativa (caráter preventivo), que garante a ordem pública e impede a prática de atos danosos aos bens individuais e coletivos, possuindo, para o desempenho de tal função, grande discricionariedade, independentemente de autorização judicial, e pode ser, ainda, judiciária (de caráter repressivo), cabendo a ela a consecução, no primeiro momento, da atividade repressiva do Estado e a colheita dos elementos que possam elucidar o delito que já foi consumado.

Por fim, acerca da segurança pública, a Constituição Federal estabelece as normas gerais em seu artigo 144, determinando que a mesma será promovida pelos seguintes órgãos: a) polícia federal, b) polícia rodoviária federal, c) polícia ferroviária federal, d) polícias civis e e) polícias militares e corpos de bombeiros militares. Contudo, existe um projeto de emenda constitucional tramitando no Congresso Nacional que visa reformular o capítulo da segurança pública na Constituição, promovendo, entre outras alterações, a união das polícias federal e rodoviária federal, bem como das polícias militar e civil.


3. INQUÉRITOS EXTRAPOLICIAIS –

O artigo 4º, parágrafo único, do Código de Processo Penal deixa claro, como falamos acima, que o inquérito realizado pela polícia judiciária não é a única forma de investigação criminal, como, aliás, ressalta o Prof. Fernando da Costa Tourinho Filho [4].

Convém assinalar, então, que há outras formas de investigação criminal, como: a) o inquérito realizado pelas autoridades militares para apuração de infrações de competência da justiça militar (IPM – Inquérito Policial Militar); b) o inquérito judicial (Lei de falências, art. 103 a 108), presidido pelo juiz de direito da vara em que tramita o processo de falência, visando a apuração de infrações falimentares. A propósito, o art. 106 da Lei de Falências estabelece que o falido, no caso o próprio indiciado, pode contestar as argüições contidas nos autos do inquérito e requerer o que entender conveniente; c) as investigações efetuadas pelas Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI), as quais terão poderes de investigação das próprias autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das próprias Casas, e serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de 1/3 de seus membros, para apuração de fato determinado, com duração limitada de tempo (CF, art.58, § 3º); d) o inquérito civil público (RT. 6511314-21; Lei nº7.347/85, art.9º), instaurado pelo Ministério Público para a proteção do patrimônio público, social e cultural, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos (CF, art.129, III), e que, eventualmente, poderá apurar também a existência de crime conexo ao objeto da investigação; e) o inquérito no caso de infração cometida na sede ou dependência do Supremo Tribunal Federal (RISTF, art.43); f) o inquérito instaurado pela Câmara dos Deputados ou Senado Federal, em caso de crime cometido nas suas dependências, hipótese em que, de acordo como o que dispuser o respectivo regimento interno, caberá à Casa a prisão em flagrante e a realização do inquérito (conforme a súmula nº397 do STF – "o poder de polícia da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, em caso de crime cometido nas suas dependências, compreende, consoante o regimento, a prisão em flagrante do acusado e a realização do inquérito"); e g) a lavratura de auto de prisão em flagrante presidida pela autoridade judiciária, quando o crime for praticado na sua presença ou contra ela (CPP, art. 307).

Quando surgirem indícios da prática de infração penal por parte de membro da Magistratura ou do Ministério Público no curso das investigações, os autos do inquérito, como lembra Capez [5], deverão ser remetidos, imediatamente, no primeiro caso, ao tribunal ou órgão especial competente para o julgamento e, no segundo, ao procurador-geral se justiça, a quem caberá dar prosseguimento aos feitos (Lei complementar nº35/79 – LOMN, art. 33, parágrafo único, e Lei nº8.625/93 – LONMP, art. 41, parágrafo único).

3.1. Jurisprudência –

01) INVESTIGAÇÃO PELO MP (TJRS): "O Ministério Público tem legitimidade para proceder a investigações ou prestar tal assessoramento à Fazenda Pública para colher elementos de prova que possam servir de base a denúncia ou ação penal. A Constituição Federal, no § 4º, do art.144, não estabeleceu com relação às Polícias Civis a exclusividade que confere no § 1º, inciso IV, à Polícia Federal para exercer as funções de Polícia Judiciária" (RT, 651/313).

02) REPRESENTAÇÃO E INQUÉRITO CONTRA MAGISTRADO (STJ): "Se quando surge envolvimento de magistrado deve o inquérito ser remetido ao Tribunal para prosseguir, com maior razão não se deve inverter o sentido da Lei remetendo à Polícia representação do Ministério Público contra magistrado" (JSTJ, 17/154).


