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Responsabilidade civil do Estado por atos de seus agentes

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Agenda 01/03/2003 às 00:00

CONCLUSÃO

Dupla é a atividade exercida pelo Estado: a jurídica e a social. A atividade jurídica é aquela que colima o asseguramento da ordem jurídica interna e a defesa do território contra o inimigo externo. O asseguramento da ordem jurídica interna, por sua vez, compreende a manutenção da ordem pública e a distribuição da justiça. A atividade social tem por objeto a promoção do bem comum.

Para realizar esses fins e preencher suas funções, o Estado lança mão de pessoas físicas, agentes e servidores públicos, aos quais delega os necessários poderes. Age, assim, por meio de representantes, cujos atos, em última análise, são atos da própria administração pública.

Esses representantes, no desempenho de suas funções, no exercício de suas atividades, podem ocasionar danos ou lesões de direito aos particulares. A questão que deriva, é se os danos são ressarcíveis.

Antigo e profundo o debate doutrinário manifestado a respeito. A teoria mais remota é a da irresponsabilidade absoluta do Estado. Segundo o seu ponto de vista, o Estado é o órgão gerador do direito, o Estado existe para exercer a tutela do direito. Assim, quem com ele contrata deve saber de antemão que o mesmo não pode violar a lei: quem contrata com o funcionário público deve saber que este só pode ser considerado preposto do Estado enquanto se mantém nos limites traçados pela lei. Se o funcionário, na sua atuação, fere direitos individuais, ao próprio funcionário pessoalmente, e não ao Estado, caberá a obrigação de reparar o dano.

O princípio hoje dominante, sem qualquer impugnação séria, é o da responsabilidade da pessoa jurídica de direito público. Podemos mesmo dizer que a responsabilidade é a regra; a irresponsabilidade a exceção.

Essa responsabilidade possui um fundamento jurídico. A teoria civilista, procurando responder qual o fundamento jurídico, começa por estabelecer diferença entre atos de gestão. Realmente, no exercício de sua atividade, ora se conduz como entidade soberana, cujo poder é irreversível, ora se conduz como qualquer particular na administração de seu patrimônio. No primeiro caso, pratica atos de império (por exemplo, quando o executivo decreta desapropriação por necessidade pública, quando o legislativo expede lei, quando o judiciário profere sentença), no segundo, efetua atos de gestão (por exemplo, quando realiza concorrência pública, quando celebra determinado contrato).

Segundo a doutrina civilista, o dano não é indenizável quando resulta de ato de império, pois, no dizer de LAFERRIÉRE, é típico da soberania impor-se a todos sem compensação. Se prejuízo advém, todavia, de ato de gestão, preciso será distinguir se houve, ou não, culpa. Se houve culpa, a indenização é devida. Sem culpa não há ressarcimento do dano.

É inaceitável semelhante doutrina. Só se pode tachar de arbitrária a distinção ente ato praticado jure imperii ou jure gestionis. Realizando um ou outro, o Estado é sempre o Estado. Ainda quando pratica simples ato de gestão, o poder público age, não como um mero particular, mas para consecução de seus fins. Assim, não se pode dizer que o Estado é responsável quando pratica atos de gestão não o é quando realiza atos de império. Negar indenização neste caso é subtrair-se o poder público à sua função específica, a tutela dos direitos.

Em verdade, a responsabilidade da pessoa jurídica de direito público interno encontra-se hoje inteiramente fora do conceito civilista da culpa, situando-se decisivamente no campo do direito público.

Efetivamente, é nesse direito, não no direito privado, que vamos localizar o fundamento da responsabilidade, que se baseia em vários princípios ( equidade, política jurídica), sendo, porém, o mais importante o da igualdade de ônus e dos encargos sociais. O serviço público é organizado em benefício da coletividade. Mas na sua atuação, pode ele produzir danos, acarretar certos malefícios. Devem estes ser suportados por todos indistintamente, contribuindo cada um de nós, por intermédio do Estado, para o ressarcimento do prejuízo sofrido por um só.

A responsabilidade do poder público não mais se baseia, portanto, nos critérios preconizados pelo direito civil. Funda-se ela em razões de ordem solidarista; a administração pública responde pelos deveres oriundos da solidariedade social.

Assim como existe igualdade de direitos, deve igualmente existir igualdade dos encargos, princípio que se tornou fundamental no direito constitucional dos povos civilizados.

Modernamente, todas as questões relacionadas com a responsabilidade civil do Estado apoiam-se em preceitos do direito público. Assentam-se assim em princípios mais largos, ampliando-se o campo das reparações.

Três são as teorias filiadas ao direito público : a) - do risco integral; b) - da culpa administrativa, ou da culpa do serviço público; c) - do acidente administrativo.

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Pela teoria do risco integral, de todos os prejuízos, de todas as lesões de direito ocasionadas aos particulares pelos funcionários, cabe indenização, quer se trate de ato de império ou de ato de gestão, quer seja regular ou irregular o funcionamento do serviço público. Na responsabilidade do Estado, que independe do pressuposto subjetivo da culpa, prepondera o caráter objetivo.

