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Responsabilidade civil do Estado por atos de seus agentes

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CAPÍTULO II: O MAGISTRADO ENTRE OS AGENTES PÚBLICOS

1.Estado e Agente

O funcionamento contínuo e perfeito do serviço público exige a presença física de classe diferenciada de pessoas, submetidas a status especialissímo e sob a dependência direta ou indireta de um superior hierárquico. [10]

Para atingir os fins fundamentais que tem mira, sem o que perderia sua razão de existir, o Estado, entidade abstrata, age por meio de pessoal especializado, cujo número varia na razão direta da complexibilidade das tarefas a executar.

Destarte, temos os agentes públicos que desempenham funções a si destinadas no aparato da Administração Pública, sob qualquer categoria ou título jurídico.

Esse agente público será, conforme seja integrante da alta esfera da Administração, eleito ou nomeado em comissão, em termos transitórios, um agente político.

2. O Juiz como Agente do Estado

Como já se viu, retro (Capítulo I), ao analisar as atividades funções do Estados, estas se desenvolvem em três níveis distintos, correspondendo à tricotomia clássica. Assim, o esquema subjuntivo Estado-poder-serviço público-serviço judiciário aparece como uma concepção perfeita na natureza e dos característicos essenciais da atividade ora sob enfoque.

De conseguinte, "o ato judicial é, antes de tudo, um ato público, ato de pessoa que exerce o serviço público judiciário", diz CRETELLA JÚNIOR [11].

Neste sentido, continua o administrativista, equipara-se ao funcionário público e magistrado, para efeitos de responsabilidade. Quando se fala, assim, em Estado-jurisdição, se está falando em Estado-juiz.

A atividade do juiz, pois, é atividade judiciária, lato sensu; não é ele, contudo, o único a exercitar uma atividade judiciária suscetível de causar danos civilmente reparáveis pelo Estado ( em tese): os serventuários de justiça, os membros do MP, os advogados de ofício e os componentes da Polícia Judiciária também exercem tal tipo de atividade. O recorte aqui pretendido, todavia, deve excluir os seus demais exercentes, abordando-se somente o que diz com a atividade do juiz togado. Essa atividade, chamada de judiciária enquanto genus, deve distinguir-se da atividade jurisdicional propriamente dita.

3. O Juiz não é Funcionário Público

No momento em que o Congresso Nacional examina propostas de emenda à Constituição que alteram a situação dos juizes ativos e inativos, é imperioso refletir da importância de preservar garantias de independência dos magistrados brasileiros, sob pena, inclusive, de desfigurar-se todo um Poder do Estado.

É necessário, pois, compreensão da sociedade ante o risco que corre o Judiciário de desfigurar-se como Poder, num atentado oblíquo à Constituição de 1988 e a seus princípios pétreos, como o da separação de poderes.

Se é certo que também os agentes políticos devem servir ao público, a expressão "servidor público" passou a ter conotação restrita em decorrência da CF/88 (antes, cabe recordar, eram funcionários públicos, cujo termo foi tão degenerado que a Assembléia Constituinte simplesmente preferiu alterá-lo) e não engloba, de modo algum, seja os agentes políticos do Poder Legislativo (senadores, deputados e vereadores), seja do Poder Executivo (presidente da República, ministros de Estado, governadores, secretários de Estado, prefeitos e secretários Municipais), seja do Poder Judiciário (juizes em todos os graus), seja, ainda, dos Tribunais de Contas e dos Ministérios Públicos, que envolvem a apologia do Quarto Poder esquecido por MONTESQUIEU.

Não se podem confundir garantias da Magistratura (e não propriamente do magistrado) com privilégios do indivíduo que veste a toga, quando tais garantias são dirigidas a preservar a isenção no ditar a Justiça e o Direito. Garantias estas, inclusive, que devem ser preservadas além da atividade do Juiz, sob pena de termos magistrados que ao final da carreira passem a buscar os meios para que suas condições de vida e de sua família, muitas vezes privada da sua presença diuturna, e se descuide seja com a tutela que caiba proferir, seja mesmo com a isenção que deve possuir.

