Notas
[1] ADEODATO, João Maurício. Uma teoria retórica da norma jurídica e do direito subjetivo. São Paulo: Noeses, 2011. p. 155.
[2] Dado o objeto deste trabalho, adota-se aqui uma metodologia eminentemente lógica que, contudo, não implica assumir o primado da lógica sobre outras perspectivas do direito. Pelo contrário, acompanhamos Georges Kalinowski, quando reconhece que as investigações da lógica e da semiótica jurídica devem em muitas ocasiões ceder lugar, do ponto de vista prático, a estudos dogmáticos, históricos, psicológicos ou sociológicos do direito (KALINOWSKI, Georges. Introducción a la lógica jurídica. Trad. de Juan A. Casaubon. Buenos Aires: Editorial Universitaria de Buenos Aires, 1973. p. 187-188).
[3] VON Wright, Georg Henrik. Ser y deber ser. In: AARNIO, Aulis; VALDÉS, Ernesto Garzón; UUSITALO, Jyrki (comps.). La normatividad del derecho. Barcelona: Gedisa, 1997. p. 93. Gregorio Robles dirá, na abertura de sua obra El Derecho como texto (Cuatro estudios de Teoria comunicacional del Derecho), “o direito é texto” (ROBLES, Gregorio. O direito como texto: quatro estudos de teoria comunicacional do direito. Trad. de Roberto Barbosa Alves. Barueri: Manole, 2005. p. 1). O autor esclarece mais adiante que “esta afirmação não implica uma tese ontológica forte, mas se limita a apontar o modo universal de apresentação do direito na comunicação humana, que como tal pode servir de ponto de partida para um enfoque teórico” (Ibid. p. 2). Em sentido semelhante, em seu ensaio da pragmática da comunicação normativa, Tercio Sampaio Ferraz Jr. vai anunciar sua posição não reducionista do direito à linguagem, que ora acompanhamos. Como expõe o autor, a análise do fenômeno jurídico sob o ângulo linguístico decorre mais de uma proposta epistemológica do que ontológica: “ao pretender-se o tratamento da norma como linguagem, se o faz por necessidade operacional, sem fazer-se, com isso, qualquer afirmação sobre a essência do direito” (FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Teoria da norma jurídica: ensaio de pragmática da comunicação normativa. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 7).
[4] Como destacam Greimas e Courtès, a dissociação entre enunciador e enunciado é tal que o eu do enunciado não será nunca o mesmo eu que o enunciou (sujeito da enunciação), pois o primeiro passo da enunciação consiste em se “isolar [o enunciado] do sujeito da enunciação e em projetar no enunciado um não-eu” (GREIMAS, Algirdas Julien; COURTÈS, Joseph. Sémiotique: dictionnaire raisonné de la théorie du langage. Paris: Hachette, 1993. p. 79. Tradução nossa).
[5] NÖTH, Winfried. Panorama da semiótica. 4. ed. São Paulo: Annablume, 2005. p. 66.
[6] FISKE, John. Introduction to communication studies. 2. ed. London: Routledge, 1990. p. 39. Tradução nossa.
[7] Como diz Fiske, “ler não se assemelha a usar um abridor de lata para revelar o significado na mensagem. Significados são produzidos na interação entre texto e enunciatário.” (Ibid. p. 164. Tradução nossa).
[8] Ibid. p. 39.
[9] ALCHOURRÓN, Carlos E. On law and logic. In: BELTRÁN, Jordi Ferrer; RATTI, Giovanni Battista (eds.). The logic of legal requirements: essays on defeasibility. Oxford: Oxford University Press, 2012. p. 45. Tradução nossa. Grifos nossos.
[10] A esse respeito, é proveitosa a didática análise do processo semiótico de construção normativa apresentado por Paulo de Barros Carvalho (Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 103-127).
[11] Como observa Niklas Luhmann, “sistemas autopoiéticos são, nesse sentido, vinculados ao tipo de operações que eles realizam, e isso se aplica tanto à criação de subsequentes operações quanto à formação de suas estruturas. Em outras palavras, não há ‘diferença essencial’ ou qualquer ‘diferença material’ entre operação e estrutura” (LUHMANN, Niklas. Law as a social system. Trad. de Klaus A. Ziegert. New York: Oxford University Press, 2004. p. 84. Tradução nossa).
