Sumário: 1. Intróito: Obrigação Defesa do Consumidor; 3.1. O Princípio da Confiança e os Interesse Legítimos do Consumidor e sua relação com o Cheque Pós-datado; 3.2. Das Práticas Comerciais; 4. O Posicionamento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e as tendências atuais; 5. Conclusão: Da Influência Benéfica do CDC; 6. Referências Bibliográficas
1. Intróito: Obrigação de Não-fazer
O cheque, usualmente denominado de "pré-datado", vem sendo utilizado pela população, reiteradamente, como uma forma de ampliação do prazo de pagamento. Nas linhas que se seguem, este título de crédito será visto sob a ótica da Lei 7.357/85 (Lei do Cheque) em contraposição com a Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor). Tentar-se-á demonstrar que não houve derrogação; mas, sim, uma vigência simultânea das duas normas positivadas e complementares.
Preliminarmente, será feita uma breve análise da nomenclatura do tema exposto, ensejando caracterizar-se sua inadequabilidade. A seguir ressaltar-se-á o contrato verbal entre consumidor e vendedor, cujo núcleo será uma obrigação de não-fazer, ou seja, de não se apresentar o cheque "pré-datado" antes da data prevista na cártula e, previamente, pactuada entre as partes. Segundo Caio Mário, na obrigação de não-fazer, "o devedor obriga-se a uma abstenção, conservando-se em uma situação omissiva. [1]"
Para finalizar, um breve estudo da Jurisprudência e das tendências atuais será exposto. Serão ressaltados alguns dos aspectos que circundam o tema, principalmente, o que se refere à influência benéfica do Código de Defesa do Consumidor nas relações sócio-econômicas hodiernas; pois, como dizia Rudolf Von Ihering, "aquilo que existe deve ceder ao novo, pois tudo que nasce há de perecer" [2].
2. Da Inadequabilidade da Nomenclatura
A expressão cheque "pré-datado" é facilmente encontrada no cotidiano das relações comerciais, estas entendidas latu sensu, como aquelas praticadas inclusive por não-comerciantes . No entanto, tal nomenclatura não é a juridicamente apropriada. Segundo J. M. Othon Sidou [3], "o qualificativo para o cheque emitido com data posterior ao dia em que foi criado constitui, para não dizer vício de linguagem, um modismo brasileiro."
"Pré" é afixo que se origina do latim prae, denota anterioridade, antecipação ; contraposto a "pós" que também possui a mesma origem (latim, post), mas possui significação contrária, indica, pois, ato ou fato futuro. Assim, qualquer ordem expedida postdiem, deverá ser executada na ou a partir da data indicada no documento, não antes [4]. Ocorre que o cheque, ao contrário dos demais títulos de crédito, é ordem de pagamento à vista : não há data a vencer, nasce vencida.
Se a expressão "pré-datado", juridicamente equivocada, resulta de um modismo brasileiro, a prática de aposição de data posterior no cheque não é. Tornou-se prática reiterada a emissão de cheques com data não coincidente com o dia da assinatura, por ser um meio utilizado nas relações comerciais com o intuito de viabilizar as compras a prazo. Essa forma de transação comercial tem importância precípua nas relações de consumo, representa uma das principais modalidades de parcelamento de débitos no comércio.
3. Da Situação do Cheque Pós-datado frente à Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor) :
Apesar de ganhar espaço como criação popular hodierna, não há autorização legal para o uso do cheque pós-datado. É assim que se posiciona a Lei do Cheque ( Lei 7.357 de 2 de setembro de 1985 ) em seu art. 32, que apenas veio ratificar o art. 28 do Decreto 57.595 de 7 de janeiro do 1966:
"Art.32 O cheque é pagável à vista. Considera-se não escrita qualquer menção em contrário.
Parágrafo único: O cheque apresentado para pagamento antes do dia indicado como data de emissão é pagável no dia da apresentação."
Mesmo que contenha data futura, devido à natureza legal do cheque, "ordem de pagamento à vista", ele poderá ser pago. O Banco não tem como se recusar a acatá-lo, caso haja provisão de fundos.
