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A perda de uma chance no direito brasileiro:

um dano autônomo ao resultado final esperado

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05/08/2015 às 15:40
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Investiga-se a teoria da perda de uma chance, abordando sua origem, definição, natureza jurídica, requisitos e limites para sua aplicação, bem como a compatibilidade do instituto de origem francesa no sistema jurídico brasileiro.

INTRODUÇÃO

Talvez mais do que em qualquer outra seara do direito privado, a responsabilidade civil permite trabalhar com o direito construído no cotidiano das pessoas, sendo, sem dúvida, um privilegiado campo para a disseminação doutrinária e jurisprudencial.

 Desde seus primórdios e no decorrer da história, buscou-se saber como e a quem deveriam ser imputados os danos injustamente causados a outrem. Retornar a vítima ao status quo ante é o mínimo que se espera do Estado quando provocado para dirimir os conflitos que lhe são submetidos. Conceitos como culpa, dolo, ilicitude, dano, responsabilidade objetiva e subjetiva tornaram-se de conhecimento do “senso comum”, uma vez que vivemos em um momento de crescente afã pelas demandas indenizatórias.

A constante evolução da sociedade e sua dinamicidade ensejaram a modificação no paradigma da reponsabilidade civil, o que acabou por ampliar, de forma significativa, a noção de dano indenizável.

Em meio a este novo cenário, destaca-se uma nova modalidade de demanda que passou a ser difundida nos meios forenses: a responsabilidade civil pela perda de uma chance, cujo embasamento doutrinário e teórico ganhou seus primeiros contornos no século XIX, na França, e seus estudos se espalharam por grande parte da Europa, vindo mais tarde a se tornar uma realidade no direito brasileiro.

Incontáveis são as situações cotidianas em que alguém se vê privado da chance de conquistar uma determinada vantagem ou evitar um determinado prejuízo, em virtude de um ato ilícito de outrem.

Um advogado que, por negligência, perde o prazo de interposição de recurso judicial em favor de seu cliente e por isso fulmina a oportunidade de a referida causa ser apreciada em segunda instância, ou até mesmo de reverter a sentença e ganhar a demanda. Um jovem que, por conta do mau funcionamento do transporte público coletivo, chega atrasado e perde a oportunidade de realizar uma prova de concurso e, por conseguinte, se tornar servidor público. Uma pessoa, que por ter sido incluída indevidamente no cadastro de maus pagadores, perde a chance de obter um financiamento junto a instituição financeira. Um candidato a um emprego que, após passar por todo o processo seletivo, se vê aprovado, abandona o emprego anterior e, quando da formalização do novo contrato, é surpreendido pelo arrependimento de seu empregador.

A lista de possibilidades parece infinita, mas veremos ao longo do trabalho que, para a configuração da perda da chance como obrigação de reparar, deve-se atentar para critérios rígidos como a realidade e a seriedade das chances, além de nexo causal claro e a busca pela certeza do dano.

No primeiro capítulo, serão abordadas, de forma concisa e mais didática possível, as noções gerais sobre responsabilidade civil, verificando sua evolução histórica, as suas espécies e seus elementos.

No segundo capítulo, começaremos a análise propriamente dita da responsabilidade civil pela perda de uma chance, na qual será observada a origem do instituto, suas definições, as divergências quanto à natureza jurídica, buscando demonstrar as razões pela qual a perda da chance “clássica” ou “típica” deve ser considerada um dano autônomo ao resultado final esperado.

Após realizadas as considerações basilares sobre o tema, o terceiro e último capítulo investigará os requisitos e limites para a aplicação da Teoria da Perda de uma Chance, bem como sua compatibilidade com o ordenamento jurídico brasileiro e o atual entendimento dos Tribunais.

O estudo se justifica, uma vez que a Teoria da Perda de uma Chance vem sendo amplamente difundida no âmbito das relações privadas, bem como instigando intensos debates doutrinários e decisões absolutamente contraditórias no âmbito jurisprudencial.

