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Guarda compartilhada imposta: solução ou medida paliativa?

Agenda 11/05/2015 às 20:23

O presente artigo apesenta a alteração nos artigos do Código Civil onde estão previstas as modalidades de guarda, bem como as mudanças que ocorreram na aplicação da guarda compartilhada, após a alteração sofrida pela lei em dezembro de 2014.

INTRODUÇÃO

Em dezembro de 2014 fora alterada a lei que estabelece a guarda compartilhada, prevendo que a partir da vigência desta legislação, a guarda compartilhada deverá ser APLICADA aos genitores, caso não haja consenso.

Por outro lado, a guarda unilateral só poderá ser aplicada quando um dos genitores expressar não pretender a guarda compartilhada. Ou seja, a guarda conjunta passou a ser a principal modalidade de guarda, e a partir de agora, independentemente dos genitores concordarem ou não com ela.

Pretende-se demonstrar com o presente artigo, as modalidades de guarda existentes, e o que cada uma delas exige dos genitores para que tenha efetividade. Mais ainda, pretende-se descrever situações que envolvem menores e seus genitores, para apurar qual é a melhor modalidade de guarda em cada caso, e principalmente a possibilidade e eficácia da imposição da guarda compartilhada nestes casos.

Em vários países, a guarda compartilhada é imposta aos genitores, que devem se submeter às suas regras, mantendo entre si um excelente relacionamento, já que tal modalidade de guarda exige que ambos os genitores sejam responsáveis pelos filhos, tomando decisões em conjunto e em total harmonia.

Como a nova legislação pretende sua aplicação – e como dito, independente dos genitores concordarem com isso – a intenção aqui é justamente abordar os casos em que não há clima amistoso entre os pais, demonstrar que na maioria dos casos que envolve ruptura de vida conjugal as pessoas mal conseguem dialogar, e que a imposição de modalidade de guarda que exige constantes contatos entre os envolvidos, pode acabar prejudicando sobremaneira o desenvolvimento dos filhos.

A guarda dos filhos e suas modalidades

Em dezembro de 2014 entrou em vigor a lei que alterou algumas regras acerca da guarda compartilhada. Alguns doutrinadores entenderam que o que já não tinha muita eficácia antes, acabou sendo piorado ainda mais com a alteração sofrida. Outros acreditaram que a mudança foi primordial dentro do direito de família e das discussões que as disputas de guarda acarretam na vida das crianças e adolescentes.

Antes de se analisar a alteração que sofreram as modalidades de guarda, importante defini-las.

Segundo Pablo Stolze Gagliano (2013, p. 605), existem quatro modalidades de guarda – uma delas, quase não aplicada – e as define do seguinte modo:

  1. Guarda unilateral ou exclusiva: é ainda a modalidade mais comum e difundida no Brasil, em que um dos pais detém exclusivamente a guarda, cabendo ao outro direito de visitas. O filho passa a morar no mesmo domicílio do guardião;
  2. Guarda alternada: modalidade comumente confundida com a compartilhada, mas que tem características próprias. Quando fixada, o pai e a mãe revezam períodos exclusivos de guarda, cabendo ao outro o direito de visitas. [...] há uma alternância na exclusividade da guarda, e o tempo de seu exercício dependerá de decisão judicial. Não é uma boa modalidade na prática, sob o prisma do interesse dos filhos.
  3. Nidação ou aninhamento: espécie pouco comum em nossa jurisprudência, mas ocorre em países europeus. Para evitar que a criança fique indo de uma casa para outra, ela permanece no mesmo domicílio em que vivia o casal, enquanto casados, e os pais revezam a companhia da mesma. Vale dizer, o pai e a mãe, já separados, moram em casas diferentes, mas a criança permanece no mesmo lar, revezando-se os pais em sua companhia, segundo a decisão judicial. [...]
  4. Guarda compartilhada ou conjunta: modalidade preferível em nosso sistema, de inegáveis vantagens, mormente sob o prisma da repercussão psicológica na prole, se comparada a qualquer das outras. Nesse tipo de guarda, não há exclusividade em seu exercício. Tanto pai quanto mãe detém-na e são corresponsáveis pela condução da vida dos filhos.

