RESUMO
A paternidade socioafetiva como causa de impedimento à elegibilidade consiste na forma de parentesco apenas afetivo como incidência na inelegibilidade. Tal parentesco não tem vínculos biológicos ou cíveis, possui apenas o afeto mútuo entre os seus integrantes. A inelegibilidade é referente ao vínculo de parentesco entre o chefe do poder executivo e o futuro candidato eleitoral. O tema se mostra de grande importância, vez que permite que o judiciário analise de forma objetiva uma relação de cunho puramente subjetivo, como o afeto sendo causa de inelegibilidade. A construção do tema se deu por meio da análise de julgados, visto que estes evoluíram bastante após o reconhecimento da paternidade socioafetiva como forma de construção familiar. Desta forma, o vínculo afetivo ganhou grande espaço no meio jurídico, quando do seu reconhecimento, e assim acabou por influenciar na inelegibilidade do Direito Eleitoral, dessa forma garantindo o preceito constitucional da impossibilidade de manutenção da chefia do executivo sob o comando de uma mesma instituição familiar.
Palavras-chave: paternidade socioafetiva; inelegibilidade; subjetividade; chefe do poder executivo.
INTRODUÇÃO
A finalidade do presente trabalho é a solução da problemática que envolve a paternidade socioafetiva no sentido de ser considerada causa de inelegibilidade, portanto será demonstrada esta interseção das citadas matérias por meio da análise de como o poder judiciário construiu este entendimento, bem como se há compatibilidade entre tal entendimento e as legislações pátrias, quais sejam a Constituição Federal e o Código Civil.
Para a elaboração desta pesquisa, será utilizada a forma de análise jurisprudencial, considerando que este tipo de pesquisa permite uma melhor elucidação da matéria a ser tratada, levando-se em conta a análise de casos reais como exemplos para demonstrar a existência de entendimento jurisprudencial no sentido de que há o impedimento à elegibilidade.
A pesquisa se fundamentará em duas legislações, sendo elas: a Constituição Federal e o Código Civil Brasileiro, que destrincham o tema de forma restrita. Dessa forma, diante da limitação imposta pelas normas brasileiras, é que se percebe como essencial o estudo conjunto de jurisprudências e doutrinas, que vêm fazendo uma mutação constitucional, sem que seja necessária a elaboração de uma nova Carta Magna, visto que em conjunto acabam por criar novos institutos que são conceituados por esta e aplicados por aquela.
Inicialmente a pesquisa se dará pela conceituação da nova instituição familiar, que é a paternidade socioafetiva, bem como dos princípios que regem as relações de parentesco, princípios estes que foram implementados na legislação brasileira pela Constituição Federal de 1988. Será, então, demonstrada como esta nova forma de constituição familiar ocorreu, visto que o Direito de Família é um instituto que esta em constante mutação e que necessita de que a doutrina e a jurisprudência se mantenham sempre atentas ao cotidiano vivido pela sociedade.
Em um segundo momento, se apresentará como ocorre a elegibilidade, que é regida pelo Direito Eleitoral, e a inelegibilidade do art. 14, § 7º da Constituição Federal, que visa a impossibilidade de parentes do titular do mandato se candidatarem na mesma jurisdição, vez que recebe influência dos princípios que foram instituídos pela Carta Magna, em especial o que prevê a negativa de permanência do poder executivo local no poderio de um mesmo instituto familiar.
No terceiro capítulo mostra-se a interferência do Direito de Família no Direito Eleitoral, que é como a paternidade socioafetiva é causa direta de impedimento à elegibilidade, sendo demonstrada a sua necessidade de reconhecimento diante dos princípios instituídos pela Constituição Federal, que não podem ser deixados de lado, visto que são normas gerais de condução da sociedade.
Por fim, será demonstrada a inevitável necessidade de impedimento de elegibilidade, quando o mesmo chefe do poder executivo permaneceu por dois mandatos consecutivos e vier a ser substituído por uma pessoa com quem nutre relação afetiva, ainda que não reconhecida perante a lei, que atualmente já é conceituada como paternidade socioafetiva, visto que o principal objeto da relação é o afeto.
Conforme é possível depreender da leitura do presente trabalho, a edição da Constituição Federal revolucionou o Direito como um todo, mas em especial o Direito de Família, ocorre que esta mudança não foi acompanhada pelo Código Civil de 2002, visto que este já foi editado de acordo com as concepções de sociedade de antes. Desta forma expõe-se que ficou a cargo dos ilustres julgadores o ônus de solucionar as questões que ficaram pendentes na legislação, cabendo, desta forma, a interpretação análoga, sempre objetivando a manutenção do bem comum.
1 A PATERNIDADE SOCIOAFETIVA
A paternidade socioafetiva advém da relação única e exclusivamente de afeto, independentemente de existir relação jurídica ou biológica[1]. Vale salientar que a relação socioafetiva está presente em qualquer tipo de constituição familiar, pois de acordo com o novo conceito de família, esta engloba os princípios da igualdade, melhor interesse da criança, afetividade e solidariedade[2].
A questão socioafetiva tem como origem os primórdios da sociedade humana, bem como as bases sobre as quais foi formada a família. E é dentro deste contexto que esta inserida toda a construção jurídica do instituto familiar[3].
Essa nova construção jurídica acerca da família já esta sendo consolidada no poder judiciário, vez que os magistrados têm dado preferência à relação socioafetiva à relação consanguínea, conforme exposto na ementa a seguir:
“CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. ANULAÇÃO DE REGISTRO CIVIL ONDE CONSTA NOME DE QUEM NÃO É PAI BIOLÓGICO. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE ERRO. PRESUNÇÃO DE AUTENTICIDADE DO REGISTRO CIVIL (ART. 1.604, CC). EXISTÊNCIA DE PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. VERDADE REGISTRAL QUE PREVALECE SOBRE A VERDADE BIOLÓGICA. SENTENÇA MANTIDA.
1. É sabido que o registro civil goza de fé púbica e se destina a conceder autenticidade aos atos, logo, só se pode vindicar estado contrário provando erro ou falsidade do registro, nos termos do art. 1.604, CC.
2. O estado de filiação é a qualificação jurídica da relação de parentesco entre pai e filho que estabelece um complexo de direitos e deveres reciprocamente considerados. Constitui-se em decorrência da lei, ou em razão da posse do estado de filho advinda da convivência familiar.
3. Se o autor registrou as requeridas como filhas, sabendo que não era o pai biológico, estabeleceu uma filiação socioafetiva, que produz os mesmos efeitos que a adoção - ato irrevogável -, vez que inexistente vício material ou formal a ensejar a sua desconstituição.
4. A desconstituição do registro civil de uma relação já consolidada no tempo acarretará muito mais danos que benefícios aos envolvidos. É o afeto perdendo espaço para critérios meramente biológicos. A desconstituição em si não gera apenas a exoneração das obrigações alimentares e sucessórias, mas uma ruptura com todos os vínculos, com todo o histórico de vida e condição social que nortearam uma realidade fática consolidada no tempo.
5. A Constituição Federal, ao abolir qualquer discriminação imposta aos filhos, independentemente da origem, elegeu como paradigma e fundamento da relação paterno/filial a afetividade. A diretriz perseguida é a estabilidade das relações de família. Uma vez constituída a posse de estado (filho/pai), há de se considerar as relações fáticas consolidadas no tempo, de modo a assegurar a concretização dos princípios do melhor interesse e da convivência familiar.
6. Recurso improvido. Sentença mantida.”
É, portanto, dentro deste liame que se pretende demonstrar a importância do instituto familiar, bem como dar o devido destaque para a relação socioafetiva entre seus integrantes.
1.1 INÍCIO DA FAMÍLIA
Neste ponto, não se pretende delimitar toda a história da família, vez que é longa e remonta a muitos séculos, por isso, destacam-se apenas as principais evoluções, que resultaram na atual forma a que a família se apresenta.
No início da constituição familiar se tinha uma estrutura patriarcal que legitimava o exercício dos poderes masculinos sobre a mulher e os filhos, poder esse denominado de pátrio poder. Entretanto também existiam as funções religiosas e políticas, porém estas não refletiram na atual concepção de família, ao contrário do pátrio poder[5]. Incluído no poder exercido pelo homem dentro da família se tinham algumas situações sob as quais os seus membros tinham que se sujeitar, visto que este pátrio poder era inquestionável.
Vale registrar que essa forma de poder dentro da família foi herdada da sociedade romana, a qual era bastante machista e elitista, portanto somente era admitida a perda do poder pátrio para o primogênito varão, e na falta deste o poder deveria ser direcionado a outro membro familiar, deste que fosse homem[6].
Como a sociedade familiar brasileira sofreu forte influência da romana, também foi transmitido o valor do sangue para a relação de parentesco, ou seja, somente era tido como filho aquele que tivesse relação consanguínea com os seus ascendentes[7], portanto é claramente demonstrado que desde o início da família já existia a distinção entre filho consanguíneo e não consanguíneo.
Conforme a evolução social, a família veio sofrendo inúmeras mudanças à qual se pode relacionar a progressiva emancipação econômica, social e jurídica da mulher, bem como a drástica redução da taxa de natalidade[8], desta forma a mulher foi se tornando mais independente.
Portanto, diante destas questões apresentadas, a família foi se desenvolvendo até atingir o seu estágio atual, o qual deixa de lado a imagem da família-instituição para incorporar a imagem de família funcionalizada, a qual tem como preocupação a formação, o desenvolvimento da personalidade de seus componentes, a proteção, a educação e deixa de segundo plano o fator biológico e a unicidade patrimonial[9].
A edição da Constituição Federal de 1988 trouxe para o direito de família um novo conceito, sendo que este ainda se limitava à união por meio do casamento entre homem e mulher, porém determinou que é dever do Estado, a proteção à família, pois esta é a base da sociedade. Diante disto, mesmo após a elaboração da Carta Magna, o conceito de família foi reformulado passando então a aceitar como forma de concepção de família, a proveniente da união estável, a qual não necessita do rito solene do casamento, bem como da comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes[10].
Segundo Paulo Lôbo, na promulgação da Constituição Federal de 1988 foram destacados os seguintes temas: fortalecimento da família tendo em vista ter o objetivo de unir afetos, equidade entre homem e mulher, guarda de filhos, proteção da privacidade da família, proteção estatal das famílias carentes, aborto, controle de natalidade, paternidade responsável, liberdade quanto ao controle de natalidade, integridade física e moral dos membros da família, vida comunitária, regime legal das união estáveis, igualdade dos filhos de qualquer origem, responsabilidade social e moral pelos menores abandonados, facilidade legal para adoção[11].
Diante destas novidades trazidas pela Constituição de 1988 não há como deixar de lado a incrementação na legislação brasileira de princípios, os quais são até a atualidade os norteadores do direito brasileiro, sendo que dentre eles existem alguns que são específicos para o direito de família, são eles: princípio da dignidade da pessoa humana, solidariedade familiar, igualdade, liberdade às relações familiares, afetividade, convivência familiar e melhor interesse da criança[12].
1.2 PRINCÍPIOS DO DIREITO DE FAMÍLIA RECEPCIONADOS PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
A atual forma que se apresenta a instituição familiar é em decorrência da influência direta de alguns princípios constitucionais aplicáveis ao direito de família. Alguns destes princípios estão expressos no texto constitucional e outros estão implícitos, porém o importante é que todos foram recepcionados pelo legislador quando da edição da Carta Magna.
Como primeiro princípio aplicável ao direito de família pode-se enumerar o princípio da dignidade da pessoa humana, bem como da família, onde este abarca o local no qual todos os seres humanos nascem, ou seja, no seio familiar, portanto este é inerente a todos[13]. Vale lembrar que para a atual concepção de família, esta pode ser advinda da relação matrimonial, da união estável, da relação homossexual, da adoção e pode ser monoparental ou anaparental[14].
Este princípio tem caráter intersubjetivo e relacional, conforme entendimento da doutrina, determinando, portanto, a existência de um dever de respeito no âmbito da comunidade e dentro desta dimensão, dentro da família, que também é uma comunidade, porém onde as pessoas vivem em comunhão de vidas umas com as outras[15].