Em síntese, a proposta do presente trabalho é levar à comunidade acadêmica, por meio de ampla pesquisa bibliográfica, as mais importantes e interessantes discussões sobre o tema, através dos ensinamentos dos mais renomados juristas que se preocuparam em aprofundar sobre a temática em questão.


1. NOÇÕES GERAIS SOBRE RESPONSABILIDADE CIVIL

1.1. Da vingança privada à reparação integral do dano

A civilização humana sempre conviveu com as mais variadas formas de se reparar ofensas, lesões, agressões e descumprimentos obrigacionais. Nos seus primórdios, a relação costumeira prevalecia e os homens reagiam a tais fatos de forma imediata e, não raramente, utilizando-se de violência. O método era primitivo e as retaliações significavam “fazer justiça com as próprias mãos”, o que se convencionou chamar também de “vingança privada”. Não havia qualquer regra jurídica positivada capaz de regular o “modus operandi” da reparação dos danos.

No entanto, com a evolução do Direito e, principalmente, com o surgimento dos revolucionários conceitos jurídicos inaugurados pelo Direito Romano, o instituto da Responsabilidade Civil surgiu como uma forma de regulamentar o “estado de barbárie”. Primeiramente, com o advento da Lei das XII Tábuas que continha a premissa de Talião “olho por olho, dente por dente” e, posteriormente, com a Lex Aquilia de Damno, na qual foram fixados os parâmetros da responsabilidade civil extracontratual. Esta última possibilitou atribuir à vítima (titular de bens) o direito de obter o pagamento em dinheiro de quem tivesse injustamente destruído ou deteriorado seus bens, afastando a ideia de retribuição do mesmo mal causado (VENOSA, 2013).

Inevitavelmente, a questão da culpa passou a ser vastamente discutida com o intuito de reduzir as injustiças. A esse propósito, valendo-se das lições de Álvaro Villaça Azevedo, o respeitado civilista Flávio Tartuce (AZEVEDO, 2008 apud TARTUCE, 2013, p. 294) leciona:

A experiência romana demonstrou que a responsabilidade sem culpa poderia trazer situações injustas, surgindo a necessidade de comprovação desta como uma questão social evolutiva. De toda sorte, deve ficar claro que o elemento culpa somente foi introduzido na interpretação da Lex Aquilia muito tempo depois, diante da máxima de Ulpiano segundo a qual in lege Aquilia et levíssima culpa venit, ou seja, haveria o dever de indenizar mesmo pela culpa mais leve.

Este marco jurídico consagrou, durante vários séculos, a aceitação da responsabilidade mediante culpa como a regra geral no Direito exercido na Europa. Ao realizar verdadeiro salto histórico, os renomados juristas Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2013) constaram que tal teoria clássica acabou por influenciar as mais diversas codificações modernas de direito privado, como o clássico Código Civil Napoleônico de 1804. Esta teoria clássica da culpa serviu como ponto de partida para a configuração do Código Civil Brasileiro de 1916. Afirmam, ainda, que a teoria clássica da culpa, por si só, não possuía mais o condão de satisfazer as mais variadas necessidades da vida em sociedade, já que, em meio à interminável gama de casos concretos, os danos se perpetuavam sem a reparação, uma vez que esbarravam na comprovação do elemento culpa.

Em complemento, Gagliano e Pamplona Filho (2013, p. 56) concluem suas ideias da seguinte forma:

Assim, num fenômeno dialético, praticamente autopoiético, dentro do próprio sistema se começou a vislumbrar na jurisprudência novas soluções, com a ampliação do conceito de culpa e mesmo o acolhimento excepcional de novas teorias dogmáticas, que propugnavam pela reparação do dano decorrente, exclusivamente, pelo fato ou em virtude do risco criado.