O resultado pode ser, no futuro, a destruição do Poder Judiciário nacional, que apesar de todas as dificuldades, da falta de magistrados e do acúmulo de demandas, muito serviço para poucas condições, continua a envergar a credibilidade junto à sociedade da isenção de seus integrantes; talvez sucumba a própria tripartição do Poder do Estado, passando o Judiciário a ser mera autoridade judiciária submetida aos devaneios e vaidades dos detentores do Poder temporário, quando exatamente por isso somos detentores da vitaliciedade - vejam o Judiciário francês, incapaz de responder, como o Judiciário brasileiro, modelado em tal aspecto à semelhança do modelo anglo-saxão, aos devaneios do Poder Público, notadamente da Administração. No futuro, sem garantias de independência, passando os magistrados à condição de "servidores públicos", pouco poderão fazer para resguardar garantias dos indivíduos, se as próprias já não as terão.

E falando em vitaliciedade, cabe enaltecer exatamente esta condição, que não é detida seja pelos agentes políticos de caráter temporário dos demais Poderes do Estado, seja dos servidores públicos (tão chamados à semelhança), eis que ser vitalício pressupõe que mesmo a inatividade conserva o sujeito como Juiz, e como tal detentor de todas as garantias deferidas aos ativos que não sejam incompatíveis com o afastamento da função judicante por jubilamento, mas que assim se tornam plenamente compatíveis com a condição de magistrado, que perdura. Ser o magistrado vitalício o coloca na situação de não curvar-se de tempos em tempos a vontades de quem quer que seja para manter-se na atividade judicante; ser livre para julgar conforme apenas sua consciência e a interpretação justa do Direito positivado na Constituição e nas leis com ela conformes.

Por isso, mesmo que se passe a considerar os magistrados equiparados aos servidores públicos, acredito que a argüição de afronta ao artigo 95, III, da CF/88, por combinação com o inciso I do mesmo artigo, surtiria efeito, porque seria triste imaginar que o Supremo Tribunal Federal pretendesse romper a tradição secular republicana e acabasse por destruir o pilar mais firme da Democracia: o Judiciário isento a quaisquer pressões, sejam políticas, sejam econômicas, de quem quer que seja. Mas então, o desgaste será tanto que ficará difícil a qualquer magistrado explicar ao cidadão comum que não era marajá nem gozava de privilégios, mas de garantias destinadas à própria sociedade.

Por isso, é hora de todos (mesmo alguns juizes) conscientizarem-se de que são os magistrados agentes políticos do Estado, com a missão de julgar e declinar interpretações da Lei sobre o Direito aplicável, no tentar enunciar preceitos justos, a cada causa, ainda quando envolva poderosos e fracos, ou o próprio Poder Público. Por isso são os magistrados vitalícios, e por isso têm garantias que não se estendem a outros agentes políticos nem a servidores públicos, que com os juizes não se confundem, tanto assim que os servidores públicos se curvam a ordens, e os demais políticos se curvam às decisões judiciárias, enquanto os magistrados se curvam apenas a suas consciências e aos ditames do Direito estabelecido conforme a Constituição, eis que só a eles deferiu a Carta Magna a atribuição maior de dizer o Direito e a Justiça, só a eles deferiu jurisdição.

Vejam, pois, que as propostas de emendas constitucionais, nos dispositivos que acabam com a irredutibilidade dos vencimentos quando passa o magistrado vitalício à inatividade fere, sobretudo, a separação dos poderes, porque submete magistrados à condição de meros servidores públicos obrigados a obedecer comandos de outros, ferindo, assim, toda a independência com que deve atuar o Judiciário e seus órgãos.

Também por tudo isso repugna a idéia de perseguirem alguns magistrados regalias, reajustes ou concessões quaisquer dadas a servidores públicos em geral, algo que não são — se os vencimentos já não expressam a função especial que desempenham, não é com reivindicações junto aos chefes dos Executivos que se deve acorrer, porque a estes nenhum magistrado se deve curvar.

A magistratura enseja Estatuto próprio (artigo 93 da Constituição) e não sujeito a normas subsidiárias extraídas de estatutos do funcionalismo, quaisquer que sejam.

Não são os juizes servidores públicos, ainda que devam bem servir ao público na função de julgar. São os magistrados agentes políticos do Estado, órgãos do Poder Judiciário, pilares da Democracia, garantias do indivíduo frente ao Poder Público e guardiães da própria legalidade e da harmonia entre os Poderes do Estado.