Pois bem, após definição das modalidades de guarda previstas na legislação brasileira e na doutrina, passa-se a uma breve análise de estava prevista a guarda compartilhada no Código Civil, e como ficou após a alteração ocasionada pela lei que entrou em vigor em dezembro de 2014.

A legislação de 2008 – a origem da guarda compartilhada

A legislação anterior – Lei 11.698 de 2008 - que alterou o artigo 1.583, previu claramente a existência de duas formas de guarda: a compartilhada e a unilateral.

A previsão legal é que observar-se-ia o que os genitores acordassem quanto a guarda, estabelecendo a existência das duas formas de guarda, e em quais situações seria possível sua aplicação. Possibilitava-se ao casal a opção pela guarda unilateral, desde que devidamente informados pelo magistrado das vantagens que a compartilhada oferecia.[1]

Iniciou-se então uma série de discussões acerca da guarda compartilhada, novidade naquela oportunidade. Ora defendia-se que a guarda compartilhada significava compartilhamento de tempo com a criança: esta teria duas casas para residir, dividindo o tempo em períodos idênticos com o pai e a mãe.

Outros autores entendiam que o objetivo central da alteração proposta não era essa. O legislador pretendia que os genitores compartilhassem as responsabilidades sobre o filho, e não necessariamente o tempo que iriam permanecer com o menor.

Havia quem defendesse e havia quem não concordasse. Os primeiros alegavam que isso acarretaria uma convivência equânime do menor com ambos os genitores, possibilitando uma convivência que o outro modelo de guarda – a unilateral - não permitia.

Além da possibilidade de aumentar a convivência com ambos os genitores, acredita-se que a guarda compartilhada é capaz de amenizar os efeitos nefastos que o divórcio pode provocar nos filhos.

Ênio Santarelli Zuliani (2010, p. 147) defende o maior sentido e objetivo da guarda compartilhada é conseguir manter a harmonia existente antes do divórcio, justamente com o objetivo de fazer os filhos sentirem o menos possível o impacto que a ruptura da relação conjugal poderia lhes causar:

Os pais devem tomar decisões harmoniosas para que os filhos não se lembrem da separação, sendo deles exigida a doação do tempo para cuidados básicos e complementares e perfeita aceitação do gerenciamento dúplice, o que recomenda delegar poderes, aceitar sugestões e, principalmente, quando necessário, ratificar medidas indicadas pelo ex-cônjuge ou sugerir outras melhores e que possam ser endossadas sem desenvolvimento de crises.

Porém, na prática, sabe-se que a harmonia esperada entre os genitores é rara e difícil de ser obtida, já que a guarda normalmente é discutida justamente na sequência da ruptura do relacionamento, e tal ruptura, na grande maioria dos casos, é desejada por um dos genitores, e abominada pelo outro – o que normalmente acarreta discussões e disputas infindáveis sobre os bens, sobre os filhos e principalmente, em busca de demonstrações de poder de um cônjuge sobre o outro – sempre com a intenção de atingirem-se mutuamente em razão da discordância com relação ao fim do casamento.

Ainda relação aos defensores da guarda compartilhada, aduzem se tratar da possibilidade de alcançar uma das maiores virtudes aos menores, lhes garantindo o direito de relacionarem-se com ambos os genitores, na pretensão de reduzir a área de conflito entre eles, eliminando a ideia de “ganhador e perdedor”. Além disso tudo, possibilitava à mãe separada não mais obrigar-se a assumir sozinha as responsabilidades da criação, educação e formação dos filhos, obrigando a dividir essa complicada e árdua missão entre ambos os pais (MADALENO, 2010, p. 424).

Existe ainda a discussão – principalmente entre doutrinadores – acerca da diferença – ou não – entre guarda compartilhada e guarda alternada, como conceituado acima. Alguns entendem a guarda compartilhada envolve, necessariamente, divisão de tempos em companhia dos pais. Assim, ficariam os filhos por períodos idênticos, ora na residência materna, ora na paterna. Outros entendem que a guarda compartilhada diz respeito apenas ao compartilhamente de responsabilidades, independentemente dos filhos alternarem seu período de moradia na residência dos genitores.

De qualquer forma, importante destacar que psicólogos enfrentam tal questão como sério problema, já que a criança (ou o adolescente) residindo ora com o pai, ora com a mãe (seja isso a guarda alternada ou compartilhada) não teriam uma referência de casa, o que lhe prejudicaria sobremaneira, destacando assim um dos problemas enfrentados quando da opção por essa modalidade de guarda.

