CAPÍTULO IV: RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO DECORRENTES DE ATOS JUDICIAIS
A antiga tese da irresponsabilidade do prejuízo causado pelo ato judicial danoso vem, aos poucos, perdendo terreno para a da responsabilidade objetiva, que impede de culpa do agente, consagrada na Constituição Federal.
Durante muito tempo entendeu-se que o ato do juiz é uma manifestação da soberania nacional. O exercício da função jurisdicional se encontra acima da lei e os eventuais desacertos do juiz não poderão envolver a responsabilidade civil do Estado. No entanto, soberania não quer dizer irresponsabilidade. A responsabilidade estatal decorre do princípio da igualdade dos encargos sociais, segundo o qual o lesado fará jus a uma indenização toda vez que sofrer um prejuízo causado pelo funcionamento do serviço público.
A independência da magistratura também não é argumento que possa servir de base à tese de irresponsabilidade estatal, porque a responsabilidade seria do Estado e não atingiria a independência funcional do magistrado. Igualmente, não constitui obstáculo a imutabilidade da coisa julgada. Segundo JOÃO SENTO SÉ, a coisa julgada tem um valor relativo: "... se o que impede a reparação é a presunção de verdade que emana da coisa julgada, a prerrogativa da Fazenda Pública não pode ser absoluta, mas circunscrita à hipótese de decisão transitada em julgado. Logo, se o ato não constitui coisa julgada, ou se esta é desfeita pela via processual competente, a indenização é irrecusável." [28]
Cumpre distinguir as diversas atividades desenvolvidas no âmbito do Poder Judiciário. O gênero "funções Judiciais" comporta diversas espécies, como as funções jurisdicionais (contenciosas ou voluntárias) e as "administrativas". Neste último caso, o juiz ou o tribunal atua como se fosse um agente administrativo. É quando, por exemplo, concede férias a servidor, realiza concurso para provimento de cargos ou faz tomada de preços para a aquisição de materiais ou prestação de serviços. A responsabilidade do Estado, então, não difere da dos atos da Administração Pública.
A propósito, preleciona YUSSEF SAID CAHALI: "Como Poder autônomo e independente, com estrutura administrativa própria e serviços definidos, o Judiciário, pelos seus representantes e funcionários, tem a seu cargo a prática de atos jurisdicionais e a prática de atos não-jurisdicionais, ou de caráter meramente administrativo: quanto a estes últimos, os danos causados a terceiros pelos servidores da máquina judiciária, sujeitam o Estado à responsabilidade civil segundo a regra constitucional, no que se aproximam dos atos administrativos, em seu conteúdo e na forma ( Themístocles Brandão Cavalcanti." [29]
A atuação judiciária propriamente dita, a atividade jurisdicional típica de dizer o direito no caso concreto contenciosos ou na atividade denominada de jurisdição voluntária sujeita o magistrado à responsabilidade de que trata o art. 133, II, do Código de Processo Civil, reproduzido, na sua essência e com pequena alteração de redação, no art. 49 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional. [30]
Nesse campo, cabe ainda outra distinção: saber se o ato foi praticado no exercício regular da função jurisdicional, ou se o juiz exorbitou dela. Observa CAHALI que a jurisprudência de nossos tribunais, nas mais diversas submetidas a julgamento, timbra em reconhecer a irresponsabilidade civil do Estado pelas falhas do aparelhamento judiciário. No seu entender, tem-se associado a responsabilidade civil do Estado à responsabilidade civil do juiz, quando é certo que aquela responsabilidade deve ser perquirida no contexto mais amplo, nele se inserindo a questão da responsabilidade. pelos atos judiciais danosos. Analisando separadamente as situações que eventualmente podem causar danos aos particulares, conclui:
1 – "No caso do erro judiciário", a regra específica do art. 630 do Código de Processo Penal, com o elastério preconizado anteriormente, resolve a problemática da responsabilidade civil do Estado pela reparação dos danos. Do mesmo modo, os casos de danos resultantes do abuso da autoridade judiciária da Lei 4.898, de 9-12-65, a responsabilidade reparatória estende-se à Fazenda Pública" [31]
2 - Quando o juiz, no exercício de suas funções, "proceder com dolo ou fraude", ou "recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que deva ordenar de ofício, ou a requerimento da parte" a sua responsabilidade por perdas e danos ( art. 133 do Código de Processo Civil) não exclui a co-respondabilidade objetiva e direta do Estado, a teor do art. 107 da Constituição da república, pela sua reparação. Nesses casos, diz-se, há provisão legal explícita.