4. INQUÉRITO POLICIAL

4.1. CONCEITO –

É um procedimento investigatório prévio [6], constituído por uma série de diligências, cuja finalidade é a obtenção de provas para que o titular da ação penal possa propô-la contra o autor da infração penal (CPP, art. 4º).

Assim, cometido um delito, deve o Estado buscar provas iniciais acerca da autoria e da materialidade, para apresenta-las ao titular da ação penal (Ministério Público ou querelante), a fim de que este, avaliando-as, decida se oferece ou não a denúncia ou queixa-crime. Essa investigação inicial composta de uma série de diligências é chamada de Inquérito Policial.

Trata-se de procedimento persecutório de caráter administrativo, segundo Capez [7], instaurado pela autoridade policial que tem como destinatários imediatos o Ministério Público, titular exclusivo da ação penal pública (CF, art.129, inciso I), e o querelante, titular da ação penal privada (CPP, art.30); como destinatário mediato tem o juiz, que se utilizará dos elementos de informação nele constantes, para o recebimento da peça inicial e para formação do seu convencimento quanto à necessidade de decretação de medidas cautelares.

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4.2. COMPETÊNCIA E ATRIBUIÇÃO –

O art.4º, caput, do Código Processo Penal limita as atividades da Polícia Judiciária ao "território de suas respectivas circunscrições", indicando assim o território dentro do qual as autoridades policiais têm atribuições para desempenhar suas atividades, de natureza eminentemente administrativa.

O termo circunscrição substituiu corretamente, por meio da Lei nº9.043/95, a expressão jurisdição, que designa a atividade por meio da qual o Estado, em substituição às partes, declara a preexistente vontade da lei ao caso concreto.

Contudo, apesar de tal alteração o artigo 4º, como destaca Fernando Capez, continua tecnicamente mal redigido, no que concerne ao seu parágrafo único, uma vez que este ainda traz no seu bojo a expressão competência, quando deveria conter o termo atribuição.

De qualquer forma, o termo competência deve ser tomado em seu sentido vulgar, como poder conferido a alguém para conhecer de determinados assuntos, não se confundindo com a competência jurisdicional, que é a medida concreta do Poder Jurisdicional.

Salvo algumas exceções, a atribuição para presidir o inquérito policial é outorgada aos delegados de polícia de carreira (CF, art.144, §§ 1º e 4º), conforme as normas de organização dos Estados. Essa atribuição pode ser fixada, quer pelo lugar da consumação da infração (ratione loci), quer pela natureza da mesma (ratione materiae). Em regra, no interior dos Estados, a autoridade policial não poderá praticar qualquer ato fora dos limites da sua circunscrição, devendo, se assim necessitar, solicitar, por precatória, ou por rogatória, conforme o caso, a cooperação da autoridade local com atribuições para tanto. Já na Capital do Estado, também dividida em circunscrições, a regra não é a mesma, haja vista que, "no Distrito Federal e nas comarcas em que houver mais de uma circunscrição policial, a autoridade com exercício em uma delas poderá, nos inquéritos a que esteja procedendo, ordenar diligências em circunscrição de outra, independentemente de precatórias e requisições, e bem assim providenciará, até que compareça a autoridade competente, sobre qualquer fato que ocorra em sua presença, noutra circunscrição" (CPP, art.22, grifo nosso).

A atribuição para a lavratura do auto de prisão em flagrante é da autoridade do lugar em que se efetivou a prisão (CPP, arts. 290 e 308), devendo os atos subseqüentes ser praticados pela autoridade do local em que o crime se consumou.

Releve notar, ainda, que, não obstante as disposições sobre competência das autoridades policiais, tem-se entendido que a falta de atribuição das mesmas não invalida os seus atos, ainda que se tratem de prisão em flagrante, pois, não exercendo a polícia atividade jurisdicional, não se submete ela a competência jurisdicional ratione loci (RT, 531/364, 542/315). Note que o art.5º, inciso LIII, da Constituição Federal não se aplica as autoridades policiais, porquanto não presidem processo, nem tão pouco sentenciam.

Com efeito, o referido dispositivo ao estatuir que "ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente", estabeleceu, ao mesmo tempo, dois princípios: a) o do promotor natural (nesse sentido: STJ, RMS 5.867-0/SP, rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, 6ª T., v. u., DJ, 16 set. 1996), b) o do juiz natural.