Ainda dentro deste liame, de acordo com Lourival Serejo: “no Direito de Família, a dignidade da pessoa se espraia em todos os seus institutos, em toda a sua extensão, como forma de garantia e do reconhecimento da função que cada membro desempenha no seio da sua família”[16].
Da mesma forma, Maria Helena Diniz expressa a sua interpretação acerca do princípio em cotejo no sentido de que é a “garantia do pleno desenvolvimento dos membros da comunidade familiar”[17].
Dando continuidade a enumeração dos princípios do direito de família elencados na Constituição Federal de 1988, tem-se o princípio da solidariedade familiar, que segundo Paulo Lôbo “resulta da superação do individualismo jurídico, que por sua vez é a superação do modo de pensar e viver a sociedade a partir do predomínio dos interesses individuais, que marcou os primeiros séculos da modernidade, com reflexos até a atualidade”[18].
Como já dito, este princípio esta previsto na Constituição Federal, no artigo 3º, inciso I, onde é expressamente colocado como dever do Estado a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, dessa forma transmitindo também às pequenas sociedades, como a família, o mesmo dever. Ressalta-se que antes do advento da Carta Magna esse princípio não era jurídico, era apenas um dever moral ou expressão de piedade[19].
Como um dos princípios mais comentados na atualidade, pode-se considerar o princípio da igualdade, justamente por ter trazido inúmeros benefícios no âmbito jurídico, principalmente no direito de família. Ante a essa novidade a família matrimonial era a considerada legítima, e em decorrência disto, os seus frutos também eram os tidos como legítimos, já as relações familiares não provenientes da relação matrimonial eram classificadas como ilegítimas, bem como seus frutos. Entretanto, com a edição da Constituição Federal de 1988, que trouxe em seu texto a presença do princípio da igualdade, equiparou de forma geral os cônjuges entre si, assim como os filhos[20].
Em relação a filiação, esta sofreu grande influência da evolução científica, que no caso esta expressa por meio do advento do exame de DNA, o qual permitiu que a verdade real sobre a paternidade biológica seja desvendada sem maiores dificuldades[21].
Vale lembrar que neste momento dentro do conceito de família já existia a possibilidade de esta ser constituída por união estável, portanto, estas foram equiparadas às uniões que tinham como marco inicial o casamento. Da mesma forma, dentro deste pensamento, os filhos advindos destas relações foram igualados aos filhos fruto da relação matrimonial, dessa forma todos tiveram garantidos os seus direitos relacionados à filiação[22].
Diante dessa equiparação geral, abarcam-se todos os filhos, independente da sua origem, conforme o legislador deixou expresso no artigo 1.593 do Código Civil “o parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem”, bem como que ficaram proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação, sendo, portanto, a Constituição o verdadeiro estatuto da filiação[23].
Como forma de demonstrar a aplicabilidade deste princípio, tem-se a jurisprudência que vem em conformidade com o esboçado pelos doutrinadores, de acordo com o que se verifica a seguir:
“CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO - MANDADO DE SEGURANÇA - MILITAR - AUXÍLIO-NATALIDADE - FILHO NATURAL E ADOTIVO - PROIBIÇÃO DE DISCRIMINAÇÃO (CF, ART. 227, §6º) - PRINCÍPIO DA IGUALDADE. APELAÇÃO - IMPROVIMENTO.
1. O bombeiro militar faz jus à concessão de auxílio-natalidade em face de filho adotivo, eis que a Constituição Federal veda a discriminação entre filhos naturais e adotados.
2. Apelação desprovida.”[24]
Na esfera do direito de família, a primeira consequência direta que os filhos equiparados sofreram, foi com a obtenção dos direitos sucessórios dos seus ascendentes, com isso todos passaram a disputar em pé de igualdade, sendo que cada um teria direito a um quinhão hereditário de forma unificada[25].
Ressalta-se que a evolução legislativa já vinha caminhando com tropeços e dificuldades, tendo em vista a sociedade altamente patriarcal, porém já era possível ver resquícios da tentativa dessa mudança na Constituição Federal de 1937, que dispunha no seu artigo 126 “aos filhos naturais, facilitando-lhes o reconhecimento, a lei assegurará igualdade com os legítimos, extensivos àqueles os direitos e deveres que em relação a estes incumbem aos pais”. Verifica-se que ainda não havia a igualdade entre todos, inclusive os provenientes da adoção, porém foi um grande passo para a sociedade brasileira, visto que os filhos consanguíneos independentemente se eram fruto do casamento ou não, tinham os seus direitos e deveres em relação aos seus ascendentes[26].
Em 1990, com a edição da Lei nº 8.069, ou seja, o Estatuto da Criança e do Adolescente, foi ratificado o texto constitucional em relação a igualdade entre os filhos, como o disposto no artigo 20, que traz o seguinte texto: “os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”.
Conforme o entendimento de Maria Helena Diniz em relação a esse princípio, “não se faz distinção entre filho matrimonial, não-matrimonial ou adotivo quanto ao poder familiar, nome e sucessão”[27].
É possível definir como majoritário na doutrina a conceituação de filiação nos seguintes termos: “relação de parentesco consanguíneo, em primeiro grau e em linha reta, que liga uma pessoa àquelas que a geraram, ou a receberam como se as tivessem gerado”[28].
Outro princípio recepcionado pela Constituição e que tem total eficácia na esfera familiar, é o princípio da liberdade às relações familiares, que conforme o entendimento de Paulo Lôbo está descrito da seguinte forma:
“O princípio da liberdade diz respeito ao livre poder de escolha ou autonomia de constituição, realização e extinção de entidade familiar, sem imposição ou restrições externas de parentes, da sociedade ou do legislador; à livre aquisição e administração do patrimônio familiar; ao livre planejamento familiar; à livre definição dos modelos educacionais, dos valores culturais e religiosos; à livre formação dos filhos, desde que respeitadas suas dignidades como pessoas humanas; à liberdade de agir, assentada no respeito à integridade física, mental e moral.”[29]
Seguindo o mesmo caminho delineado por Paulo Lôbo, Maria Helena Diniz explicita que dentro do princípio da liberdade no âmbito do direito de família estão: o livre poder de formar uma comunhão de vida, de decisão do casal no planejamento familiar, de escolha do regime matrimonial de bens, de aquisição e administração do patrimônio familiar e de opção pelo modelo de formação educacional, cultural e religiosa da prole[30].
Como é facilmente demonstrado pelo entendimento dos doutrinadores citados, há uma unificação na doutrina a respeito deste princípio, vez que a sua interpretação é sólida.
Diante das mudanças protagonizadas pela sociedade, a legislação também necessitou de modificações, sendo que dentre estas se pode destacar o dever do direito de tratar as situações com maior subjetividade, visto que há a necessidade do indivíduo, dentro de cada ente familiar, em fazer prevalecer a sua aceitação no meio social, por meio da busca da realização pessoal, destaque dos valores pessoais, bem como a prevalência da sua dignidade como pessoa humana[31].
Nesse sentido a jurisprudência vem seguindo a busca pela sociedade do preenchimento da lacuna antes deixada pelo legislador, no sentido de que nas situações onde a paternidade biológica não existe, a paternidade socioafetiva, que é fundamentada no princípio da afetividade, supre facilmente esta falta na vida familiar.
“AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. DESCONSTITUIÇÃO DO RECONHECIMENTO ESPONTÂNEO. AUSÊNCIA DE FILIAÇÃO BIOLÓGICA. PRESERVAÇÃO DA FILIAÇÃO SÓCIO-AFETIVA.
I - O reconhecimento dos filhos é irrevogável, podendo, contudo, ser desconstituído o vínculo parental, no caso de erro ou de falsidade do registro, o que não foi comprovado.
II - Preservação do estado de filiação sócio-afetiva, não obstante a inexistência da biológica, demonstrado nos autos o vínculo paterno-filial, o afeto e o abrigo assistencial entre o autor e os filhos, por quase três décadas.
III - Apelação conhecida e improvida. Unânime.”[32]
Da mesma forma, Paulo Lôbo traz o seguinte conceito “é o princípio que fundamenta o direito de família na estabilidade das relações socioafetivas e na comunhão de vida, com primazia sobre as considerações de caráter patrimonial ou biológico”[33].
Vale ressaltar que este princípio esta implícito na Constituição Federal de 1988 e, assim como os demais princípios nela previstos, impulsionou a evolução da família brasileira no decorrer das últimas décadas do século XX[34]. Frente a esse desenvolvimento da sociedade como um todo, a família apesar de também progredir, buscou nas suas origens mais remotas a sua real função, qual seja, a de um grupo unido por desejos e laços afetivos que os interligam e que permite que convivam em comunhão de vida[35].
Dentro do englobado pelo princípio supracitado, pode-se incorporar ao direito de família o princípio da convivência familiar, que concerne no sentimento recíproco e solidário de acolhimento e proteção, em especial das crianças[36].
Envolvido neste princípio, tem-se a modificação interna que a família vem passando, como exemplo, é a forma como as relações intersubjetivas protagonizadas pelos integrantes da família foi modificada garantindo uma melhor convivência familiar, que é o cuidado, zelo com o bem estar, educação e amor distribuídos uns entre os outros[37].
O Código Civil, em seu artigo 1.634, traz a determinação de que compete aos pais, em relação aos filhos menores de idade a obrigação quanto a criação, educação, bem como tê-los em sua companhia e guarda. O referido artigo trata sobre os deveres inerentes aos pais que são os titulares por direito do poder familiar, porém esses deveres se fazem presentes quando da convivência familiar.
Destaca-se que, a convivência familiar não é determinada pela vivência dia-a-dia dentro de um mesmo lar, o princípio da convivência familiar é mais amplo, sendo, portanto, no sentido de que por mais que a residência seja diversa, a convivência tem relação com a dedicação de cuidados e educação necessários a manutenção da vida[38].
Como consequência de todas as mudanças ocorridas na sociedade e que foram incorporadas pela legislação, há o princípio do melhor interesse da criança. Importante salientar que o significado de criança neste contexto faz referência a criança e ao adolescente, os quais são menores de idade e que, portanto, necessitam de proteção jurisdicional[39].
Conforme leciona Paulo Lôbo, este princípio concerne na obrigatoriedade que o Estado, a sociedade e a família têm de zelar pelos interesses do menor de idade quando da aplicação dos seus direitos, em especial na vida familiar, tendo em vista que neste meio elas são pessoas em desenvolvimento e dotadas de dignidade[40].
O Superior Tribunal de Justiça, ao julgar processos nos quais se discutem situações que envolvem o princípio em cotejo, entende por unanimidade que o processo deve ter o seu deslinde de acordo com o que for mais benéfico para os interesses da criança, visto que esta é a parte mais frágil e desprovida de meios para adquirir sozinha a sua proteção[41].
Como um paralelo a esta questão, está o fato de ter sido possibilitado pelo Superior Tribunal de Justiça que um casal homossexual adotasse uma criança, visto que o casal já demandava cuidados a menor desde o seu nascimento e, portanto, o convívio com as duas mães seria o mais proveitoso para a criança. Dentro deste viés, professores e psicólogos deram o seu testemunho de que o menor dentro de uma família tem o seu desenvolvimento melhorado, portanto o que caracteriza claramente que a permanência da criança no seio familiar já estabelecido era o melhor a ser feito[42].
Em relação ao princípio do melhor interesse da criança, a legislação não ficou omissa e, por isso, expressa no artigo 227, caput, da Constituição Federal que:
“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e á convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”
Diante de toda essa necessidade pela busca da absoluta prioridade dos interesses do menor, é dever do juiz, sempre que colidir a filiação biológica e a paternidade socioafetiva, verificar qual das duas que esta inserida no enunciado do princípio do melhor interesse da criança, ou seja, qual das duas verdades existentes é que é a mais benéfica para o correto desenvolvimento da criança pertencente ao caso real, visto que esta é uma pessoa dotada de dignidade e que esta em processo de formação[43].
Portanto, diante dos princípios aqui apresentados é correto afirmar que com a evolução da entidade familiar foi necessário introduzir ao ordenamento jurídico a positivação de algumas situações as quais antes não eram protegidas pelo legislador, bem como dentro deste norte é possível verificar que todos os princípios se interligam e fazem menção a outro, visto que o direito de família é dinâmico e possui caráter subjetivo.