3 – "Nos demais casos de danos ocasionados aos administrados pelo órgão do Estado investido das funções judiciais, admissível o reconhecimento da responsabilidade civil do Estado" sem que isto moleste a soberania do Judiciário ou afronte o princípio da autoridade da coisa julgada ( aspectos, na realidade, impertinentes, para referendar a tese da irresponsabilidade), a pretensão indenizatória se legitima naquele casos de culpa anônima do serviço judiciário, de falhas do aparelhamento encarregado da distribuição da Justiça, envolvendo inclusive as deficiências pessoais dos magistrados recrutados; assim, nos casos de morosidade excessiva da prestação jurisdicional com equivalência à própria denegação da Justiça, de "erros grosseiros" dos juizes, relevados sob o pálio candente da falibilidade humana. Em tais casos, a regra constitucional do art. 107 assegura o direito à indenização dos danos efetivamente verificados."
Em princípio, o fato jurisdicional regular não gera a responsabilidade civil do Estado. A esse propósito, anota CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA: "... força é concluir que o fato jurisdicional regular não gera responsabilidade civil do juiz, e portanto a ele é imune o Estado. Daí a sentença de Aguiar Dias, que bem o resume, ao dizer que, segundo a doutrina corrente, os atos derivados da função jurisdicional "não empenham a responsabilidade do Estado, salvo as exceções expressamente estabelecidas em lei"( "Da Responsabilidade Civil", vol. II, n. 214)." [32] Assim, o simples fato de alguém perder uma demanda e com isso sofrer prejuízo, sem que tenha havido erro, falha ou demora na prestação jurisdicional não autoriza a responsabilização do Estado pelo ato judicial.
A distinção entre a responsabilidade pessoal dos magistrados e a do Estado é bem lembrada por ARRUDA ALVIM: "Se, de uma parte, é bastante restrita a responsabilidade pessoal dos juizes, o que não exclui a responsabilidade civil do Estado, naquelas hipóteses em que se configure a responsabilidade do Estado, prescindindo-se da responsabilidade civil do juiz, de índole pessoal, é algo mais ampla. Na realidade, entende-se com doutrina corrente que o Estado há de ser responsável por atos dos juizes pelo que estes, pessoalmente, todavia também o sejam, nos casos expressos em lei". [33]
MÁRIO MOACYR PORTO, depois de indagar quem deve arcar com o ônus da indenização quando a lei ordinária for omissa quanto à obrigatoriedade de indenizar o prejuízo resultante do ato do juiz e não apontar o responsável, responde: "A omissão da lei não implica a exoneração do dever de indenizar. O prejuízo, em face dos arts. 15 e 159 do CC, deve ser ressarcido, além de que é princípio universal de Direito que todo dano injusto deve ser indenizado. Se a lei não informa quem deve pagar o prejuízo, cabe ao Estado indenizar, pois o juiz, como já dissemos, é um funcionário público em sentido lato, que somente responde pessoalmente e diretamente pelos danos que resultarem da sua conduta ilícita quando a lei expressamente o declarar, assegurada ao Estado a obrigatoriedade da ação regressiva, aludida no parágrafo único do art. 107 da Constituição e art. 1º da Lei 4.619, de 28-04-65" [34].