Diminuir tal condição é menosprezar a história, perigosamente submeter juizes, hoje livres no agir em defesa da Justiça e do Direito, às vontades de algum príncipe de plantão.


CAPÍTULO III: DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO OU EXTRACONTRATUAL DO ESTADO NO DIREITO BRASILEIRO

O comportamento unilateral comissivo ou omissivo do Estado legítimo ou ilegítimo, material ou jurídico, pode causar dano à pessoa ou ao seu patrimônio. Em razão disso cabe perguntar: O Estado tem que recompor, integralmente, os gravames de ordem patrimonial infligidos à vitima de sua ação ou abstenção lesiva? Na obrigatoriedade, ou não, de restaurar o patrimônio ofendido reside o problema da Responsabilidade Civil do Estado.

Não se trata de responsabilidade oriunda de ajustes celebrados pela Administração Pública contra terceiros, denominada responsabilidade contratual (nesta a responsabilidade está fixada e se resolve com base nas cláusulas do contrato) ou de responsabilidade criminal (as pessoas jurídicas, públicas ou privadas, não cometem contravenções ou crimes, embora seus agentes, causadores diretos do dano, possam cometê-los). Também não diz respeito à obrigação de indenizar, que cabe ao Estado pelo legítimo exercício de poderes contra direito de terceiros, como ocorre na desapropriação e, algumas vezes, na servidão, conforme inteligentemente observado por CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELO: "cuida-se, isto sim da responsabilidade patrimonial do Estado, responsabilidade extracontratual do Estado ou Responsabilidade Civil do Estado, em face de comportamento unilaterais, comissivos ou omissivos, legais ou ilegais, materiais ou jurídicos, que lhe são atribuídos " [12].

Tal responsabilidade, como ocorre no Direito Privado, traduz-se na obrigação de reparar os danos patrimoniais causados a terceiros, e se exaure com a satisfação ou pagamento da correspondente indenização [13], conforme prescrevem os arts. 1.059 e seguintes do Código Civil, aplicáveis à Administração Pública. Ainda, diga-se, nos termos do art. 1.518 desse mesmo código, que se a responsabilidade de indenização decorrer de ato ilícito, todos autor e co-autores respondem solidariamente (cada co-obrigado pode per si ser compelido ao pagamento total da obrigação), sejam ou não pessoas físicas.

1. Noções de responsabilidade estatal extracontratual

Celso Antônio Bandeira de Mello define a responsabilidade patrimonial extracontratual do Estado como sendo "a obrigação que lhe incumbe de reparar economicamente os danos lesivos à esfera juridicamente garantida de outrem e que lhe sejam imputáveis em decorrência de comportamentos unilaterais, lícitos ou ilícitos, comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos" [14].

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"A idéia de responsabilidade do Estado é uma conseqüência lógica inevitável da noção de Estado de Direito" [15]. Em se reconhecendo a sujeição de todos, pessoas físicas ou jurídicas, de Direito Público ou de Direito Privado, ao ordenamento jurídico, aceita-se o dever de responder por conduta que venha a transgredir a esfera de proteção jurídica alheia. Tratando-se de comportamento ofensivo com sujeito ativo estatal deve-se garantir "uma equânime repartição dos ônus resultantes do evento danoso, evitando que uns suportem prejuízos oriundos de atividades desempenhadas em prol da coletividade" [16].

Por conseguinte, a responsabilidade extracontratual do Estado fundamenta-se no princípio da isonomia, porque não é justo que danos decorrentes de desempenho de funções públicas prejudiquem apenas alguns indivíduos, visto que visam ao interesse da coletividade. Daí a necessidade de, tendo em vista o restabelecimento do equilíbrio social, indenizar o prejudicado às custas da Fazenda Pública.

A responsabilidade civil extracontratual do Estado está regulada na Constituição Federal de 1988 em seu artigo 37, § 6º. É importante frisar que, em se tratando de pessoa jurídica de Direito Público, as vontades e ações do Estado são manifestadas nas ações e vontades de seus agentes, quando revestidos desta qualidade. Assim, conforme preleciona MARIA HELENA DINIZ, "a relação entre a vontade e a ação do Estado e de seus agentes é de imputação direta dos atos dos agentes ao Estado, por isso tal relação é orgânica" [17].