1.3 ESPÉCIES DE FILIAÇÃO
O avanço constitucional que promoveu o princípio da afetividade, que é justificado pela relação baseada no afeto, mostra que este é o principal elemento caracterizador da paternidade onde esta não pode estar em momento nenhum desvinculada da afetividade na relação, mesmo que esta paternidade não tenha como elemento a consanguinidade[44].
Advindo das relações afetivas é possível caracterizar mais de um tipo de filiação, que conforme o entendimento de Pedro Welter se compilam em duas formas, quais sejam: biológica e socioafetiva. Com relação à primeira é advinda da mera relação consanguínea entre ascendente e descendente. Já em relação à segunda, há uma subjetividade que é pautada na relação meramente afetiva entre pai e filho. Vale salientar que neste caso da filiação socioafetiva esta relacionada igualitariamente com a primeira espécie apresentada, pois com a evolução constitucional, ambas foram equiparadas[45].
Entretanto o entendimento de Paulo Lôbo com relação a espécie de filiação socioafetiva consiste em que “a família é sempre socioafetiva, em razão de ser grupo social considerado base da sociedade e unida na convivência afetiva”, porém, no Brasil, o significado que tem sido dado a filiação socioafetiva tem sido no sentido de que esta é advinda da relação de parentesco não biológico de parentalidade e filiação[46].
É possível citar, ainda, outras espécies de filiação nesta subdivisão, como a paternidade registral e a paternidade advinda da inseminação artificial, podendo ser heteróloga ou homóloga[47].
1.3.1 FILIAÇÃO COM ORIGEM BIOLÓGICA
A origem biológica é um tipo de paternidade facilmente comprovada por meio do exame de DNA, onde este concerne em uma prova de absoluta certeza quanto à filiação, a qual tem sido muito procurada na atualidade[48].
Maria Helena Diniz define como parentesco consanguíneo o que é decorrente de vínculo entre pessoas descendentes de uma mesma linhagem ancestral, ou seja, provenientes de uma pessoa em comum, portanto ligadas umas às outras pelo laço sanguíneo[49].
Pode-se considerar que a referência principal para o reconhecimento da paternidade biológica, foi a ruptura da suspeita de paternidade com relação ao casamento, porém o Código Civil de 2002 ampliou os casos em que presume-se esta paternidade, visto que os filhos foram concebidos na constância do matrimônio, conforme elencados no artigo 1.597[50].
Importante ressaltar que para efeitos de paternidade considera-se convivência conjugal o período de relacionamento e não apenas desde a celebração do casamento[51].
No entender de Paulo Lôbo, existem três verdades relacionadas a filiação, são elas: a biológica para fins de parentesco que determine a filiação; a biológica sem relação de parentesco, visto que já existe vínculo afetivo com outro pai; e a socioafetiva onde já existe o estado de filiação. Diante disto, é verificável que a filiação biológica não está ligada a efetivação da paternidade, por isso este é um fator que acarreta discussão doutrinária[52].
1.3.2 FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA
Esta espécie de filiação consiste na junção de dois fatores: o fator social e o fator normativo. Com relação ao elemento social, este sofreu forte influência da norma, e esta se resume na incidência do princípio jurídico da afetividade, portanto a união destes dois elementos resultou no surgimento do termo socioafetividade[53].
Assim sendo, há na atualidade uma maior busca pela verdade sociológica, visto que a verdade biológica não mais satisfaz os anseios humanos e por isso há a necessidade da busca pela real posse do estado de filiação, onde cada um dos seus integrantes assume o papel ou de pai, ou de filho, sendo que esta relação não necessita em nenhum momento de vínculo biológico para atender a verdade real da relação familiar[54].
Corroborando com o exposto pela doutrina, a jurisprudência vem demonstrando que a verdade sociológica deve preponderar sobre a verdade biológica, in verbis:
“DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. EXAME DE DNA. INCOMPATIBILIDADE DE PERFIL GENÉTICO. PATERNIDADE SOCIOAFETIVA CONSTATADA. INEXISTÊNCIA DE ERRO OU FALSIDADE DO REGISTRO. PREPONDERÂNCIA SOBRE O VÍNCULO BIOLÓGICO.
1. Demonstrada a paternidade socioafetiva, bem como a inexistência de erro ou falsidade do Registro Civil, o vínculo afetivo formado entre o autor e a filha, hoje com 21 (vinte e um) anos, não deve ser desprezado, em razão de resultado negativo do perfil genético entre as partes.
2. Deixando a parte de impugnar a tempo e modo oportunos o parecer técnico do Serviço Psicossocial Forense tem-se por configurada a preclusão.
3. Recurso de Apelação conhecido e não provido.”[55]
Ressalta-se que a posse do estado de filho pode estar presente tanto na filiação socioafetiva, quanto na biológica, pois a afetividade deve existir em qualquer relação de filiação. Dentro deste entendimento inclui-se a relação de parentesco por meio jurídico, qual seja a adoção[56]. A adoção deve ser vista como um ato de amor, afeto e desprendimento, haja vista a existência do princípio da afetividade, que rege as relações familiares, dessa forma, é um incentivo a mais que a lei corrobora para a ocorrência de adoção[57].
Portanto, pode-se dizer que o verdadeiro pai é aquele que dentro da esfera cultural, afetiva e jurídica exerce o estado de filiação, e não meramente aquela pessoa que foi apenas o genitor biológico[58].
Tendo em vista a existência do princípio da igualdade, bem como o princípio da afetividade, não há como desfazer o vínculo afetivo formado entre as pessoas parte desta relação familiar pela verdade biológica, pois ambas foram equiparadas e, ademais, a vertente atual caminha no sentido de que a afetividade se sobressai a mera relação biológica[59].
Em relação à paternidade socioafetiva, esta é caracterizada pela posse do estado de filiação, tendo como forma de fazer prova o disposto no artigo 1.605 do Código Civil:
“Art. 1.605. Na falta, ou defeito, do termo de nascimento, poderá provar-se a filiação por qualquer modo admissível em direito:
I - quando houver começo de prova por escrito, proveniente dos pais, conjunta ou separadamente;
II - quando existirem veementes presunções resultantes de fatos já certos.”
De acordo com o entendimento de Flávio Augusto de Barros, o disposto no inciso II do artigo supracitado consiste em três requisitos: nominatio, ou seja, quando o filho possui o patronímico do pai; tractatus, que é o fato de o filho ser tratado como tal pelos pais; e, por fim, reputatio, quando o filho é tratado como tal pela família e pela sociedade[60]. Importante salientar que perante a maior parte da doutrina é possível o estabelecimento destes mesmos três requisitos para a caracterização do estado de filiação.
Ante a consagração dos princípios constitucionais, o afeto passou a ter valor jurídico, por isso, passando a filiação a ser vista por seus valores culturais, sociais, morais, bem como a existência de conflito entre o fato e a lei, onde no caso real o afeto deve se sobrepor a legislação, então a paternidade passa a ser caracterizada no momento em que há a efetivação da convivência afetiva. Da mesma forma o velho dito popular de que “pai é quem cria” se encaixa perfeitamente na atualidade, onde é mais importante que a norma se adapte ao caso concreto e não o contrário[61].
Portanto, a paternidade socioafetiva já esta sendo efetivamente reconhecida por toda a jurisprudência, conforme demonstrado no capítulo, sendo assim se faz necessário que os demais ramos do direito se adequem a esta nova modalidade de paternidade, dentre elas o direito eleitoral, principalmente com relação a causa de inelegibilidade dos parentes do chefe do poder executivo, sendo ele federal, estadual, distrital ou municipal.
2 CAUSA DE INELEGIBILIDADE DO ARTIGO 14, § 7º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
As causas de inelegibilidades que pertencem ao ordenamento jurídico brasileiro estão previstas tanto na Constituição Federal de 1988, quanto na Lei Complementar nº 64/90, também conhecida como lei das inelegibilidades[62].
Dentro desta questão existem diferentes tipos de inelegibilidade, porém como objeto deste estudo será apenas a causa de inelegibilidade que esta prevista na Constituição Federal no artigo 14, § 7º, a qual trata das inelegibilidades que decorrem de parentesco.
2.1 CONDIÇÕES À ELEGIBILIDADE
A elegibilidade, conforme o conceito de Djalma Pinto é:
“Elegibilidade é a aptidão do eleitor para participar de disputa pelo poder político, submetendo seu nome ao corpo eleitoral para recebimento dos votos através dos quais se indica alguém para o exercício do mandato. É o direito subjetivo público de ser votado.”[63]
Portanto, é possível verificar que a elegibilidade é uma questão bem restrita ao âmbito do direito eleitoral. Importante que o fato de a pessoa ter a capacidade de elegibilidade não a autoriza a já receber votos, pois para esse caso é preciso preencher outros requisitos estabelecidos em lei[64].
Pinto Ferreira é sucinto quando trata do conceito de elegibilidade, traduzindo esta em capacidade eleitoral passiva, a qual se demonstra na possibilidade de ser votado[65].
A capacidade eleitoral passiva implica no preenchimento dos requisitos denominados pela Constituição Federal de condições de elegibilidades, as quais estão expressas no artigo 14, § 3º:
“Art. 14. § 3.º São condições de elegibilidade, na forma da lei:
I – a nacionalidade brasileira;
II – o pleno exercício dos direitos políticos;
III – o alistamento eleitoral;
IV – o domicílio eleitoral na circunscrição;
V – a filiação partidária;
VI – a idade mínima de:
a)trinta e cinco anos para Presidente e Vice-Presidente da República e Senador;
b)trinta anos para Governador e Vice-Governador de Estado e do Distrito Federal;
c)vinte e um anos para Deputado Federal, Deputado Estadual ou Distrital, Prefeito, Vice-Prefeito e juiz de paz;
d)dezoito anos para Vereador.”
Com relação às condições de elegibilidades acima transcritas, Adriano Soares da Costa as denomina de condições de elegibilidade próprias,[66] passando a análise das referidas condições, tem-se:
Em relação à condição de nacionalidade, é possível afirmar que esta consiste em um vínculo jurídico entre a pessoa e o Estado, da qual decorrem diversos direitos e deveres, sendo que este indivíduo pertence ao povo de um Estado. No caso brasileiro, quem determina quem é nacional ou não, é a Constituição Federal, que traz no artigo 12 a classificação quanto aos brasileiros, que podem ser natos e naturalizados, sendo que não poderão sofrer discriminação, salvo nos casos expressos em lei, onde é definida a diferença entre eles[67].
Quanto ao pleno exercício dos direitos políticos, estes se referem ao próprio direito à cidadania, visto que nos casos em que são suspensos ou perdidos os direitos políticos, o mesmo acontece com a própria cidadania. Pode-se considerar que a cidadania tem como ponto de partida a nacionalidade, visto que para ser cidadão de um país, é necessário que seja seu nacional, podendo ser nato ou naturalizado, como já exposto acima[68].
Outra condição de elegibilidade própria listada pela Constituição Federal é o alistamento eleitoral, o qual consiste no ato jurídico por meio do qual a justiça eleitoral inscreve e qualifica o nacional no corpo de eleitores, e é deste ato jurídico que nasce o direito político, que é abarcado tanto pelo direito de ser votado, quanto pelo direito público de votar[69].
O domicílio eleitoral a que a Constituição Federal se refere, é determinado pelo Código Eleitoral da seguinte forma:
“Art. 42. O alistamento se faz mediante a qualificação e inscrição do eleitor.
Parágrafo único. Para o efeito da inscrição, é domicílio eleitoral o lugar de residência ou moradia do requerente, e verificado ter o alistando mais de uma, considerar-se-á domicílio qualquer delas.”
Portanto, é possível verificar que a legislação eleitoral equiparou para efeitos de domicílio, tanto a residência, quanto a moradia, porém é importante destacar que para efeitos de direito eleitoral, o domicílio a que se refere necessita da real residência ou moradia no local onde se submeterá à eleição[70].
Quanto à necessidade de filiação partidária, esta foi determinada pela Constituição Federal para evitar a candidatura avulsa e independente de partido político. Adriano Soares da Costa expressa que os partidos políticos consistem nas “associações de cidadãos, no gozo de seus direitos políticos, unidos por uma ideologia e por uma disposição legítima de alcançarem o poder”[71].