Sabe-se que a responsabilidade civil origina-se diante da desobediência de uma norma contratual pré-estabelecida, do descumprimento de uma obrigação, ou ainda, pela inobservância de um preceito que regula a vida (TARTUCE, 2013a). O pressuposto para a noção jurídica de responsabilidade é uma atividade danosa de alguém que, ao atuar ilicitamente, deve arcar com as consequências do ato. Desse modo, o infrator estará sujeito à obrigação de reparar o bem atingido ou ao pagamento de uma compensação pecuniária à vítima, em caso de insucesso na reposição ao status quo ante (GAGLIANO e PAMPLONA FILHO, 2013).

Essa obrigação de reparar assume várias funções tais como: compensar o dano causado à vítima, punir o ofensor e desmotivar os outros membros da sociedade a cometer tais ilegalidades (GAGLIANO e PAMPLONA FILHO, 2013).

No atual cenário jurídico pátrio, o instituto da Responsabilidade Civil encontra respaldo constitucional mais precisamente no art. 5º da Carta Magna. Vejamos:

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização (grifo nosso).

No que tange ao direito infraconstitucional, o Código Civil de 2002, regulador do direito privado por excelência, tratou de conceituar a matéria em inúmeros dispositivos de seu texto, abordando tanto a responsabilidade civil tida como contratual ou negocial quanto a extracontratual ou aquiliana. Tais preceitos podem ser encontrados de forma dispersa no bojo do referido diploma.

Importante salientar que não é possível mais tratar o Direito Civil distante da ótica constitucional. A Constituição Federal num primeiro momento destinou a aplicação dos direitos fundamentais apenas nas relações entre o Estado e o particular. No entanto, a doutrina e a jurisprudência já entendem pela aplicação dos direitos fundamentais na relação entre particulares, estando diante daquilo que se convencionou chamar de “eficácia horizontal dos direitos fundamentais”. Pilar de um novo Direito Civil Constitucional despatrimonializado, a também chamada horizontalização dos direitos fundamentais, impõe a utilização dos princípios e valores axiológicos norteadores da Constituição Federal às relações estritamente privadas.

Com a ascensão da pessoa humana como fonte de todos os demais valores, por meio da busca pela dignidade (art. 1º, III, CF/88), liberdade, justiça e solidariedade (art. 3º, I, CF/88) e igualdade em sentido amplo (art. 5º, caput, CF/88) tem-se o reconhecimento dos direitos fundamentais e princípios constitucionais nas relações entre particulares, inclusive com aplicabilidade imediata, consoante o disposto no art. 5º, §1º da Lei Maior.

Nesse cenário, a técnica legislativa das cláusulas gerais, adotada tanto no texto constitucional quanto no Código Civil de 2002 permite a inserção dos direitos fundamentais no âmbito do Direito Privado, possibilitando a evolução do pensamento e do comportamento social, sem, contudo, ofender a segurança jurídica. Este entendimento pode ser verificado no teor do voto proferido pelo Ministro Gilmar Mendes em sede do Recurso Extraordinário n. 201819-RJ[1], que sedimentou o entendimento do Supremo Tribunal Federal ao dizer que as cláusulas gerais serviriam como uma “porta de entrada” dos direitos fundamentais no âmbito do Direito Privado.

No que tange à relação constitucional com o instituto da Responsabilidade Civil, o Doutor e Mestre em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Sérgio Savi (2012), em obra destinada a investigar a responsabilidade civil pela perda de uma chance,  entende que o Código Civil de 2002, ao regular que o credor terá direito a obter o que efetivamente perdeu e o que razoavelmente deixou de lucrar, consagrou o princípio da reparação integral dos danos, que nada mais é do que assegurar à vítima o retorno ao “status quo ante”, ressarcindo-a de todos os danos sofridos.