Ainda, com relação aos que se manifestavam contra a guarda conjunta, a alegação precípua é que a ideia surgiu sendo aplicada nos chamados países de sangue frio, e lá apresentavam total efetividade. As tentativas de adequação do modelo de guarda compartilhada proposto, quando aplicadas os países de sangue quente – Portugal, Brasil e Espanha, por exemplo – não apresentava a mesma eficácia.

Rolf Madaleno (2010, p. 432) explica com precisão essa questão da origem da guarda compartilhada, declarando que existem duas condutas opostas, as quais se posicionam de maneira bastante distinta no que diz respeito a obrigatoriedade da guarda compartilhada:

[...] podendo ser chamada uma dessas vertentes de otimista, liderada por países como a Alemanha, Inglaterra e Estados Unidos, ou os chamados países de sangue frio, nos quais a guarda compartilhada é imposta, e essa corrente preserva a guarda conjunta existente ao tempo da coabitação dos pais, enquanto a corrente pessimista, em trânsito nos países considerados de sangue quente, como o Brasil, Espanha e Portugal, confere um poderoso poder de veto à mãe, pois para a legislação e a jurisprudência desses países, a guarda compartilhada depende de uma atitude positiva de ambos os genitores e não cabe impô-la diante de uma atitude reticente da mãe, tratando-se a guarda conjunta de um regime excepcional, porque precisam os pais trocarem informações sobre os filhos para unificar as pautas desenvolvidas no interesse dos filhos e se lhes falta diálogo eles põem em risco os cuidados e atenções devidas aos filhos.

A previsão legal inicial, dava aos genitores – e ao julgador – a possibilidade de optar por qualquer das hipóteses de guarda, não obrigando a fixação de um modelo específico. Pressupunha o consenso dos pais, pois se acreditava que para garantir a total eficácia da guarda compartilhada, dependeria exclusivamente do bom relacionamento dos genitores. Caso contrário, o instituto se tornaria inócuo, pois certamente não alcaçaria seu objetivo de manter a harmonia que existia antes do divórcio.

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Era a previsão do artigo 1.584 do Código Civil:

Art. 1.584.  A guarda, unilateral ou compartilhada, poderá ser:

I – Requerida, por consenso, pelo pai e pela mãe, ou por qualquer deles, em ação autônoma de separação, de divórcio, de dissolução de união estável ou em medida cautelar;

II – Decretada pelo juiz, em atenção a necessidades específicas do filho, ou em razão da distribuição de tempo necessário ao convívio deste com o pai e com a mãe.

Essa possibilidade de consenso entre os pais, ou fixação pelo juiz atendendo a necessidades específicas do menor interessado, dava aos litigantes uma certa segurança que nada que lhes fosse prejudicial – ou principalmente, prejudiciais ao interesse do menor - iria ser estabelecido.

Não existia – ao menos era o entendimento unânime, tanto jurisprudencial quanto doutrinário, até a alteração trazida pela legislação em dezembro de 2014 - a possibilidade de impor a guarda compartilhada através de uma decisão judicial. Se ausentes a maturidade e a sincera intenção dos genitores em conceder aos filhos o melhor de cada um, com o objetivo de cumprir exatamente o que prevê o princípio do melhor interesse do menor, certamente o fato do juiz impor essa modalidade de guarda não iria lhes fazer mudar de atitude.

Assim, a conclusão era de que a escolha pela guarda compartilhada só teria eficácia se escolhida pelos próprios genitores em ação de divórcio ou guarda consensual (MADALENO, 2010, p. 433).

A título de exemplo, cita-se decisão do Tribunal Gaúcho, exarada meses antes da alteração da lei da guarda compartilhada, analisando pedido de imposição de guarda compartilhada, bem como da sua impossibilidade:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE DIVÓRCIO DIRETO. PRETENSÃO PATERNA DE GUARDA COMPARTILHADA. GUARDA UNILATERAL EXERCIDA DEFERIDA À GENITORA. AUSÊNCIA DE CONSENSO. MELHOR INTERESSE DA INFANTE. A guarda compartilhada não deve ser fruto de imposição do juízo, mas uma decorrência de acordo entre as partes. Logo, se a genitora não concorda com a guarda compartilhada, não se deve alterar a situação atual, em observância ao melhor interesse do infante. (...) (Apelação Cível Nº 70057505596, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Alzir Felippe Schmitz, Julgado em 30/01/2014) (TJ-RS - AC: 70057505596, Relator: Alzir Felippe Schmitz, Data de Julgamento: 30/01/2014, Oitava Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 04/02/2014) (GRIFEI)

Observa-se que o pedido de alteração da guarda unilateral para a guarda compartilhada foi negado justamente em razão da ausência de consenso, pois tal situação iria de encontro ao princípio do melhor interesse do infante.