Em contrapartida, o pagamento deste título de crédito, antes da data acordada com o comerciante-vendedor, pode trazer conseqüências extremamente prejudiciais ao correntista, tais como: devolução do cheque por falta de provisão de fundos, ou de outros, que foram apresentados na data acertada, pelo mesmo motivo; inscrição do correntista no serviço de proteção ao crédito; utilização do cheque especial com juros elevados para o correntista em decorrência da falta de fundos; ou, até mesmo, o próprio encerramento da conta. Estas são apenas algumas das conseqüências maléficas ao consumidor em face do pagamento antecipado do cheque.
Restarão as seguintes indagações, diante dos prejuízos sofridos pelo correntista: quem irá se responsabilizar? Será o comerciante que não cumpriu o pactuado com o consumidor ao efetuar o depósito antecipado do cheque? Ou essa responsabilidade será do próprio emitente do cheque, que o emitiu sem a devida provisão de fundos? Ou, ainda, a responsabilidade ficará a cargo da instituição bancária que efetuou o pagamento, porque a data constante do cheque era futura em relação à da apresentação?
A questão de se há ou não responsabilidade para o comerciante, que efetuar o resgate antecipado do cheque pós-datado na conta do correntista, encontra respaldo nas regras e princípios do Código de Defesa do Consumidor–Lei 8.078/90: sendo uma relação consumeiriana, deve o comerciante responsabilizar-se se efetuou o depósito antes da data acordada com o emitente-comprador.
De acordo com a Lei do Cheque, em seu artigo 4º: o comprador deve ter provisão de fundos disponível em favor do sacado - instituição bancária– e estar autorizado a sobre estes fundos emitir cheques, em virtude de contrato expresso ou tácito. O dito artigo ainda acrescenta que a infração destes preceitos não prejudica a validade do cheque como título executivo extrajudicial, ou seja, obrigação autônoma e independente.
Já quanto à disponibilidade ou não dos fundos depositados pelo sacador na instituição bancária, verificar-se-á no momento da apresentação do cheque pelo comerciante–credor.
A resposta à última questão está no próprio art. 32, parágrafo único, da Lei do Cheque, no qual fica clara a regra de que o cheque deve ser pago no momento da apresentação.
Art.3º.Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
§ 1º omissis
§ 2º Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista (grifo nosso).
Tem-se, inegavelmente, uma relação de consumo entre o comerciante, portador do cheque, e o consumidor, emitente do cheque, que não deve ser desrespeitada por qualquer das partes. Se o comerciante ou o prestador de serviços efetuar o depósito antecipado do título, estará violando esta regra e ficará responsável pelo pagamento de indenização ao emitente do cheque. Enquadra-se no art. 159 do Código Civil, caput :
"Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem fica obrigado a reparar o dano".
Estas indenizações tanto podem ser morais e/ou materiais, dependendo, por óbvio, das circunstâncias do caso concreto. Essa é a tendência atual do Superior Tribunal de Justiça, a qual será analisada abaixo.
Com a vigência do CDC, a transação efetuada entre o vendedor e o comprador, firmando a forma de pagamento por meio de cheque pós-datado, passou a ter regulação expressa em lei, mediante a figura da oferta. Tornou-se prática usual de estabelecimentos comerciais fazerem propaganda ostensiva de que seus produtos podem ser adquiridos por intermédio do pagamento com cheques pós-datados. Contudo, mal se lembram os estabelecimentos de que a informação ou publicidade da forma de pagamento perpetrada integra o contrato celebrado, como muito bem expressa o art. 30 :
"Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado".
Segundo Antônio Herman de Vasconselos e Benjamim [5] a regra do CDC é "prometeu, cumpriu". No entanto, se o fornecedor recusar o cumprimento de sua oferta e apresentar o cheque antes da data combinada, é lícito ao consumidor exigir a rescisão do contrato, com a restituição da quantia eventualmente antecipada, monetariamente atualizada, com as perdas e danos (art. 35 do CDC). "A publicidade é necessária à economia de mercado, mas aparece, muitas vezes, como nociva ao público [6]."
Na medida em que a publicidade influencia e, não raro, determina o comportamento do consumidor, nada mais razoável do que o direito lhe atribuir importância fático-jurídica. O ordenamento jurídico brasileiro, embora preserve as facilidades e benefícios econômico-operacionais que a publicidade traz aos empresários, impõe-lhes o dever de cumprir o prometido, além de reparar eventuais danos causados pelas suas iniciativas. Em suma, se o comerciante informa ao consumidor que seus produtos e serviços podem ser adquiridos mediante a entrega de cheques pós-datados fica, após a concretização da compra, obrigado a apresentar o documento ao Banco na data combinada, sob pena de ser-lhe imputada responsabilidade civil pela quebra contratual.
