7. Considerações finais
Comentando o tema sob análise Hugo Nigro Mazzili asseverou, com a inteligência de sempre, que: "Não se pode esconder que o objetivo desse jogo de força é tentar jogar para o Procurador-Geral da República e as maiores Cortes, de investidura política (indicação do Presidente da República e aprovação do Senado), a decisão sobre o processo e julgamento das mais altas autoridades... Acresce que, em vista da notória incapacidade material dessas Cortes de processarem e julgarem os milhares de casos de improbidade neste País, estariam assim, até involuntariamente, contribuindo para a ineficácia da lei". [26]
Trata-se, a bem da verdade, de um duro golpe contra os princípios republicanos de igualdade; fomento à criminalidade política, à corrupção, e é sabido que muitos têm se valido de prerrogativas asseguradas pelas funções para delinqüir impunemente.
A Lei 10.628/02 contraria a Constituição Federal; todo e qualquer senso de Justiça; princípios constitucionais basilares; o interesse social, e não corresponde, em absoluto, com as idéias e ideais da sociedade brasileira contemporânea, representando, sem sombra de dúvida, ranço primitivo e ditatorial, e os homens primitivos, conforme Lucien Lévy-Bruhl, "vivem, pensam, sentem, se movem e agem num mundo que em numerosos pontos não coincide com o nosso". [27]
Não se deve esquecer a lição de Niklas Luhmann no sentido de que "apesar de toda a autonomia e do desenvolvimento continuado das diferentes noções jurídicas, as mudanças fundamentais do estilo do direito permanecem condicionadas pela mudança estrutural da sociedade, ou seja: são por ela incentivadas e possibilitadas". [28]
É preciso estar atento à vontade coletiva, de que falava Hans Kelsen. [29]
Como escreveu Jean-Jacques Rousseau: "Enfim, quando o Estado, próximo de sua ruína, subsiste apenas por uma fórmula ilusória e vã, quando o liame social está rompido em todos os corações, quando o mais vil interesse se apossa afrontosamente do nome sagrado do bem público, então a vontade geral torna-se muda, todos, guiados por motivos secretos, não mais opinam como cidadãos, como se o Estado jamais tivesse existido, e são aprovados, falsamente sob o nome de leis, decretos iníquos que apenas visam o interesse particular". [30]
No Brasil, é cada vez mais acertada a afirmação de John Kenneth Galbraith no sentido de que a mudança socialmente desejável é regularmente negada devido a interesses pessoais bem conhecidos. [31]
Notas
01. Elementi di procedura penale, 3ª ed., Florença, 1908, p. 209.
02. Trattato di Diritto Processuale Penale Italiano, 6ª ed., Torino: UTET, v. II, 1968, p. 37.
03. Processo Criminal Brazileiro, Livro III, p.163
04. Código de Processo Penal Brasileiro Anotado, 5ª ed., Rio de Janeiro: Borsoi, v. II, p. 51.
05. Decreto-Lei 3.689, de 3 de outubro de 1941.
06. Trattato di Diritto Processuale Penale Italiano, 6ª ed., Torino: UTET, v. II, 1968, p. 37.
07. Do Supremo Tribunal Federal.
08. Desaforo privilegiado, Conamp em Revista, out./dez. 2002, n.º 1, 1ª ed., p. 29.
09. "A tramitação do foro privilegiado na Câmara foi beneficiada por um acordo firmado entre o PT – que tinha interesse na aprovação da Medida Provisória 66 – e o governo, que pretendia evitar futuros problemas políticos para o presidente Fernando Henrique Cardoso", conforme escreveu Paulo de Tarso Lyra em artigo publicado no "Jornal do Brasil", em 13.13.02, p. A-4.
10. Embora difíceis de se encontrar.
11. Senadores aprovam urgência para votação do foro privilegiado, 13.12.02, p. A-12.
12. Cf. A Mobilização contra o foro privilegiado, Conamp em Revista, out./dez. 2002, n.º 1, 1ª ed., p. 24.
13. "Cometido o crime durante o exercício funcional, prevalece a competência especial por prerrogativa de função, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados após a cessação daquele exercício".
14. Privilégios Antidemocráticos, Conamp em Revista, out./dez. 2002, n.º 1, 1ª ed., p. 26.
15. Privilégios Antidemocráticos, Conamp em Revista, out./dez. 2002, n.º 1, 1ª ed., p. 27.
16. Privilégios Antidemocráticos, Conamp em Revista, out./dez. 2002, n.º 1, 1ª ed., p. 27.
17. Reformas penais : foro por prerrogativa de função. Disponível na internet: http://www.ibccrim.org.br, 24.12.2002.
18. Desaforo privilegiado, Conamp em Revista, out./dez. 2002, n.º 1, 1ª ed., p. 29.
19. Art. 102, inc. I, alínea b, da CF.
20. Mesmo assim o Ministro Nelson Jobim, ex-Ministro da Justiça no Governo Fernando Henrique Cardoso, concedeu a liminar acima mencionada, suspendendo a eficácia da sentença condenatória proferida na ação de improbidade administrativa movida pelo Ministério Público Federal contra o Ministro Ronaldo Sardenberg, abrindo o caminho para o infeliz Projeto que deu origem à Lei 10.628/02, que inseriu o § 2º no art. 84 do Código de Processo Penal.
21. Cf. Marino Pazzaglini Filho, Lei de improbidade administrativa comentada, São Paulo: Atlas, 2002, p. 173-175.
22. TRF – 1ª Região, Ag. 01000132274-DF, DJ 4-5-2001, p. 640.
23. Probidade administrativa, 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2002, p. 369.
24. Lei de improbidade administrativa comentada, São Paulo: Atlas, 2002, p. 174.
25. D.O.E. 03 de janeiro de 2003, p. 22.
26. Privilégio para julgar corruptos, Conamp em Revista, out./dez. 2002, n.º 1, 1ª ed., p. 32.
27. La mentalité primitive, 14ª ed., Paris, 1947, p. 47.
28. Sociologia do Direito I, Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, trad. de Gustavo Bayer, 1983, p. 225.
29. Problemas capitales de la teoria jurídica del Estado, trad. de Wenceslao Roces, México: Porrúa, 1987, p. 139.
30. Do contrato social, trad. de Márcio Pugliesi e Norberto de Paula Lima, 7ª ed., São Paulo: Hemus, s/d., p. 112.
31. Sociedade justa, trad. de Ivo Korytowski, Rio de Janeiro: Campus, 1996, p. 5.