Em situações como a analisada na decisão acima citada, a guarda compartilhada certamente só serviria para acirrar velhas disputas, repercutindo este ambiente de brigas e desentendimentos de modo negativo, causando enormes danos à saúde psicológica dos filhos, comprometendo seriamente a estrutura emocional dos infantes, em total contrariedade ao que pretendiam os legisladores quando da instituição da guarda compartilhada.

Interessante decisão fora proferida pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina, que, em manifestação acerca de pedido de guarda compartilhada, manifestou-se no sentido que de “ainda” havia impossibilidade no deferimento, justamente em razão da animosidade existente entre os genitores:

DIREITO DE FAMÍLIA. MODIFICAÇÃO DE GUARDA E CONCOMITANTE EXONERAÇÃO DA OBRIGAÇÃO ALIMENTAR. DEMANDA PROPOSTA PELO GENITOR CONTRA A GENITORA. ESTUDO SOCIAL REVELADOR DE SEREM AMBOS OS GENITORES APTOS A POSSUIR A GUARDA DO INFANTE. AUSÊNCIA DE FATOR DESABONADOR CAPAZ DE INVIABILIZAR A MANUTENÇÃO DE GUARDA, PELA MÃE, SOBRE O FILHO DE 12 (DOZE) ANOS DE IDADE. IMPOSSIBILIDADE, AINDA, DE CONCESSÃO DA GUARDA COMPARTILHADA, UMA VEZ QUE OS GENITORES NÃO POSSUEM UM CONVÍVIO PACÍFICO. OBSERVÂNCIA AO PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA. PEDIDOS INACOLHIDOS. GRATUIDADE JUDICIÁRIA NEGADA EM PRIMEIRO GRAU. MANTENÇA POR AUSENTE PROVA DA ALEGADA HIPOSSUFICIÊNCIA. MANUTENÇÃO, TAMBÉM, DO ESTIPÊNDIO ADVOCATÍCIO. RECURSO DESPROVIDO. Segundo a abalizada doutrina de Rolf Madaleno, "existindo sensíveis e inconciliáveis desavenças entre os pais, têm concluído os julgados e a doutrina não haver como encontrar lugar para uma pretensão judicial à guarda compartilhada apenas pela boa vontade e pela autoridade do julgador, quando ausente a boa e consciente vontade dos pais" (Curso de Direito de Família. 4. Ed. Rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 433-434). (TJ-SC - AC: 20130294119 SC 2013.029411-9 (Acórdão), Relator: Eládio Torret Rocha, Data de Julgamento: 19/06/2013, Quarta Câmara de Direito Civil Julgado, Data de Publicação: 01/07/2013 às 08:14. Publicado Edital de Assinatura de Acórdãos Inteiro teor   Nº Edital: 6205/13 Nº DJe: Disponibilizado no Diário de Justiça Eletrônico Edição n. 1661 - www.tjsc.jus.br) (grifei)

O próprio Superior Tribunal de Justiça, em decisão proferida em março do corrente ano, ou seja, após a alteração da guarda, no Agravo em Recurso Especial nº. 527.283, já manifestou seu entendimento acerca da necessidade de consenso entre os genitores, e considera que nas situações onde não existe harmonia entre os ex-cônjuges, a guarda compartilhada não é recomendável:

Não se desconhece que parte da doutrina e da jurisprudência sustentam o estabelecimento da guarda compartilhada como regra e imposta, em provável interesse do menor. Entretanto, conclui-se que tal entendimento demonstra-se, ainda, minoritário; sobretudo, em relação à jurisprudência, inclusive desta Câmara e deste Tribunal, que se ampara na realidade da convivência com os casos concretos na rotina do exercício da judicatura, no sentido de que não se deve deferir a guarda compartilhada quando não existe a convivência harmoniosa entre os genitores. No mais, tem-se que a guarda de menor é direito que deve sempre estar condicionado ao interesse, segurança e bem estar deste, preferencialmente, em relação aos interesses e direitos dos adultos parentes; decorrendo, a princípio, da lei, como consequência natural do poder familiar, e, excepcionalmente, de decisões judiciais, conforme acordo entre as partes ou a situação fática. (grifei)

A desembargadora aposentada, advogada e doutrinadora Maria Berenice Dias, por sua vez, mostra-se contrária à necessidade de consenso, defendendo a ideia que mesmo quando as partes não concordam, esta deve ser aplicada, entendendo que a guarda compartilhada já era regra antes da alteração legislativa:

Por isso, a regra passou a ser a guarda compartilhada. Sua adoção não mais fica à mercê de acordos firmados entre os pais, e sim contemplados expressamente na norma legal, sob pena de se transformar em instituto destituído de efetividade. A tendência ainda é não acreditar que o compartilhamento da guarda gere efeitos positivos se decorrer de determinação judicial, sob a justificativa de que é necessário o consenso entre as partes. Porém, a prática tem mostrado, com frequência indesejável, ser sim a guarda única propiciadora de insatisfações, conflitos e barganhas envolvendo os filhos (DIAS, 2010, p. 436).

A problemática apresentada nessa questão é que a imposição através de determinação judicial não fará com que as pessoas envolvidas mudem seu comportamento, ou sua forma de pensar a respeito do outro genitor.

GAGLIANO (2013, p. 606), por sua vez, entende como extremamente necessário o consenso entre os genitores, creditando ser inviável uma “determinação” de guarda compartilhada:

Na esmagadora maioria dos casos, quando não se afigura possível a celebração de um acordo, muito dificilmente poderá o juiz “impor” o compartilhamento da guarda, pelo simples fato de o mau relacionamento do casal, por si só, colocar em risco a integridade dos filhos.

Por isso, somente em situações excepcionais, em que o juiz, a despeito da impossibilidade de acordo de guarda e custódia, verificar a maturidade e respeito no tratamento recíproco dispensado pelos pais, poderá, então, mediante acompanhamento psicológico, impor a medida.

Mesmo com todas as evidências, estudos e justificativas - doutrinárias e jurisprudenciais – que a guarda compartilhada necessita obrigatoriamente de consenso para que alcance os objetivos pretendidos, houve alteração da legislação que estabeleceu a guarda compartilhada.

A nova forma de “imposição” da Guarda Compartilhada

Com a Lei nº 13.058, de 2014, que alterou os artigos que tratavam das modalidades de guarda no Código Civil, fora priorizada de maneira absoluta a guarda compartilhada, prevendo-se que mesmo em caso de discordância dos cônjuges, caberá ao juiz determiná-la, passando assim a guarda compartilhada ser preferência sobre a unilateral.

Porém, muito se tem questionado acerca da efetivação dessa nova forma de guarda compartilhada. Agora, conforme expressa determinação legal, a guarda compartilhada será APLICADA, conforme expressão do próprio texto da lei:

Art. 1.584.  A guarda, unilateral ou compartilhada, poderá ser:      

[...]

§ 2o Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guarda compartilhada, salvo se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor.  (grifei)

            Assim, imaginando-se uma disputa de guarda do infante ou adolescente entre seus genitores, conforme texto de lei, o juiz somente poderá deixar de aplicar a guarda compartilhada se um dos pais expressamente disser que não a deseja – independente do fato dos genitores se odiarem ou sequer conseguirem manter um diálogo “civilizado”.

Por certo que a possibilidade de imposição da guarda compartilhada não fará com que os genitores – caso não agissem assim anteriormente – passem a se respeitar mutuamente e fazer as concessões necessárias ao bom funcionamento desta modalidade de guarda. Inclusive, é possível que a sua imposição pelo magistrado somente fará com que as discussões, ataques pessoais e principalmente a animosidade entre o ex-casal só aumente.

Na grande maioria das vezes, os filhos oriundos do relacionamento falido são só o que resta para que os genitores possam continuar se atacando. Na realidade prática, é isso que ocorre – muito embora orientados para jamais praticarem tais atos ou agirem dessa forma.