Entrementes, a norma constitucional não prevê, em momento algum, segundo Capez, o direito de o suspeito ser investigado pelo delegado previamente indicado, até porque, sendo o inquérito m procedimento inquisitivo, não haveria, ainda segundo Capez [8], que se falar em devido processo legal. À vista disso, não se pode falar em princípio do "delegado natural", muito menos em nulidade dos atos investigatórios realizados fora da circunscrição da autoridade policial, até porque, para a maioria da doutrina o inquérito é mera peça de informação, cujos vícios, segundo Capez [9], não contaminam a ação penal.

Não se deve olvidar, no entanto, os ensinamentos de relevante parte da doutrina [10], que sustenta posicionamento final semelhante, qual seja, o de que os atos praticados pela autoridade policial fora de sua circunscrição não são inválidos, mas com espeque em diferente argumento, qual seja, o de que um ato não é nulo, na medida que este não resulte em prejuízo para a acusação ou para a defesa (CPP, art. 563, princípio do prejuízo) ou não "influencie na apuração da verdade substancial ou na decisão da causa" (CPP, art. 566), pois se o ato for praticado de outra forma, mas tiver atingido o fim pretendido pela norma, a irregularidade estará sanada (CPP, art. 572, II; Lei nº9.099/95, art.65, caput e § 1º).

Logo, não há falar-se em inexistência do princípio do "delegado natural" para justificar a validade dos atos da autoridade policial fora de sua circunscrição policial, pois o procedimento inquisitorial está sim, como nos dá conta a precisa e técnica aula do Prof. Júlio Cezar Dórea Gusmão, submetido ao princípio do devido processo legal, uma vez que o inquérito deve obedecer um rito estabelecido na lei processual ordinária e a Constituição impõe, com eficácia plena e aplicação imediata (CF, art. 5º, § 1º), o mencionado princípio como garantia básica e fundamental de todo cidadão (CF, art. 5º, LIV).

Por fim, mas não menos importante, é necessário salientar que ilustres professores, como Aury Lopes Jr. [11] e Marcellus Polastri Lima [12], não atribuem ao inquérito a qualidade pejorativa de mera peça de informação, pois os autos deste, muitas vezes, servem de embasamento para a formação do convencimento do juiz e, além disso, certas provas, como, por exemplo, a pericial, em regra, somente são produzidas na fase de inquérito tanto pela precariedade de sua própria natureza quanto pela própria preservação das características da prova.

4.2.1. Jurisprudência –

01) AUTORIDADE DE OUTRA CIRCUNSCRIÇÃO (STF): "Ao expressar que a Polícia Judiciária é exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas jurisdições (rectius: circunscrição), o art. 4º do Código de Processo Penal não impede que a autoridade policial de uma circunscrição (Estado ou Município) investigue os fatos criminosos que, praticados em outra, hajam repercutido na de sua competência, pois os atos de investigação, por serem inquisitórios, não se acham abrangidos pela regra do art.153, § 12 da Constituição, segundo a qual só a autoridade competente pode julgar o réu" (RTJ, 82/118).

4.3. FINALIDADE –

A finalidade do inquérito policial é a apuração de fato que configure infração penal e a respectiva autoria (CPP, art. 4º) para servir de base à ação penal ou às providências cautelares (CPP, art.12).

4.4. NATUREZA –

O Inquérito não é processo, é, em verdade, um procedimento administrativo informativo, não estando, portanto, para grande parte da doutrina [13], sujeito ao princípio do contraditório (natureza inquisitiva).

Todavia, cabe assinalar, como nos dá conta, novamente, a preclara e técnica aula do Prof. Júlio Cezar Dórea Gusmão, que há hoje na doutrina [14] entendimentos no sentido contrário, ou seja, defendendo a aplicação do princípio do contraditório no inquérito policial, valendo-se para tanto, dentre outros argumentos, o de que o inciso LV, do art. 5º, da Constituição Federal não excluiu de seu rol de atuação o inquérito policial tanto porque determina a aplicação de tal princípio mesmo aos procedimentos administrativos e, convenhamos, se o inquérito não é processo este é ao menos um procedimento administrativo, quanto porque o citado inciso se refere, expressamente, aos acusados em geral e, convenhamos mais uma vez, não há dúvida de que o indiciado possa ser qualificado como um acusado no sentido mais amplo dessa palavra.

