O mercado internacional, sem dúvidas, assegura um espectro amplo de oportunidades de bons negócios.
As pessoas físicas, atraídas pela qualidade e preços de cosméticos, roupas e eletrônicos, têm, cada vez mais, realizado processos de importação por conta própria por meio de plataformas globais de negociações, a exemplo do site ebay e aliexpress, onde qualquer pessoa pode negociar qualquer coisa, o que viabiliza pequenos negócios e movimenta este interessante círculo de riquezas.
Sabe-se, também, que todas as encomendas importadas estão sujeitas ao controle/fiscalização da Receita Federal do Brasil e, algumas delas, de outros órgãos, tal como ANVISA, MAPA (VIGIAGRO), dentre outros.
E quando a Receita Federal do Brasil seleciona o item importado para tributá-lo (entenda-se de regra e sempre) ela o faz com peso que doí no bolso do contribuinte: Tributa 60% do valor aduaneiro (o valor, de regra, pago na transação). Trata-se, bem verdade, de um desestímulo à importação. Quer-se dizer, o recado dado pelo Estado é de que não é para comprar nada no exterior e se, mesmo assim, o consumidor o fizer, será tributado com peso.
Mas há um detalhe, esquecido por muitos e despercebido quando se recebe o aviso de chegada da mercadoria com o aviso de que o objeto foi tributado. Para explicar melhor, faz-se necessária a revisitação da lei.
O Decreto-Lei n. 1.804/1980, em seu art. 2º, inciso II, dispôs:
Art. 2º O Ministério da Fazenda, relativamente ao regime de que trata o art. 1º deste Decreto-Lei, estabelecerá a classificação genérica e fixará as alíquotas especiais a que se refere o § 2º do artigo 1º, bem como poderá:
[...]
II - dispor sobre a isenção do imposto de importação dos bens contidos em remessas de valor até cem dólares norte-americanos, ou o equivalente em outras moedas, quando destinados a pessoas físicas.
O Ministério da Fazenda, de sua vez, no exercício da competência passada pela norma retro, estabeleceu, por Instrução Normativa, de nº 96, de 04 de agosto de 1999, a aplicação do regime de tributação simplificada – RTS, tendo mira aos bens cujo valor FOB (Free On Board) não supere US$ 3.000.00 (três mil dólares dos Estados Unidos da América).
Previu o ato supra que a isenção alcança apenas a remessa de valor não superior a US$ 50.00 (cinquenta dólares dos Estados Unidos da América), desde que o remetente e o destinatário sejam pessoas físicas:
Art. 2o O RTS consiste no pagamento do Imposto de Importação calculado à alíquota de sessenta por cento.
[...]
§ 2o Os bens que integrem remessa postal internacional de valor não superior a US$ 50.00 (cinqüenta dólares dos Estados Unidos da América) serão desembaraçados com isenção do Imposto de Importação, desde que o remetente e o destinatário sejam pessoas físicas.
A exigência estabelecida não é legal, porquanto a norma estabeleceu os limites de atuação do Ministério da Fazenda, não fazendo vinculação de que devam ser pessoas físicas tanto o remetente quanto o destinatário.
A norma (o Decreto-Lei n. 1.804/1980), entretanto, ao contrário do que limitado pelo Ministério da Fazenda, balizou a referência de atuação da regulamentação por aquele órgão: Sendo pessoa física a destinatária e a remessa inferior a US$ 100,00, a isenção tributária se impõe.
A propósito:
“[...] importa esclarecer que a isenção, nos termos do que dispõe o art. 176 do Código Tributário Nacional, é sempre decorrente de lei, que também deve fixar os requisitos exigidos para sua concessão, os tributos a que se aplica e, sendo o caso, o prazo de sua duração. Dessa forma, o Decreto-Lei n. 1.804/80 claramente fixa isenção do imposto de importação, estabelecendo seus critérios de concessão, quais sejam, remessas postais até US$ 100,00 e destinatário pessoa física. Ou seja, interpretar a norma isentiva de forma a entender que o valor pode ser reduzido pelo Poder Executivo e que este poderia tratar da natureza jurídica do remetente teria como resultado impor restrição não prevista na lei, que deve ser interpretada literalmente, nos termos do que dispõe o art. 111, II, do CTN” (5010594-55.2014.404.7208, Terceira Turma Recursal de SC, Relator p/ Acórdão Zenildo Bodnar, julgado em 18/03/2015).
“[...] há isenção do imposto de importação sobre a importação do exterior de produto por meio de remessa postal de valor até US$ 100.00, cujo destinatário seja pessoa física, independentemente da natureza jurídica do remetente”. (5010594-55.2014.404.7208, Terceira Turma Recursal de SC, Relator p/ Acórdão Zenildo Bodnar, julgado em 18/03/2015).
A Receita Federal do Brasil justifica a tributação pela ordem emanada pela regulamentação do Ministério da Fazenda, isto é, a remessa deve ser de US$ 50.00 (cinquenta dólares dos Estados Unidos da América) e o remetente e o destinatário devem ser pessoas físicas.
Não obstante, a tributação, como cediço, é orientada pelo princípio da legalidade, ou seja, estabelece o Código Tributário Nacional que a isenção é sempre decorrente de lei, interpretando-se literalmente seu comando:
Art. 176. A isenção, ainda quando prevista em contrato, é sempre decorrente de lei que especifique as condições e requisitos exigidos para a sua concessão, os tributos a que se aplica e, sendo caso, o prazo de sua duração.
Art. 111. Interpreta-se literalmente a legislação tributária que disponha sobre:
I - suspensão ou exclusão do crédito tributário;
II - outorga de isenção;
III - dispensa do cumprimento de obrigações tributárias acessórias.
Em Santa Catarina, a Justiça Federal tem garantido aos pequenos importadores a isenção do imposto de importação, como se vê de recente julgado que ementa:
TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE IMPORTAÇÃO. ISENÇÃO. REMESSA POSTAL. TAXA DE NACIONALIZAÇÃO DE DESPACHO POSTAL. CONVENÇÃO POSTAL INTERNACIONAL. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. ILEGALIDADE. 1. Conforme disposto no Decreto-Lei nº 1.804/80, art. 2º, II, as remessas de até US$ 100.00, quando destinadas a pessoas físicas, são isentas do Imposto de Importação. 2. Não pode a autoridade administrativa, por intermédio de ato administrativo, ainda que normativo, extrapolar os limites claramente estabelecidos em lei, estabelecendo como requisitos remetente e destinatário pessoa física, bem como valor máximo da operação de US$ 100.00, pois está vinculada ao princípio da legalidade. [...] 4. A cobrança da Taxa de Nacionalização de Despacho Postal mostra-se abusiva porque representa uma segunda cobrança pela prestação do mesmo serviço, uma vez que a custódia das encomendas até sua entrega final é um serviço já pago pelo remetente no ato da compra [...]. (5010594-55.2014.404.7208, Terceira Turma Recursal de SC, Relator p/ Acórdão Zenildo Bodnar, julgado em 18/03/2015)
Conclui-se, assim, tal como tem feito a Justiça Federal em Santa Catarina, que o importador pessoa física que realiza negócios com remessa de até US$ 100,00 (cem dólares), sendo este (a pessoa física) o destinatário, tem direito à isenção de imposto de importação, na medida em que a norma direcionou os parâmetros para regulamentação da autoridade competente, os quais devem obediência vertical. Eventual excesso é ilegal e deve ser combatido pelos instrumentos cabíveis, seja por impugnação administrativa, seja por procedimento no Juizado Especial Federal cível.