Acerca da dificuldade em um modelo de guarda compartilhada aplicada forçosamente aos cônjuges litigantes, menciona Gagliano (2013, p. 606):

[...] na prática, em poucas situações essa imposição será possível, eis que, em geral, frustrado o acordo, o relacionamento do casal já está profundamente corroído, afigurando-se um contrassenso o compartilhamento de um direito tão sensível.

A criança ou adolescente, protegido pelo imaginário princípio do seu melhor interesse, acaba sendo alvo e centro de todas as brigas e desavenças, pois com o fim do divórcio e com a partilha dos bens, ou seja, com a resolução de todas as pendências causadas pela ruptura da vida conjugal, só resta aos ex-cônjuges permanecer brigando pela custódia dos filhos.

A imposição da guarda compartilhada em casos assim, certamente daria aos genitores a possibilidade que eles mais esperavam, qual seja, a de permanecer brigando.

Ao que se observa no novo texto da lei, a única exigência que é feita é que ambos os genitores estejam aptos ao exercício do poder familiar. Condição essa que abrange deixa uma margem enorme para a possibilidade de aplicação da modalidade compartilhada da guarda, tendo em vista que as animosidades, ofensas, brigas e incansáveis sessões de ataques entre os cônjuges, não os retira a qualidade de “bons pais” e, consequentemente, a possibilidade de exerceram a guarda conjunta.

Conforme doutrina de Rolf Madaleno (2010, p. 433-434), não há espaço e nem poderia ser estabelecida a guarda compartilhada entre pais amargos e litigiosos, que encontram nos filhos uma forma de coroar suas desinteligências pessoais, não havendo qualquer opção a não ser o indeferimento de eventual pedido de guarda compartilhada nesses casos:

Guarda conjunta não é guarda repartida, como se a divisão do tempo fosse a solução de todos os problemas e de todas as aflições de casais em dissenso conjugal, muito embora a lei da guarda compartilhada viabilize uma maior distribuição do tempo dos pais para com seus filhos comuns, justamente para criar as condições de atendimento à função da guarda repartida. Contudo, existindo sensíveis e inconciliáveis desavenças entre os pais, têm concluído os julgados e a doutrina, não haverá como encontrar lugar para uma pretensão judicial à guarda compartilhada apenas pela boa vontade e pela autoridade do julgador, quando ausente a boa e consciente vontade dos pais.

'Nesse quadro dos acontecimentos, a cena de uma custódia compartida reverteria para o acirramento dos ânimos e para a perpetuação dos conflitos, repercutindo este ambiente hostil de modo negativo, a causar severos danos à saúde psicológica dos filhos, e a comprometer sua estrutura emocional.

Maria Berenice Dias (2010, p. 436) destaca que a proposta da guarda compartilhada visa, principalmente, “manter os laços de afetividade” – mas para mantê-los, obviamente é preciso que existam. Caso contrário, acredita-se que só irá fomentar as desavenças:

Significa mais prerrogativas aos pais, fazendo com que estejam presentes de forma mais intensa na vida dos filhos. A participação no processo de desenvolvimento integral dos filhos leva à pluralização das responsabilidades, estabelecendo verdadeira democratização de sentimentos. A proposta é manter os laços de afetividade, minorando os efeitos que a separação sempre acarreta nos filhos e conferindo aos pais o exercício da função parental de forma igualitária. A finalidade é consagrar o direito da criança e de seus dois genitores, colocando um freio na irresponsabilidade provocada pela guarda individual.

Claro que com o guarda unilateral, surge uma outra figura do direito de família capaz de causar enormes discussões e infindáveis transtornos – principalmente ao menor – ou seja, o direito à visitação. O Código Civil prevê a possibilidade das visitas pelo genitor não guardião, bem como o direito que lhe é concedido à fiscalização à sua mantença e educação.

Paulo Lobo (2011, p. 196) destaca a importância da questão, mencionando inclusive que se trata da principal fonte de conflitos entre os genitores, sendo bastante costumeiras as condutas tomadas pelo cônjuge guardião para evitar ou dificultar as visitas:

Constitui a principal fonte de conflitos entre os pais, sendo comuns as condutas inibitórias ou dificuldades atribuídas ao guardião para impedir ou restringir o acesso do outro ao filho. Muito cuidado deve ter o juiz ao regulamentar o direito de visita, de modo que não prevaleçam os interesses dos pais em detrimento do direito do filho de contato permanente com ambos. Limitações demasiadas podem conduzir ao afastamento progressivo do pai não guardião, em prejuízo do filho. No interesse deste e da preservação do seu direito à convivência com ambos os pais, devem ser resolvidas as disputas. Dificuldades ao exercício do direito de visita devem ser consideradas motivos relevantes para eventual mudança da guarda.

