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Pedágios e concessões no Estado de São Paulo

Agenda 01/03/2003 às 00:00

Foi divulgado na imprensa no final do passado (2001) que o Brasil é o campeão mundial de pedágios, muito embora nossa malha rodoviária pavimentada não seja das maiores, principalmente levando em conta as dimensões do país ou o número de habitantes. Se somos a nação líder nesse quesito, não é de se estranhar que dentre os estados da federação, São Paulo seja aquele que tem disparado o maior número de praças de pedágio, 88 no total segundo reportagem do Jornal do Brasil (11/12/01).

Se por um lado é quase inegável a melhoria trazida às rodovias do estado de São Paulo pelas concessões rodoviárias, por outro, o preço cobrado nos pedágios não parece ser justo a muitos dos usuários. A pergunta que os mais conscienciosos se fazem é: "Será que não poderia custar menos, sem que seja alterada a qualidade do serviço prestado pelas concessionárias, que parecem estar cumprindo a sua parte do contrato?".

É difícil saber exatamente o que o cidadão médio pensa de uma concessão rodoviária, além do fato de existirem pedágios demais, mas creio que pode ser algo como: "Antes eu usava uma estrada em estado de conservação razoável, que poderia ser bem melhor, e pagava um valor de pedágio que não me parecia absurdo; sei que o Estado não paga impostos a si mesmo, então acho que quando pagava o pedágio devia estar pagando os custos de construção e de conservação da rodovia. Hoje, com as concessões, estou pagando mais e em muito mais estradas, sei que a empresa privada deve ter seu lucro e sei também que uma empresa privada que cuide só de um pequeno trecho da malha tem tudo para administrá-lo muito mais eficientemente que o Estado, ou seja, pagar o lucro da empresa deve compensar se o processo for bem estruturado e bem fiscalizado".

A assertiva parece bastante lógica, mas ela não responde à pergunta formulada anteriormente, ou melhor, ela pode tornar a pergunta mais específica: Quando pagamos um pedágio a uma concessionária, estamos pagando somente custos de manutenção da rodovia e o lucro da empresa? A resposta desta última é: não, e por isso vamos detalhar o caso.

Certo ou errado, só o tempo irá julgar, o governo Covas iniciou o Programa Estadual de Desestatização e Parcerias com a Iniciativa Privada, no qual a privatização de parte da malha rodoviária do estado estava inserida. Assim, foram determinadas as rodovias que apresentavam condições econômicas de serem exploradas pela iniciativa privada, e algumas delas foram efetivamente transferidas temporariamente para administração de empresas privadas mediante contrato específico, de acordo com as condições propostas pelo poder público.

De maneira muito simples, o processo de privatização se deu da seguinte maneira: foram estudados os potenciais técnicos e econômicos de diversas rodovias; os trechos tidos como adequados à privatização foram então selecionados e agrupados em lotes; de acordo com o potencial de cada lote, foram estabelecidas quais as obras que seriam suportadas pelo concessionário selecionado, foi estabelecida uma tarifa quilométrica para cada tipo de rodovia - que foi, portanto, explicitada no edital; estabeleceu-se detalhadamente quais seriam todas as demais obrigações do vencedor da concorrência e utilizou-se como critério da concorrência a maior oferta oferecida pelo licitante.

Ganharia, portanto a administração da rodovia aquele que oferecesse a maior vantagem pecuniária ao estado para aceitar todas as obrigações propostas no edital. Para que não "pesasse" tal lance inicial no bolso das concessionárias, o poder público estabeleceu que o lance seria pago em prestações mensais ao longo do período de concessão: 240 parcelas no total.

Eis, portanto, o primeiro ônus suportado pelo usuário da rodovia que não pode ser encaixado nem nos custos de manutenção, tampouco no lucro do concessionário, e que não é nada pequeno. Utilizando dados dos anos de 2000 e 2001, pode-se estimar, grosso modo, que só este ônus fixo representa no valor do pedágio cerca de 15%.

Não é só o lance que as concessionárias pagam ao estado. De acordo com o edital firmado, cada uma das concessões, em regra, deve a ele mensalmente uma parcela que corresponde a 3% da receita bruta obtida pela concessionária.

Acredito que já neste momento o leitor deve estar pensando que a concessão de rodovias deve ser mesmo um bom negócio para o governo, pois, além de livrá-lo de problemas administrativos, é possível aliar qualidade na prestação de serviços rodoviários (meio escassa antes das concessões), com uma receita considerável.