Nesse sentido, complementa dizendo que a Constituição Federal ao estabelecer a dignidade da pessoa humana como princípio fundamental e a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, inseriu o princípio da reparação integral dos danos no contexto constitucional. Nesta toada, a brilhante jurista Maria Celina Bodin (2003, p. 286 apud SAVI, 2012, p. 108) asseverou que:

A Constituição Federal de 1988 fortaleceu, de maneira decisiva, a posição da pessoa humana, e de sua dignidade, no ordenamento jurídico. Colocou-a no ápice da pirâmide que, plasticamente, dá forma ao sistema normativo. Em consequência – este é apenas o reverso da medalha -, logrou implicitamente determinar a cabal reparação de todos os prejuízos causados injustamente à pessoa humana. A base legal encontra-se na cláusula geral de tutela da pessoa, que contém, nela implícito, o milenar preceito neminem laedere. Apesar desta garantia constitucional, as leis continuam a se apresentar vagas, indefinidas, fluidas, de um lado, aumentando a responsabilidade do magistrado, mas, de outro, ampliando grandemente o seu arbítrio.

Portanto, as relações de âmbito privado não estão mais autorizadas a manter distância da força normativa e da hermenêutica constitucional, impondo a intepretação dos tradicionais institutos do Direito Civil à luz dos valores constitucionais.

1.2. Espécies de Responsabilidade Civil

Classificar o instituto da Responsabilidade Civil em espécies nos parece inevitável, tendo em vista o caráter didático que o estudo das naturezas jurídicas é capaz de propor ao operador do direito. Quanto à origem, o instituto é subdivido em responsabilidade civil contratual ou negocial e responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana. Trata-se aqui de distinção relacionada à natureza do dever jurídico violado.

Tartuce (TARTUCE, 2013b) tratou de conceituar as duas espécies. Em seu entendimento, a responsabilidade civil contratual advém do inadimplemento de uma obrigação e encontra respaldo legal nos dispositivos 389, 390 e 391 do Código Civil de 2002. Complementa seu conceito esmiuçando os artigos de forma individualizada: o primeiro trata do descumprimento da obrigação de dar e fazer; o segundo do descumprimento da obrigação de não fazer e o terceiro prevê o princípio da responsabilidade patrimonial do devedor inadimplente, que deve responder com todos os seus bens. In verbis:

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Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.

Art. 390. Nas obrigações negativas o devedor é havido por inadimplente desde o dia em que executou o ato de que se devia abster.

Art. 391. Pelo inadimplemento das obrigações respondem todos os bens do devedor.

Já a responsabilidade civil extracontratual, advém da prática de um ato ilícito ou abuso de direito. Tal responsabilidade se encontra prevista nos arts. 186 e 187 do Diploma Civilista, vejamos:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

Gagliano e Pamplona Filho (2013, p. 60) também distinguem de maneira didática as diferenças entre as duas espécies:

se o prejuízo decorre diretamente da violação de um mandamento legal, por força da atuação ilícita do agente infrator (caso do sujeito que bate em um carro), estamos diante da responsabilidade extracontratual (...). Por outro lado, se entre as partes envolvidas, já existia norma jurídica contratual que as vinculava, e o dano decorre justamente do descumprimento de obrigação fixada neste contrato, estaremos diante de uma situação de responsabilidade contratual.

Outra distinção que deve ser observada nas duas espécies supracitadas de responsabilidade civil é a questão do ônus probandi quanto à culpa. Sérgio Cavalieri Filho (2014), em sua obra “Programa de Responsabilidade Civil” entende que na responsabilidade civil contratual cabe ao credor apenas demonstrar que a obrigação foi descumprida, restando ao devedor a comprovação de que não agiu com culpa ou que estava diante de uma excludente do nexo causal, enquanto na responsabilidade civil extracontratual o ônus da prova cabe à vítima, que deverá comprovar o nexo de causalidade entre a conduta e o dano.

