Sumário: 1-Introdução.2- Panorama Legislativo. 3- Pela Imprescindibilidade 4-Pela Prescindibilidade.5- Direito de Defesa Prévia: Imprescindível ou não. Nossa Posição. 6- Conclusões.
1-INTRODUÇÃO
A edição da Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997 representou uma mudança havia muito esperada pela sociedade brasileira, pois a quantidade de vítimas fatais no trânsito em nosso País atingiu mais de 50.000 em média anual. Era evidente o descalabro destes números, que não mais podiam ser tolerados. Infelizmente, campanhas educativas não adiantam muito, pois os fatos "sempre acontecem com os outros" e a conscientização não é uma marca do novo mundo: aqui não é a Suécia. Logo, não há outra saída senão recrudescer o tratamento com os infratores. E foi o que fez o Código de Trânsito Brasileiro, lançado com grande expectativa.
Mas não tardou a criar problemas a sua aplicação. Tal fato se deve, sobretudo, às pesadas penas que aplica no que se refere à responsabilidade administrativa. O brasileiro não estava acostumado a multas de elevado valor e chocou-se ao ver que o somatório de algumas infrações poderia lhe tolher a habilitação e implicar em pesada penalização pecuniária.
Neste contexto, surge uma discussão, ainda bastante acirrada, pelo menos aqui no Rio Grande do Sul, e esta disputa tem como tema a necessidade ou não de defesa prévia. Em alguns estados, como por exemplo o Paraná, a defesa prévia, ou seja, a defesa concernente ao auto de infração, já é aplicada e a questão não chama maiores dúvidas. Mas há estados, e este é o caso do Rio Grande o Sul, nos quais o DETRAN tem por revogada a defesa prévia.
A disputa doutrinária e jurisprudencial que se implantou tem como base o fato de que o CTB não previu expressamente e defesa prévia, anteriormente prevista em Resoluções do CONTRAN, mais especificamente a Resolução 568/82. O artigo 314, parágrafo único, do CTB, de seu turno, dispõe que as resoluções que não contrariassem o CTB continuariam em vigor. Pergunta-se, então, é imprescindível a defesa prévia para que sejam obedecidos os cânones constitucionais do artigo 5º, inc. LIV e LV da CF/88?
Está implantada a celeuma sobre a qual lançaremos algumas luzes, limitados ao tempo e ao espaço disponíveis, e que tem rendido milhares de ações nos pretórios gaúchos, com respeitáveis argumentos de ambos os lados.
2- PANORAMA JURÍDICO
Consta dos artigos 280 e 281 do CTB:
"Art. 281. A autoridade de trânsito, na esfera da competência estabelecida neste Código e dentro de sua circunscrição, julgará a consistência do auto de infração e aplicará a penalidade cabível."
"Art. 282. Aplicada a penalidade, será expedida notificação ao proprietário do veículo ou ao infrator, por remessa postal ou por qualquer outro meio tecnológico hábil, que assegure a ciência da imposição da penalidade."
Já o artigo 314, parágrafo único, assertoa que:
"Art. 314. O CONTRAN tem o prazo de duzentos e quarenta dias a partir da publicação deste Código para expedir as resoluções necessárias à sua melhor execução, bem como revisar todas as resoluções anteriores à sua publicação, dando prioridade àquelas que visam a diminuir o número de acidentes e a assegurar a proteção de pedestres.
Parágrafo único. As resoluções do CONTRAN, existentes até a data de publicação deste Código, continuam em vigor naquilo em que não conflitem com ele".
A Resolução nº 568/82, prevê, porém, a apresentação defesa prévia à aplicação da penalidade, referindo-se a uma defesa a ser apreciada na ocasião do julgamento do auto de infração, o que consta dos artigos 1, 2º e 5º.
O artigo 5º, inc. LIV e LV da CF/88 preconizam que:
"LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;
"LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;"
A questão que se coloca é a seguinte: A irradiação de efeitos dos incisos do artigo 5º, como normas basilares a de ampla aplicação, figurando entre os direitos e garantias individuais teria o condão de significar a necessidade de defesa referente ao ato de julgamento do auto de infração? Ou por outras palavras, o artigo 5º, inc. LIV e LV da CF/88 conjugado ao artigo 314, parágrafo único, do CTB mantêm a Resolução nº 568 vigente?