2. Responsabilidade objetiva e a teoria do risco administrativo

A responsabilidade civil do Estado por atos comissivos ou omissivos de seus agentes possui natureza objetiva, já que independe de comprovação de culpa lato sensu. Consoante os ensinamentos de Hely Lopes Meirelles, a doutrina da responsabilidade objetiva do Estado admite três teorias distintas: a teoria da culpa administrativa, a teoria do risco administrativo e a teoria do risco integral. [18] Devido ao prestígio de que goza a teoria do risco administrativo no ordenamento jurídico brasileiro desde a Carta Política de 1946, apenas esta teoria objetiva será abordada no presente trabalho.

Todavia, é importante frisar que houve, na doutrina pátria, uma evolução da responsabilidade civilística, prescrita no artigo 15 do Código Civil e fundada na culpa do funcionário e nos princípios da responsabilidade por fato de terceiro, até a moderna teoria do risco administrativo.

Em virtude de virtude de sua "infra-estrutura material e pessoal para a movimentação da máquina judiciária e de órgãos que devam atuar na apuração da verdade processual" [19], a responsabilidade objetiva é a única capaz de coexistir com a posição do Poder Público ante os seus governados.

A administração pública, no exercício de suas atividades, cria situações de risco para os administrados. Posto que tal atividade é exercida em prol da coletividade, os encargos decorrentes devem ser suportados pela própria coletividade representada na pessoa do Estado. A teoria do risco administrativo surge, nesse sentido, como expressão concreta do princípio da igualdade no Estado Democrático de Direito.

Esclarece CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA que "se o funcionamento do serviço público, bom ou mau não importa, causou um dano, este deve ser reparado. Desta sorte, distribuem-se por toda a coletividade as conseqüências danosas do funcionamento do serviço público. É a forma única democrática de repartir o ônus e encargos sociais" [20].

Cumpre ressaltar, contudo, que apesar da prescindibilidade da comprovação de culpa, é preciso que se verifique nexo de causalidade entre a ação ou omissão administrativa e o dano sofrido pelo administrado.

2. Fundamento do Instituto da Responsabilidade Civil do Estado

O fundamento da Responsabilidade Civil do Estado é bipartido, conforme seja ela decorrente de atos lícitos ou ilícitos.

No caso dos atos lícitos (construção de um calçadão que interessa à coletividade, não obstante impeça a utilização de um prédio, construído e regularmente utilizado como garagem, o fundamento é o princípio da distribuição igualitária do ônus e encargos que estão sujeitos os administrados (RDA, 190:194). Destarte, se o serviço ou a obra é de interesse público, mas, mesmo assim, causa dano a alguém, toda a comunidade deve responder por ele, e isso se consegue através da indenização. Para tanto todos concorrem, inclusive o prejudicado, já que este, como os demais administrados, também paga tributos.

Se se tratar de atos ilícitos (descumprimento da lei), o fundamento é a própria violação da legalidade, como ocorre quando o Estado interdita indústria poluente e ao depois se verifica que, em absoluto, era ela poluente. Nesse exemplo, o Estado cometeu uma ilegalidade e, por ter praticado ato ilícito do qual decorreu o dano, vê-se na contingência de ressarcir a vítima.

A par disso ressalta-se que a obrigação de indenizar está na lei ou na Constituição. Entre nós, está consubstanciada na Constituição Federal, art. 37, §6.º, e seu dispositivo tem servido de modelo para as Constituições Estaduais.

3. Evolução Histórica

Em termos de evolução da obrigatoriedade que o Estado tem de recompor o patrimônio diminuído em razão de seus atos, a Administração Pública viveu fases distintas, indo da irresponsabilidade para a responsabilidade com culpa, civil ou administrativa, e desta para a responsabilidade sem culpa, nas modalidades do risco administrativo e do risco integral.

A Responsabilidade Civil do Estado vigorou de início em todos os Estados, mas notabiizou-se nos absolutistas. Nestes, negava-se tivesse a Administração Pública a obrigação de indenizar os prejuízos que seus agentes, nessa qualidade, pudessem causar aos administrados.

