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Acepções sobre o acesso à justiça no Brasil

O PRESENTE ARTIGO ANALISA A AVANÇO NO INSTITUTO DO ACESSO À JUSTIÇA E SUA PREVISÃO LEGAL NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO.

Para o estudo do acesso à justiça, importante se faz compreender melhor o significado de Justiça. Desde os primórdios, percebe-se que lhe foram dados vários sentidos. 

Pelas Sagradas Escrituras, a justiça é uma qualidade essencial de Deus, sendo transcendental pela própria natureza irracional, incompatível com a razão. [...] Para Aristóteles “a justiça é a virtude que dá a cada um o que lhe é devido”, mas sem estabelecer o que é devido. Tem a justiça como função do Estado, que estabelece uma ordem jurídica a ser aplicada pelo juiz, cujo princípio está no sentido de legitimidade ou igualdade. [...] Para Perelman, justiça é o valor central das relações entre homens, seja no direito ou na filosofia política, na moral ou na religião. [...] Aquino diz que, entre todas as virtudes, a justiça é vista de maneira distinta das outras, podendo se completar partindo de três aspectos diversos, quais sejam, a vontade de justiça, a fortaleza e a razão. (SOUZA, 2000. p. 33)

Portanto, a partir disso, pode-se entender a importância da Justiça em todas as relações, principalmente quando se trata da garantia de direitos a pessoas mais carentes e com dificuldades em alcançá-la.

Desde os tempos mais remotos, busca-se um atendimento aos mais necessitados, objetivando a justiça. Conforme Nardélio Lopes Bahia:

Por volta do séc. III a IV d.C., sob a influência da doutrina cristã, o Imperador Constantino promulgou o “Edito de Milão”, tolerando o cristianismo em todo o Império Romano e determinando que os pobres estavam isentos do pagamento de custas e seriam defendidos gratuitamente. Suas causas deveriam ser levadas perante o próprio imperador. Reconhecidamente, surge a primeira assistência judiciária gratuita, com a finalidade de garantir ao pobre o acesso à Justiça. (BAHIA, 2002, p. 11).

O estudo acerca deste instituto aprofundou-se em meados do século XX. Mauro Cappelletti conceitua que:

[...] o conceito de acesso à justiça tem sofrido uma transformação importante, correspondente a uma mudança equivalente no estudo e ensino do processo civil. Destaca que, nos estados liberais burgueses dos séculos XVIII e XIX, os procedimentos adotados para solução dos litígios civis refletiam a concepção individualista dos direitos então vigentes. Direito ao acesso à proteção judicial significava essencialmente o direito formal do indivíduo agravado de propor ou contestar uma ação. (CAPPELLETTI, 1988, p. 6)

No conceito de Ionete de Magalhães Souza, pode-se compreender como,

A expressão “acesso à Justiça” ou “garantia de acesso à Justiça” pode ser analisada sob muitos aspectos, seja quanto à acessibilidade econômica e à técnica da Justiça, seja quanto aos direito à assistência judiciária e jurídica ou pelo direito à segurança pessoal e, como definido pelo artigo 3º do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos de 1966, quanto ao direito a um recurso útil. Direitos e garantias constitucionais dizem respeito, de qualquer forma, ao acesso à Justiça. (SOUZA, 2013. p. 49)

Deste modo, nítido se faz que o acesso à Justiça é um direito assegurado pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e por isso, importante se faz sua ampliação, seja na forma de ingresso da ação no judiciário, seja na forma de justiça preventiva.

Contudo, este acesso encontra algumas dificuldades:

Diversas são as barreiras que impossibilitam a todo e qualquer cidadão a obtenção da justiça: barreiras de ordem econômica, cultural e estrutural. As barreiras de ordem econômica referem-se às custas processuais, extremamente elevadas, que inviabilizam a muitos a procura de uma solução para o conflito. Grande parte da população brasileira possui poucos recursos econômicos que permitam ingressar em juízo, reclamando a prestação de uma tutela jurisdicional. São custas com o processo em si, com honorários advocatícios, com perícias, com condução do oficial de justiça e outras tantas. (BAHIA, 2002. p. 29).

Previsão legal do acesso à Justiça na legislação brasileira

No Brasil, um marco importante na busca de levar o acesso à Justiça a toda população foi a elevação da assistência judiciária a condição de garantia constitucional em 1934 e reforçada com a criação da Lei 1.060 de 5 de fevereiro de 1950 que visava a assistência judiciária aos necessitados. Nota-se que tal acesso se resumia apenas a prestação jurisdicional do Estado, facilitando o ajuizamento da ação. Ainda não se falava de justiça preventiva ou formas extrajudiciais de resolução das demandas.