3- PELA IMPRESCINDIBILIDADE DA DEFESA PRÉVIA
Os prosélitos da imprescindibilidade da defesa prévia argumentam que a norma constitucional tem aplicação ampla, e dentro de um postulado de supremacia da Constituição, postulam que somente com a ampla defesa anterior à aplicação da penalidade estará sendo cumprida a determinação constitucional.
Nesta esteira, qualquer ato que implique em restrição à esfera de direitos individuais deve ser precedida de manifestação dos atingidos. Além disso a acepção da palavra recurso implicaria um julgamento anterior, do auto de infração, e conseqüentemente deveria haver defesa que o precedesse.
Sufragando esta linha de pensamento, pertinente a transcrição da manifestação do Desembargador Araken de Assis, nos votos que tem proferido em demandas relacionadas ao tema:
"De acordo com o art. 280, VI, da Lei 9.503, de 23.9.97 (Código de Trânsito Brasileiro), ocorrendo alguma infração, lavrar-se-á o respectivo auto, que, dentre outros requisitos, conterá a assinatura do infrator, sempre que possível, valendo esta como notificação do cometimento da infração (inc. VI). O § 3.° do art. 280, na hipótese de ser impossível colher a assinatura do infrator, determina ao agente comunicar tal fato à autoridade competente, para os fins do art. 281, que contempla o julgamento da consistência do auto e aplicará a penalidade legal. Dentre os motivos de insubsistência do auto, o art. 281, parágrafo único, II, prevê a falta de expedição da notificação da autuação, que, a teor do art. 282, caput, se seguirá à aplicação da penalidade.
Deste ato cabe recurso (art. 285), sem recolhimento da multa (art. 286, caput), tornada exigível, no entanto, para segundo recurso (art. 288, § 2°), que encerra a instância administrativa (art. 290). Vale assinalar que o recurso do art. 288 poderá ser julgado pelo CONTRAN (289, I, "a") e por colegiado especial (289, I, "b").
É bem de ver que, para as penas de suspensão do direito de dirigir e de cassação do documento de habilitação, aplicáveis mediante decisão fundamentada, o art. 265 previu a instauração de procedimento administrativo.
Assim exposto o regime do Código de Trânsito Brasileiro, e inexistindo disputa quanto aos fatos, controverte-se a aplicação do art. 2.° da Resolução 568/80, do Conselho Nacional de Trânsito – recepcionada nos termos do art. 314, parágrafo único, da Lei 9.503/97 -, segundo a qual, recebido o auto de infração, o interessado poderá apresentar defesa prévia à autoridade de trânsito, antes da aplicação da penalidade. Idêntico é o sentido do art. 1.° da Resolução 829/97 do mesmo Conselho. Em última análise, examina-se a constitucionalidade de a autoridade de trânsito aplicar a penalidade sem assegurar, previamente, a defesa prévia do autuado, como garantido no art. 5.°, LIV e LV, da CF/88 e, no plano infra-constitucional, no art. 2.°, I e VIII, da Lei 9.784/99.
É flagrante que a interpretação literal dos artigos 280, 281 e 282 da Lei 9.503/97 implica negativa à garantia insculpida no art. 5.°, LIV, da CF/88. Antes de aplicar a alguém pena, impende colher a sua defesa; ao invés disto, a literalidade do regime exposto prevê a aplicação da pena e, ato contínuo, a interposição de recurso, embora sem prévio recolhimento da multa.
Ora, a clássica definição de recurso, com ressalva de que tal característica também se presencia em outras figuras impugnativas, parte da idéia de que todo recurso nasce da iniciativa de alguém interessado em impugnar uma decisão (JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA, Comentários, 135, p. 231, 7.ª Ed., Rio de Janeiro, 1998). Parece fora de dúvida que, o art. 285 da Lei 9.503/97 emprega, no caput e seus parágrafos, a palavra "recurso" neste último e exato sentido: o autuado impugna a decisão, anteriormente tomada pela autoridade de trânsito competente, que julgou subsistente o auto e aplicou a pena cabível (art. 281, caput). Decisão esta que, como se lê no art. 281, caput, decorre de um "julgamento".
Pois bem: o art. 5.°, LIV e LV, assegura a quem sofrer alguma imputação, a exemplo daquela constante no auto de infração, o direito à defesa prévia, ou seja, anterior a qualquer decisão.