A vigência dessas máximas, se de um lado indicava a irresponsabilidade do Estado, de outro não significava o desamparo total dos administrados. O rigor da irresponsabilidade civil do Estado era quebrado por leis que admitiam a obrigação de indenizar em casos específicos, a exemplo de certa lei francesa que admitia a recomposição patrimonial por danos oriundos de obras públicas e de outra que acolhia a responsabilidade por danos resultantes de atos e de gestão do domínio privado do Estado. A par disso, admitia-se a responsabilidade do agente público quando o ato lesivo pudesse ser atribuído diretamente a ele. O Princípio da Responsabilidade dos Agente Públicos, em lugar da responsabilidade do Estado, foi consagrado, entre nós, na Constituição de 1824, no item 29 do art. 179, ressalvado o Imperador, que não estava submetido a qualquer responsabilidade, nos termos do art. 99 dessa Lei Maior.

A teoria da responsabilidade patrimonial do Estado está inteiramente superada. As últimas nações a sufragar a doutrina da responsabilidade foram os Estados Unidos da América do Norte, em 1946, e a Inglaterra, em 1947. Hoje, diz CELSO BANDEIRA DE MELLO: "Todos os povos, todas as legislações, doutrina e jurisprudência universais, reconhecem em consenso pacífico, o dever estatal de ressarcir as vítimas de seus comportamentos danosos" [21].

O estágio da responsabilidade com culpa cível do Estado, também chamada de responsabilidade subjetiva do Estado, instaura-se sob a influência do liberalismo, que assemelhava, para fim de indenização, o Estado ao indivíduo. Por esse artifício o Estado tornava-se responsável e, como tal, obrigado a indenizar sempre seus agentes que houvessem agido com dolo ou culpa. O fulcro, então, da obrigação de indenizar era culpa do agente. É a teoria da culpa civil. Essa culpa ou dolo do agente público era a condicionante da responsabilidade patrimonial do Estado. Sem ela incorreria a obrigação de indenizar. O Estado e o indivíduo eram, assim, tratados de forma igual. Ambos, em termos de responsabilidade, respondiam conforme o Direito Privado, isto é, se houvessem se comportado com culpa ou dolo. Caso contrário, não respondiam.

Os conceitos de culpa e dolo eram os mesmos do Direito Privado. O agente público atua com culpa quando age com imprudência, imperícia, negligência ou imprevisão e causa um prejuízo a alguém. Eis aí, a noção de culpa. Dolo, de outra parte, é a vontade consciente do agente público voltada para a prática de um ato que sabe ser contrário ao Direito. Ambos os comportamentos impunham ao Estado a obrigação de indenizar.

Essa doutrina foi acolhida pelo nosso ordenamento através do art. 15 do Código Civil, que assim, dispõe:

"Art.15 – As pessoas jurídicas de direito público são civilmente responsáveis por atos de seus representantes que nessa qualidade causem danos a terceiros, procedendo de modo contrário ao direito ou faltando a dever prescrito em lei, salvo o direito regressivo contra os causadores dos danos".

Este preceito vigorou sozinho até o advento da Constituição da República de 1946. A partir daí começou a viger a responsabilidade sem culpa ou responsabilidade objetiva.

A solução civilista, preconizada pela teoria da responsabilidade patrimonial com culpa, embora representasse um progresso em relação à teoria da irresponsabilidade patrimonial do Estado, não satisfazia os interesses de justiça. De fato, exigia muito dos administrados, pois o lesado tinha que demonstrar, além do dano, a situação culposa do agente estatal. Torna-se, assim, inaplicáveis, em sua pureza, os princípios da culpa civil, para obrigar o Estado a responder pelos danos que seus servidores pudessem causar aos administrados.