Vale a pena transcrever a síntese conclusiva de JOSÉ CRETELLA JÚNIOR, ao sustentar a tese da responsabilidade do Estado por atos judiciais em sentido amplo, fundamentando-se em princípios publicísticos, que informam o moderno direito administrativo dando como válidas para o sistema jurídico brasileiro as seguintes proposições: a) a responsabilidade do Estado por atos judiciais é espécie do gênero responsabilidade do Estado por atos decorrentes dos serviço público; b) as funções do Estado são funções públicas, exercendo-se pelos três poderes; c) o magistrado é órgão do Estado; ao agir, não age em seu nome, mas em nome do Estado, do qual é representante; d) o serviço público judiciário pode causar danos às partes que vão a juízo pleitear direitos, propondo ou contestando ações ( cível); ou na qualidade de réus (crime); e) o julgamento, quer no crime, quer no cível, pode consubstanciar-se no erro judiciário, motivado pela falibilidade humana na decisão; f) por meio dos institutos rescisório e revisionista é possível atacar-se o erro judiciário, de acordo com as formas e modos que alei prescrever, mas se o equívoco já produziu danos, cabe ao Estado o dever de repará-los; g) voluntário ou involuntário, o erro de conseqüências danosas exige reparação, respondendo o Estado civilmente pelos prejuízos causados; se o erro foi motivado por falta pessoal do órgão judicante, ainda assim o Estado responde, exercendo a seguir o direito de regresso sobre o causador do dano, por dolo ou culpa; h) provado o dano e o nexo causal entre este e o órgão judicante, o Estado responde patrimonialmente pelos prejuízos causados, fundamentando-se a responsabilidade do Poder Público, ora na culpa administrativa, o que envolve também a responsabilidade pessoal do juiz, ora no acidente administrativo o que exclui o julgador, mas empenha o Estado, por falha técnica do aparelhamento judiciário, ora no risco integral, o que empenha também o Estado, de acordo com o princípio solidarista dos ônus e encargos públicos [35]..
Discorrendo sobre o tema, em artigo publicado na RT, 652:29, JOSÉ GUILHERME DE SOUZA, também concorda em que, seja voluntário ou involuntário, todo erro que produza conseqüências danosas - em outras palavras, toda atividade judiciária danosa - deve ser reparado, respondendo o Estado civilmente pelos prejuízos, a ele assegurado o direito de regresso contra o agente público responsável pela prática do ato.
MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO também entende inadmissível afastar-se a responsabilidade do estado por atos jurisdicionais danoso, "porque podem existir erros flagrantes não só em decisões criminais, em relação às quais a Constituição adotou a tese da responsabilidade, como também nas áreas cível e trabalhista. Pode até ocorrer o caso em que o juiz tenha decidido com dolo ou culpa. Mesmo em caso de inexistência de culpa ou dolo - acrescenta - poderia incidir essa responsabilidade, se comprovado o erro da decisão. Nem seria, no seu entender, obstáculo a essa solução o argumento de que o reconhecimento de responsabilidade do Estado por ato jurisdicional acarretaria ofensa à coisa julgada, pois o fato de ser o Estado condenado a pagar indenização decorrente de dano ocasionado por ato judicial não implica mudança na decisão judicial. A decisão continua a valer para ambas as partes; a que ganhou e a que perdeu continuam vinculadas aos efeitos da coisa julgada, que permanece intangível. É o Estado que terá que responder pelo prejuízo que a decisão imutável ocasionou a uma das partes, em decorrência de erro judiciário". [36]
Verifica-se, em conclusão, que as mais modernas tendências apontam no sentido da admissão da responsabilidade civil do Estado pelos danos experimentados por particulares, decorrentes do exercício da atividade judiciária.
1. A Atividade Judiciária Danosa e a Responsabilidade do Estado
Ver-se-á agora que uma atividade judiciária danosa é suscetível, em tese, de engajar a responsabilidade do Estado, desde que um minimum necessário de requisitos esteja presente na situação que compõe a atividade lesiva.
Assim é que deve haver o dano; deve existir um nexo causal entre esse dano e a pessoa jurídica de Direito Público ( o Estado) causadora do dano, nexo esse que consiste na qualidade do agente público lato sensu da pessoa que, diretamente, provocou o prejuízo com a sua atividade; e o elemento subjetivo ( dolo ou culpa), que poderá ou não estar presente em cada caso.