[12] Em uma maior aproximação conceitual de autopoiese pode ser dizer que “a performance da autopoiese não consiste apenas na produção de uma operação por outra mas também, e acima de tudo, na condensação e confirmação das estruturas por meio das operações, que por sua vez são orientadas por essas estruturas. É nesse sentido que podemos definir o sistema jurídico como um sistema com uma estrutura (auto)determinada.” (Ibid., p. 85. Tradução nossa).
Por outro lado, importa observar que não é todo ato previsto como lícito ou ilícito pelo direito que ingressa no sistema jurídico. Apenas é jurídico o que é positivado na forma prevista pela própria estrutura do sistema: “A circunstância de alguém ser atropelado por um carro não ingressa no sistema jurídico. Não constitui sequer um fato no sistema jurídico, ainda que possa relevância jurídica. Com efeito, o evento pode ter ocorrido porque alguém insistiu que tinha o (assumido) direito de atravessar a rua em uma faixa de pedestre, diante da qual caberiam aos carros parar. Esse é ou não um fato pertencente ao sistema jurídico? E os contratos, são operações internas ao sistema jurídico? Os contratos são operações do sistema jurídico se os envolvidos sequer se deram conta de que o estariam celebrando, por partirem da falsa suposição de que isso requereria forma escrita? Há operação jurídica se um criminoso se esconde enquanto está sendo procurado pela polícia? Uma invenção é um ato jurídico porque alguém pode registrá-la como uma patente? Questões dessa natureza surgem por causa da universalidade da relevância do direito. Toda conduta é permitida ou proibida, mas isso não significa que toda conduta seja uma operação jurídica, isto é, uma operação interna ao sistema jurídico.” (Ibid. p. 98. Tradução nossa. Grifos nossos).
[13] O direito, nesse sentido, “de acordo com a terminologia de Heinz von Foerster, não é um aparato (máquina) trivial que transforma inputs em outputs sempre de modo idêntico e repetitivo. É um aparato que envolve suas próprias condições em cada operação e assim constrói um novo aparato a cada operação” (Ibid., p. 91. Tradução nossa).
[14] Ibid. p. 183-184. Nesse sentido, a nosso ver, sequer a revolução constitucional (que impõe novo sistema constitucional) encerra os limites do sistema jurídico. O sistema jurídico não se encerra com uma nova constituição, apenas se altera, em continuidade evolutiva. Com o advento de uma nova constituição (por exemplo, a Constituição de 1988), os enunciados prescritivos a ela antecedentes permanecem compondo o ordenamento jurídico, por força do que é usualmente denominado de recepção.
Embora a tendência majoritária da doutrina seja de considerar que uma nova constituição impõe a ruptura do sistema anterior – com a criação de um sistema jurídico absolutamente distinto – entendo que, em verdade, trata-se simplesmente de um diploma normativo novo criado no âmbito de um mesmo ordenamento jurídico, em constante modificação. Nesse sentido, uma nova constituição se diferencia das emendas constitucionais não por criar um ordenamento jurídico novo (como costuma apregoar a doutrina constitucionalista), mas apenas por não ficar limitada às restrições decorrentes da super-rigidez constitucional (cláusulas pétreas).
Todos os enunciados prescritivos editados no regime constitucional antecedente permanecem vigendo, até que haja formal declaração de não recepção (seja por revogação promovida pelo novo diploma constitucional, seja por revogação realizada por diploma infraconstitucional posterior, seja ainda por declaração expressa do Poder Judiciário no sentido da não recepção), decorrente de enunciado (ato de decisão) que expulse aqueles enunciados do ordenamento. Enfim, a meu ver, uma compreensão abrangente do fenômeno normativo conduziria a vislumbrar a revolução constitucional e o fenômeno da recepção de modo sensivelmente diferente da forma como usualmente propugnada pela doutrina contemporânea. Para uma crítica de Luhmann à norma fundamental kelseniana, v. Ibid., p. 103.
[15] Ibid. p. 184. Em sentido semelhante, v. ROBLES, Gregorio. O direito como texto: quatro estudos de teoria comunicacional do direito. Barueri: Manole, 2005. p. 28-29.