Enquanto a subdivisão dogmática anterior trata da natureza do dever jurídico violado, ou seja, do fato gerador da responsabilidade civil, a próxima sistematização, ora debatida, se dá em razão do elemento culpa lato sensu, na qual será analisada a dependência ou não de sua comprovação para gerar responsabilidade civil. A doutrina tradicional trata aqui da responsabilidade civil subjetiva e responsabilidade civil objetiva.

A cláusula geral contida no art. 186 do Código Civil, qual seja, “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”, complementada pelo disposto no art. 927 do mesmo diploma “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”, transmite a essência do conceito de responsabilidade civil subjetiva, visto que é possível entender como consectário lógico que a prática do ato ilícito, com o dolo (ação ou omissão voluntária) ou culpa estrita (negligência ou imprudência), quando devidamente comprovados pela vítima, enseja a obrigação de reparar o dano causado.

Para Tartuce (2013b) a responsabilidade subjetiva é baseada na teoria da culpa e é entendida no ordenamento jurídico brasileiro como a regra geral. Complementa dizendo que para que haja direito à indenização deve haver a comprovação de uma culpa denominada genérica que pode ser verificada tanto pela intenção de prejudicar (dolo) quanto pela negligência, imprudência e imperícia (culpa em sentido estrito).

De forma a traçar um paralelo com o conceito acima exposto, conceitua a responsabilidade civil objetiva como sendo a responsabilidade que independe de culpa e pode ser originada tanto nos casos peculiares previstos em lei quanto nas hipóteses em que se verifica a teoria do risco, estando prevista na cláusula geral contida no parágrafo único do art. 927 do Código Civil, in verbis:

Art. 927, parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

O Código Civil consagra as principais regras específicas de aplicação da responsabilidade civil objetiva, são elas: atividade de risco (art. 927, parágrafo único, segunda parte); fato do produto em matéria não consumerista (art. 931); atos de terceiros (art. 932); danos causados por animal (art. 936); danos causados por prédio em ruína (art. 937); danos causados por objetos lançados de habitações (art. 938); contrato de transporte (art. 734).

Em suma, é possível verificar que atualmente vige o entendimento de que a responsabilidade subjetiva é inquestionavelmente a regra geral, mas que convive de forma harmoniosa com a responsabilidade objetiva.

1.3. Elementos essenciais da responsabilidade civil: a conduta humana; a culpa lato sensu ou genérica; o dano e o nexo causal

Não é unânime na doutrina pátria quais seriam os elementos essenciais ou estruturais da responsabilidade civil. Tradicionalmente, em regra (ressalva à responsabilidade objetiva), a doutrina entende que os elementos estruturais da responsabilidade civil são a conduta humana; a culpa genérica ou lato sensu; o nexo causal e o dano. Entretanto, alguns doutrinadores divergem quanto à inclusão da culpa genérica como elemento. Vejamos os mais variados entendimentos.

Sílvio de Salvo Venosa (2010 apud TARTUCE, 2013) acredita serem quatro os elementos: ação ou omissão voluntária; relação de causalidade; dano e culpa. No mesmo sentido, Carlos Roberto Gonçalves (2005 apud TARTUCE, 2013).

Para Sérgio Cavalieri Filho (2005 apud TARTUCE, 2013), os elementos essenciais da responsabilidade civil são a conduta culposa do agente; o nexo causal e o dano.

Gagliano e Pamplona Filho (2013) se distanciam da doutrina tradicionalista e não enquadram a culpa genérica como elemento essencial ou estrutural da responsabilidade civil, a realocando como elemento acidental. Portanto, entendem como pressupostos: conduta humana; dano ou prejuizo e nexo de causalidade.

Diante desta insegurança doutrinária, Tartuce (2013b, p. 442) se preocupou em organizar os entendimentos dos mais conceituados autores, inclusive os supramencionados, e concluiu que “prevalece o entendimento de que a culpa em sentido amplo ou genérico é sim elemento essencial da responsabilidade civil, tese à qual este autor se filia”. Diante de tal premissa, conclui-se que os elementos ou pressupostos estruturais da responsabilidade civil são a conduta humana; a culpa genérica; o nexo de causalidade e o dano ou prejuizo.