Esse caráter prévio da defesa é realçado por AGUSTIN A. GORDILLO ("La garantía de defensa como principio de eficacia en el procedimiento administrativo", n.° 4, p. 21, In Revista de Direito Público, São Paulo, RT, 1969, V. 10):
Además, podrá observarse que en cada uno de los aspectos de esta garantía, desde el tener acceso a las actuaciones, presentar sus alegaciones, producir prueba, etc., se insiste en que ellos deben ser respectados desde ‘ antes’ de tomarse la decisión que puede afectar los derechos del indivíduo. Esta tiene significativa importancia no sólo para una más eficaz defensa del interessado, sino también como un modo de poner mayor énfasis en los controles ‘preventivos’ que en los ‘repressivos’: ‘mellius est intacta jura servave, quam vulnerate causae remedius quarere’, lo cual confiere mayor eficacia y economia procesal a todo el procedimiento administrativo.
Daí a conclusão firme e límpida exegese preconizada por CÁSSIO MATTOS HONORATO (Alterações introduzidas pelo novo código de trânsito brasileiro, pp. 72/73, São Paulo, Saraiva, 1998), que aponta, ao mesmo tempo, as razões da inadmissibilidade de interpretação diversa:
O CTB prevê um sistema de recursos muito bem elaborado, a partir do art. 281. Existe um primeiro recurso, endereçado à autoridade de trânsito, onde o seu objeto é a autuação, ou seja, o ato administrativo elaborado pelo agente de trânsito. Após a imposição da multa pela autoridade de trânsito, será cabível um novo recurso perante a JARI (Junta Administrativa de Recurso de Infrações), que analisará a legalidade do ato administrativo realizado pela Autoridade de Trânsito.
A possibilidade de imposição imediata da multa suprimiria o direito de defesa do cidadão, e ofende o princípio previsto no artigo 5.°, inc. LV, da Constituição da República, impossibilitando ao acusado de ter praticado uma infração de trânsito o uso do contraditório, negando-lhe ampla defesa e inobservando o devido processo legal, previsto expressamente no CTB.
É verdade que, pelas mais diversas razões, vozes respeitáveis divergem do alcance da garantia à ampla defesa, compreendida no devido processo legal, principalmente no caso de imposição de multas. Por exemplo, invoco a lição de ODETE MEDAUAR (A processualidade no direito administrativo, n.° 40.2, p. 116, São Paulo, 1993):
Outra situação ensejadora de dúvidas quanto à anterioridade da defesa refere-se às multas de trânsito. Como assegurar defesa antes da fixação da multa? Fica evidente a inviabilidade de defesa prévia nessas ocasiões; a solução advém com a concessão de prazo adequado para que o administrado possa recorrer a multa e para que o órgão possa decidir antes do vencimento. Além do mais, deve ser facilitada ao máximo a compreensão do procedimento do recurso, para possibilitar o acesso amplo às suas vias.
Opinião análoga, sob a vigência do Código de Trânsito Brasileiro, externou ARNALDO RIZZARDO (Comentários ao código de trânsito brasileiro, pp. 705/706, São Paulo, 1998).
Como se percebe, a contraposição das tendências vem de longe; porém, com a devida vênia, nenhuma dificuldade há em assegurar a defesa antes da imposição da pena, como prevê o art. 2.° da Resolução 568/80 do CONTRAN.
Seja como for, a observância das garantias constitucionais representa salutar imperativo. É claro que, do ponto de vista da Administração, há implicações marginais: mais servidores, tempo e esforços serão necessários para aplicar as penalidades de trânsito. Essas razões não me parecem relevantes para elidir a ampla defesa.
Há que optar, inequivocamente, entre o respeito às garantias consagradas na Carta Política, e, principalmente, sua restauradora e progressista aplicação, ou claro reacionarismo em ignorá-las, buscando retorno à situação vigente antes de 1988. As garantias constitucionais me são muito caras. Através delas, do seu poderoso holofote, leio e interpreto a legislação ordinária, recusando-me a diminuir ou abastardar seu campo de incidência, pois me incumbe, sobretudo, observar a supremacia da Constituição."