[16] A esse respeito, v. TOMÉ, Fabiana Del Padre. A prova no direito tributário. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2008. p. 250-253; ROBLES, Gregorio. O direito como texto: quatro estudos de teoria comunicacional do direito. Barueri: Manole, 2005. p. 32-34.
[17] A respeito, Hjelmslev esclarece: “Hemos presenteado los términos expresión y contenido como designaciones de los funtivos que contraen la función a que nos referimos, la función de signo. Es ésta una definición puramente operativa, y además una definición formal, en el sentido de que en este contexto no se dará ningún otro significado a los términos expresión y contenido. [...] Se definen sólo por su solidaridad mutua, y ninguna de ellas puede identificarse de outro modo. Cada una de ellas se define por oposición y por relación, como funtivos mutuamente opuestos de una misma función.” (HJELMSLEV, Louis. Prolegómenos a una teoría del lenguaje. Trad. de José Luis Díaz de Liaño. 2. ed. Madrid: Gredos, 1971. p. 74-89).
[18] Paulo de Barros Carvalho assim descreve a distinção entre os dois planos, com a precisão que lhe é peculiar: “Ora, como todo texto tem um plano de expressão, de natureza material, e um plano de conteúdo, por onde ingressa a subjetividade do agente para compor as significações da mensagem, é pelo primeiro, vale dizer, a partir do contacto com a literalidade textual, com o plano dos significantes ou com o chamado plano da expressão, como algo objetivado, isto é, posto intersubjetivamente, ali onde estão as estruturas morfológicas e gramaticais, que o intérprete inicia o processo de interpretação [...]. Eis o momento do ingresso no plano do conteúdo. Tendo o intérprete isolado a base física do texto que pretende compreender, estabelecendo, por esse modo, o primeiro contacto com o sistema objetivado das literalidades, avança agora disposto a atribuir valores unitários aos vários signos que encontrou justapostos, selecionando significações e compondo segmentos portadores de sentido.” (Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 105-112. Grifos do original).
[19] Nesse sentido, José Luiz Fiorin esclarece: “Quando se fala em percurso gerativo de sentido, a rigor se está falando de plano de conteúdo. [...] O percurso gerativo é um modelo que simula a produção e a interpretação do significado, do conteúdo.” (Elementos de análise do discurso. 9. ed. São Paulo: Contexto, 2000. p. 31).
[20] Importa observar que não atribuímos à proposição jurídica uma existência ontológica. A proposição jurídica não possui, pois, uma consistência histórica ou social que vai sendo “transmitida” socialmente. Ela é antes uma imaterialidade gerada na consciência do indivíduo. Não podemos concordar, portanto, com a linha teórica que, embora segregue a proposição do enunciado, pretende compreender na proposição (e na norma jurídica) uma existência histórica anterior à própria enunciação (CAPELLA, Juan Ramón. Elementos de análisis jurídico. 3. ed. Madrid: Trotta, 2004. p. 49-50).
[21] Em acepção ampla, texto é não apenas manifestação verbal-escrita, mas qualquer manifestação física que provoque irritação – Irritationen, no sentido empregado por Luhmann (LUHMANN, Niklas. Social systems. Trans. by John Bednarz Jr. and Dirk Baecker. Stanford: Stanford University Press, 1984. p. 255-277) – em nosso sistema mental-psíquico, por meio de algum dos sentidos do corpo humano. A multiplicidade de formas do plano de expressão implica a heterogeneidade de estruturas de sentido construídas no plano de conteúdo. Não é por outra razão que Hjelmslev dirá que expressão e conteúdo “se definen sólo por su solidaridad mutua, y ninguna de ellas puede identificarse de outro modo. Cada una de ellas se define por oposición y por relación, como funtivos mutuamente opuestos de una misma función.” (HJELMSLEV, Louis. Prolegómenos a una teoría del lenguaje. Trad. de José Luis Díaz de Liaño. 2. ed. Madrid: Gredos, 1971. p. 89).
[22] CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, linguagem e método. 3. ed. São Paulo: Noeses, 2009. p. 128.