Em razão disso, procurou-se centrar a obrigação de indenizar na culpa do serviço ou, segundo os franceses, na faute du service. Ocorre a culpa do serviço sempre que este não funcionava mal (devendo funcionar bem) ou funcionava atrasado (devendo funcionar tempo). Era a teoria da culpa administrativa ou da culpa anônima (não se tem o causador direto do dano), que recebeu de HELY LOPES MEIRELLES o seguinte comentário: "A teoria da culpa administrativa representa o primeiro estágio da transição entre a doutrina subjetiva da culpa civil e a tese objetiva do risco administrativo que a sucedeu, pois leva em conta a falta de serviço para dela indeferir a responsabilidade da Administração. É o estabelecimento do binômio falta de serviço – culpa da Administração. Já aqui não se indaga da culpa subjetiva do agente administrativo, mas perquire-se a falta objetiva do serviço em si mesmo, como fato gerador da obrigação de indenizar o dano causado a terceiro. Exige-se, também, uma culpa, mas uma culpa especial da Administração, a que se convencionou a chamar de culpa administrativa" [22].

O êxito do pedido de indenização ficava condicionado à demonstração, por parte da vítima, de que serviço se houvera com culpa. Assim, cabia-lhe demonstrar, além do dano, a culpa do serviço, e isso ainda era muito, à vista dos anseios de justiça. Procurou-se, destarte, novos critérios que, de forma objetiva, tornassem o Estado responsável patrimonialmente pelos danos que seus servidores pudessem causar aos administrados.

Dessa procura surge, sob a inspiração das decisões do Conselho de Estado Francês, a teoria da responsabilidade patrimonial objetiva, teoria do risco administrativo, ou, simplesmente, teoria objetiva, que amplia a proteção do administrado. Por essa teoria, a obrigação de o Estado indenizar o dano surge, tão só do ato lesivo de que ele, Estado, foi causador – não se exige culpa do agente público, nem a do serviço. É suficiente a prova da lesão que esta foi causada por agente da Administração Pública. A culpa é indeferida do fato lesivo, ou vale dizer, decorrente do risco que a atividade pública gera para os administrados. Esse rigor é suavizado mediante a prova, feita pela Administração Pública, de que a vítima concorreu, parcial a totalmente, para o evento danoso, ou de que este não teve origem em um comportamento do Estado (foi causado por um particular). Essas circunstâncias, conforme o caso, liberam o Estado, total ou parcialmente, da responsabilidade de indenizar. Nessa permissão para o Estado provar que não foi o causador do dano ou que a culpa cabe a vítima está a diferença entre a teoria do risco integral e a teoria do risco administrativo, como ensinam alguns autores.

Por teoria do risco integral entendem a que obriga o Estado a indenizar todo e qualquer dano, desde que envolvido no respectivo evento. Não se indaga, portanto, a respeito da culpa vítima na produção do evento danoso, nem se permite qualquer prova visando elidir essa responsabilidade. Basta para concretizar a obrigação de indenizar, o simples envolvimento do Estado no evento.

Por fim, diga-se que, se tais teorias obedecerem a essa cronologia, não quer isso dizer que hoje só vigore a última a aparecer no cenário jurídico dos Estados, isto é, a teoria da responsabilidade patrimonial objetiva do Estado ou teoria do risco administrativo. Ao contrário em todos os Estados acontecem ou estão presentes as teorias da culpa administrativa e do risco administrativo, desprezadas as da irresponsabilidade e do risco e do risco integral. Aquela (culpa administrativa) se aplica, por exemplo, para responsabilizar o Estado quando danos decorrentes de casos fortuitos ou força maior, em que o Estado indenizar se tiver se omitido em comportamentos impostos por lei. Esta (risco administrativo), nos demais casos.

4. Exclusão da Responsabilidade

Por certo não há se de admitir sempre a obrigação de indenizar do Estado. Com efeito, o dever de recompor os prejuízo só lhe cabe em razão de comportamentos danosos de seus agentes e, ainda assim, quando a vítima não concorreu para o dano. De sorte que nem se cogita da responsabilização do Estado por dano decorrente de ato de terceiro (RDA, 133:199) ou de fato de natureza (vendaval, inundação). Isso é mais que óbvio. Em suma, diz-se que não cabe responsabilidade do Estado quando não se lhe pode atribuir o ato danoso. Mas costuma-se afirmar que em duas hipóteses o Estado não tem que indenizar.

A primeira diz respeito a acontecimento imprevisível e irresistível, causado por força externa ao Estado, do tipo tufão e da nevasca (caso fortuito). Destarte, demonstrado que o dano é uma decorrência de acontecimentos dessa ordem, não o Estado que indenizar, dado ter sido ele o causador do dano, conforme decisões de nossos Tribunais, a exemplo do STF (RDA, 128:554) e o Tribunal de Justiça e de São Paulo (RT, 509:141). Assim, demonstrado o estado de imprevisibilidade e de irresistibilidade do evento danoso, nada mais é necessário para liberar a Administração Pública da obrigação de indenizar o dano sofrido pela vítima.

