CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após a exposição das mais variadas lições doutrinárias e jurisprudenciais, sem se desvencilhar dos respectivos embasamentos normativos, o correto entendimento da Teoria da Perda de uma Chance reside justamente em interpretar o dano decorrente da perda da chance como um dano autônomo em relação ao resultado final esperado.
Enquanto na perda da chance “clássica” ou “típica” a interrupção abrupta do processo aleatório ensejaria por si só um dano autônomo e sem vinculação ao dano final, na “atípica”, pautada na noção de causalidade parcial, a perda da chance é vinculada ao dano final e o processo aleatório não se vê interrompido antes do momento derradeiro.
O presente trabalho se ateve à concepção “clássica” da perda de uma chance e se preocupou, tão somente, em abordar as situações em que o processo aleatório pela qual a vítima fazia parte foi interrompido de plano e, por conseguinte tendo fulminada qualquer chance de a mesma obter a vantagem esperada ou evitar um determinado prejuízo. É essa “chance ou oportunidade perdida” que deve residir o prejuízo. Sob esta ótica, não se tem mais o problema da certeza do dano, uma vez que a perda da chance, por si só, já tem valor patrimonial e/ou extrapatrimonial. Por consequência lógica desta escolha metodológica, o presente trabalho não se preocupou em aprofundar a perda da chance na seara médica, vez que na imensa maioria dos casos, serão observados os preceitos da visão “atípica” da perda de uma chance, pautadas na causalidade parcial.
Quanto à natureza jurídica, nota-se que a proposta mais interessante é a de Sérgio Savi que acredita que a perda da chance é suscetível de causar tanto danos extrapatrimoniais quanto danos patrimoniais a depender do caso concreto e, quando se tratar de danos materiais, deverá ser classificada como danos emergentes e por esta razão, não mais haveria qualquer dúvida quanto à certeza do dano, ensejando indenização da chance perdida por si só.
Os requisitos e limites da aplicação da perda de uma chance são verdadeiros filtros que evitam a “banalização” das demandas indenizatórias. Não são quaisquer “meras expectativas” ou “sonhos distantes” que darão ensejo à tutela reparatória. As chances perdidas devem ser sérias e reais, dentro de um juízo de probabilidades realizado com muita cautela pelo magistrado.
O quantum indenizatório, também como limite de aplicação, deve-se ser mensurado através de um coeficiente de redução aplicado ao proveito econômico final esperado, assim a indenização nunca poderá ser fixada em patamar igual ou superior ao referido proveito.
Apesar da pouca experiência jurisprudencial no Brasil, bem como uma constante oscilação entre os Tribunais, não há como negar que a Teoria da Perda de uma Chance já é uma realidade no direito pátrio e a tendência é que cada vez mais os magistrados sejam provocados a decidir sobre suas questões.
Seja na seara cível, seja na seara trabalhista, a concepção contemporânea de responsabilidade civil pautada no novo paradigma constitucional solidarista, acaba por consagrar a plena aceitação da perda de uma chance como um dano certo e indenizável, merecedor da mais ampla tutela reparatória.
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Notas
[1] STF, Recurso Extraordinário n. 201819-RJ, Segunda Turma, Rel. Min. Ellen Gracie, Rel. p/Acórdão Min. Gilmar Mendes, julgado em 11/10/2005, DJe em 27/10/2006.
[2] STJ, Recurso Especial n. 335.392-RJ, Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, Rel. p/Acórdão Min. Castro Filho, julgado em 26/03/2002, DJe em 17/06/2002.
[3] TJRS, Apelação Cível n. 591064837, Quinta Câmara Cível, Rel. Ruy Rosado de Aguiar Júnior, julgado e publicado em 29/08/1991.
[4] TJRJ, Apelação Cível n. 2003.001.19138, Décima Quarta Câmara Cível, Rel. Des. Ferdinaldo do Nascimento, julgado em 7/10/2003.
[5] TJRS, Apelação Cível n. 70.003.003.845, Sexta Câmara Cível, Rel. Des. Antônio Corrêa Palmeiro da Fontoura, julgado em 29/5/2002.
[6] TJRS, Embargos Infringentes n. 598.164.077, 1º Grupo de Câmaras Cíveis, Rel. Des. Maria Isabel de Azevedo Souza, julgado em 6/11/1998.
[7] STJ, Recurso Especial n. 1079185-MG, Terceira Turma, Rel. Ministra Nancy Andrighi, julgado em 11/11/2008, DJe em 04/08/2009.
[8] STJ, Recurso Especial n. 965.758-RS, Terceira Turma, Rel. Ministra Nancy Andrighi, julgado em 19/8/2008, DJe em 3/9/2008.
[9] TJRS, Apelação Cível n. 598.460.244, Nona Câmara Cível, Rel. Des. Mara Larsen Chechi, julgado em 28/4/1999.
[10] TJRS, Apelação Cível n. 70.005.473.061, Nona Câmara Cível, Rel. Adão Sérgio do Nascimento Cassiano, julgado em 10/12/2003.
[11] STJ, Recurso Especial n. 788.459-BA, Quarta Turma, Rel. Min. Fernando Gonçalves, julgado em 8/11/2005, DJ em 13/03/2006.
[12] STJ, Recurso Especial n. 1.190.180-RS, Quarta Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 16/11/2010, DJe em 22/11/2010.
[13] STJ, Recurso Especial n. 821004-MG, Terceira Turma, Rel. Ministro Sidnei Beneti, julgado em 19/08/2010, DJe em 24/09/2010.
[14] TRT 3ª Região, Recurso Ordinário n. 1533-2007-112-03-00-5, Rel. Des. Emerson José Alves Lage, julgado em 25/09/2008, publicado em 2/10/2008.
[15] TST, Recurso de Revista n. 144540-94.2006.5.02.0085, Segunda Turma, Rel. Min. Renato de Lacerda Paiva. DEJT em 9/4/2010.
[16] TST, Agravo de Instrumento em Recurso de Revista n. 860-16.2011.5.15.0117, Quarta Turma, Rel. Min. Maria de Assis Calsing, DEJT em 26/4/2013.
[17] TST, Recurso de Revista n. 1233-28.2011.5.14.0003, Terceira Turma, Rel. Min. Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, DEJT em 3/5/2013.