Há doutrinadores, dentre os quais Othon Sidou, que discordam do acima posto. Entretanto, defender-se-á o seguinte: ao disponibilizar compras por meio de cheques pré-datados, o comerciante, ou prestador de serviços, propõe e aceita a utilização deste título para fins diversos daquele previsto na legislação. Dessa forma, observa-se ser totalmente incoerente e inaceitável que o mesmo pólo da relação ofereça, de forma desprovida de qualquer sucedâneo legal, a possibilidade de pagamento mediante cheque pré-datado e, paradoxalmente, exija a observância da lei, no que diz respeito ao desconto correlato.
Destarte para o posicionamento de Othon Sidou [7] diante de tal situação: "...há um acordo de vontades. Sem dúvida. Ocorre, porém, que em face de contrato formalizado entre as partes, a vontade contratual será injurídica, porque, entre o querer dos contratantes e o preceito legal, que privilegia a realização do cheque no ato de sua apresentação a pagamento, esse preceito sobrepõe-se à volição".
Em suma, a mesma questão é abordada de duas formas: uns entendem como uma relação de consumo regida pelo Código de Defesa do Consumidor: as partes são legítimas e capazes, não há qualquer vício quanto ao consentimento. Outros defendem, baseados na Lei do Cheque, que por ser uma "ordem de pagamento à vista" (Art.32), então não há de se falar em data futura, já que este deve ser pago no momento da apresentação. Acrescente-se que a natureza do título não se desnatura; pelo contrário, continua latente. Tal premissa é verdadeira, pois quando levado ao Banco é pago imediatamente, no momento da apresentação, e assim mantém viva sua principal característica: a liquidez.
Jean Touset adverte [8]: "a questão da data falsa ou mais exatamente da pós-data é apenas o que deve chamar a atenção, porque ela tende a fazer o cheque perder sua característica de instrumento de pagamento para se converter num instrumento de crédito". Contorna-se a rigidez convencional, com o intuito de vincular o cheque pós-datado a um contrato, no qual o título figure como garantia.
O Direito é um fenômeno sujeito a variações e intercorrências, fluxos e refluxos no espaço e no tempo, segundo o professor Miguel Reale [9]. As transações comercias são, em muito, baseadas na relação de confiança e credibilidade existente entre as partes contratantes. Assim, aquele que recebe o cheque postdiem compromete-se, juridicamente, a somente apresentá-lo na data indicada na cártula/documento escrito. Quando age de forma diversa do ajustado, o portador do cheque frusta as expectativas do emitente, adota comportamento ardiloso, faz uso indevido da boa-fé do emitente do cheque. Em suma, age de má-fé, comporta-se contrariamente aos preceitos morais e aos usos e costumes do comércio. Configura-se, nesta hipótese, traição à confiança depositada no detentor do título. Deste ato podem decorrer sérias conseqüências para o correntista, como a vexatória inclusão do nome do emitente no sistema de proteção ao crédito.
3.1. O Princípio da Confiança e os Interesses Legítimos do Consumidor e sua relação com o Cheque Pós-datado
"A teoria da confiança pretende proteger prioritariamente as expectativas legítimas que nasceram no outro contratante, o qual confiou na postura, nas obrigações e no vínculo criado através da declaração do parceiro [10]". Protege-se, pois, a boa-fé e a confiança depositadas pelo consumidor na declaração do outro contratante.
"Nos contratos há sempre interesses opostos das partes contratantes, mas sua harmonização constitui o objetivo mesmo da relação jurídica contratual. Assim, há uma imposição ética que domina toda matéria contratual, vedando o emprego da astúcia e da deslealdade e impondo a observância da boa-fé e lealdade, tanto na manifestação de vontade (criação do negócio jurídico) como, principalmente, na interpretação e execução do contrato. [11]"
O comerciante fez uma oferta e o promissário-consumidor por ela se interessou. Resolveu acreditar na boa-fé do ofertante e emitiu um cheque pós-datado. Há, então, um contrato verbal cujo conteúdo é uma obrigação de não-fazer, ou seja, de não apresentar o título ao Banco antes da data previamente acertada entre os contratantes. As garantias são dadas de ambos os lados da relação de consumo: o cliente prometeu que o cheque terá fundos quando for ser sacado e o vendedor que só o apresentará na data acertada. Trata-se, pois, de um acordo de vontades, com obrigações recíprocas, em que as partes estipulam, livremente, o modo de aquisição e o pagamento daquilo que foi acertado.