A segunda diz respeito aos casos em que a vítima concorreu, parcial ou totalmente, para o evento danoso. Provado, pois que a vítima participar, de algum modo, para o resultado gravoso, exime-se o Estado da obrigação de indenizar, na mesma proporção, sua responsabilidade será parcial ou total conforme tenha sido, numa ou noutra dessas direções, a colaboração das vítima no evento (RJTJSP, 85:140; RT, 550:106 e REsp. 13.0369-MS, Boletim de Direito Administrativo, mar. 1993.)

5. Características do Dano Reparável

O dano ou prejuízo é resultado da ação danosa, no caso, do Estado. É a perda ou prejuízo patrimonial sofrido por alguém, em decorrência de ato ou fato estranho à sua vontade. Se causado pela própria vítima, não configura a responsabilidade, salvo situação especialissíma (bens tombados).

Ademais, o dano só é reparável pela Administração Pública causadora do evento danoso se for certo (possível, real, efetivo, presente – excluí-se, pois dano eventual, isto é, o que poderá acontecer), especial (individualizado, referido à vítima, pois, se geral configuraria ônus comum à vida em sociedade), anormal (excedente dos inconvenientes naturais dos serviços e encargos decorrentes da destruição de uma plantação de maconha) e de valor economicamente apreciável (não tem sentido a indenização de dano de valor econômico irrisório).

O dano que apresentar, ao mesmo tempo, essas características não é reparável pelo Poder Público que lhe deu causa.

A reparação do dano causado pela Administração a terceiros obtém-se amigavelmente ou por meio da ação de indenização, e, uma vez indenizada a lesão da vítima, fica a entidade pública com o direito de voltar-se contra o servidor culpado para haver dele o despendido, através da ação de regressiva autorizada pelo §. 6.º do art. 37 da Constituição Federal.

O legislador constituinte bem separou as responsabilidades: o Estado indeniza a vítima; o agente indeniza o Estado, regressivamente.

5.1. Ação de Indenização

Para obter a indenização basta que o lesado acione a Fazenda Pública e demonstre o nexo causal entre o fato lesivo (comisso ou omissivo) e o dano, bem como seu montante. Comprovados esses dois elementos, surge naturalmente a obrigação de indenizar. Para eximir-se dessa obrigação incumbirá à Fazenda Pública comprovar que a vítima concorreu com culpa ou dolo para o evento danoso. Enquanto não evidenciar a culpabilidade da vítima, subsiste a responsabilidade da Administração. Se total a culpa da vítima, fica excluída a responsabilidade da Fazenda Pública; se parcial, reparte-se o quantum da indenização

5.2. Ação Regressiva

A ação regressiva da Administração contra o causador direto do dano está instituída pelo § 6.º do art. 37 da Constituição Federal como mandamento a todas as entidades públicas e particulares prestadoras de serviços públicos. E, quanto aos servidores da União, a Lei Federal 4.619, de 28.04.65, impõe seu ajuizamento pelo Procurador da República, dentro de sessentas dias da data em que transitar em julgado a condenação imposta à Fazenda (arts. 1.º e 2.º), sob pena de incidir em falta funcional (art. 3.º). Para o êxito desta ação exigem-se dois requisitos: primeiro, que a Administração já tenha sido condenada a indenizar a vítima do dano sofrido; segundo, que se comprove a culpa do funcionário no evento danoso. Enquanto para a Administração a responsabilidade independente da culpa, para o servidor a responsabilidade depende da culpa: aquela é objetiva, esta é subjetiva e se apura pelos critérios gerais do Código Civil.