Ainda não é só. Como as concessionárias são empresas privadas e como o estado não se interessou em criar um mecanismo que as isentasse de tributação, nem de forma parcial, o que seria justo para o usuário, uma vez que esta tributação anteriormente não existia, pois era o próprio estado que fazia a manutenção destes bens que são considerados de uso comum do povo, os usuários têm de suportar mais este encargo.

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Para não nos alongarmos demasiadamente na seara tributária, podemos dizer, sucintamente, que de acordo com dados fornecidos pela própria Comissão de Monitoramento das Concessões do Estado de São Paulo, cerca de 18% da receita bruta das concessionárias serão devolvidas ao poder público através de impostos, o que deve atingir, segundo as previsões das propostas, mais de 7 bilhões de reais no final do período concessivo.

Assim, somando-se estes itens, ainda que numa conta exemplificativa, chegaríamos à conclusão de que cerca de 36% do valor que se paga de pedágio vai para o Estado, ou seja, não é usado diretamente para a manutenção da rodovia onde ele foi cobrado, nem é parte do lucro da concessionária.

Descontando-se a parte dos tributos que acabam compondo os orçamentos de cada um dos entes federativos, não tendo em regra, destinação fixa, a parte dos ônus fixos e variáveis constantes dos editais vêm a compor o orçamento do Departamento de Estradas de Rodagem de nosso estado.

Se isto é bom ou ruim, vou deixar ao julgamento dos nobres leitores, entretanto para ilustrar um pouco mais o caso desta nova fonte de receita estatal às custas dos usuários de rodovias concedidas, podemos dizer que a favor desta cobrança a maior, existem argumentos como: permitir ao DER que invista mais em estradas não concedidas, permitir ao estado fiscalizar de forma mais eficiente as concessionárias, permitir que se reponha parte dos custos de construção das rodovias concedidas.

Por outro lado, não faltam também argumentos contrários que condenam tal atitude, uma vez que o pedágio deixa de ser uma contraprestação objetiva em relação ao uso da rodovia, descolando-se do seu sentido fundamental quando se converte em fonte de renda do estado. Esta corrente também vai de encontro à classificação de pedágio como taxa, feita pelo STF, que em se tratando desta espécie tributária precisa ser divisível e deve custear o serviço que proporciona, nada mais. Aliás, se tal entendimento fosse levado a sério, poder-se-ia reduzir parte da captação de recursos que o Estado vem fazendo a partir dos pedágios, mas isto é assunto para um outro artigo.

Podemos, portanto, dizer que os pedágios poderiam custar menos, sem que se abra mão da qualidade dos serviços prestados pelas concessionárias, sendo isso uma opção do estado, que pode colocar o ganho de eficiência gerado pela iniciativa privada como uma receita para si próprio a ser aplicada da melhor forma possível, ajudando, por exemplo, a conservar as rodovias não concedidas, ou pode dar este benefício ao usuário diretamente, diminuindo o valor do pedágio, que onera toda a cadeia produtiva.

A tendência atual leva à segunda alternativa, uma vez que o tipo das próximas licitações para outorga de concessões de rodovias poderá ser ‘Menor Tarifa’, ou seja, ganhará a concessão a empresa que conseguir atender a todos os requisitos do edital e que apresente a menor tarifa quilométrica de pedágio, diminuindo assim, provavelmente, pelo menos uma parte deste ad valorem.

É certo, entretanto, que a experiência que ganhamos com as primeiras concessões tanto no âmbito estadual, quanto federal, deva ser utilizada como energia para novas concessões, que cada vez mais possam alinhar os interesses dos usuários e da sociedade, buscando a máxima eficiência na gestão do bem público em benefício de todos. Isto se faz em conjunto com a iniciativa privada, que tem se mostrado preparada para o desafio das concessões, agregando grandes investimentos, que têm resultado em rodovias melhores e mais seguras, atualizadas com o uso tecnologias inovadoras, antes não disponíveis por aqui.

Sobre o autor
Rodrigo Maluf Barella

advogado, mestrando em administração pela FGV, engenheiro civil, mestre em engenharia de Transportes pela USP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARELLA, Rodrigo Maluf. Pedágios e concessões no Estado de São Paulo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 63, 1 mar. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3889. Acesso em: 5 nov. 2024.

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