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Com o advento da CRFB/1988 e o Brasil se tornando efetivamente um Estado Democrático de Direito, muda-se a conjuntura e diversos artigos da CRFB/1988 objetivam a garantia de direitos, principalmente das camadas mais carentes da sociedade. No artigo 5º, em meio às direitos e garantias fundamentais, nota-se a presença de incisos que fortalecem a ampliação do acesso à Justiça, como por exemplo:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XXXV. A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito

LXXIV - o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos;

LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;

LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

LXXVIII a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

[...] A duração indefinida ou ilimitada do processo judicial afeta não apenas e de forma direta a ideia de proteção judicial efetiva, como compromete de modo decisivo a proteção da dignidade da pessoa humana, na medida em que permite a transformação do ser humano em objeto dos processos estatais. (MENDES, 2012. p. 449)

Também em seu art. 93, a CRFB/1988 assegura o duplo grau de jurisdição e em seu art. 133 quando preza pela necessária representação por advogado.

E não somente na CRFB/1988, como em algumas leis ordinárias, percebe-se a intenção do legislador na busca pelo fortalecimento e garantia dos direitos dos cidadãos. Normas como o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078 de 11 de setembro de 1990), Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069 de 13 de julho de 1990), Estatuto do Idoso (Lei 10.741 de 1º de outubro de 2003), Lei “Maria da Penha” (Lei 11.340 de 7 de agosto de 2006).

Além disso, foram criados órgãos que buscam auxiliar na orientação jurídica, com foco na população carente, caso da Defensoria Pública que busca não apenas a orientação, mas a promoção dos direitos humanos e sociais e a proteção aos direitos individuais e coletivos, assegurado pelo art. 134 da CFRB/1988. A criação dos Juizados Especiais pela Lei 9.099 de 26 de setembro de 1995, que busca uma maior celeridade processual e ampliou as formas de resolução de conflitos.

Outros órgãos que tem contribuído para a promoção do acesso à Justiça são os Núcleos de Prática Jurídicas das instituições que ofertam o curso de Direito; estes são obrigatórios, conforme Resolução 09 do Conselho Nacional de Educação/ Câmara de Educação Superior de 29 de setembro de 2004.

Art. 7º O Estágio Supervisionado é componente curricular obrigatório, indispensável à consolidação dos desempenhos profissionais desejados, inerentes ao perfil do formando, devendo cada instituição, por seus colegiados próprios, aprovar o correspondente regulamento, com suas diferentes modalidades de operacionalização.

§ 1º O Estágio de que trata este artigo será realizado na própria instituição, através do Núcleo de Prática Jurídica, que deverá estar estruturado e operacionalizado de acordo com regulamentação própria, aprovada pelo conselho competente, podendo, em parte, contemplar convênios com outras entidades ou instituições e escritórios de advocacia; em serviços de assistência judiciária implantados na instituição, nos órgãos do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública ou ainda em departamentos jurídicos oficiais, importando, em qualquer caso, na supervisão das atividades e na elaboração de relatórios que deverão ser encaminhados à Coordenação de Estágio das IES , para a avaliação pertinente. (CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO/ CÂMARA DE EDUCAÇÃO SUPERIOR, 2004)

Importante salientar que muitas instituições de ensino, principalmente as universidades públicas, já mantém esse núcleo há muito tempo.

Diferenciação entre Assistência Jurídica e Assistência Judiciária

Apesar de parecidos, os termos “Assistência Jurídica” e “Assistência Judiciária” são completamente diferentes, pois abrangem momentos diferentes do processo e não somente ele.

A base da Assistência Judiciária no Brasil foi a lei 1.060/50, já supracitada, que assevera que a parte pode alegar ser pobre no sentido legal e pedir a isenção de custas, taxas e despesas processuais. Para ter acesso a tal direito, basta apenas que a parte alegue tal insuficiência de recurso financeiro, como fica nítido no art. 4º:

Art. 4º A parte gozará dos benefícios da assistência judiciária, mediante simples afirmação, na própria petição inicial, de que não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família. (LEI 1.060 de 1950)

Sobre tal aspecto, Rizzatto Nunes diz:

O legislador fez exigência bastante singela: basta a mera afirmação na própria peça processual (a norma fala em petição inicial, mas a interpretação extensiva consensual e pacífica oferecida pela doutrina e jurisprudência deixam patente que o pleito pode ser feito na contestação, nos embargos etc). O texto legal é de clareza solar, exigindo mera interpretação gramatical. (NUNES, 2007. p. 6)

Já Assistência Jurídica abrange muito mais que o simples ingresso da ação junto ao Poder Judiciário; foi fundamentada em nosso ordenamento jurídico através do art. 5º, inciso LXXIV da CRFB/1988.