Este foi o posicionamento majoritário no Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul inicialmente, contando com julgados assim ementados:
"CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO, PROCESSUAL CIVIL E PROCESSUAL ADMINISTRATIVO. CODIGO BRASILEIRO DE TRANSITO (CTB). INFRACAO DE TRANSITO. APLICACAO DE PENALIDADES SEM O DEVIDO PROCESSO LEGAL. MANDADO DE SEGURANCA. AUSENCIA DO CONTRADITORIO E DA AMPLA DEFESA. ILEGALIDADE DO ATO. CONCESSAO DA SEGURANCA NA ORIGEM. NAO-PROVIMENTO EM GRAU RECURSAL. É incabível notificação de infração de transito c/c notificação de penalidade aplicada sem a observância da defesa prévia, da ampla defesa e do contraditório; em suma, sem o devido processo legal, o que constitui razão bastante para justificar a concessão de liminar ou tutela antecipada parcial ao efeito de suspender a sua eficácia ate que a via ordinária decida sobre a sua anulação ou, veiculada a irresignação por mandado de segurança, a desconstituição das multas. Incidência e aplicação do artigo 5.°, LV, da CF-1988, do artigo 281, § único, II, do Código Brasileiro de Trânsito (CTB)e e da súmula 127 do STJ. Igual incidência da Lei n.º 9.784, de 29.01.1999 (DOU 01.02.1999 - art. 2º e 3º), que regula o processo administrativo. Apelação não provida. Sentença confirmada em reexame necessário. (Apelação e reexame necessário nº 70001611680, Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, relator: des. Wellington Pacheco Barros, julgado em 06/12/2000)"
Argumento a ser considerado, reside, ainda, na supressão de uma instância de julgamento, pois não haveria manifestação perante a autoridade julgadora do auto de infração.
A partir desta ótica, temos que o procedimento deve ter as seguintes feições;
1- Autuação
2- Notificação da autuação, que pode se proceder in loco ou pelo correio, neste último caso quando o infrator não possa ser autuado em flagrante ou quando a responsabilidade seja carreada a terceiros, como é o caso do proprietário.
3- Julgamento, pela autoridade competente, do auto de infração, com aplicação da penalidade cabível.
4- Nova notificação, via correio, constando a aplicação da penalidade, com abertura de prazo para apresentação de recurso junto à JARI.
De ressaltar que já assentou o Superior Tribunal de Justiça que nas notificações a ciência deve ser inequívoca, pena de invalidade:
"ADMINISTRATIVO. RENOVAÇÃO DE LICENÇA DE VEÍCULO. CONDICIONAMENTO AO PAGAMENTO DE MULTA CUJA NOTIFICAÇÃO DO CONDUTOR FOI PRESUMIDA. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA Nº 127 DO STJ. 1. Em homenagem aos princípios da ampla defesa e do contraditório, deve ser inequívoco o conhecimento das notificações relativas a infrações de trânsito, não se mostrando razoável que o condutor ou proprietário do veículo tenha a obrigação de comprovar que não foi devidamente cientificado, cabendo essa demonstração aos órgãos de trânsito, estes cada vez mais aparelhados em sua estrutura funcional. 2. Recurso especial provido. (RESP 89116/SP DJ. Data:30/04/2001.pg:00128 Min. Paulo Gallotti. Segunda Turma)
3- PELA PRESCINDIBILIDADE
No lado posto, sufragam os corifeus da prescindibilidade da defesa prévia que se cuida de um ato meramente destinado ao controle interno o julgamento do auto de infração. Afirmam que somente será sindicada a conformidade formal do ato, não havendo espaço para oposição de matéria meritória.
Parte-se da premissa que a ampla defesa e o contraditório devem se conformar dentro do devido processo legal, que nada mais é do que o procedimento previsto em lei. Como o CTB regulou toda a matéria referente ao procedimento de trânsito, teria incidência o artigo 2º, parágrafo 1º, da LICC.