4.5. CARACTÉRISTICAS –

a)Sigiloso (CPP, art. 20) –

A autoridade assegurará no inquérito policial o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade (CPP, art.20). O direito genérico de obter informações dos órgãos públicos, assegurado no art.5º, XXXIII, da Constituição Federal, pode sofrer limitações por imperativos ditados pela segurança da sociedade e do Estado, como salienta o próprio texto normativo, em sua parte final.

Contudo, o sigilo não se estende ao representante do Ministério Público (Lei nº8625/93, art.15, inciso III), nem à autoridade judiciária. No caso do advogado, pode consultar os autos de inquérito, mas, caso seja decretado judicialmente o sigilo na investigação, não poderá acompanhar a realização de atos procedimentais (Lei nº8.906/94, art. 7º, inciso XIII a XV, e § 1º).

Não é demais afirmar, ainda, que, o sigilo no inquérito policial deverá ser observado como forma de garantia da intimidade do investigado, resguardando-se, assim, seu estado de inocência.

Por fim, para Capez [15], o sigilo não restringe a defesa, uma vez que no inquérito não há acusação, não se podendo, portanto, falar em defesa. Entretanto, o posicionamento do Profº Fauzi Hassan Choukr [16], o qual é francamente minoritário, é no sentido de que o sigilo não deve abranger as partes do processo, pois, desta forma, além de desequilibrar a relação entre as partes, acabar-se-á por incorrer em uma inconstitucionalidade, qual seja, a de admitir que o processo penal brasileiro, inclusive o inquérito, é orientado pelo sistema inquisitório e não pelo sistema acusatório estabelecido expressamente pela Constituição (CF, art. 129, inciso I), onde uma das partes não participa da realização da prova e a outra, no caso o Ministério Público, pode livremente participar.

b)Escrito (CPP, art.9º) –

Todas as peças do inquérito policial serão, num só processado, reduzidas a escrito ou datilografadas e, neste caso, rubricadas pela autoridade, uma vez que, tendo em vista a finalidade do inquérito, não se concebe a existência de uma investigação verbal.

c)Inquisitivo –

O caráter inquisitivo do inquérito, afirmado por quase toda a doutrina nacional [17], decorre do fato de o procedimento desse ser constituído por atividades persecutórias que se concentram nas mãos de uma única autoridade, a qual, por isso, prescinde, para a sua atuação, da provocação de quem quer que seja, podendo e devendo agir de ofício, empreendendo, com discricionariedade, as atividades necessárias ao esclarecimento do crime e da sua autoria.

Trata-se, como sustenta Capez [18], de característica oriunda dos princípios da obrigatoriedade e da oficialidade da ação penal, sendo, ainda, o inquérito secreto e escrito, ao qual não se aplicam os princípios do contraditório e da ampla defesa [19], pois, ainda segundo o mesmo autor, se não há acusação, não há falar-se em defesa.

Todavia, o Profº Rogério Lauria Tucci, dentre outros [20], defende posicionamento contrário, sustentando "a necessidade de uma contraditoriedade efetiva e real em todo o desenrolar da persecução penal, e na investigação preliminar inclusive, para maior garantia de liberdade e melhor atuação da defesa" [21].

Desta forma, evidenciam a natureza inquisitiva do procedimento o artigo 107 do Código de Processo Penal, que proíbe a argüição de suspeição das autoridades policiais, e o artigo 14, que permite á autoridade policial indeferir qualquer diligência requerida pelo ofendido ou indiciado, exceto o exame de corpo de delito, à vista do disposto no artigo 184 do Código de Processo Penal.

Por fim, em razão da ausência de tal característica, os únicos inquéritos que admitem o contraditório, segundo Capez [22], são: o judicial, para a apuração de crimes falimentares (Lei de Falências, art. 106); e o instaurado pela polícia federal, a pedido do ministro da justiça, visando a expulsão de estrangeiro (Lei nº6.815/80, art. 102), sendo, nesse caso, obrigatório o contraditório.

C. 1.) Jurisprudência –

01) CONTRADITÓRIO NO INQUÉRITO POLICIAL. INEXISTÊNCIA (STF): "A inaplicabilidade da garantia do contraditório ao procedimento de investigação policial tem sido reconhecida tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência dos tribunais (RT, 522/396), cujo magistério tem acentuado que a garantia da ampla defesa traduz elemento essencial e exclusivo da persecução penal em juízo" (RT, 689/439).

d) Dispensabilidade –

O inquérito policial não é indispensável ao oferecimento da denúncia ou da queixa, sendo essa a opinião abalizada do Profº Fernando da Costa Tourinho Filho [23]. Tal afirmação, aliás, pode ser extraída do artigo 12 do Código de Processo Penal ao dispor que, "o inquérito policial acompanhará a denúncia ou queixa, sempre que servir de base a uma ou a outra".