Certo que se for do entendimento que a guarda compartilhada prevê, necessariamente, compartilhamento de tempo, e não só de responsabilidade, o que entendem alguns doutrinadores como guarda alternada, não há que se falar em direito de visitas, pois o filho permanecerá por períodos iguais, de maneira intercalada, com cada um dos cônjuges.

Já na guarda unilateral, onde apenas um dos genitores detém a guarda, ao outro caberia obrigatoriamente o direito de visitas, situação que tem por objetivo manter os laços afetivos e de convivência entre filhos e pais que não possuem a guarda.

O direito de visitas busca, também, evitar o grandioso problema que se mostra a Alienação Parental, entendida como sendo a programação de uma criança para que ela odeie, sem qualquer justificativa (se é que existe alguma coisa que justifique o ódio) um de seus pais.

Situação grave, é vista como uma das piores consequências do rompimento do vínculo conjugal, pois crianças que sofrem esse tipo de violência psicológica, acabam ignorando a existência do genitor que não detém a guarda, acreditando que ele não faz parte de sua vida.

Maria Berenice Dias (2013, p. 15) explica:

Os filhos tornam-se instrumento de vingança, sendo impedidos de conviver com quem se afastou do lar. São levados a rejeitar e odiar quem provocou tanta dor e sofrimento. Ou seja, são programados para odiar. Com a dissolução da união, os filhos ficam fragilizados, com sentimento de orfandade psicológica. Este é um terreno fértil para plantar a ideia de terem sido abandonados pelo genitor. Acaba o guardião convencendo o filho que o outro genitor não lhe ama. Faz com que acredite em fatos que não ocorreram com o só intuito de leva-lo a afastar-se do pai.

No Brasil, a alienação parental é regulamentada pela Lei nº. 12.318, de 26 de agosto de 2010, sendo que nesta legislação tem-se a definição da síndrome, bem como as consequências àqueles que a praticam, chegando ao ponto de prever-se até a perda da guarda pelo guardião alienador.

Por certo que a guarda compartilhada, nesse ponto, pode se tornar um instrumento eficaz a evitar esta prática extremamente prejudicial aos filhos – que deveriam ser centro de toda a preocupação quando do rompimento do vínculo, buscando-se evitar maiores danos do que os já experimentados.

Porém, nem sob a forte justificativa de evitar-se a ocorrência da síndrome da alienação parental, ainda assim não se justifica a imposição desse modelo de guarda, visto que certamente isso não impedirá o genitor que pretende desqualificar o outro assim o faça. Pior, pode até incentivar que o faça, justamente com o intuito de reverter a guarda que lhe foi imposta.

Conclui-se que a guarda compartilhada, se imposta, sem a concordância os genitores, sem a harmonia entre eles e sem que ambos concordem com todas as concessões e convivência que essa modalidade de guarda exige, não terá o efeito esperado pelo legislador. Somente dará certo quando os genitores conseguirem manter diálogo, respeito e reciprocidade na preocupação em manter os interesses dos filhos em primeiro lugar.

CONCLUSÃO

A guarda compartilhada foi criada pela legislação com o principal objetivo de aproximar crianças e adolescentes, frutos de relacionamentos que não deram certo, dos seus genitores. Ao aditar essa modalidade de guarda, espera-se que a convivência seja maior e de mais qualidade, pois acredita-se que o direito de visitas concedido nos casos de guarda unilateral não supre a necessidade de genitores e seus filhos conviverem.

Porém, ao analisar-se posições de doutrinadores renomados do Direito de Família e decisões em casos concretos acerca da aplicabilidade da guarda compartilhada, necessário que seja aplicada somente nas situações que envolvem bom relacionamento entre os genitores, e principalmente consenso com relação a guarda conjunta.