Quanto à supressão de uma instância de julgamento com contraditório, afirma-se que o duplo grau de jurisdição não é absoluto, e que seria possível o julgamento em única instância, mormente tratando-se de mero julgamento administrativo que poderá ser questionado perante o Judiciário. Neste escólio, coligem-se a título exemplificativo:
"DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. INFRAÇÃO DE TRÂNSITO, DESCONSTITUIÇÃO DE MULTA. DIREITO DE DEFESA. LICENCIAMENTO DO VEÍCULO. O julgamento da consistência do auto de infração, preconizado no art. 281 da lei 9.503/97, relacionado com os aspectos formais do ato, não reclama o direito de prévia defesa e do contraditório, no rito próprio da lei de trânsito. Direito de defesa, sob a denominação de recurso, exercido a partir da notificação, independente do pagamento da multa, cujo vencimento visa a permitir o pagamento com o benefício da antecipação. Negativa de licenciamento com amparo legal, existência de infrações de trânsito, sem o pagamento das multas correspondentes, com a notificação do infrator. Apelação improvida. (Apelação Cível ° 70002188613. Terceira câmara cível. Des. Luiz ari Azambuja Ramos)
No voto do relator consta:
"Eminentes colegas. Meu voto é pelo desprovimento do apelo, confirmando a d. sentença por seus próprios fundamentos.
"...Com efeito, segundo reiterado entendimento deste órgão fracionário, o art. 281 da Lei 9.503/97 não prevê a oportunidade de defesa prévia ao infrator para o julgamento do auto de infração, ato que rigorosamente diz com os aspectos formais para notificação ("julgará a consistência do auto de infração"). O CTB estabelece um rito que lhe é próprio, em que a exigência está na notificação a que alude o art. 282, dando ciência da aplicação da multa e oferecendo, também, vantagem em antecipar o pagamento. Mas a prévia defesa, como condição para a lavratura do auto de infração ou para o julgamento de sua consistência (arts. 280 e 281), tem-se que a lei não a exige. Tal como ocorre, por exemplo, nas hipóteses de suspensão do direito de dirigir e para a cassação da CNH, onde assegurada a ampla defesa, como expressamente consigna o art. 265 do CTB.
Nessa linha de pensamento, unânime é a posição da Câmara, destacando-se os arestos assim ementados:
‘ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE SEGURANÇA. Não há que se falar em inconstitucionalidade na não concessão de defesa prévia no julgamento da consistência ou não do auto de infração, previsto no art. 281 da Lei 9.503/97, pela autoridade de trânsito, na esfera de sua competência. O art. 282 do mesmo diploma, de redação equivocada ou dúbia, dando margem à interposição de recursos com base na Resolução n.º 829, do CONTRAN, e nos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório, deve ser interpretado de forma sistemática e diversa, como expectativa de penalidade, com respeito às normas aludidas e a consectária concessão dos recursos pertinentes’ (ap. n.º 70000358077, 3ª CC, j. 23.3.2000, Rel. Des. Augusto Otávio Stern).
Mais.
‘Administrativo. Infração de trânsito. Direito de defesa. A apresentação da defesa, em face da notificação do auto de infração, suspende a exigibilidade da multa e de outras penalidades até que seja apreciada. Desta decisão que a apreciar cabe recurso administrativo. Não utilizado o direito de defesa, não se pode ter o procedimento da autoridade administrativa como irregular. Recurso desprovido ‘ (A. I. 70000523894, 3ª CC, j. 30.3.2000, Rel. Des. Perciano de Castilhos Bertoluci).
Ainda.
"Direito público não especificado – art. 273 do CPC – Ato administrativo – Presunção de legitimidade que não é afastada pela simples alegação de ilegalidade de multa de trânsito – Requisitos à antecipação da tutela não demonstrados nos autos – Alegados defeitos nos equipamentos eletrônicos de controle de velocidade e falta de sinalização adequada que não foram demonstrados ao ponto de permitir a aferição da verossimilhança preconizada no dispositivo antes citado – Argumentos relativos à falta de defesa e ausência do devido procedimento que não procedem – Negativa de licenciamento na pendência de multas devidamente comunicadas que não caracteriza abuso – Agravo improvido " (A. I. 70000751181, 3ª j. 30.3.2000, Rel. Des. Nelson Antonio Monteiro Pacheco).
De resto, não há como acolher a tese do autor quanto ao julgamento da consistência do auto de infração, porquanto tal julgamento está previsto no art. 281 do CBT, cujo enunciado prevê o julgamento da consistência do auto de infração e aplicará a penalidade, sendo que, será arquivado e seu registro julgado insubsistente somente quando for considerado irregular ou inconsistente ou, não havendo expedição da notificação da autuação no prazo de 60 dias (parágrafo único do mesmo dispositivo legal). Assim, autuada pelo agente de trânsito, aplicada a penalidade pela autoridade competente detentora de atribuição legal, a notificação da autuação se deu com a homologação do auto, julgado consistente, nos termos do art. 281, caput, do CTB.