A teoria da confiança concentra-se no indivíduo, o qual recebe a declaração de vontade, em sua boa-fé ou má-fé, mas tem como fim proteger os efeitos do contrato e assegurar, através da ação do direito, a proteção aos legítimos interesses e a segurança das relações.
O Código de Defesa do Consumidor instituiu, no Brasil, o princípio da proteção da confiança do consumidor. Este princípio consta de dois aspectos de extrema relevância [12]: a proteção da confiança no vínculo contratual e na prestação contratual. O primeiro aspecto tem o intuito de assegurar o equilíbrio das obrigações e os deveres de cada uma das parte, através da proibição de cláusulas abusivas e de uma interpretação sempre pró-consumidor. O segundo aspecto, que é a proteção da confiança na prestação contratual, procura garantir ao consumidor a adequação do produto ou serviço adquirido, assim como evitar riscos e prejuízo oriundos destes produtos e serviços. Então, se ocorrer a apresentação do cheque antes da data acordada entre as partes contratantes, configurar-se-á a quebra da confiança existente nesta relação de consumo.
O mundo hodierno traz novos desafios ao direito dos contratos e estes só podem ser respondidos, convenientemente, através da aplicação realista e objetiva dos princípios da boa-fé e da confiança. Em suma, o ideal seria o mercado ser um local seguro, onde pudesse haver harmonia e lealdade nas relações entre consumidores e fornecedores, sem a necessidade de uma "eterna" desconfiança.
3.2. Das Práticas Comerciais
A sociedade de consumo é uma realidade inegável. Mas, muito mais que uma realidade puramente acadêmica ou abstrata, é um fenômeno que afeta a vida de todos os cidadãos. Merecedora da atenção do direito, não com o intuito de reprimi-la, mas , sim, regula-la sob os ditames do interesse público.
Não se conceituam facilmente o que vêm a ser práticas comerciais. Devido à mutabilidade do mercado e, em particular na era da sociedade de consumo, aquilo que hoje se manifesta como prática comercial, amanhã, no bojo da transformação das necessidades mercadológicas, pode simplesmente desaparecer ou perder a atualidade.
Antes de tudo, a sociedade de consumo é um movimento coletivo, em que os indivíduos (fornecedores e consumidores) e os bens (produtos e serviços) são engolidos pela massificação das relações econômicas: produção, comercialização, crédito e consumo em massa. E é inserida nesse novo modelo econômico e social que as práticas comerciais – como fenômeno igualmente de massa- ganham enorme relevo. Afinal, sem marketing, um dos diversos componentes das práticas comerciais, não haveria, certamente, sociedade de consumo.
Para os limites desse trabalho, encarar-se-ão as práticas comercias como o gênero do qual o marketing é a espécie. Não se deve confundir o marketing com as práticas comerciais. Estas não se esgotam naquele. No entanto, aquele é o aspecto mais relevante e mais visível das práticas comerciais.
O leigo tende a crer que o marketing esgota-se na publicidade. Ou seja, para o cidadão comum, ambos são a mesma coisa. É um grande equívoco. O marketing, além da publicidade, compreende uma grande quantidade de mecanismos de incentivo à venda, valendo citar, dentre outros, as ofertas combinadas, os descontos e a facilidade e o preço do crédito.
O CDC só cuidou da publicidade (art.36). Mas, ao dar a esta uma acepção extremamente larga, acabou por permitir que seu tratamento ultrapassasse fronteiras, atingindo os outros tipos de manifestações mercadológicas, como as promoções de venda oferecendo ampliação do prazo para pagamento através dos cheques pós-datados. Afinal, a publicidade "suficientemente precisa" (art.30) pode transformar-se em veículo eficiente de oferta vinculante. O direito vale-se, então, não só das normas positivadas, mas também dos princípios gerais e norteadores do CDC, deixando ao Judiciário sua aplicação e adaptação à realidade multiforme do mercado.