Os parágrafos subsequentes do presente trabalho serão pautados em consonância com o referido entendimento majoritário, uma vez que almeja-se dar à dissertação a didática necessária para o perfeito esclarecimento sobre a questão que se quer atingir, qual seja, a responsabilidade civil pela perda de uma chance. Em seguida veremos de forma breve e objetiva cada elemento essencial da responsabilidade civil.

A conduta humana, a depender da maneira pela qual a ação se manifesta, pode ser dividida em positiva ou negativa.  De acordo com Gagliano e Pamplona Filho (2013, p. 75) a primeira é entendida como a “prática de um comportamento ativo, positivo, a exemplo do dano causado pelo sujeito que, embriagado, arremessa o seu veículo contra o muro do vizinho” e a segunda trata-se de conduta omissiva que gera dano, ou seja, “se, no plano físico, a omissão pode ser interpretada como um ‘nada’, um ‘não fazer’, uma ‘simples abstenção’, no plano jurídico, este tipo de comportamento pode gerar dano (...)”. Como exemplo de omissão, observa-se o médico que, culposamente ou dolosamente, deixa de ministrar os medicamentos necessários à sobrevivência de seu paciente.

Tartuce (2013b, p. 345), de forma sintética, aborda o referido pressuposto essencial:

Assim sendo, a conduta humana pode ser causada por uma ação (conduta positiva) ou omissão (conduta negativa) voluntária ou por negligência, imprudência ou imperícia, modelos jurídicos que caracterizam o dolo e a culpa, respectivamente. Pela presença do elemento volitivo, trata-se de um fato jurígeno.

Importante salientar que, para a devida configuração da omissão (conduta negativa) deve haver um dever jurídico preexistente que imponha a prática de determinada ação, bem como a comprovação de que a conduta esperada não foi praticada. Deve-se demonstrar que a inércia do agente foi crucial ao resultado danoso.

Em regra, o dever de indenizar não existe apenas porque o sujeito causador do dano procedeu objetivamente mal. É fundamental que tenha havido culpa (lato sensu), ou seja, a ação ou omissão deve ser voluntária ou caracterizada pela negligência ou imprudência, como expressamente previsto no art. 186 do Diploma Civilista (GONÇALVES, 2014).

A nomenclatura “culpa genérica” ou “culpa lato sensu” engloba tanto o dolo (intenção de prejudicar) quanto a culpa estrita ou strictu sensu (negligência, imprudência ou imperícia).

Sérgio Cavalieri Filho (2014, p. 51) brilhantemente aborda a diferença entre dolo e culpa:

Em suma, enquanto no dolo o agente quer a conduta e o resultado, a causa e a consequência, na culpa a vontade não vai além da ação ou omissão. O agente quer a conduta, não, porém, o resultado; quer a causa, mas não quer o efeito.

A ideia de dolo no Direito Civil não correponde à ideia defendida na seara Penal. No âmbito civil não importa a classificação proposta no Direito Penal quanto ao dolo (conceitos relativos a dolo eventual e preterdolo, por exemplo). Também não se faz distinção entre dolo e culpa grave ou gravíssima. Presente o dolo, o agente causador do dano deve indenizar a vítima de forma integral e plena (TARTUCE, 2013).

Na culpa estrita, os “graus de culpa” serviriam apenas para reduzir equitativamente a fixação do quantum indenizatório e não para determinar a imputação do dever de reparar o dano. Os dispostivos 944 e 945 do Código Civil de 2002 regulam tal situação. Vejamos o que dispõe o art. 944: “A indenização mede-se pela extensão do dano. Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, eqüitativamente, a indenização”. O dispositivo 945 também aborda a referida temática: “Se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano”.