E, por fim, em relação à condição de elegibilidade de idade mínima exigível, o legislador foi bastante claro na sua delimitação, por isso não transformando este requisito em um ponto de divergência. A intenção do legislador ao delimitar de forma tão precisa a condição etária, foi no sentido de que a idade do candidato corresponde à sua maturidade, dessa forma, estaria garantindo ao cidadão uma certeza de que quaisquer dos candidatos passíveis de votação estejam em condições iguais de maturidade, sendo que a idade exigida muda de acordo com o cargo a ser possivelmente exercido[72].
Estas são as condições básicas para que a pessoa se torne elegível, porém caso aconteça de estes requisitos estarem preenchidos e a pessoa não estar devidamente registrada como candidato perante a Justiça Eleitoral, ela ainda assim não possui elegibilidade[73].
Dentro deste liame, é importante não confundir elegibilidade com a capacidade civil, sendo que esta é estabelecida conforme os ditames do Código Civil, que estabelece que todos têm capacidade civil, salvo os casos estabelecidos no referido diploma legal, ou seja, todas as pessoas são capazes, porém algumas por serem ou absolutamente ou relativamente incapazes não podem gozar de sua capacidade civil, precisando serem representadas ou assistidas, respectivamente. Ademais, a pessoa se torna efetivamente capaz, podendo responder por todos os seus atos da vida civil ao atingir a maioridade, qual seja aos 18 anos de idade. Dessa forma, é possível a pessoa ter capacidade civil e não ser elegível, pois não preenche todos os requisitos acima citados[74].
2.2 CAUSAS DE INELEGIBILIDADE PREVISTAS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
Existem, ainda, as causas de inelegibilidade que estão contidas tanto na Constituição Federal, quanto na Lei Complementar nº 64/90. As inelegibilidades previstas na CF/88 estão descritas no artigo 14 §§ 4º e 7º:
“Art. 14. (...)
§ 4.º São inelegíveis os inalistáveis e os analfabetos.
§ 7.º São inelegíveis, no território de jurisdição do titular, o cônjuge e os parentes consanguíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do Presidente da República, de Governador de Estado ou Território, do Distrito Federal, de Prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição.”
Com relação ao primeiro parágrafo citado acima, este é um rol taxativo determinado pela Constituição Federal, pois o legislador entendeu que estes casos seriam inequivocamente impedimentos à elegibilidade, tendo em vista que impossibilitam a perfeita fruição do cargo eletivo[75].
A jurisprudência vem demonstrando neste mesmo sentido que é impossível a elegibilidade de candidatos analfabetos, in verbis:
“EMENTA: RECURSO ELEITORAL. REGISTRO DE CANDIDATURA. ELEIÇÕES 2012. INELEGIBILIDADE. ANALFABETISMO. ART. 14, § 4°. DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. NÃO COMPROVAÇÃO DA CONDIÇÃO DE ALFABETIZADO. REFORMA DA SENTENÇA. INDEFERIMENTO DO REGISTRO. PROVIMENTO DO RECURSO.
1 Conforme o art. 14, § 4°. da Constituição Federal são inelegíveis os analfabetos, motivo pelo qual deve ser avaliado, no registro de candidatura, se o postulante a cargo eletivo cumpre o requisito da alfabetização.
2. A aplicação de teste pelo Juízo Eleitoral, em caráter subsidiário, em caso de dúvida acerca da instrução do pretenso candidato, também é válida como forma de averiguação de alfabetização.
3. Hipótese em que, realizada a avaliação. o pretenso candidato não conseguiu ler nem escrever, ainda que de forma precária, demonstrando não ser alfabetizado.
4. Provimento do recurso, para reformar a sentença e indeferir o registro de candidatura.”[76]
Em relação ao segundo parágrafo acima transcrito, este consiste na situação em que o legislador pretendeu afastar à elegibilidade os parentes próximos, para, assim, evitar um monopólio governamental. Importante que este caso é apenas passageiro, pois não é uma característica inerente à pessoa, mas sim apenas ao cargo a que esta pertence, não sendo, portanto, a total ausência de capacidade eleitoral, tendo em vista que é possível a existência simultânea de capacidade eleitoral ativa com inelegibilidade do cidadão[77].
A própria jurisprudência vem demonstrando que a causa de inelegibilidade constante no § 7º do artigo 14 da Carta Magna é restrito à pessoa, porém não tem caráter permanente, como demonstrado na ementa a seguir:
“RECURSO EM REGISTRO DE CANDIDATO. NOVAS ELEIÇÕES MUNICIPAIS GRAÇAS À DECRETAÇÃO DA INELEGIBILIDADE DO ENTÃO PREFEITO. INELEGIBILIDADE. PARENTESCO. ART. 14, § 7º, C.F. DIPLOMAS E MANDATOS DE PREFEITO E VICE CASSADOS. VICE-PREFEITO CASSADO. CANDIDATO A PREFEITO NAS NOVAS ELEIÇÕES. POSSIBILIDADE. RECURSO IMPROVIDO.
1 - O impedimento previsto no art. 14, § 7º, da Carta Magna é de cunho parental ou marital, portanto restrito à pessoa.
2 - Vice-Prefeito que teve mandato cassado em sede de Recurso contra a Diplomação, e não deu causa à assunção de novo pleito eleitoral, pode candidatar-se no novo escrutínio, pelo fato de a inelegibilidade que desconstituiu o mandato do Chefe do Executivo Municipal ser estritamente pessoal.
3 - Recurso conhecido, mas improvido.”[78]
Portanto verifica-se que as causas de inelegibilidade expressas na Constituição Federal se restringem aos inalistáveis e analfabetos. Sendo que as demais restrições são temporárias, não incidindo sobre a personalidade civil da pessoa, mas apenas a situação presente, como é o caso dos chefes dos poderes executivos federal, estadual, distrital e municipal que afastam da elegibilidade os seus parentes e para os casos de aqueles desejarem concorrer a outro cargo político.
2.2.1 CLASSIFICAÇÃO DAS CAUSAS DE INELEGIBILIDADES
Conforme o entendimento de Marcos Ramayana, as inelegibilidades podem ser classificadas da seguinte forma, como primária, secundária, constitucional, infraconstitucional, absolutas, relativas, nacionais, estaduais, municipais e reflexas. Porém, em relação ao estudo em questão, as classificações que interessam são as relativas e as reflexas[79].
Com relação às inelegibilidades relativas, estas são os impedimentos à candidatura àquela eleição, sendo que essa causa não permanecerá nas próximas eleições. Bem como essa restrição é determinada em razão das relações de parentesco, pela condição funcional do servidor público e por motivos vedatórios do sistema de reeleição e desincompatibilização[80].
Alexandre de Moraes esclarece em relação à inelegibilidade supracitada:
“Não estão relacionadas com determinada característica pessoal daquele que pretende candidatar-se, mas constituem restrições à elegibilidade para certos pleitos eleitorais e determinados mandatos, em razão de situações especiais existentes, no momento da eleição, em relação ao cidadão.”[81]
Ainda conforme o entendimento do referido autor, a inelegibilidade relativa é dividida em: por motivos funcionais, que é para casos de vedação ao terceiro mandato sucessivo dos chefes do poder executivo, seja ele federal, estadual, distrital ou municipal; por motivo de casamento, parentesco ou afinidade, conforme esta expresso no artigo 14, § 7º da Constituição Federal; por previsão de ordem legal, que são as inelegibilidades previstas na Lei Complementar nº 64/90; e dos militares[82].
Já em relação as inelegibilidade reflexas, estas se referem ao princípio da contaminação do cônjuge, parentes consanguíneos ou afins, até o segundo grau, também atinge o companheiro e os parentes por adoção[83].
Dentro desta questão é possível falar, ainda, em autodesincompatibilização e heterodesincompatibilização, onde a primeira consiste em um afastamento voluntário do próprio titular do mandato, temporário ou definitivo, já a segunda é em relação ao afastamento do cargo político nos seis meses anteriores a próxima eleição, para que assim não sejam atingidas as pessoas referidas acima[84].
2.2.2 ARTIGO 14, § 7º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
Como já dito anteriormente, a Constituição Federal delimitou as causas de inelegibilidade, entretanto a que interessa é a que é relacionada às restrições parentais, ou seja, o que esta disposto no artigo 14, § 7º:
“Art. 14. § 7.º São inelegíveis, no território de jurisdição do titular, o cônjuge e os parentes consanguíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do Presidente da República, de Governador de Estado ou Território, do Distrito Federal, de Prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição.”
Este é um claro exemplo de inelegibilidade funcional, entretanto desta vez o que foi levado em conta foi a relação de parentesco e jurisdição. Importante que esta causa de inelegibilidade já vinha prevista desde a Constituição Federal anterior à atual, pois o objetivo pretendido é de evitar o nepotismo ou até mesmo a perpetuação do poder hereditário[85].
Com relação a essa causa de inelegibilidade, em 1997, foi editada a Emenda Constitucional nº 16, a qual em nada alterou o disposto na legislação em relação às inelegibilidades reflexas decorrentes do casamento, parentesco ou afinidade[86]. Porém introduziu a reeleição para os chefes do poder executivo, seja ele federal, estadual, distrital ou municipal, para somente um único mandato subsequente, ou seja, sem que seja afastado por período nenhum, sendo reeleito na eleição seguinte a que gerou o seu primeiro mandato[87].
Diante disso, a EC nº 16/97 vislumbrou a possibilidade de elegibilidade para os cônjuges, parentes consanguíneos ou afins, até o segundo grau, ou por adoção, no caso do mandato do titular do poder executivo, ser o seu primeiro, portanto, permitindo ao seu sucessor, no caso de ser uma das pessoas elencadas no artigo 14, § 7º, CF, o usufruto de um único mandato, visto que a referida emenda permitiu apenas uma reeleição[88].
Como observação cabe que, os parágrafos 5º, 6º e 7º do artigo 14 da Constituição Federal, devem ser interpretados de forma conjunta, visto que um complementa o outro, no sentido de que cada um traz uma observação sobre o outro[89].
Levando-se em conta a questão supracitada, o Tribunal Superior Eleitoral editou a Resolução nº 21.099/02, em que estabelece que em relação aos familiares e cônjuge de Governador, aqueles são elegíveis para a sucessão deste, desde que o titular do poder executivo tenha sido eleito para o gozo do primeiro mandato, sendo que deverá renunciar seis meses antes do novo pleito[90].
Uadi Lammêgo Bulos em sua interpretação da Constituição Federal explicita que, as causas de inelegibilidade dos cônjuges e parentes não se estendem para os ministros de Estado, bem como para os casos de viuvez do cônjuge do chefe do poder executivo, tendo em vista que, com a morte a sociedade conjugal é dissolvida, por isso não pode mais ser considerado cônjuge o viúvo[91].
Importante que o mesmo vale para os casos de união estável, posto que a legislação cível ampliou o conceito de entidade familiar, tendo em vista a aplicação do princípio da igualdade no referido ramo do direito, por isso, da mesma forma, esta sendo abarcado pelo entendimento eleitoral o cônjuge do irmão do chefe do poder executivo[92].
A Súmula nº 6/TSE expressa o seguinte:
“É inelegível para o cargo de Prefeito, o cônjuge e os parentes indicados no § 7º do Art. 14 da Constituição, do titular do mandato, ainda que este haja renunciado ao cargo há mais de seis meses do pleito.”
Com relação à Súmula acima, a causa de inelegibilidade permanece mesmo quando o titular do mandato tenha renunciado seis meses antes do novo pleito, porém isso somente acontecerá quando este já estiver no decorrer do seu segundo mandato, o que é o último permitido a ser exercido em sequência[93].
O acima referido é causado em consequência da vedação pela legislação pátria da monopolização do acesso aos mandatos eletivos, para, dessa forma, garantir a patrimonialização do poder governamental, assim comprometendo a legitimidade do processo eleitoral[94].
Importante ressaltar que dentro deste âmbito, o Vice-Presidente, Vice-Governador e Vice-Prefeito não precisam se afastar do cargo seis meses antes do novo pleito quando pretenderem concorrer a outro cargo, desde que estes não tenham sucedido ou substituído o titular no período correspondente aos seis meses anteriores à próxima eleição[95].