Nota-se que através desse dispositivo, o legislador objetiva levar a toda população o acesso aos meios que proporcionem um devido acesso à Justiça, aqui entendida como todo aparato estatal, seja ele do Poder Judiciário ou não.

Diante disso, Nelson Nery conceitua,

[...] Diferentemente da assistência judiciária prevista na constituição anterior, a assistência jurídica tem conceito mais abrangente e abarca a consultoria e atividade jurídica extrajudicial em geral. Agora, portanto, o Estado promoverá a assistência aos necessitados no que pertine a aspectos legais, prestando informações sobre comportamentos a serem seguidos diante de problemas jurídicos, e, ainda, propondo ações e defendendo o necessitado nas ações em face dele propostas. (NERY JR. 2005. p. 77)

Apesar dessas diferenças, a lei 1.060/1950 foi completamente recepcionada pela CRFB/1988. Ionete de Magalhães Souza define muito bem essa “transformação” da Assistência Judiciária em Assistência Jurídica com o advento da CRFB/1988:

A maneira pela qual o Estado tenta dar efetivo exercício de direito ao cidadão reconhecidamente pobre perante a lei, é através da assistência gratuita, que é uma forma de atenuar (e não resolver) o problema. Contudo, após a CF/88 o grau de assistência se ampliou (ainda que teórica e formalmente), saindo do âmbito do judiciário para o jurídico, o que deve abranger de maneira integral as fases pré e extrajudiciais, ou seja, abrangendo uma justiça preventiva e extrajudicial. (SOUZA, 2000. p. 35)

Importante frisar que o Estado precisa fundamentar sua decisão de não conceder esse benefício aos que requerem e não é necessário que a pessoal seja completamente miserável para usufruir de tal direito.

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Guilherme de. Acesso à justiça, direitos humanos e novas esferas da justiça. In Contemporânea – Revista de Sociologia da UFSCar. São Carlos, v. 2, n. 1, jan-jun 2012, pp. 83-102.

BAHIA, Nardélio Lopes. UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MONTES CLAROS. O fator econômico e cultural como excludente do acesso à justiça no processo civil. TCC de Graduação. 2002. 61p.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm.

________. Lei nº 10.741 de 2003. Dispõe sobre o Estatuto do Idoso e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.741.htm.

________. Lei nº 8.069 de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm.

________. Lei nº 11.340 de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm.

________. Lei nº 1.060 de 1950. Estabelece normas para concessão de assistência judiciária aos necessitados. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l1060compilada.htm.

________. Lei nº 8.078 de 1990. Dispõe sobre a proteção ao consumidor e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm.

________. Lei nº 5.540 de 1968. Fixa normas de organização e funcionamento do ensino superior e sua articulação com a escola média e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5540.htm.

CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sergio Antonio Frabris Editor, 1988.

CERQUEIRA, Társis Silva de. Acesso à Justiça. Novíssima Reflexão. In Páginas de Direito. Maio 2010. Disponível em: http://www.tex.pro.br/home/artigos/35-artigos-mai-2010/5805-acesso-a-justica-novissima-reflexao.

CNE. Resolução CNE/CES 9/2004. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Direito e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 1º de outubro de 2004, Seção 1, p. 17. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/rces09_04.pdf.

FERREIRA, Maria Luiza Pontes. A nova perspectiva do acesso à justiça no cenário brasileiro. Disponível em: www.portaldeperiodicos.idp.edu.br/index.php/cadernovirtual/article/viewFile/853/571

MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

NERY JR., Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.

NUNES, Rizzatto. Assistência Judiciária e Assistência Jurídica: uma confusão a ser solvida. Disponível em: https://www.metodista.br/revistas/revistas-ims/index.php/RFD/article/viewFile/523/521

SOUZA, Ionete de Magalhães. Perícia genética paterna e acesso à justiça: uma análise constitucional. 3. ed. Leme: J. H. Mizuno, 2013.

________. Assistência Jurídica e Acesso à Justiça. In Revista do Curso de Direito da Universidade Estadual de Montes Claros. Montes Claros: Editora Unimontes. v. 21. 2000, p. 31-44.

Sobre os autores
Ludmilla Barbosa Silva

Acadêmica de Direito na Universidade Estadual de Montes Claros - UNIMONTES

Adailton de Souza Cardoso

Acadêmico de Direito na Universidade Estadual de Montes Claros - UNIMONTES

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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