Além disso, o artigo 27 dispõe que "qualquer do povo poderá provocar a iniciativa do Ministério Público, fornecendo-lhe, por escrito, informações sobre o fato e a autoria e indicando o tempo, o lugar e os elementos de convicção".

Outros artigos do Código de Processo Penal, como, por exemplo, os artigos 39, §5º e 46, §1º, comprovam que tendo o titular da ação penal em seu poder os elementos necessários ao oferecimento da denúncia ou da queixa, o inquérito é dispensável.

Ademais, como salienta o Profº Eduardo Espínola Filho, a dispensabilidade do inquérito também deriva da precaução do legislador em evitar "o risco da prescrição iminente ou da decadência do direito de queixa" [24].

D. 1.) Jurisprudência –

01) INQUÉRITO. DISPENSABILIDADE (STF): "Não é essencial ao oferecimento da denúncia à instauração de inquérito policial, desde que a peça acusatória esteja sustentada por documentos suficientes à caracterização da materialidade do crime e de indícios suficientes de autoria" (RTJ, 76/741).

e) Obrigatoriedade –

Tal característica é a que estabelece que, em se tratando de crime que se apura mediante ação penal pública, tendo a autoridade conhecimento da infração, é obrigatória a instauração do inquérito policial (CPP, art. 5º, inciso I), advertindo o Profº Fernando da Costa Tourinho Filho [25] que, como se trata de dever e não de faculdade, se o Delegado não instaura o inquérito poderá infringir o art. 319 do Código Penal (prevaricação), além de sanções administrativas que possa ser impostas pela Corregedoria.

Contudo, no que tange aos crimes de ação penal pública condicionada e de ação penal privada, a autoridade policial só poderá dar início às diligências policiais e instaurar o inquérito, havendo, na primeira modalidade de ação, a representação do ofendido (CPP, art.5º, § 4º), e, na segunda, o requerimento de quem tenha qualidade para intentá-la (CPP, art.5º, § 5º).

Em suma, a atividade das autoridades policiais independe de qualquer espécie de provocação, sendo a instauração do inquérito obrigatória diante da notícia crime.

f) Indisponibilidade –

Uma vez instaurado o inquérito policial a autoridade policial jamais poderá arquivá-lo (CPP, art. 17) [26], uma vez que o inquérito tem por objeto valores indisponíveis, quase sempre de natureza pública e, sendo assim, à autoridade policial não é dado o poder de, segundo o seu juízo discricionário de conveniência e oportunidade, dispor de tais objetos, isto é, no presente caso, arquivar o inquérito, até porque, se assim fosse, acabar-se-ia por ofender o princípio do sistema acusatório imposto pela Constituição Federal de 1988, em seu artigo 129, inciso I.

g) Atuação discricionária da autoridade policial –

Tal característica do inquérito determina que as diligências requeridas pelo ofendido, seu representante ou pelo indiciado serão realizadas ou não, a critério da autoridade policial (CPP, art. 14), com exceção do exame de corpo de delito, que deverá ser sempre realizado quando se tratar de crime que deixa vestígios, consoante o artigo 184 do Código de Processo Penal (ressalvado o disposto no artigo 167 do CPP), caso contrário o processo poderá ser declarado nulo, com base no disposto no art. 564, III, b, do citado estatuto processual.

h) Incomunicabilidade –

Questão relevante é saber se o indiciado fica proibido de comunicar-se com quem quer que seja. O art. 21 do CPP diz que "a incomunicabilidade do indiciado dependerá sempre de despacho nos autos e será permitida quando o interesse da sociedade ou a conveniência da investigação o exija" objetivando-se, desta forma, uma investigação sem obstáculos, sem entraves por parte do indiciado.

Contudo, a Constituição Federal, no seu art. 136 §3º, IV, no capitulo referente ao Estado de Defesa e de Sítio, dispõe que "é vedado a incomunicabilidade do preso".

Como bem argumentam os professores Fernando da Costa Tourinho Filho [27] e Julio Fabbrini Mirabete [28], se em casos excepcionais, em que devido à gravidade, o governo pode até restringir direitos e garantias, proíbe-se a incomunicabilidade do preso, com muito mais razão não há de se falar em incomunicabilidade na fase do inquérito. Além disso, é assegurada pelo próprio texto constitucional que o preso tem direito à assistência da família e do advogado (CF, art. 5º, LXII; Lei nº8.906/94, art. 7º, inciso III).