Aplicá-la, como estabelece a nova legislação a respeito, independente dos pais estarem preparados para exercê-la, obrigando-os a se submeterem a essa forma de guarda, certamente causará mais prejuízos do que benefícios aos menores.

Divórcios, ou qualquer tipo de ruptura de relacionamentos, faz supor, com bastante obviedade, que entre as pessoas envolvidas faltou tolerância, companheirismo, paciência, respeito e tudo o mais que permeia os fins de histórias de amor. Impor a pessoas nessa condição que convivam e dividam tudo a respeito dos filhos, logo após o fim da convivência conjugal, certamente é lhes dar oportunidade para continuarem brigando – causando ainda mais traumas e desgosto aos filhos.

Deve-se observar a vida como ela é, e não manter-se cego imaginando como deveria ser. É ilógico pensar que pelo simples fato de impor uma situação a um ex-casal, os fará agir de maneira respeitosa e ponderada frente às necessidades dos filhos. Pelo contrário: os objetivos que foram traçados pela guarda compartilhada são no sentido de manter a harmonia que havia antes da ruptura da relação conjugal.

Ora, como manter o que já não havia? Se o casal divorciou-se, ou separou-se, certamente o foi por falta de harmonia. E pior: na maioria dos casos, o divórcio ou ruptura é cercado de desavenças, discussões, brigas e desrespeito. Acreditar que o simples fato de impor uma situação que exige companheirismo e, no mínimo respeito, os fará agir da maneira esperada, é fugir da realidade.

Assim, fica bastante claro que embora a legislação que foi alterada prevendo a aplicação da guarda compartilhada, independentemente de haver consenso ou não entre os genitores seja muito bem-intencionada, na prática as coisas são um pouco mais complicadas do que parecem.

Exige-se do magistrado, em caso de dissenso entre os genitores litigantes, muito cuidado na imposição da modalidade de guarda compartilhada, já que nos casos de desavenças entre os genitores, certamente acarretará mais prejuízos do que benefícios aos filhos.

Referências Bibliográficas

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______, Lei nº 11.698, de 13 de junho de 2008, que altera os artigos 1.583 e 1.584 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil, para instituir e disciplinar a guarda compartilhada, disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Lei/L11698.htm, consulta realizada em 25 de abril de 2015, à 01h35min.

______, Lei nº. 13.058, de 22 de dezembro de 2014, que altera os artigos 1.583, 1.584, 1.585 e 1.634 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), para estabelecer o significado da expressão “guarda compartilhada” e dispor sobre sua aplicação. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/Lei/L13058.htm consulta realizada em 25 de abril de 2015, às 17h3min.

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______, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Apelação Cível  70057505596, Relator: Alzir Felippe Schmitz, Data de Julgamento: 30/01/2014, Oitava Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 04/02/2014.

______, Tribunal de Justiça de Santa Catarina, Apelação Cível nº. 2013.029411-9 (Acórdão), Relator: Eládio Torret Rocha, Data de Julgamento: 19/06/2013, Quarta Câmara de Direito Civil Julgado, Data de Publicação: 01/07/2013 às 08:14. Publicado Edital de Assinatura de Acórdãos Inteiro teor   Nº Edital: 6205/13 Nº DJe: Disponibilizado no Diário de Justiça Eletrônico Edição n. 1661 - www.tjsc.jus.br

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[1] Artigo 1.584 –

§ 1o Na audiência de conciliação, o juiz informará ao pai e à mãe o significado da guarda compartilhada, a sua importância, a similitude de deveres e direitos atribuídos aos genitores e as sanções pelo descumprimento de suas cláusulas. 

Sobre a autora
Fernanda Oliveira

Possui graduação em Direito pela Universidade Comunitária Regional de Chapecó (1999), Pós Graduação em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela AMATRA 12ª Região, Pós Graduação em Direito Penal e Processual pela Unoesc - Campus Xanxerê (SC). Atua como advogada há 15 anos. Professora titular das cadeiras de Deontologia Jurídica, Direito Civil I, Direito Civil II, Direito de Família, Títulos de Crédito e Tópicos Especiais de Direito da Universidade do Oeste de Santa Catarina - Campus de Xanxerê desde Julho de 2008. Atuou como professora da Unochapecó, extensão de Xaxim (SC), nas cadeiras de Teoria Geral do Processo, Direito Processual Civil I e IV no ano de 2010.

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