[23] Nesse sentido, é célebre a oposição de Carlos Cossio à estrutura hipotética da norma jurídica, ao propor, em sua teoria egológica do direito, uma estrutura lógica disjuntiva (COSSIO, Carlos. Panorama de la teoría egológica del derecho. Revista Trimestral de Cultura Moderna, Bogotá, n. 13, p. 67-94, dic. 1948. p. 76-77). A esse respeito, porém, Lourival Vilanova vai dizer que, “considerando-se bem a teoria egológica, ela não recusa a estrutura hipotética, pois na fórmula ‘dado A deve-ser B, ou dado não-B deve-ser S’ encontra-se a relação de antecedente para consequente, característica da conexão hipótese/tese (ou prótase e apódose). Os símbolos literais nela contidos não são variáveis nominais, mas variáveis proposicionais. Tanto que poderemos formular assim: ‘se p então q ou se não-q então r’.” (VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema de direito positivo. 4. ed. São Paulo: Noeses, 2010. p. 101).
[24] A exemplo, o lógico finlandês Georg Henrik von Wright, reputado um dos principais fundadores da lógica deôntica contemporânea (cf. VERNENGO, Roberto J. Derecho y lógica: un balance provisorio. Madrid: Instituto Nacional de Estudios Juridicos, 1987. p. 303), reconhecia diversos tipos de norma, conforme sua estrutura e função (v. capítulo I de VON WRIGHT, Georg Henrik. Norm and action: a logical enquiry. New York: Routledge & Kegan Paul, 1963).
[25] Em sentido semelhante, v. MENDONCA, Daniel. Introducción al análisis normativo. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1992. p. 42.
[26] ALCHOURRÓN, Carlos E.; BULYGIN, Eugenio. Introducción a la metodologia de las ciencias jurídicas y sociales. Buenos Aires, Astrea, 2006. p. 79.
[27] Na acepção predominante, o conceito de norma jurídica abrange as regras e os princípios jurídicos, cujos conceitos, contudo, não encontram absoluta uniformidade. Uma representação das posições preponderantes sobre o tema – que evidentemente adotam acepção de norma mais ampla do que a empregada neste trabalho – pode ser colhida em ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 85-115; SILVA, Virgílio Afonso da. Princípios e regras: mitos e equívocos acerca de uma distinção. Revista Latino-Americana de Estudos Constitucionais, Belo Horizonte, n. 1, p. 607-630, jan./jun. 2003; Idem. Direitos fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 43-64; NEVES, Marcelo. Entre Hidra e Hércules: princípios e regras constitucionais como diferença paradoxal do sistema jurídico. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2013. p. 1-88.
[28] É a partir dessa proposta que Paulo de Barros Carvalho anuncia: “Abrigar tal conceito implica reconhecer que as chamadas ‘normas atributivas’ ou ‘normas qualificativas’ não são, verdadeiramente, regras jurídicas, já por não revestirem a forma dos juízos hipotéticos, já por não estabelecerem comportamentos-tipo. Tais proposições têm, realmente, a estrutura lógica de juízos categóricos, sendo impossível transgredi-las e inexistindo, portanto, sanções que lhes correspondam. [...] Isso não quer dizer, todavia, que proposições dessa natureza deixem de ter caráter jurídico. Significa, apenas, que não têm índole normativa, porque não são juízos hipotéticos, em que se associa a determinada condição uma consequência.” (CARVALHO, Paulo de Barros. Teoria da norma tributária. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1981. p. 34).
[29] ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 40-41.
[30] Ibid. p. 41. Grifos do original.
[31] Além desse exemplo, Humberto Ávila pretende formular o princípio da tipicidade da seguinte forma: “Se for desobedecida a exigência de determinação da hipótese de incidência de normas que instituem obrigações então o ato estatal será considerado inválido” (loc. cit., grifos do original). Sem dúvida a proposição formulada se apresenta em estrutura de norma jurídica. Porém, ela não traduz o conteúdo do princípio da tipicidade (que corresponde à prescrição de que a lei contenha em si os elementos necessários para a valoração dos fatos alcançados pelo tipo jurídico-tributário), mas retrata a sanção aplicável ao descumprimento do próprio princípio. O princípio da tipicidade é, em sim, um mandamento categórico, não hipotético. E por tal razão não é adequadamente expressado em estrutura hipotético-condicional.
[32] ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008. p.102. Nossa percepção da dinâmica normativa dos princípios é, de certo modo, uma versão expandida do modelo normativo proposto por Alexy. Com efeito, Alexy somente vislumbra a articulação do que chama de norma atribuída no caso de sopesamento de princípios colidentes entre si (Ibid. p. 135-144).