Pela teoria da culpa administrativa, ou culpa do serviço público, só há direito a indenização quando se prova que houve negligência, imprudência ou imperícia, culpa in eligendo ou in vigilando, em suma, violação de qualquer dever jurídico por parte dos representantes do poder público. Há, como se percebe, grande semelhança entre essa teoria e a da responsabilidade fundada no direito civil; nesta, a culpa é do funcionário, naquela, do próprio serviço público.

Por fim, a teoria do acidente administrativo procura combinar as duas anteriores. Por ela, o ofendido tem direito a indenização, não só quando se demonstra Ter sido culposo o funcionamento do serviço público ( culpa administrativa ), como também quando se evidencia que o prejuízo adveio de fato objetivo, de irregularidade material, de acidente administrativo, ainda que insignificante, de culpa anônima do serviço ( risco integral).

O Código Civil havia disposto no art. 15: "As pessoas jurídicas de direito público são civilmente responsáveis por atos dos seus representantes que nessa qualidade causem danos a terceiros, procedendo de modo contrário ao direito ou faltando a dever prescrito por lei, salvo o direito regressivo contra os causadores do dano".

Esse preceito legal, todavia, não esgota inteiramente o assunto. Como disse o MINISTRO OROSIMBO NONATO, cuida apenas de um de seus aspectos, fixando a responsabilidade em caso de culpa do funcionário. É o que se dessume das expressões "procedendo de modo contrário ao direito" ou "faltando a dever prescrito por lei".

Pela Constituição promulgada a 5 de outubro de 1988, art. 37, § 6º, as pessoas jurídicas de direito público "responderão pelos danos que seus agente, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa".

Todos os intérpretes são unânimes em afirmar a integral adoção da responsabilidade objetiva pelo texto constitucional. Realmente, como observa AGUIAR DIAS, se a ação regressiva cabe quando tiver havido culpa do funcionário público, segue-se que não haverá ação regressiva quando inexistir culpa, embora o Estado continue a responder pelas conseqüências do evento lesivo.

A Constituição Federal alargou, pois, consideravelmente, o conceito de responsabilidade civil, de modo a abranger aspectos concretos que o direito anterior não conhecia, ou não levava em conta para conceder indenização. Presentemente, para que o Estado responda civilmente, basta a existência do dano e do nexo causal com o ato do funcionário, ainda que lícito, ainda que regular. A idéia de causalidade do ato veio substituir a da culpabilidade do agente. Por outras palavras, é o acolhimento da teoria do risco integral, iterativamente consagrada pela jurisprudência.

Entretanto, para empenhar a responsabilidade do Estado por ato de seu servidor, é essencial se ache este em serviço por ocasião do evento danoso. Preciso é que o representante pratique o ato nessa qualidade, isto é, no exercício da função pública, e não individualmente no caráter de pessoa privada. Mas, provado que o funcionário agiu nessa qualidade, a Fazenda paga, ainda que aquele tenha excedido os limites legais de suas funções, transgredido seus deveres ou praticado abuso de poder.

Ainda que a violação do direito resulte de crime cometido pelo funcionário, continua o Estado responsável. O Decreto federal nº 24.216, de 9 de maio de 1934, dispunha que a União, o Estado e o Município não responderiam civilmente pelos atos criminosos de seus representantes, funcionários ou prepostos, ainda quando praticados no exercício do cargo, função ou desempenho de seus serviço, salvo se neles mantidos após a sua verificação. Essa lei, entretanto, foi reiteradamente havida por inconstitucional, sendo revogada pelas Constituições de 1934 e 1937. Hoje, não mais pode prevalecer ante os claros termos do art. 37, § 6º, da Constituição de 1988.

Não importa que o servidor público seja graduado ou não. Ainda que subalterno, como soldado de polícia ou motorista, pode induzir a responsabilidade do Estado. Aliás, modernamente, em nosso direito administrativo, não há margem para qualquer discriminação entre empregados e funcionários públicos, que são expressões sinônimas.

Não precisamos ir além para deixar sublinhada a infinita riqueza das aplicações práticas oriundas da responsabilidade civil do Estado, e que se manifesta também quando se cuidar de dano provocado por agente de pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público.

Cumpre frisar apenas que este não responde pelos danos decorrentes de atos judiciais, quer provenientes da jurisdição graciosa, quer da jurisdição contenciosa. A irresponsabilidade do Estado, por atos do judiciário, é fatal corolário da autoridade da res judicata

Contudo, a Constituição Federal estabeleceu. a obrigação de o Estado indenizar o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença. Outrossim, em caso de prisão ilegal poderá ele ser eventualmente obrigado a compor os danos causados, ou, então, na hipótese prevista no art. 630 do Código de Processo Penal.

Aquela irresponsabilidade, há pouco mencionada, estende-se igualmente aos atos do Ministério Público, desde que cobertos e amparados por decisão judicial.

Como fora explanado nesta presente monografia, temos um Poder Judiciário/Magistrados beneficiados pela Constituição, com a garantia de independência, podendo assim, os Magistrados, ora tido como agente público do Estado, ficarem escondidos sob a capa da irresponsabilidade.