Ainda versando sobre as causas de inelegibilidades, no caso de ocorrer a separação judicial do chefe do poder executivo, seja ele local ou federal, o ex-cônjuge fica inelegível à candidatura para a eleição subsequente, desde que a separação tenha ocorrido durante o mandato[96]. O caso já gerou tantas controvérsias que o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula Vinculante nº 18 para determinar tal impossibilidade, in verbis:
“A dissolução da sociedade ou do vínculo conjugal, no curso do mandato, não afasta a inelegibilidade prevista no § 7º do artigo 14 da Constituição Federal.”
O TSE em resposta a uma consulta feita por um deputado federal, entendeu que se estende ao entendimento do artigo 14, § 7º, CF, o cunhado(a) do chefe do poder executivo, visto que o conceito de família foi ampliado, dessa forma, contemplando, inclusive, os cônjuges dos parentes colaterais[97].
Joel Cândido acrescenta que, por já estar previsto na Carta Magna a inelegibilidade em decorrência de parentesco, não era necessário que a Lei Complementar nº 64/90, no seu artigo 1º, § 3º, trouxesse basicamente uma cópia do texto constitucional[98], como exposto:
“Art. 1º. § 3º. São inelegíveis, no território de jurisdição do titular, o cônjuge e os parentes consanguíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do Presidente da República, de Governador de Estado ou Território, do Distrito Federal, de Prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos 6 (seis) meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição.”
Com a edição deste parágrafo na legislação complementar, quis o legislador impedir que a influência e o prestígio que os parentes mais próximos ao titular do poder executivo, têm junto aos eleitores, dessa forma, inviabilizando que aqueles usufruam de vantagens frente aos demais candidatos. Da mesma forma é de conhecimento público que muitos administradores de estado, caso pudessem, beneficiariam parentes devido ao cargo público que preenchem, dessa forma, praticando o proibido nepotismo[99].
O TSE decidiu, ainda, que no caso de alguns dos parentes do titular do poder executivo, elencados tanto na Constituição Federal, quanto na Lei Complementar, desejarem se candidatar ao cargo de Vice-Governador, o Governador deverá renunciar seis meses antes do novo pleito[100].
Diante do contexto apresentado, Tito Costa adverte quanto à importância de saber distinguir inelegibilidade de incompatibilidade, onde aquele é o impedimento de alguém ser candidato diante de determinadas circunstâncias, enquanto este permite a candidatura, porém impõe que o candidato tenha que escolher entre o mandato eletivo ou a função ou profissão que é a causa da incompatibilidade. No caso de se optar pelo mandato eletivo, deve ocorrer o afastamento do cargo ou função, desde o momento do registro[101].
Com relação à incompatibilidade, o seu objetivo é impedir que o candidato se utilize de cargo público para conseguir vantagem eleitoral, sendo que as funções que exigem essa desincompatibilização estão enumeradas juntamente com os respectivos prazos, tanto na Constituição Federal, quando na lei das inelegibilidades[102].
Os prazos referidos acima costumam gerar quando controvérsia nos períodos de eleição, por isso adotou-se como regra geral que o afastamento dos servidores públicos deve se dar três meses antes do pleito[103].
Seguindo esse entendimento doutrinário, a jurisprudência vem determinando que há sim a necessidade de desincompatibilização para a candidatura, conforme demonstrada na ementa a seguir:
“AGRAVO REGIMENTAL PREMATURO. TEMPESTIVIDADE. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2012. DESINCOMPATIBILIZAÇÃO. ART. 1º, II, "g", C.C. OS INCISOS IV, "a" E VII, "b", DA LC Nº 64/90. PRESIDENTE. CONSELHO DELIBERATIVO. FUNDO DE PREVIDÊNCIA MUNICIPAL. ATRIBUIÇÕES DE ADMINISTRAÇÃO. DESPROVIMENTO.
1. É tempestivo o agravo regimental interposto prematuramente quando as partes têm acesso ao decisum nos próprios autos antes da sua efetiva publicação. Precedentes.
2. Conforme assentou o Tribunal de origem, o agravante ocupava o cargo de presidente de Conselho Deliberativo de Fundo de Previdência Municipal, exercendo funções de administração, segundo estabelecido em lei local que disciplina as atribuições do cargo.
3. Presente esse contexto, é inafastável a necessidade de desincompatibilização do candidato nos seis meses que antecedem o pleito, para concorrer ao cargo de vereador, nos termos do art. 1º, II, "g", c.c. incisos IV, "a" e VII, "b", da LC nº 64/90.
4. Agravo regimental desprovido.”[104]
Portanto, conforme elucidado há grande diferença entre inelegibilidade e incompatibilidade, sendo que cada uma tem os seus requisitos para deixar de incidirem sobre o caso concreto.
Desta forma, com a apresentação da causa de inelegibilidade do art. 14, § 7º da Constituição Federal, faz se necessária a ampliação de tal interpretação, posto que já é reconhecida pela jurisprudência a paternidade socioafetiva como causa de impedimento à elegibilidade, sendo que este novo entendimento jurisprudencial gera consequências em outros ramos do direito.
3 A PATERNIDADE SOCIOAFETIVA COMO IMPEDIMENTO À ELEGIBILIDADE DO ART. 14, § 7º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
A paternidade socioafetiva tem aparecido de forma muito singular, posto que ela traz uma carga subjetiva muito grande, vez que não há nenhum tipo de obrigatoriedade na relação, é apenas baseada em afeto. Com isso não há como negar que esse novo valor que se tem dado às relações interpessoais têm mostrado a sua importância não só no âmbito familiar e cível, mas veio com força total demonstrando que essa nova concepção de relação familiar gera consequências em todos os demais ramos do direito[105].
Diante disto a afetividade se apresenta não mais como um aspecto do direito civil, mas de todas as áreas do direito, e no caso presente no direito eleitoral, por isso, pode-se entender que é uma nova visão do direito como um todo.
3.1 A REPERCUSSÃO DO DIREITO DE FAMÍLIA NO DIREITO ELEITORAL
O Direito Civil já vem demonstrando ao longo do tempo, por meio do seu entrelaçamento com os outros ramos jurídicos, que a sua importância não pode ser meramente restrito a questões cíveis, mas que necessita e muito da sua expansão para os demais ramos jurídicos, como é o caso do Direito Eleitoral[106].
Esta esfera do direito vem buscando no âmbito civil a solução para situações novas que estão aparecendo e que não foram pensadas pelo legislador quando da edição da legislação eleitoral. O maior exemplo em que se percebe a incidência da área cível no direito eleitoral é em relação às causas de inelegibilidade, tanto as previstas na Carta Magna, quanto as que estão prenunciadas na Lei Complementar nº 64/90[107].
E dentro do âmbito cível pode-se destacar, ainda, a área relacionada ao Direito de Família, cuja qual incide diretamente sobre as questões de elegibilidade quando das eleições[108].
Em observação mais cautelosa em relação ao motivo das impugnações de candidaturas, é facilmente perceptível a frequência em que aparece na esfera eleitoral causas versando conjuntamente com o Direito de Família, sendo mais específica em relação as causas de inelegibilidade reflexa[109].
Conforme já conceituado, a inelegibilidade reflexa versa justamente sobre as causas de inelegibilidade que envolvem vínculos familiares com o titular do mandato no Poder Executivo, ou seja, a causa de inelegibilidade prevista no art. 14, § 7º da Constituição Federal[110].
É exatamente neste ponto em que o Direito Eleitoral e o Direito de Família se encontram e buscam um no outro conceitos jurídicos para solucionar casos não previstos na legislação[111].
Portanto, em se tratando da incidência da área familiar na esfera eleitoral, nada mais justo do que importar a este os novos conceitos formulados por aquela área, como é o caso da compreensão em relação à paternidade socioafetiva, onde se postula o reconhecimento do vínculo afetivo, vez que não existe nenhum laço cível ou natural[112].
Importante ressaltar que o reconhecimento da existência da paternidade socioafetiva como causa de impedimento à elegibilidade só foi possível com a incorporação pelo Direito Eleitoral das novas concepções em relação a união estável e homoafetiva. Portanto as relações socioafetivas somente foram possíveis com a introdução do princípio da afetividade no campo eleitoral, sendo que este princípio ao priorizar os vínculos afetivos em conjunto com as normas constitucionais, impedem que haja a perpetuação no poder de um mesmo grupo familiar[113].
Como já foi visto, a paternidade socioafetiva tem como base do seu conceito o princípio da afetividade e o da igualdade. A igualdade vem para demonstrar que independente de qualquer questão consanguínea ou cível, todos os filhos devem ser tratados igualmente. Enquanto isto, o princípio da afetividade traz a novidade acerca da desnecessidade de qualquer dos vínculos anteriormente citados, pois a base da família deve ser o afeto, vez que a visão do direito sobre as relações interpessoais passou por uma mudança, sendo esta no sentido de garantir maior subjetividade aos laços de filiação reconhecidos pelo direito[114].
É importante demonstrar que foi justamente com a mudança na concepção de família que fatos jurídicos eleitorais, antes sem solução, passaram a ter a devida resposta que lhes era cabível, sempre priorizando a questão subjetiva das relações[115].
A importância da subjetividade nas soluções dadas aos problemas do mundo moderno adveio com a descoberta que os fatos jurídicos que ensejavam o aparecimento dos problemas tinham um cunho subjetivo, onde não basta a letra da lei para solucionar os casos, como antes era feito, mas se mostrou necessário que as situações em apreço sejam tratadas caso a caso, sempre priorizando pela melhor solução para aquele caso e não como a lei soluciona diversas situações com as suas diferentes circunstâncias da mesma forma[116].
Portanto, a subjetividade que teve início no Direito Civil e consequentemente no Direito de Família, acabou por ser disseminada por todas as esferas jurídicas, vez que a sua incorporação em qualquer área de atuação jurídica trouxe inúmeras possibilidades novas de se solucionar situações, como ocorre no caso do Direito Eleitoral no que versa sobre a inelegibilidade por parentesco[117].
A subjetividade permitiu que tanto os postulantes, quanto os julgadores sejam mais flexíveis quando da interpretação da letra da lei, posto que nem sempre é possível se aferir com certeza qual era a intenção do legislador quando da elaboração de determinada legislação, dessa forma, criando novos entendimentos por meio da elaboração de jurisprudências e pelo auxílio dos conceitos doutrinários, conforme a ementa demonstra a seguir:[118]
“CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. FAMÍLIA. RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE E MATERNIDADE SOCIOAFETIVA. POSSIBILIDADE.
DEMONSTRAÇÃO.
1. A paternidade ou maternidade socioafetiva é concepção jurisprudencial e doutrinária recente, ainda não abraçada, expressamente, pela legislação vigente, mas a qual se aplica, de forma analógica, no que forem pertinentes, as regras orientadoras da filiação biológica.
2. A norma princípio estabelecida no art. 27, in fine, do ECA afasta as restrições à busca do reconhecimento de filiação e, quando conjugada com a possibilidade de filiação socioafetiva, acaba por reorientar, de forma ampliativa, os restritivos comandos legais hoje existentes, para assegurar ao que procura o reconhecimento de vínculo de filiação sociafetivo, trânsito desimpedido de sua pretensão.
3. Nessa senda, não se pode olvidar que a construção de uma relação socioafetiva, na qual se encontre caracterizada, de maneira indelével, a posse do estado de filho, dá a esse o direito subjetivo de pleitear, em juízo, o reconhecimento desse vínculo, mesmo por meio de ação de investigação de paternidade, a priori, restrita ao reconhecimento forçado de vínculo biológico.
4. Não demonstrada a chamada posse do estado de filho, torna-se inviável a pretensão.
5. Recurso não provido.”[119]
Ademais, a subjetividade não só veio para permitir que os atuantes no judiciário tenham a possibilidade de dar uma nova interpretação da legislação vigente, como também permitiu que sejam feitas “novas legislações” em cima das já existentes, ou seja, a mudança jurisprudencial permite que novos entendimentos sejam emanados pelo poder judiciário e desta forma acabem por ser consolidados, garantindo, assim, que as demais decisões tomadas acerca do mesmo tema terão a mesma solução.
A citar que a base do ordenamento jurídico pátrio é antigo, apesar de diariamente serem editadas novas leis, é necessário que toda a base evolua junto com a sociedade a que a norma rege, posto que caso contrário a lei se torna ineficaz no meio social[120].