As principais formas de atividade judiciária danosa são as elencadas a seguir.
1.1. Erro Judiciário
É o erro judiciário a mais conhecida das atividades judiciárias danosas, e isso por ser, acima de tudo, a mais espetacular, em função de ser a que mais gravemente lesiona e ofende os direitos individuais. Via de regra, ocorre na justiça criminal e consiste na aplicação, a uma pessoa posteriormente reconhecida inocente, de um gravame de grandes proporções, a ponto de atingir a vida, os bens, a honra e a família do lesado.
No erro judiciário, assim chamado porque a decisão jurisdicional configura um error in judicando, entendo cabível a ação regressiva contra o prolator daquela decisão, salvo a comprovação de erro invencível, plenamente justificado pelas circunstâncias.
O erro judiciário pode ocorrer também na esfera civil, caso em que é pressuposto da responsabilidade do dano a ação rescisória para desconstituição da sentença e comprovação do erro.
1.2. Denegação da Justiça
Configuram-se como denegação de justiça ( dêni de justice no Direito francês) as seguintes hipóteses:
1º ) quando o juiz nega a aplicação do direito;
2º ) quando o juiz nega a execução da sentença;
3º ) quando o juiz negligencia propositalmente o andamento de um processo.
Portanto, não se deve entender como denegação de justiça:
1º ) a má aplicação do direito;
2º ) a decisão injusta. A denegação de justiça, outrossim, deve constituir um dano grave e sério ao patrimônio e/ou moral do jurisdicionado.
A LICC, em seu art. 4.º estabelece que "quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito".
Por conseguinte, e não atendimento a esse preceito ( negativa de aplicação do direito) constitui denegação de justiça.
1.3. Serviço Judiciário Defeituoso
"Se o Estado", diz CRETELLA JÚNIOR, "responde, segundo antiga e interativa jurisprudência, pelos movimentos multitudinários, ou pelo fato das coisas do serviço público, independentemente de culpa, de seus agente, com maior razão deve responder por sua omissão ou negligência em prover eficazmente ao serviço da justiça, segundo as necessidades dos jurisdicionados, que lhe pagam impostos e taxas judiciárias para serem atendidos".
Ocorrendo, por exemplo, demora na tramitação de um processo, sem culpa do juiz, mas causada, ao contrário, por falhas e deficiências do aparato judiciário, representadas por sobrecarga e acúmulo de serviço, o Estado é integralmente responsável por tal acidente administrativo.
1.4. Dolo e Fraude do Juiz Responsabilidade Pessoal ou Responsabilidade do Estado.
Já foi analisado, linhas atrás, sob que formas e responsabilidade do Estado pode apresentar-se.
Quando se trata de casos de dolo ou culpa do juiz, existem dispositivos legais que procuram lançar aos ombros do julgador, exclusivamente, a responsabilidade pelo fato danoso na atividade judiciária, o que pode levar a interpretações dissociadas dos princípios publicísticos que regem a atividade do Estado.
Dolo e fraude, porque está necessariamente contida naquele: para se cometer uma fraude é necessário que se aja com dolo; depois, fraude é o que conota a ilegalidade do ato, dolo é a intenção por trás do ato.
Pessoalmente o juiz não é responsável. Nem pode ser. Responsável é o Estado. Juiz é órgão do Estado. Estado e juiz formam um todo indissociável. Se o magistrado causa dano ao particular, o Estado indeniza, exercendo depois o direito de regresso contra o causador do dano.
Hoje, todavia, já existe jurisprudência no sentido de que é facultado ao lesado optar entre acionar a administração pública ou o agente público causador do dano.
2. Outras Modalidades de Atividade Judiciária Danosa
Dentro do contexto apresentado até agora, a responsabilidade do Estado se engaja com ou sem falta pessoal do agente público que é o juiz. E esta falta pessoal pode configurar-se em casos de conduta dolosa do magistrado. Mas não se esgotará aí a malha de possibilidades. O juiz pode agir com diversas modalidades de conduta, até mesmo com variações menos graves do núcleo intencional doloso.