4. O Posicionamento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e as tendências atuais
Vale a pena refrisar que o art. 32 da Lei do Cheque é suficientemente claro : considera o cheque como uma ordem de pagamento à vista e não há o que se discutir. Determina-se, assim, que o título pode, a qualquer momento, ser descontado na instituição bancária correspondente. Há ausência de suporte legal para a emissão do cheque postdiem. A data expressa na cártula, quando posterior ao dia da apresentação, não possui qualquer restrição ao imediato pagamento da quantia prevista no documento.
O posicionamento do Superior Tribunal de Justiça-STJ, todavia, em recente acórdão (RESP 213940/RJ), cujo relator foi o Ministro Eduardo Ribeiro afirma o seguinte na Ementa:
"A devolução do cheque pré-datado, por insuficiência, apresentado antes da data ajustada entre as partes, constitui fato capaz de gerar prejuízos de ordem moral".
Em suma, o posicionamento do STJ supracitado foi favorável ao cabimento de indenização por danos morais ao consumidor, já que este teve sua conta corrente encerrada, sob a justificativa da falta de provisão de fundos no momento da apresentação do cheque, configurando num verdadeiro constrangimento para a emitente do cheque.
Não é um decisum isolado do STJ, muito ao contrário, porque em outro acórdão (RESP 16855/SP), cujo relator foi o Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, ficou exposto o seguinte na Ementa:
"O cheque pós-datado emitido em garantia de dívida não se desnatura como título cambiariforme, tampouco como título executivo extrajudicial". E a seguir prossegue: "a circunstância de haver sido aposta no cheque data futura, embora possua relevância na esfera penal, no âmbito dos direitos civil e comercial traz como única conseqüência prática a ampliação real do prazo de apresentação".
O posicionamento que vem sendo adotado pelo STJ leva em consideração o uso reiterado do cheque pós-datado, nas relações de consumo, como forma de ampliar o prazo para o pagamento do crédito. E considera que, ao assumir a obrigação de não depositar o cheque antes da data prevista, foi assumida através de um Contrato oral uma obrigação de não-fazer, ou seja, de não depositar o cheque antes da data pactuada entre o consumidor, emitente da cártula, e o vendedor, beneficiário do crédito. Tal posicionamento surgiu de uma necessidade do Judiciário adaptar os problemas hodiernos de falta de crédito instantâneo à incrementação do mercado, que necessita vender, e para tanto busca soluções alternativas inteligentes e capazes de atrair aos potencias consumidores, que querem comprar, mas não dispõem de dinheiro para efetuar o pagamento à vista.
Em outro recente acórdão (RESP 223486/MG), cujo Ministro Carlos Alberto Menezes Direito participou como relator, foi ratificada a posição acima exposta:
"A prática comercial de emissão de cheque com data futura de apresentação, popularmente conhecido como cheque pré-datado, não desnatura a sua qualidade cambiariforme, representando garantia de dívida com a conseqüência de ampliar o prazo de apresentação".
Em suma, o STJ julgou procedente a ação de indenização movida por particular contra sociedade comercial, que descontou o cheque pós-datado antes da data, previamente, estipulada. Configurou-se prejuízo para a emitente, que teve sua conta bancária encerrada e o seu nome incluso no sistema de proteção ao crédito, sob o argumento de não possuir a devida provisão de fundos.
A posição adotada pelo STJ não é imune a críticas dos mais diversos doutrinadores, em virtude de considerar lícita a emissão dos pós-datados como garantia de dívida, mas Othon Sidou a critica: "a emissão de cheques da espécie exerce perniciosa influência na estabilidade monetária, ditada pelo consumeirismo. Gera avidez desordenada em comprar, ante o estímulo do crédito fácil e em geral sem perfeita consciência de como pagar. É, sem dúvida, uma das alavancas da inflação [13]". Em contrapartida, a posição adotada pelo STJ é extremamente sábia, pois consegue adequar a norma positivada na Lei 7.357/85 (art.32) com a prática reiterada dos brasileiros de parcelar seus débitos comerciais, a fim de "aumentar" seu poder aquisitivo. Adequou-se a norma legal à vigente noção de justiça, sem que houvesse derrogação, havendo sim uma vigência compatível, simultânea e complementar da Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor) com a Lei 7.357/85 (Lei do Cheque).