Diante disto, não há como deixar de lado toda a mudança que a subjetividade permitiu ao Direito como um todo, e em especial na seara cível, que permitiu que antigos conceitos sejam renovados e novos conceitos sejam editados, possibilitando o reconhecimento pelo mundo jurídico de situações impensadas pelo legislador, dada a antiguidade da base normativa brasileira[121].
Desta forma, percebe-se que a legislação atualmente não é somente feita pela letra da lei que passa por toda a burocracia para a sua aprovação, mas a legislação que rege o Brasil é feita no dia-a-dia das pessoas, que a todo tempo demonstram que subjetividade nas relações é algo inerente e, portanto, impossível de ser ignorado pelo judiciário. Por isso é dado a jurisprudência a possibilidade de criar “ordenamentos”, por meio da jurisprudência, visto que se um julgador adota um pensamento diferenciado e acaba por convencer os demais, ali é editado um novo entendimento acerca de determinado assunto, e, assim, um novo leque de possibilidades é aberto[122].
E assim aconteceu com o Direito Civil, que teve a sua mudança acontecendo aos poucos, com o entendimento de magistrados que foram de certa forma revolucionando o judiciário, permitindo que a lei seja interpretada ao caso e não o caso que deve se moldar nos ditames legais[123].
Já sendo possível essa nova visão dos problemas cíveis, os juristas como um todo se conformaram com a questão que o direito não pode ser feito apenas de leis, mas que é necessário que seja editado dia-a-dia permitindo que as modernidades do mundo atual apareçam e sejam acolhidas pelo direito[124].
Diante disto os ramos jurídicos foram recebendo as influências das novidades cíveis, o que garantiu que os direitos brasileiros não atuem mais sozinhos, que tenham sempre o auxílio de outra esfera jurídica para complementar o seu entendimento e desta forma solucionar as novidades modernas[125].
Portanto, percebe-se que a subjetividade não esta somente nas relações interpessoais, mas se mostrou necessária para a solução dos dilemas atuais[126].
Desta forma é que o Direito Eleitoral buscou no Direito Civil de Família os novos conceitos despendidos à família, visto que a mudança que ocorreu com a novidade conceitual garantiu às demais áreas jurídicas uma necessidade de mudança das suas interpretações sobre as suas questões práticas, posto que a família passou a ser muito mais ampla do que anteriormente, permitindo que casos antes já consolidados pelos tribunais pátrios tenham que ser revisados diante da amplitude da família[127].
A família tomou um norte de maior subjetividade das suas relações, pois não bastam que existam laços consanguíneos ou cíveis, é necessário que da relação exista afeto, entretanto uma relação familiar que não possua os citados laços não perde o seu conceito de família, vez que o princípio da afetividade recepcionado pela CF/88 garantiu às relações não previstas no ordenamento jurídico a possibilidade de reconhecimento, desde que exista a afetividade entre seus membros[128].
Portanto a família moderna não precisa de pressupostos taxativos, como anteriormente era determinante para a caracterização da família, atualmente é possível que a família não preencha nenhum dos requisitos dantes necessários, como o casamento e a filiação biológica, porém existe o fator indispensável que é o afeto[129].
A importância do afeto se mostrou de forma tão consolidada que não permite que este requisito seja menosprezado ou deixado de lado, tanto que atualmente a jurisprudência já reconhece como família casos em que há a adoção mesmo que de forma apenas sentimental por pai socioafetivo de criança que foi abandonada por seu genitor, ou seja, que não mantém com o filho nenhum laço, consanguíneo ou cível, como se demonstra a seguir:
“ADOÇÃO. RECURSO ESPECIAL. MENOR QUE MORA, DESDE O CASAMENTO DE SUA GENITORA COM SEU PADRASTO, EM DEZEMBRO DE 2000, COM ESTE.
PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. MOLDURA FÁTICA APURADA PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS DEMONSTRANDO QUE O MENOR FOI ABANDONADO POR SEU PAI BIOLÓGICO, CUJO PARADEIRO É DESCONHECIDO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA.
1. As instâncias ordinárias apuraram que a genitora casou-se com o adotante e anuiu com a adoção, sendo "patente a situação de abandono do adotando, em relação ao seu genitor", que foi citado por edital e cujo paradeiro é desconhecido.
2. No caso, diante dessa moldura fática, afigura-se desnecessária a prévia ação objetivando destituição do poder familiar paterno, pois a adoção do menor, que desde a tenra idade tem salutar relação paternal de afeto com o adotante - situação que perdura há mais de dez anos -, privilegiará o seu interesse. Precedentes do STJ.
3. Recurso especial não provido.”[130]
Diante disso, a mudança conceitual do instituto da família garantiu ao Direito Eleitoral que as causas em que versem sobre relações familiares, busquem não só no Direito de Família, mas também na subjetividade as melhores soluções para os casos em cotejo, visto que apesar de o princípio da afetividade ter influenciado diretamente a esfera cível, este somente foi possível com a inserção no mundo jurídico da subjetividade, que se tornou um bem maior em relação a todas as questões judiciais[131].
Então é com a influência da subjetividade e do princípio da afetividade que foi possível o entendimento pelo Direito Civil da existência da paternidade socioafetiva[132].
A paternidade socioafetiva trouxe uma gama de transformações para o direito como um todo, como a sua equiparação a paternidade biológica e cível, tal como já demonstrado pela subjetividade e pela afetividade, e em especial gerou fortes consequências com relação ao Direito Eleitoral[133].
Na esfera Eleitoral a paternidade socioafetiva garantiu que situações antes deixadas de lado, como a inelegibilidade do parentesco afetivo, visto que não havia o reconhecimento da nova forma familiar, agora não têm mais este condão de serem inertes, posto que o simples implemento deste novo conceito na área Eleitoral permitiu a mudança neste no sentido de incluir na sua inelegibilidade a paternidade socioafetiva[134].
Importante destacar que a questão da paternidade socioafetiva ganhou grande repercussão no Direito Eleitoral com o reconhecimento do princípio da afetividade nas relações interpessoais, desta forma garantindo ao direito uma nova concepção de família e com o auxílio das normas constitucionais de impedimento à perpetuação de uma mesma família no poder[135].
Em relação à paternidade socioafetiva a área do Direito Eleitoral que sofreu forte influência daquela é em relação às causas de inelegibilidade, em especial os impedimentos à elegibilidade que versem sobre as relações de parentesco, como é o caso do art. 14, § 7º da Constituição Federal[136].
Diante disto, é indispensável que a afetividade, que adveio com o reconhecimento da subjetividade do direito, seja reconhecida pelo Direito, não só o Cível, mas também o Direito Eleitoral.
3.2 O VÍNCULO SOCIOAFETIVO COMO CAUSA DE IMPEDIMENTO À ELEGIBILIDADE
Frente aos preceitos constitucionais desta república federativa, seria incabível que houvesse a possibilidade de permanência do chefe do poder executivo de forma duradoura, vez que o ideal do estado democrático é que todos terão o direito de exercer o poder máximo local, por isso é determinado o prazo de duração do mandato, para, assim, evitar a formação de governos centralizados[137].
O art. 14, § 7º da Constituição Federal, ao limitar as possibilidades de elegibilidade, buscou inibir a perpetuidade e concentração do poder nas mãos de uma mesma família, entendendo-se família aqui no sentido de que é uma família afetiva, onde não é necessário somente o vínculo consanguíneo ou civil para gerar o laço, podendo ser apenas o afeto e, portanto, a convivência que irá gerar essa impossibilidade de eleição[138].
Conforme já demonstrado anteriormente, é na parceria dia-a-dia que se forma o vínculo afetivo, que acaba por influir fortemente no comportamento das pessoas, vez que é no seio familiar que as primeiras características são formadas, o que acarreta na grande influência que essa criação gera naqueles que poderão um dia substituir ou tomar posse do mesmo cargo político[139].
Este tipo de situação onde a família tem como integrante pessoas com as quais não se tem laço consanguíneo ou civil começou a surgir nas cidades do interior do país, vez que diante da proximidade com que as pessoas conviviam e com a dificuldade de acesso à informação jurídica, as pessoas acabaram por conceber a adoção de fato como uma das formas de criação familiar, assim priorizando o vínculo socioafetivo ao vínculo objetivo da consanguinidade e da adoção civil[140].
Sendo desta nova concepção de família que foi percebido que apesar de não existir nada que ligue as pessoas de forma oficial, elas estão intimamente ligadas, visto que o maior laço possível é o que existe entre elas, que é o vínculo afetivo. É a questão afetiva que se mostra de forma mais transparente, pois nela não há nenhuma obrigatoriedade, é apenas estabelecida conforme a vontade das partes que a integram[141].
Portanto, diante desta nova forma de criação de uma família, a doutrina acabou por necessitar de se atualizar aos novos acontecimentos cotidianos, foi então que os doutrinadores passaram a estabelecer critérios objetivos para caracterizar uma relação de cunho totalmente subjetivo, que é a paternidade socioafetiva. Tais critérios foram estabelecidos priorizando a convivência que já existia, sendo assim criaram estes três aspectos: nome, trato e fama[142].
Maria Berenice Dias acrescenta que para a caracterização da filiação, basta que o filho goze da posse de estado, vez que esta é a forma mais exuberante e convincente de demonstração do vínculo parental[143].
Portanto, conforme se depreende tanto do expresso na Constituição Federal, quanto no atual Código Civil, não há como estes dois ramos jurídicos caminharem independentes, visto que o que esta previsto em um, acaba por influenciar o outro[144].
Importante salientar que, a questão socioafetiva somente teve início com o reconhecimento pela área cível da existência de adoção de fato, sendo que esta adveio em decorrência do advento da possibilidade de união estável, o que demonstra que é apenas no afeto mútuo que gera a relação jurídica entre as pessoas, sem necessitar de oficialização inicial[145].
Ocorre que o reconhecimento da união estável pelo direito civil, começou aos poucos e de forma bastante cautelosa, o que da mesma forma aconteceu com a paternidade socioafetiva[146].
Tal paternidade aproveitando o reconhecimento do princípio da afetividade trouxe para o seu conceito que este princípio é o basilar desta nova forma de relação parental, visto que uma relação entre ascendente e descendente necessita de afeto para que esta subsista[147].
Apesar de existirem outros princípios que são de suma importância para a paternidade socioafetiva, é possível depreender-se que é a afetividade o centro pulsante da relação[148].
Diante deste reconhecimento pela esfera cível, as demais áreas jurídicas não tiveram mais como negar a existência desta relação de fato, apesar de anteriormente não ser muito aceito, bem como não era um entendimento consolidado[149].
Foi então, que o Direito Civil trouxe para o Direito Eleitoral esta nova modalidade de relação parental, o que acaba por incidir sobre as inelegibilidades provenientes da relação de parentesco, ou seja, as do art. 14, § 7º da CF/88[150].
Apesar de ser um fato novo e muitas vezes de difícil demonstração, a paternidade socioafetiva, com a determinação dos três aspectos, acima elencados, quais sejam, nome, trato e fama, acabou por ser mais facilmente aceita e reconhecida, visto que foi possível dar características objetivas a uma relação de cunho tão subjetivo[151].
Desta forma, Maria Berenice Dias defende que o que deve prevalecer nesta relação parental é a verdade real, que é a que esta inscrita nos fatos cotidianos, ou seja, esta demonstrada no dia-a-dia daquela família, mesmo que os seus integrantes não tenham nenhum tipo de vínculo até então reconhecido pelo âmbito jurídico[152].
Portanto, a subjetividade intrínseca na relação afetiva, acaba por ser totalmente objetivada permitindo que os nobres julgadores ao emitirem as suas opiniões acerca do tema, tenham como objeto principal a convivência diária[153].
Desta forma, existindo os aspectos acima referidos, a relação interpessoal acaba por ser reconhecida pelo direito como uma relação passível de reconhecimento como filiação, mesmo sem a existência de vínculo consanguíneo ou civil[154].
Então, levando-se em conta que a CF/88 ao determinar que esta é uma federação democrática, objetivou demonstrar que, conforme os preceitos básicos da democracia, deve haver uma difusão dos poderes nas mãos de toda a população, o que garante que cada um dos seus representantes tenham um prazo para poder exercer o mandato a que foi eleito[155].