Por outro lado, demonstrado que o autor cometeu infrações de trânsito, decorre de lei a exigência de quitação de multas como condição para o licenciamento, que constitui ato obrigatório para trafegar em via pública. A ilegalidade do condicionamento de renovação de licença ao pagamento de multa, no entendimento antes da edição do CTB, na inteligência da Súmula do Superior Tribunal de Justiça (verbete 127), ocorre quando o motorista infrator não foi notificado. In casu, evidencia-se a emissão de notificações, devidamente recebidas pelo autor, como informa a inicial à fl. 05. A presunção de cumprimento da lei, portanto, é indiscutível. Por isso, não há como descumprir-se o estabelecido na Lei 9.503/97, condicionando o licenciamento à quitação de todos os encargos relacionados ao veículo, inclusive procedentes de multa por infração de trânsito(art. 312, § 2º).
Ante o exposto, nego provimento à apelação"
Em outro julgado, vê-se a seguinte menta:
"ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. AÇÃO DESCONSTITUTIVA. APLICAÇÃO DE PENALIDADES PELA SISTEMÁTICA DO NOVEL CÓDIGO DE TRÂNSITO. Não há que se falar em ilegalidade ou inconstitucionalidade na não concessão de defesa prévia no julgamento da consistência ou não do auto de infração, previsto no art. 281, da Lei nº 9.503/97, pela autoridade de trânsito, na esfera de sua competência. O art. 282 do mesmo diploma, de redação equivocada ou dúbia, dando margem à interposição de recursos com base na resolução nº 829, do CONTRAN, e nos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório, deve ser interpretado de forma sistemática e diversa, como expectativa de penalidade, com respeito às normas aludidas e a consectária concessão dos recursos pertinentes. Precedentes jurisprudenciais desta Terceira Câmara Cível. Demais alegações quanto à validade das multas igualmente descabidas, diante do conjunto probatório. Sentença de improcedência. Apelo improvido. (Apelação cível n° 70003120946. Terceira Câmara Cível. Des. Augusto Otávio Stern)"
No voto do relator consta:
"Eminentes Colegas. Encaminho voto pelo improvimento do recurso de apelação interposto. A matéria é bastante conhecida desta Câmara, por força dos inúmeros processos que aqui têm chegado, e que versam sobre o tema.Possuo entendimento firmado, consubstanciado no seguinte raciocínio. Gravita a questão em torno da necessidade de oportunizar-se ao autuado prazo para oferecimento de defesa prévia em caso de eventual prática de infração de trânsito, após o julgamento da consistência ou não da infração (art. 281 do CTB).
Realmente, como bem salientado pelo eminente Dr. Eduardo Roth Dalcin, Procurador de Justiça que atua junto a esta Câmara, há omissões legislativas graves na disciplina e nas disposições de defesa no Código Brasileiro de Trânsito. Tais imperfeições surgiram de uma rapidez desnecessária, confundida com dinamismo, na edição de leis neste país.
O processo legislativo brasileiro, rende-se, em várias oportunidades, a fatos polêmicos ocorridos no seio da sociedade naquele momento, sob pressão intermitente e por vezes inoportuna da imprensa, conduzindo a uma sucessão, dia após dia, de leis mal redigidas, mal elaboradas e eivadas de inconstitucionalidades. O dever do legislador é elaborar leis que dêem segurança jurídica aos cidadãos em determinado momento histórico. As leis devem surgir em um plano abstrato para incidirem no caso concreto e não embasadas em fatos já ocorridos, isto com o intuito de irradiação de eficácia para casos similares aos que determinaram sua criação. As soluções para tais equívocos devem ser buscadas junto ao Poder Judiciário, seara última para que se corrija, ou se tente corrigir, as distorções e imperfeições decorrentes deste manancial legislativo.
Voltando-se à questão em análise, vê-se que as Seções I e II, do Capítulo XVIII, da Lei nº 9.503/97, disciplinam o processo administrativo. O art. 280 refere que sua deflagração ocorre com a lavratura do auto de infração, quando, se possível, deverá ser colhida a assinatura do infrator, valendo esta como notificação do cometimento da infração (art. 280, VI). O parágrafo 2º refere que a infração deverá ser comprovada, dentre outras hipóteses, por aparelho eletrônico ou por equipamento audiovisual.