Não obstante a posição contrária de grande parte da doutrina, afirmo sem medo de errar, que o juiz, como ente do Poder Judiciário, e como tal, representante do Estado, pode e deve ser responsabilizado pelo instituto da RESPONSABILIDADE CIVIL, pela demora da prestação jurisdicional, pois, estando no vértice do triângulo processual, assume deveres de "sacerdote" judicante, devendo desenvolver suas funções almejando unicamente, e em parceria com um controle externo do Judiciário, a efetivação do bem comum, fim maior do direito.


NOTAS

01. CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 2. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2000, pp. 181 e ss.

02. ADEODATO, João Maurício. Modernidade e Direito. Revista da ESMAPE. Recife: v. 2, n. 6, out./dez. 1997, pp. 258.

03. BUENO, José Antônio Pimenta "Direito Público Brasileiro e Análise da Constituição do Império", Brasília: Senado Federal, 1978, págs. 34/35

04. REVISTA DOS TRIBUNAIS, "Garantias Constitucionais Processuais", vol. 659, pág. 8.

05. CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant, tradução de Ellen Gracie. "Acesso à Justiça". Northfleet, 1978, pág. 12.

06. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. "Comentàrios a Constitucionalidade Brasileira", pág. 67

07. LYRA, Tavares. "Instituições Políticas do Império", Ed. Senado Federal, 1979, págs. 173/174

08. in "Contribuição da Jurisprudência à Evolução do Direito Brasileiro", Revista Forense, vol. 126, pág. 18.

09. BARBI, Celso Agricola. Op. cit. pág.11.

10. CRETELLA JÚNIOR, José. Tratado de Direito Administrativo. 1967, p.69. vol. IV

11. CRETELLA JÚNIOR, José. Tratado de Direito Administrativo. 1967, p.67. vol. IV

12. MELO, Celso Antonio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 473.

13. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 22.ed. São Paulo: Malheiros, 1990. p. 555.

14. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 11. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1999, p.654.

15. idem, p. 659.

16. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. v. 7., 13. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 1999, p. 518.

17. idem, p. 520.

18. cf MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 20. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1995, p. 556

19. HARADA, Kiyoshi. Responsabilidade Civil do Estado. http://www.jus.com.br/doutrina/respesta.html, 16 de maio de 2000.

20. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil do Estado. Revista Brasileira de Direito Comparado. Rio de Janeiro: n. 8, 1990, p. 7.

21. MELO, Celso Antonio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 472.

22. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 22.ed. São Paulo: Malheiros, 1990. cit., p. 566.

23. PRESTA, Sérgio Luiz B. Responsabilidade Civil e a Constituição. Revista CONSULEX – Ano II – nº13. Rio de Janeiro/1998.

24. STF, RDA 13/123; TJSP, RDA 33/84; RT 203/299, 227/203, 268/377, 334/464.

25. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 22.ed. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 566.

26. TJSP, RDA 49/198, 63/168, 211/189, 255/328, 259/148, 297/301; e STERMAN, Responsabilidade do Estado, Ed. RT, 1992.

27. TJSP, RT 54/336, 275/319

28. SÉ. João Sento. Responsabilidade Civil do Estado por Atos Judiciais. Bushatsky, 1976, p.99-103.

29. CAHALI, Yussef Said. Tratado de Dirito Administrativo, p. 439; e se aproveitando da distinção preconizada por Léon Duguit, "Traité de Droit Constitucionnel", 3,p.538) "( Responsabilidade civil, cit., p.219-20).

30. LAZZARINI, Álvaro. Responsabilidade Civil do Estado por Atos Omissivos de seus Agentes, RJTJSP, 117:21).

31. FREITAS, Gilberto e Vladimir Passos de. Abuso de Autoridade. n. 56, pp. 63-64).

32. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil, cit., p. 151.

33. ALVIM, Arruda. Código de Processo Civil Comentado, Revista dos Tribunais, v.5, p.300.

34. PORTO, Mário Moacyr. Temas, cit., p.153

35. JÚNIOR, José Cretella. Responsabilidade do Estado por Atos Judiciais, RF, 230:46

36. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo, 2 ed., Atlas, 1991, p.364).

37. Neste sentido, acórdãos publicados nas RTJ 39/190, 56/273, 59/782, 94/423 etc.

38. COTRIM NETO, A. B. Da Responsabilidade do Estado por Atos do Juiz em face da Constituição Federal de 1988. Revista de Informação Legislativa. Brasília: a. 30, n. 118, abr./jun. 1993, p. 99.

39. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. op. cit. p. 175.

40. CAVALIERI FILHO, Sérgio. op. cit. p. 183.


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Sobre o autor
Reginaldo de Castro Cerqueira Filho

auditor fiscal de tributos estaduais, bacharel em Direito, especialista em Direito Público, engenheiro eletrônico, mestre em Informática pela Unicamp

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CERQUEIRA FILHO, Reginaldo Castro. Responsabilidade civil do Estado por atos de seus agentes. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 63, 1 mar. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3866. Acesso em: 24 dez. 2024.

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