Ocorre que com a EC nº 16/97, houve uma modificação na Carta Magna que permitiu que o candidato fosse reeleito por apenas um mandato, ou seja, uma vez eleito, somente poderá permanecer por mais um mandato, desta forma totalizando dois mandatos[156].
A referida mudança trouxe para o âmbito judicial a demonstração de que a perpetuidade do poder somente pode ocorrer por dois mandatos, o que não deixou de quantificar o tempo máximo de permanência de um candidato a frente do seu cargo político[157].
A própria Constituição Federal faz uma ressalva para os casos em que é possível a reeleição, no sentido de que é possível de uma das pessoas elencadas no art. 14, § 7º do referido diploma legal substituir o chefe do poder executivo local, desde que seja possível a reeleição do titular do mandato, bem como que este se afaste nos 6 meses anteriores ao pleito, conforme se demonstra na ementa a seguir:
“RECURSO ESPECIAL. ELEGIBILIDADE. FILHO DE PREFEITO. ART. 14 § 7º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
O filho do chefe do Poder Executivo só é elegível para o mesmo cargo do titular quando este seja reelegível e tenha se afastado até seis meses antes do pleito.
Recurso especial a que se nega provimento.”[158]
“CONSULTA. PREFEITO. EXERCÍCIO DE DOIS MANDATOS CONSECUTIVOS. DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE CONJUGAL. EX-CUNHADO. IMPOSSIBILIDADE.
1. Se o chefe do Poder Executivo já se elegeu por dois mandatos consecutivos, o cônjuge e os parentes consangüíneos ou afins, até segundo grau ou por adoção, estão impedidos de concorrer ao mesmo cargo no pleito subseqüente, inclusive nos casos em que a sociedade conjugal se dissolve durante o mandato.
2. Consulta respondida negativamente.”[159]
Desta forma, a primeira ementa demonstra que é possível a elegibilidade dos parentes do referido artigo, desde que exista o afastamento no período de 6 meses anteriores ao novo pleito. Portanto demonstrando que a inelegibilidade não é total[160].
Ademais, tal possibilidade é totalmente afastada na segunda ementa, vez que o chefe do poder executivo já esta exercendo o seu segundo mandato, o que impede totalmente a sua reeleição, bem como a inelegibilidade do art. 14, § 7º da CF/88[161].
Então, desta forma, a inelegibilidade do parentesco socioafetivo se mostra variável, vez que é possível que exista a substituição de um parente por outro, desde que seja viável a reeleição do primeiro titular do mandato eletivo. Ou seja, se um pai é chefe do poder executivo local, o seu filho socioafetivo poderá substituí-lo se o ascendente estiver no seu primeiro mandato e desde que se afaste do cargo político 6 meses antes do novo pleito, que poderá eleger o seu filho socioafetivo[162].
Portanto, ao contrário do que preceitua o art. 14, § 7º da CF, há a possibilidade de elegibilidade de qualquer dos parentes descritos no referido artigo, porém devem ser observados e analisados os preceitos normativos[163].
Importante salientar que os entendimentos, como os acima expostos, foram sendo emanados pelo judiciário com o passar do tempo e com a observação de que nas situações reais, era possível tal reeleição sem o prejuízo dos preceitos democráticos[164].
Desta forma o que se demonstra é que o vínculo socioafetivo repercute na vida social como um todo dos seus membros, pois há uma total identidade de interesses, princípios e valores entre os integrantes. Portanto pai e filho afetivos por dividirem dos mesmos valores e princípios gera um impacto imediato na forma de governo por eles aplicada[165].
Como em qualquer outra família convencional, consanguínea ou civil, há a divisão do dia-a-dia por meio da convivência, o que permite que os aprendizados e pensamentos de um sejam passados para o outro, o que gera uma identidade de comportamentos[166].
É justamente por esta identidade de comportamentos que o legislador constitucional previu a impossibilidade de perpetuação do poder desta forma, vez que o poderio local seria sempre tendenciado para um mesmo lado, sem existirem mudanças nas formas de abordagem[167].
Acredita-se que no caso de ser possível a perpetuação do mandato político nas mãos de um mesmo grupo familiar, acarretaria no benefício sempre das mesmas pessoas e de uma total monarquia, tal qual já foi vivida por este país, e que demonstrou que mudanças de grande porte não eram possíveis diante da congruência de pensamentos entre os integrantes dos cargos políticos mandamentais[168].
Então é justamente para impedir que exista a perpetuação do poder, que o Direito Eleitoral, após da “criação” pelo Direito Civil da paternidade socioafetiva, resolveu por reconhecer esta, permitindo que vigore como uma causa expressa de inelegibilidade do art. 14, § 7º da Constituição Federal[169].
Desta forma, tendo em vista a existência tanto no âmbito social, quanto no âmbito jurídico a paternidade socioafetiva, se faz necessária a sua intervenção nas demais áreas jurídicas, como é o caso do Direito Eleitoral[170].
Diante disto, a necessidade de reconhecimento pelo Direito Eleitoral da existência da paternidade socioafetiva, ocorreu para que o que foi preliminarmente previsto pelo legislador não fosse destruído, que é a impossibilidade de perpetuação do poder nas mãos de uma mesma família, seja ela consanguínea, cível ou afetiva.
3.3 A NECESSIDADE DO RECONHECIMENTO PELA JURISPRUDÊNCIA DA PATERNIDADE SOCIOAFETIVA COMO CAUSA DE INELEGIBILIDADE
A evolução normativa no tocante ao reconhecimento da paternidade socioafetiva conduz para um caminho que esta se consolidando aos poucos, tendo em vista que nem sempre existem muitos casos que possibilitam que exista o estudo aprofundado do caso a caso[171].
Conforme já exposto por Maria Berenice Dias, o nome, trato e fama são imprescindíveis para a caracterização da posse de estado de filho, o que garante grande possibilidade de ser reconhecido o vínculo socioafetivo[172].
Porém, não é somente neste ponto que existe a caracterização da relação socioafetiva, vez que no momento em que os eméritos julgadores estão analisando o caso concreto, é necessário que seja traçado um estudo totalmente particular visando a situação em específica[173].
Portanto, a paternidade socioafetiva deve ser encarada como algo sublime, que somente é possível de ser percebida na observação detalhada da situação concreta, visto que apesar de os doutrinadores já terem criado os critérios objetivos para o seu reconhecimento, a análise de tais requisitos, apesar de objetivos, deve ser feita de maneira minuciosa e de forma subjetiva[174].
Há uma necessidade muito grande da cautela neste ponto, vez que apesar de o judiciário diariamente lidar de alguma forma com a vida das pessoas, neste caso em específico o sentido de vida é com relação a inserção no meio social, por meio de um grupo familiar[175].
Pedro Lôbo explicita que é no seio familiar que a personalidade do indivíduo é moldada, o que garante que exista a influência dos membros da família na formação pessoal do ser humano[176].
Desta forma a jurisprudência foi se tornando cada vez mais pacífica no sentido de permitir que os vínculos meramente afetivos sejam, reconhecidos pelo direito, como nos casos a seguir:
“DIREITO DE FAMÍLIA. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO INVESTIGATÓRIA DE PATERNIDADE E MATERNIDADE AJUIZADA PELA FILHA. OCORRÊNCIA DA CHAMADA "ADOÇÃO À BRASILEIRA". ROMPIMENTO DOS VÍNCULOS CIVIS DECORRENTES DA FILIAÇÃO BIOLÓGICA. NÃO OCORRÊNCIA. PATERNIDADE E MATERNIDADE RECONHECIDOS.
1. A tese segundo a qual a paternidade socioafetiva sempre prevalece sobre a biológica deve ser analisada com bastante ponderação, e depende sempre do exame do caso concreto. É que, em diversos precedentes desta Corte, a prevalência da paternidade socioafetiva sobre a biológica foi proclamada em um contexto de ação negatória de paternidade ajuizada pelo pai registral (ou por terceiros), situação bem diversa da que ocorre quando o filho registral é quem busca sua paternidade biológica, sobretudo no cenário da chamada "adoção à brasileira".
2. De fato, é de prevalecer a paternidade socioafetiva sobre a biológica para garantir direitos aos filhos, na esteira do princípio do melhor interesse da prole, sem que, necessariamente, a assertiva seja verdadeira quando é o filho que busca a paternidade biológica em detrimento da socioafetiva. No caso de ser o filho - o maior interessado na manutenção do vínculo civil resultante do liame socioafetivo - quem vindica estado contrário ao que consta no registro civil, socorre-lhe a existência de "erro ou falsidade" (art. 1.604 do CC/02) para os quais não contribuiu. Afastar a possibilidade de o filho pleitear o reconhecimento da paternidade biológica, no caso de "adoção à brasileira", significa impor-lhe que se conforme com essa situação criada à sua revelia e à margem da lei.
3. A paternidade biológica gera, necessariamente, uma responsabilidade não evanescente e que não se desfaz com a prática ilícita da chamada "adoção à brasileira", independentemente da nobreza dos desígnios que a motivaram. E, do mesmo modo, a filiação socioafetiva desenvolvida com os pais registrais não afasta os direitos da filha resultantes da filiação biológica, não podendo, no caso, haver equiparação entre a adoção regular e a chamada "adoção à brasileira".
4. Recurso especial provido para julgar procedente o pedido deduzido pela autora relativamente ao reconhecimento da paternidade e maternidade, com todos os consectários legais, determinando-se também a anulação do registro de nascimento para que figurem os réus como pais da requerente.”[177]
“DIREITO DE FAMÍLIA. AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. EXAME DE DNA NEGATIVO. RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO.
1. Em conformidade com os princípios do Código Civil de 2002 e da Constituição Federal de 1988, o êxito em ação negatória de paternidade depende da demonstração, a um só tempo, da inexistência de origem biológica e também de que não tenha sido constituído o estado de filiação, fortemente marcado pelas relações socioafetivas e edificado na convivência familiar. Vale dizer que a pretensão voltada à impugnação da paternidade não pode prosperar, quando fundada apenas na origem genética, mas em aberto conflito com a paternidade socioafetiva.
2. No caso, as instâncias ordinárias reconheceram a paternidade socioafetiva (ou a posse do estado de filiação), desde sempre existente entre o autor e as requeridas. Assim, se a declaração realizada pelo autor por ocasião do registro foi uma inverdade no que concerne à origem genética, certamente não o foi no que toca ao desígnio de estabelecer com as então infantes vínculos afetivos próprios do estado de filho, verdade em si bastante à manutenção do registro de nascimento e ao afastamento da alegação de falsidade ou erro.
3. Recurso especial não provido.”[178]
“DIREITO CIVIL E DA CRIANÇA. NEGATÓRIA DE PATERNIDADE SOCIOAFETIVA VOLUNTARIAMENTE RECONHECIDA PROPOSTA PELOS FILHOS DO PRIMEIRO CASAMENTO. FALECIMENTO DO PAI ANTES DA CITAÇÃO. FATO SUPERVENIENTE. MORTE DA CRIANÇA.
1. A filiação socioafetiva encontra amparo na cláusula geral de tutela da personalidade humana, que salvaguarda a filiação como elemento fundamental na formação da identidade e definição da personalidade da criança.
2. A superveniência do fato jurídico representado pela morte da criança, ocorrido após a interposição do recurso especial, impõe o emprego da norma contida no art. 462 do CPC, porque faz fenecer o direito, que tão somente à criança pertencia, de ser abrigada pela filiação socioafetiva.
3. Recurso especial provido.”[179]
É possível se depreender das ementas, que já é o entendimento dos tribunais pátrios que a paternidade socioafetiva deve prevalecer a paternidade biológica, vez que demonstrada a posse de estado de filho no vínculo socioafetivo este é que deve ser levado em conta na hora de se definir a paternidade, posto que desta forma é que se garante o melhor interesse da criança, bem como é no seio familiar que a identidade da pessoa é moldada e formada, o que demonstra que a família é elemento fundamental para a formação desta pessoa em desenvolvimento.
Agora no tocante ao Direito Eleitoral, e em especial na causa de inelegibilidade do art. 14, § 7º da Constituição Federal, o reconhecimento por esta esfera jurídica demorou um pouco mais para aparecer nas jurisprudências, vez que somente após a consolidação do reconhecimento da existência de vínculo afetivo como forma de constituição familiar, é que foi possível a sua influência na inelegibilidade parental[180].