6. Responsabilidade Civil e a Constituição Federal de 88

Com a promulgação do texto da Carta Política de 1988 houve, de forma expressiva, um avanço nos direitos e garantias da cidadania. Isso decorreu dos anseios da sociedade, reprimidos pelos longos e tristes trinta anos de ditadura que perduraram em nosso país. [23]

As prerrogativas consolidadas pela Carta Magna de 1988, no que pertine aos direitos e garantias fundamentais, ressurgiu que estava com pouco uso em nosso País, quase esquecido, o instituto da Responsabilidade Civil, segundo o qual o ressarcimento à vítima dos atos ilícitos contra ela praticados está se tornando cada vez mais comum nos diversos fóruns brasileiros.

6.1. O § 6.º do art. 37 da Constituição Federal

O § 6.º do art. 37 da Constituição Federal seguiu a linha traçada nas Constituições anteriores, e, abandonando a privatística teoria subjetiva da culpa, orientou-se pela doutrina o Direito Público e manteve a responsabilidade civil objetiva da Administração, sob a modalidade do risco administrativo. Não chegou, porém, aos extremos do risco integral.

Dispõe o § 6.º do art. 37: " As pessoas jurídicas de Direito Público e as de Direito Privado prestadoras de serviço público responderão pelos danos de seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa".

O exame deste dispositivo revela que o constituinte estabeleceu para todas as entidades estatais e seus desmembramentos administrativos a obrigação de indenizar o dano causado a terceiros por seus servidores, independentemente da prova de culpa no cometimento da lesão. Firmou-se, assim, o princípio da responsabilidade sem culpa pela atuação lesiva dos agentes públicos e dos delegados.

Entendemos, assim que respondem objetivamente o Estado, pelos danos que seus empregados nessa qualidade, causem a terceiros, pois não é justo e jurídico que só a transferência da execução de uma obra ou serviço originariamente público a particular descaracterize sua intrínseca estatal e libere o executor privado das responsabilidades que teria o Poder Público se o executasse diretamente, criando maiores ônus de prova ao lesado.

É o que relata o recurso do 1.º TACivSP, onde se reconheceu, por unanimidade, a responsabilidade objetiva da Cia. Doca de Santos pelos danos causados a importador em razão de perecimento das mercadorias guardadas nos armazéns daquela concessionário, independentemente da perquirição de culpa de sua parte (Ap. 62.102).

Portanto, a Constituição atual usou acertadamente o vocábulo agente, no sentido genérico de servidor público, abrangendo, para fins de responsabilidade civil, todas as pessoas incumbidas da realização de algum serviço público, em caráter permanente ou transitório. [24] O essencial é que o agente da Administração haja praticado o ato ou omissão administrativa no exercício de suas atribuições ou a pretexto de exercê-las. Para a vítima é indiferente o título pelo qual o causador direto do dano esteja vinculado a Administração; o necessário é que se encontre a serviço do Poder Público, embora atue fora ou além de sua competência administrativa. [25]

Destarte, o legislador constituinte só cobriu o risco administrativo da atuação ou inação dos servidores públicos; não responsabilizou objetivamente a Administração por atos predatórios de terceiros, nem por fenômenos naturais que causem danos aos particulares. Para a indenização destes atos e fatos estranhos à atividade administrativa observa-se o princípio geral da culpa civil, manifestada pela imprudência, negligência ou imperícia na realização do serviço público que causou ou ensejou o dano. Daí por que a jurisprudência, mui acertadamente, tem exigido a prova da culpa da Administração nos casos de depredações por multidões [26] e de enchentes e vendavais que, superando os serviços públicos existentes, causam danos aos particulares (casos fortuitos ou de força maior). [27] Nestas hipóteses, a indenização pela Fazenda Pública só é devida se se comprovar a culpa da Administração. E na exigência do elemento subjetivo da culpa não há qualquer afronta no princípio objetivo da responsabilidade sem culpa, estabelecido no art. 37, § 6.º, da Constituição Federal, porque o dispositivo constitucional só abrange a atuação funcional dos servidores públicos, e não os atos de terceiros e fatos da natureza. Para situações diversas, fundamentos diversos.

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Sobre o autor
Reginaldo de Castro Cerqueira Filho

auditor fiscal de tributos estaduais, bacharel em Direito, especialista em Direito Público, engenheiro eletrônico, mestre em Informática pela Unicamp

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CERQUEIRA FILHO, Reginaldo Castro. Responsabilidade civil do Estado por atos de seus agentes. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 63, 1 mar. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3866. Acesso em: 23 dez. 2024.

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