5. Conclusão: Da Influência Benéfica do CDC
Cada vez mais se encontra difundida a prática do uso do cheque pós-datado entre os brasileiros. Os prazos para pagamento precisam ser alargados, para que os comerciantes/empresários possam manter a rotatividade das transações comerciais efetuadas cotidianamente; bem como para que o consumidor, emitente do cheque postdiem, possa alargar o orçamento mensal e já adentrar o mês com dívidas a serem quitadas. Assim, caracteriza-se a tendência atual: emissão de cheque pós-datado como garantia de dívida.
O CDC é uma lei relativamente recente (1990) e mais novo, ainda, é o seu efetivo uso como instrumento de defesa dos legítimos interesses do consumidor. Em suma, considera-se inegavelmente benéfica a influência dessa norma legal no âmbito do Direito Comercial e, mais precisamente, dos Títulos de Crédito. O STJ, como não poderia deixar de ser, acompanhou a evolução dos direitos do consumidor e passou a considerar o cheque, emitido com data futura e dado em garantia de débito de consumo, como sendo uma relação consumeiriana e, conseqüentemente, regido pelas regras e princípios da Lei 8.078/90. Cabível, então, indenização por danos morais e/ou materiais, para quem resolver descumprir o que foi pactuado entre as partes. É um posicionamento novo o adotado pelo STJ, pois continua a vigorar, simultaneamente, a Lei do Cheque, no ordenamento jurídico brasileiro, e este título de crédito não perdeu sua característica de "ordem de pagamento à vista"; salvo, evidentemente, nas hipóteses, aqui previstas, de débitos contraídos mediante relação consumeiriana. Afinal, "o direito não é uma simples idéia, é uma força viva. Por isso a justiça sustenta numa das mãos a balança com que pesa o direito, enquanto na outra segura a espada por meio da qual o defende. A espada sem a balança é a força bruta, a balança sem a espada, a impotência do direito. Uma completa a outra, e o verdadeiro estado de direito só pode existir quando a justiça sabe brandir a espada com a mesma habilidade com que manipula a balança" [14].
6.Notas
01. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. v. 2. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p.46.
02. IHERING, Rudolf Von. A Luta pelo Direito. São Paulo: Martin Claret, 2000, p.32.
03. SIDOU, J. M. Othon. Cheque "Pré-datado". Revista do Instituto dos Advogados de Pernambuco. Recife: v.1., n.1., 1998, anual, p.171.
04. Idem, ibidem.
05. VASCONSELOS e BENJAMIM, Antônio Herman de. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. Comentado pelos Autores do Anteprojeto. 6.ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999, p.227.
06. STIGLITZ, Gabriel A. "Protección Jurídica del Consumidor". Buenos Aires: Depalma, 1990, p.15.
07. SIDOU, J. M. Othon. Op. cit. p.175.
08. TOUSET, Jean. Le Chéque ‘d aprés la Legislation. Recueil Sirey: Paris, 1920, p.13.
09. REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 24 ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p.14.araiva, 1998, p.17.resrespeitadacomprador.nsabilizar-se se efetuou o deppelos danos ocasionados ao correntista por ser uma rela_
10. GRINOVER, Ada Pelegrini. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. 5 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária Biblioteca Jurídica, 1997, p.126.
11. GOMES, Orlando de. Contratos. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p.42.
12. Idem, pp.198-215.
13. Op. cit. p. 177.
14. IHERING, Rudolf Von. Op. cit. p. 27.
7. Referência Bibliográfica
1. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. v. 2. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999.
2. GOMES, Orlando de. Contratos. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999.
3. GRINOVER, Ada Pelegrini. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. 5 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária Biblioteca Jurídica, 1997.
4. IHERING, Rudolf Von. A Luta pelo Direito. São Paulo: Martin Claret, 2000.
5. REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 24 ed. São Paulo: Saraiva, 1998. araiva, 1998, p.17.resrespeitadacomprador.nsabilizar-se se efetuou o deppelos danos ocasionados ao correntista por ser uma rela_
6. SIDOU, J. M. Othon. Cheque "Pré-datado". Revista do Instituto dos Advogados de Pernambuco. Recife: v.1., n.1., 1998, anual.
7. STIGLITZ, Gabriel A. "Protección Jurídica del Consumidor". Buenos Aires: Depalma, 1990.
8. TOUSET, Jean. Le Chéque ‘d aprés la Legislation. Recueil Sirey: Paris, 1920.
9. VASCONSELOS e BENJAMIM, Antônio Herman de. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. Comentado pelos Autores do Anteprojeto. 6.ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999.