Creio ser possível acrescentar que, se a hostilidade ou a parcialidade decorrerem de um particular estado de ânimo do juiz em ralação ao patrono da parte, a responsabilidade ainda existirá, porque é essa animosidade dirigida ao procurador do litigante que vai causar a este os mencionados prejuízos.
Essas deficiências, na feliz expressão de CARLIN "ao mesmo tempo em que tornam a ação do órgão de controle ineficaz, abalam ainda mais o restante do prestígio do derradeiro protetor do cidadão, desgastando não só sua imagem como estremecendo um dos próprios fundamentos do Estado, tornando-o completamente inseguro".
3. Um Caso Concreto Em Análise
A fim de criar uma condição de ilustração de posições doutrinárias desenvolvidas neste trabalho, cito a seguir um caso concreto de ocorrência de conduta dolosa de um magistrado, com danos efetivos aos jurisdicionados. O caso se encontra esmiuçado in JC 56/71-73.
O casal "A"- "B" entrou com uma ação de nulidade de arrematação, cumulada com perdas e danos, contra "C", "D" e "E", sendo "E "o juiz de direito da comarca "C " havia executado "A"- "B" e, neste primeiro processo, "D" arrematara o imóvel do casal. O auto de arrematação, todavia, não fora assinado no prazo legal, pelo que o advogado de "A"- "B" ingressou com um pedido de remição do imóvel arrematado, depositando um cheque de banco da praça, de emissão de terceiro. A remição foi indeferida, sendo expedida carta de arrematação em favor de "D".
Daí a ação de nulidade, porque quando formulado o pedido de remição, ainda não havia o auto de arrematação, pela ausência das assinaturas, sendo certo, porém, que o cheque de terceiro possuía suficiente provisão de fundos durante o expediente bancário, mas, após encerrado este, entrava no mercado de papéis conhecido como overnight, retornando no dia seguinte a lastrear a conta do correntista.
Onde o dolo do magistrado? Exatamente no fato de que, desconhecendo, intencionalmente, as circunstâncias que cercavam o cheque dado por terceiro, dirigiu-se ao estabelecimento bancário, acompanhado do delegado de polícia, após o encerramento do expediente daquela agência, entrando pela porta dos fundos, e coagindo o gerente a fornecer, sem sucesso, declaração com a marca da desprovisão sobre o referido cheque. O juiz de 1º grau dera pela ilegitimidade de parte do juiz "E", julgando a ação improcedente quanto aos demais réus.
Como se vê, o dolo ficou manifestamente caracterizado. Acionado o agente público, os autores não obtiveram o sucesso esperado, mas o caso apresentado pode ser considerado um exemplo didático de conduta dolosa do juiz e de inegável responsabilidade do Poder Público, afastada apenas pelo processamento direto do causador do dano.
4. Exclusão Da Responsabilidade Estatal Por Ato Legislativo E Judicial.
O Art. 15 não alcança a responsabilidade da pessoa jurídica de direito público por ato legislativo e judicial lesivo a outrem. O Estado que paga indenização a quem foi prejudicado por ato legislativo lesivo não terá ação regressiva contra o legislador faltoso ante o disposto no ar.53 da Constituição Federal de 1988 e ante o fato de ser a lei um ato jurídico complexo, em que, nas palavras de OSWALDO ARANHA BANDEIRA DE MELLO, "ocorre fusão de vontades ideais de vários órgãos, que funcionam, destarte, como vontade única par formação de um ato jurídico". Ter-se-á responsabilidade estatal por atos legislativos lesivos se houver: a) indenização fixada na própria lei causadora do gravame; b) violação ao princípio da isonomia em circunstância de a lei Ter lesado diretamente o patrimônio de um cidadão ou de um grupo de pessoas; c) dano causado a terceiro por ilegalidade ou inconstitucionalidade do ato legislativo; d) omissão legislativa, p. ex., se o Poder Legislativo não emitiu normas destinadas a dar operatividade prática a direitos garantidos constitucionalmente.