É natural que exista realmente esta demora para que o Direito Eleitoral reconheça a paternidade socioafetiva como causa de inelegibilidade, pois há, com o reconhecimento, de uma nova condição jurídica, a de parentesco cível, o que gera entre outros reflexos a inelegibilidade[181].
O judiciário ao permitir que o vínculo socioafetivo seja enquadrado como causa de inelegibilidade, acaba por também reconhecer que existe a filiação socioafetiva e que a mesma lhe garante reflexos diretos, como no caso seguinte:
“RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL. DANOS MATERIAIS E MORAIS. ALIMENTOS. IRREPETIBILIDADE. DESCUMPRIMENTO DO DEVER DE FIDELIDADE. OMISSÃO SOBRE A VERDADEIRA PATERNIDADE BIOLÓGICA DE FILHO NASCIDO NA CONSTÂNCIA DO CASAMENTO. DOR MORAL CONFIGURADA.
REDUÇÃO DO VALOR INDENIZATÓRIO.
1. Os alimentos pagos a menor para prover as condições de sua subsistência são irrepetíveis.
2. O elo de afetividade determinante para a assunção voluntária da paternidade presumidamente legítima pelo nascimento de criança na constância do casamento não invalida a relação construída com o pai socioafetivo ao longo do período de convivência.
3. O dever de fidelidade recíproca dos cônjuges é atributo básico do casamento e não se estende ao cúmplice de traição a quem não pode ser imputado o fracasso da sociedade conjugal por falta de previsão legal.
4. O cônjuge que deliberadamente omite a verdadeira paternidade biológica do filho gerado na constância do casamento viola o dever de boa-fé, ferindo a dignidade do companheiro (honra subjetiva) induzido a erro acerca de relevantíssimo aspecto da vida que é o exercício da paternidade, verdadeiro projeto de vida.
5. A família é o centro de preservação da pessoa e base mestra da sociedade (art. 226 CF/88) devendo-se preservar no seu âmago a intimidade, a reputação e a autoestima dos seus membros.
6. Impõe-se a redução do valor fixado a título de danos morais por representar solução coerente com o sistema.
7. Recurso especial do autor desprovido; recurso especial da primeira corré parcialmente provido e do segundo corréu provido para julgar improcedente o pedido de sua condenação, arcando o autor, neste caso, com as despesas processuais e honorários advocatícios.”[182]
Desta forma, se mostra que o judiciário apenas veio para formalizar o que antes já existia, ao menos em relação a vida cotidiana, pois com o advento da Carta Magna de 1988 e a recepção do princípio da igualdade, não havia como os doutos julgadores deixarem de lado a ocorrência de situações que no final geravam as mesma consequências.[183]
Tanto a paternidade socioafetiva, quanto a paternidade biológica ou cível, permitem que ambos os integrantes desta relação parental gozem dos direitos e deveres inerentes aos seus papéis, seja ele de pai ou de filho[184].
A jurisprudência começou a se manifestar no sentido de que iria aceitar esta situação fática, quando houve, pelo judiciário, o reconhecimento da união estável, vez que esta utilizou os mesmos princípios para embasar a sua decisão, que é o princípio da afetividade e o da igualdade[185].
Pois se duas pessoas que dividem as suas vidas e constroem patrimônio juntas no final forem tratadas como dois estranhos, como se nunca tivesse existido ali uma comunhão de vidas, não prevalece o ordenamento constitucional da igualdade, vez que as pessoas que gozam da união estável, por inconsciente, acabam por realizar todos os atos que são obrigatórios para caracterizar o casamento, apenas sem a formalização pelo cartório[186].
Diante disto, que o judiciário acabou por entender que o não reconhecimento de tal relação como equiparada ao casamento, acabaria por violar preceito constitucional, o que não é possível, vez que é a Constituição Federal a nossa lei maior[187].
Portanto, a jurisprudência foi aos poucos reconhecendo a existência da união estável e a sua equiparação, conforme se depreende da ementa a seguir colacionada:
“RECURSO ESPECIAL. AÇÃO ORDINÁRIA DE RESTABELECIMENTO DA PENSÃO POR MORTE PROPOSTA CONTRA O IPERGS. UNIÃO ESTÁVEL RECONHECIDA E DISSOLVIDA EM ANTERIOR AÇÃO DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE PROPOSTA PELO COMPANHEIRO CONTRA A ORA AUTORA/RECORRENTE. COISA JULGADA EM RELAÇÃO À RECORRENTE.
1. Ação de restabelecimento de pensão por morte proposta pela pensionista contra o IPERGS. Benefício previdenciário cassado pois foi reconhecida, em ação de dissolução de sociedade anterior, a existência de união estável, impondo a ora recorrente o status de ex-companheira.
2. Transitada em julgado o reconhecimento e a dissolução de união estável - ação movida pelo ex-companheiro da ora recorrente (aqui autora) - e não havendo posterior rescisória, não pode a sucumbente na lide anterior e submetida aos definitivos efeitos da sentença postular neste feito, como autora, o reconhecimento da ausência da referida união estável, pois isto implicaria, necessariamente, a desconstituição do julgado e do seu estado de ex-companheira, observável para todos os atos da sua vida civil.
3. A norma do art. 472 do Código de Processo Civil, diante do que foi apresentado, não se aplica favoravelmente à autora, não se estando em debate a extensão de benefícios a terceiros. No caso concreto, não se discute direito do IPERGS, mas o direito da própria autora de receber pensionamento à luz de requisito pessoal especificado na lei. Se a autora perdeu, em demanda adequada e da qual participou - requisito legal para o recebimento da pensão - descabe ao IPERGS, em substituição e desprezo do ex-companheiro da autora, a obrigatoriedade de voltar a discutir a efetiva existência de antiga união estável, já reconhecida. A aceitação pelo IPERGS do que foi decidido na via - ação de dissolução - e no juízo próprios basta, não atingindo a norma do art. 472 do Código de Processo Civil.
4. Violação do art. 535 do Código de Processo Civil repelida, ausente omissão ou contradição no acórdão recorrido.
5. Recurso especial não provido.”[188]
Em decorrência deste reconhecimento, a justiça não teve outro caminho a seguir, se não o do reconhecimento da paternidade socioafetiva, pois tanto esta quanto a união estável, geram efeitos imediatos na vida social das pessoas que as integram[189].
Na paternidade socioafetiva, há, como já demonstrado, a disseminação dos valores e princípios de uma família para os seus novos integrantes, o que lhes garante uma identidade, permitindo que ali exista uma coligação de interesses. Importante salientar que não são todos os casos de identidade de interesses que ligará as pessoas de forma socioafetiva, mas que este é um dos pontos que auxilia na concretização da paternidade[190].
Portanto diante da igualdade que acaba por abarcar os integrantes da família socioafetiva o Direito Eleitoral também reconheceu a incidência da paternidade socioafetiva nas causas de inelegibilidade, conforme ementa a seguir:
“RECURSO CONTRA EXPEDIÇÃO DE DIPLOMA. ADOÇÃO DE FATO. INELEGIBLIDADE.
1. Para afastar a conclusão do TRE/PI, de que ficou comprovada a relação socioafetiva de filho de criação de antecessor ex-prefeito, seria necessário o revolvimento do acervo probatório, inviável em sede de recurso especial, a teor da Súmula nº 279 do Supremo Tribunal Federal.
2. O vínculo de relações socioafetivas, em razão de sua influência na realidade social, gera direitos e deveres inerentes ao parentesco, inclusive para fins da inelegibilidade prevista no § 7º do art. 14, da Constituição Federal .
3. A inelegibilidade fundada no art. 14, § 7º, da Constituição Federal pode ser argüida em recurso contra a expedição de diploma, por se tratar de inelegibilidade de natureza constitucional, razão pela qual não há que falar em preclusão.
Recurso não provido.”[191]
Desta forma, é possível se depreender da ementa acima colacionada que em razão da evolução jurisprudencial como um todo, não é possível ignorar as relações socioafetivas, vez que estas geram efeitos diretos na realidade social, nos direitos e deveres, e inclusive na teoria das inelegibilidades[192].
Diante disto, é possível concluir que o Direito Civil de Família tem se fortalecido a cada dia, permitindo que as suas decisões que levam em conta os princípios setoriais acaba por gerar novas orientações neste âmbito jurídico, porém que reflete em todos os demais, como é o caso do Direito Eleitoral no tocante a teoria das inelegibilidades[193].
CONCLUSÃO
O instituto da família passou por grandes transformações ao longo dos anos e, assim, foi ganhando um novo conceito, onde o princípio basilar da família é a afetividade, além do princípio da igualdade.
Mostrou-se necessária toda essa mudança conceitual na família, vez que a sociedade como um todo acabou por criar novas concepções de família, que não eram abarcadas pelo conceito jurídico.
Foi então que o Direito passou a reconhecer que a instituição familiar pode ser composta por diferentes membros, bem como que a sua criação pode se dar de diferentes formas.
Dessa forma tornou-se possível que todas as atuais formas de concepção familiar fossem abarcadas pelo Direito e, assim geraram efeitos nos demais ramos jurídicos, para garantir igualdade de direitos entre os seus membros.
Assim, o Direito Eleitoral recebeu grande influência do Direito de Família no que tange as causas de inelegibilidade por parentesco, em especial a do art. 14, § 7º da Constituição Federal, sendo assim, é perceptível que não há como ignorar a influência direta que existe entre os ramos jurídicos.
Diante disto e tendo em vista que o Direito como um todo já reconheceu que a paternidade socioafetiva existe e que gera efeitos nas demais esferas jurídicas, a socioafetividade é causa de inelegibilidade, diante do mútuo afeto existente entre os seus integrantes.
Frente a todo este contexto, inicialmente se tratou sobre como se desenvolve e como é reconhecida a paternidade socioafetiva pelo judiciário, para assim gerar efeitos na vida cotidiana das pessoas. Demonstrou-se que a paternidade socioafetiva tem como uma de suas bases o princípio da afetividade, onde somente o afeto é requisito essencial para a sua caracterização.
Portanto a paternidade socioafetiva não implica em vínculos consanguíneos ou cíveis, porém o seu reconhecimento garante tanto os direitos, quanto os deveres pertinentes a tais laços interpessoais.
Posteriormente abordou-se a questão das causas de inelegibilidade que estão descritas no Direito Eleitoral, sendo fortemente demonstrada a inelegibilidade por força de parentesco que esta prevista na Constituição Federal, no seu art. 14, § 7º.
A causa de inelegibilidade decorrente do parentesco prevista no ordenamento constitucional, prevê apena a impossibilidade dos parentes que possuem vínculos biológicos ou cíveis com o chefe do poder executivo, podendo ser ele, federal, estadual, distrital ou municipal.
Por fim foi demonstrada a forma como a paternidade socioafetiva influência de forma direta na causa de inelegibilidade do art. 14, § 7º da CF, vez que aquela já é reconhecida pelo judiciário como uma forma alternativa de formação do vínculo afetivo e, portanto, laço familiar.
Utilizou-se da jurisprudência pátria para a demonstração do reconhecimento pelo Direito da paternidade socioafetiva, sendo colacionadas ementas que demonstram que os jurisdicionados já consolidaram entendimento no sentido de que é possível que uma relação meramente afetiva seja causa de impedimento à elegibilidade, visto que as relações pessoais são pautadas de subjetividade e de afeto.
Portanto não há como negar que a existência de convivência diária e do vínculo afetivo gerem influência sobre a forma de viver, pensar e atuar frente a conflitos, dessa forma seria possível que permanecendo o poder local sob o comando de uma mesma família, os mesmos valores seriam mantidos, em razão da identicidade existente entre os seus membros.
Diante disto, o trabalho realizado concluiu que não há como ignorar a existência tão latente de paternidades socioafetivas como causa de impedimento à elegibilidade, vez que o afeto e a subjetividade estão inerentes nesta relação, causando, assim, um conluio de princípios e valores.
Sendo assim, e frente ao princípio constitucional de impossibilidade de manutenção da chefia do poder executivo no comando de uma mesma família, a paternidade socioafetiva deve ser causa de impedimento, vez que esta já é reconhecida como uma nova concepção familiar.