A seguir a autoridade de trânsito, com fundamento no artigo 281, e seu parágrafo único, julgará a consistência do auto de infração e aplicará a penalidade cabível e o auto de infração será arquivado e seu registro julgado insubsistente. Dispõem, ainda, os incisos I e II do referido parágrafo único, que o arquivamento ocorrerá quando o auto de infração for considerado inconsistente ou irregular, bem assim se, no prazo máximo de trinta dias, não for expedida a notificação da autuação.
O art. 282 continua: "Aplicada a penalidade, será expedida notificação ao proprietário do veículo ou ao infrator, por remessa postal ou por qualquer meio tecnológico hábil, que assegure a ciência da imposição da penalidade".
Ao depois, no art. 285, o CTB prevê o recurso da aplicação da penalidade, que deverá ser julgado pela JARI (Junta Administrativa de Recursos de Infrações), no prazo de trinta dias.
Apesar das imperfeições já referidas e dos defeitos que a Lei 9.503/97 inegavelmente possui, a possibilidade de defesa existiu no caso concreto.
Data vênia do entendimento contrário, entendo que a cientificação da infração enviada pelo correio, com a concessão de prazo para recorrer – 30 dias –, obedece ao princípio constitucional da ampla defesa. Ao proceder o envio do auto de infração ao impetrante, a autoridade coatora não lhe cerceou a defesa, conforme referido na inicial, eis que a data de vencimento ali contida é apenas o prazo dado ao infrator para, caso seja de seu interesse, pague o documento com 20% de desconto, conforme preceitua o CTB, em seu art. 284. A data ali prevista não é a do efetivo vencimento da multa, somente exigível quando for licenciado o veículo, juntamente com os demais encargos – IPVA, seguro obrigatório e licenciamento.
Indubitavelmente o art. 281 do CTB foi mal redigido. Sob meu enfoque, entretanto, inexiste o alegado cerceamento de defesa quando refere caber à autoridade de trânsito, dentro de sua circunscrição, o julgamento da consistência do auto de infração. Tal consistência diz com aspectos formais da notificação. Percebe-se que deverão constar em tal auto, os requisitos contidos nos incisos I a V - se possível o VI -, e quando tratar-se de auto inconsistente ou irregular ou não restar expedida a notificação da autuação no prazo de trinta dias, restará arquivado.
O art. 281 não prevê seja oportunizada defesa prévia ao infrator da decisão que julgar consistente o auto de infração. Nem tal medida contraria, ao meu sentir, os princípios constitucionais da ampla defesa e contraditório. Presente, aqui, apenas a discricionariedade que deve reger todos os atos administrativos, descabendo o oferecimento de defesa prévia ao infrator para análise da consistência ou não do auto de infração – tarefa que cabe à autoridade de trânsito, segundo a regra do próprio CTB – possibilitadas ao infrator duas ocasiões para apresentação de recursos (artigos 285 e 288).
O CTB não exigiu e não exige a formalização de processo administrativo para confecção do auto de infração e exame de sua procedência, pois, em verdade, trata-se de mero procedimento.
A regra insculpida no artigo é mero instituto procedimental.
Tal entendimento de parte do infrator levaria ao cúmulo de exigir-se, no momento em que é autuado, o contraditório e a ampla defesa, isso porque está sofrendo uma imposição estatal que lhe é assinalada com todos os dados a infração cometida.
A autoridade administrativa age de ofício em casos tais e na exata observância das normas do CTB.
Ao ocaso, cumpre enfatizar que o art. 282 ao referir "Aplicada a penalidade...", está grafado de forma equivocada. Tal equívoco vem trazendo grandes transtornos, em cotejo, ainda, com que dispõe a Resolução nº 829, do CONTRAN, que reza em seu artigo 1º: "O ato administrativo punitivo relativo à prática infracional de trânsito, precedido de ações que tenham assegurado ao infrator o exercício da defesa prévia, se efetiva a partir do momento em que, comprovadamente, se deu ciência ao apenado".