O Estado responderá por ato judicial previsto em lei. O Código de Processo Civil, art.630, p. ex., reconhece a responsabilidade estatal por erro judiciário ( CF/88, art.5º, LXXV, primeira parte); por prisão preventiva injusta ou por prisão além do tempo fixado na sentença ( CF/88, art.5º, LXXV, segunda parte); por sentença de mérito, transitada em julgado, rescindida por estar eivada de vício previsto no Código de Processo Civil ( art. 485, I, II, IV, V,VI, VIII e IX). A responsabilidade pessoal do magistrado prevista no Código Civil ( arts. 294, 420 e 421) e no Código de Processo Civil ( art.133) não exclui a do Estado. As decisões e despachos judiciais sem caráter de res judicata, decidindo ou não o mérito da causa, tais como as interlocutórias, as decisões prolatadas em processo de jurisdição graciosa, os atos de execução da sentença e os atos administrativos em geral do Poder Judiciário, poderão acarretar responsabilidade estatal. Em relação ao juiz singular, o Estado que pagou indenização terá ação regressiva contra ele, se este agiu com culpa ou dolo; mas, quanto aos atos jurisdicionais lesivos do tribunal, descaberá tal ação, por serem atos de órgão colegiado.
5. A Polêmica da Responsabilidade do Estado decorrentes por Atos Judiciais.
É ainda conflituoso o posicionamento da doutrina e da jurisprudência no que diz respeito à responsabilidade civil do Estado no âmbito do Poder Judiciário. Opiniões variam da total irresponsabilidade até a responsabilidade segundo a teoria do risco administrativo.
5.1. O posicionamento do Supremo Tribunal Federal
O Supremo Tribunal Federal tem favorecido a irreparabilidade dos danos causados pelos atos do Poder Judiciário, salvo aqueles previstos em lei. Resultaria o posicionamento da Suprema Corte do fato de se "tratar de um Poder soberano, que goza de imunidades que não se enquadram no regime de responsabilidade por efeitos de seus atos quando no exercício de suas funções" [37].
Não obstante o respeito pelos julgados do Supremo Tribunal Federal, Cotrim Neto critica o posicionamento da Suprema Corte, principalmente "porque não podemos compreender a razão de ser de qualificar o juiz como órgão da soberania e o Judiciário como ‘Poder soberano’ e não situar, no mesmo plano, o legislador e o funcionário público pois, afinal, todos são agentes do Poder Público" [38].
5.2. O sentido do § 6º do artigo 37 da Constituição Federal de 1988
O artigo 107 da Constituição Federal de 1967, que regulava a responsabilidade do Estado, foi causa de controvérsias no meio jurídico, visto que, por situar-se no capítulo do Poder Executivo, na seção relativa aos funcionários públicos, não aplicar-se-ia ao Poder Judiciário. Se não bastasse, argumentava-se que o magistrado não se enquadrava na figura do funcionário público, porque era órgão do Estado, quando muito um funcionário sui generis.
Entretanto, à luz da Constituição Federal de 1988, os argumentos supramencionados foram inteiramente prejudicados e perderam força. De início, o preceito que regula a responsabilidade estatal localiza-se em capítulo que versa sobre a Administração Pública em geral e diz respeito, conforme exposto no caput do artigo 37, à "administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios" (grifos nossos).
Além disso, o § 6º da norma constitucional em tela não trata de funcionário público, mas de agente público. Conforma lição de Celso Antônio Bandeira de Mello, " quem quer que desempenhe funções estatais, enquanto as exercita, é um agente público" [39]. Termina por concluir, Sérgio Cavalieri Filho, que esta categoria abarca "não somente os membros do Poder Judiciário, como agentes políticos, como, também, os serventuários e auxiliares da Justiça em geral, vez que desempenham funções estatais" [40].