Por conseguinte, a norma do artigo 21 do Código de Processo Penal não foi, segundo a doutrina majoritária, recepcionada pela Magna Carta, havendo, no entanto, autores [29] que defendem posicionamento diverso.

i)Autoritariedade –

Tal característica estabelece que o inquérito policial deve ser presidido por uma autoridade pública, qual seja, a autoridade policial (delegado de polícia de carreira), conforme determina a Constituição Federal, em seu artigo 144, § 4º.

j) Oficialidade –

O inquérito policial é uma atividade investigatória feita por órgãos oficiais, não podendo ficar a cargo do particular, ainda que a titularidade da ação penal seja atribuída ao ofendido.

4.6. Valor Probatório –

Como já foi explicado anteriormente, o inquérito é um procedimento administrativo informativo. A regra é que o Inquérito Policial tenha um valor probatório reduzido ou relativo, haja vista que os elementos de informação não são colhidos sob a égide do contraditório e da ampla defesa, ou seja, não se pode fundamentar uma decisão condenatória apoiada exclusivamente no inquérito policial, senão restariam contrariados os princípios do contraditório e da ampla defesa.

Existem, no entanto, duas exceções em relação a tal regra:

a) a prova pericial – tendo em vista a sua natureza técnica, o valor dela é o mesmo, quer tenha sido realizada durante o inquérito policial, quer na instrução processual, á que em qualquer das duas ocasiões o princípio do contraditório será observado.

b) o julgamento pelo Conselho da Sentença – pode se fundamentar exclusivamente em provas colhidas durante o inquérito, já que rege no júri, quanto à apreciação da provas, o princípio da íntima convicção do julgador, não precisando o julgador sequer motivar a sua decisão.

4. 6. 1.) Jurisprudência –

01) INQUÉRITO. VALOR PROBATÓRIO (STF): "Não se justifica decisão condenatória apoiada exclusivamente em inquérito policial, pois, se assim ocorresse, restaria violado o princípio do contraditório" (RTJ,59/786).

02) "O inquérito policial é mera peça informativa destinada à formação da opinio delicti do Parquet, simples investigação criminal, de natureza inquisitiva, sem natureza de processo judicial, e, mesmo que existisse irregularidade nos inquéritos policiais, tais falhas não contaminariam a ação penal. Tal entendimento é pacífico e tão evidente que se torna até mesmo difícil discuti-lo"(STJ, 6ª T., rel. Min. Pedro Acioli, DJU, 18 abr. 1994, p.8525).

03) INQUÉRITO VALOR PROBATÓRIO (TACrimSP): "O inquérito é peça meramente informativa, destinada tão-somente a autorizar o exercício da ação penal. Não pode, por si só, servir de lastro à sentença condenatória, sob pena de se infringir o princípio do contraditório, garantia constitucional"(JTACrimSP, 70/319).

4.7. Vícios –

Não sendo o inquérito policial ato de manifestação do Poder Jurisdicional, mas mero procedimento informativo destinado à formação da opinitio delicti do titular da ação penal, os vícios por acaso existentes nessa fase não acarretam nulidades processuais, isto é, não atingem a fase seguinte da persecução penal: a ação penal.

A irregularidade poderá, no entanto, gerar a invalidade e a ineficácia do ato inquinado, como, por exemplo, do auto de prisão em flagrante, do reconhecimento pessoal, ou, ainda da busca e apreensão.

4. 7. 1.) Jurisprudência –

01) INQUÉRITO POLCIAL. VÍCIOS: "Eventuais vícios concernentes ao inquérito policial não têm o condão de infirmar a validade jurídica do subseqüente processo penal condenatório. As nulidades processuais concernem, tão-somente, aos efeitos de ordem jurídica que afetam os atos praticados ao longo da ação penal condenatória" (STF, 1ª T., rel. Min. Celso de Mello, DJU, 4out. 1996, p. 37100).

Sobre o autor
Bernardo Montalvão Varjão de Azevedo

analista previdenciário do INSS, professor de Direito Penal e Processo Penal da Universidade Católica do Salvador (UCSal) e da Faculdade Baiana de Ciências (FABAC), pós-graduando em Ciências Criminais pela Faculdade Jorge Amado

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VARJÃO DE AZEVEDO, Bernardo Montalvão. Algumas considerações acerca do inquérito policial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 63, 1 mar. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3828. Acesso em: 5 nov. 2024.

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