Tal confusão é feita porque ao referir que,... aplicada a penalidade..., o CTB dá margem à discussão acerca da concessão ou não de defesa ao infrator, com base na Resolução suso referida e nos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório. Entretanto, a penalidade ainda não foi aplicada. Ela tão-somente tem expectativa de sê-lo, caso julgado improcedentes os recursos previstos no artigos 285 e 288 do CTB. O vencimento constante na guia, consoante já referido, diz apenas com o desconto facultativo oferecido ao infrator, caso deseje pagar até a data ali aposta.
Caso o infrator pague o valor com desconto, recorra e ao recurso seja dado provimento, lhe assiste o direito à devolução do valor pago (art. 286, § 2º, do CTB), atualizado em UFIR ou por índice legal de correção dos débitos fiscais.
À evidência, que uma leitura mais açodada das disposições do Código de Trânsito Brasileiro pode levar e conduzir a uma conclusão tal como posta na peça preambular da ação, visualizando-se efetivo descumprimento do postulado constitucional da ampla e prévia defesa. Todavia, repito por necessário, todas as normas encartadas na legislação de trânsito desafiam uma interpretação sistemática em razão da especificidade da matéria e da própria aplicação do aparato estatal regulador dessas relações. Não se olvide, à evidência, que o simples fato de recebimento de auto de infração, documento que identifica o infrator e a transgressão cometida, não afasta a possibilidade de defesa. A idéia de que está banida a discussão da imposição administrativa deve ser afastada por completo. A defesa a que refiro é aquela ampla e geral, inclusive com o pleno contraditório, que será exercida ou não pelo interessado.
Entendo que aquela primeira verificação do auto de infração, aludida no caput e no parágrafo único do artigo 281, nada mais é do que a manifestação administrativa da regularidade formal da autuação levada a efeito. Somente isso, porquanto, se não observados os requisitos de lei, o próprio agente administrativo poderá e deverá, independentemente de defesa, determinar o arquivamento do auto de infração e seu registro ser julgado insubsistente, consoante a exata dicção dos incisos I e II do referido Parágrafo único. Do exposto, a expressão julgará (grifei), contida no artigo 281, caput, nada mais é do que uma imprecisão terminológica que deve ser interpretada à luz das demais disposições do CTB, até porque toda e qualquer matéria de defesa, inclusive aquela dos incisos I e II do parágrafo único, poderá se objeto de manejo e sustentação no momento próprio, qual seja, aquele dos artigos 285 e 286.
Peço vênia para transcrever, nesta oportunidade, manifestação da ilustre Procuradora de Justiça, Dra. Ana Lartigau, neste fanal:
"O Código Brasileiro de Trânsito disciplinando o tráfego no País, estabeleceu um rito que lhe é próprio e que não fere as garantias constitucionais referidas, eis que possibilita ao condutor defender-se, previamente, no prazo da notificação e, também, possibilita, após a análise dessas razões, novo exame pelo órgão administrativo, por meio do recurso previsto no art. 288 do CTB, agora em segunda instância de julgamento.
"A denominação dada pelo CTB à primeira defesa do condutor – recurso – não retira sua natureza de defesa prévia, a qual, julgada, poderá ser revista por órgão superior, mediante, agora, sim, recurso do interessado.
"As alegações dos agravantes, na inicial e na peça de agravo, portanto, fundando-se única e exclusivamente na ausência de obediência ao contraditório e à ampla defesa, não configuram o primeiro requisito exigido para concessão da liminar – a verossimilhança da alegação – eis que não têm o condão de levar os agravantes ao sucesso na demanda principal."
Quanto a questão, levantada pelo recorrente, concernente à validade das multas, igualmente não procede. O autor sustenta a existência de imperfeições no preenchimento do auto de infração. Contudo, não comprova sua afirmação, limitando-se a informar que o veículo multado não estava estacionado em faixa de pedestre, pela inexistência da aludida sinalização na via determinada no auto. Sequer há prova documental (p. ex. fotografia) nos autos que demonstre a veracidade das alegações do autor. Ademais, instada a produzir provas (fl.92) a parte deixou transcorrer in albis o prazo para manifestação. Relativamente a infração prevista no art. 239, o documento de fl. 19 demonstra que o veículo foi devidamente apreendido pelo respectivo "Auto de Retirada de Veículo de Circulação".
Voto, destarte, pelo improvimento do recurso de apelação interposto."