O dano, como elemento essencial é indispensável para a configuração da responsabilidade civil, pois é a “razão de ser” da obrigação de indenizar. Sérgio Cavalieri Filho (2014, p. 92) brilhantemente sintetiza o pensamento da seguinte forma:

Não haveria que se falar em indenização, nem em ressarcimento, se não fosse o dano. Pode haver responsabilidade sem culpa, mas não pode haver responsabilidade sem dano. O dever de reparar só ocorre quando alguém pratica ato ilícito e causa dano a outrem. Em outras palavras, a obrigação de indenizar pressupõe o dano e sem ele não há indenização devida. Não basta o risco de dano, não basta a conduta ilícita. Sem uma consequência concreta lesiva ao patrimônio econômico ou moral, não se impõe o dever de reparar.

O dano está presente em todas as espécies de responsabilidade civil, quais sejam, contratual, extracontratual, subjetiva e objetiva. Sua demonstração deve ser feita com a comprovação de prejuízo de natureza patrimonial ou extrapatrimonial. Portanto, o direito indenitário protege não só o patrimônio material da vítima como também o seu estado moral, que se evidencia na obrigação de reparar oriunda de agressões a direitos da personalidade, por exemplo.

Todos os danos, via de regra, são passíveis de ressarcimento, ainda que impossibilitada a determinação de retorno ao estado anterior, podendo o juiz, sempre que entender cabível, fixar uma importância em dinheiro com o fim compensatório (GAGLIANO e PAMPLONA FILHO, 2013).

Ainda, no que tange à importância do dano na obrigação de indenizar, Gagliano e Pamplona Filho (2013) indicam alguns requisitos mínimos para que o dano seja efetivamente reparável, quais sejam: a violação de um interesse jurídico patrimonial ou extrapatrimonial de uma pessoa física ou jurídica; a certeza do dano e sua subsistência.

Apenas o dano certo e efetivo é indenizável, não se admitindo dano hipotético ou abstrato. Vale salientar que não se deve confundir a “incerteza do dano” com a “incerteza do quantum indenizatório”, pois neste último, o dano continua sendo certo, só não se sabe com absoluta certeza o valor a ser indenizado.

O requisito da certeza do dano é fundamental para o entendimento da responsabilidade civil pela perda de uma chance e, portanto, merece destaque especial. Uma grande discussão, se não a maior delas, é a questão da comprovação da certeza do dano pela perda da chance, que será, no momento adequado, abordada no presente trabalho. Sílvio de Salvo Venosa (VENOSA, 2013) entende que o maior obstáculo para a problemática da perda da chance repousa justamente na possibilidade de incerteza do dano.

O ínclito jurista, Caio Mário da Silva Pereira (1999, p. 45 apud VENOSA, 2013, p. 44), no que diz respeito à perda de uma chance e sua relação com a certeza do dano, assevera que “(...) se a ação se fundar em mero dano hipotético, não cabe reparação. Mas esta será devida se se considerar, dentro na ideia de perda de uma oportunidade (perte d’une chance) e puder situar-se na certeza do dano.

Ainda que o entendimento doutrinário seja controvertido e entenda o instituto por meio de vários pontos de vista, a reparabilidade do dano pela perda da chance é plenamente possível, entretanto vários serão os requisitos e limites impostos à sua correta aplicação, o que será visto minuciosamente no decorrer do trabalho.

A doutrina tradicional classifica os danos em duas grandes modalidades, quais sejam, os danos patrimoniais (danos materiais) e os danos extrapatrimoniais (danos morais). Tartuce (2013b, p. 459), no entanto, entende que tal classificação já merece ser observada com ressalvas, visto que insere essas duas modalidades como desdobramento do gênero “danos clássicos ou tradicionais”. Afirma ainda, que a tendência doutrinária e jurisprudencial é de se reconhcer os chamados “novos danos” ou “danos contemporâneos”, que ao seu modo de ver são os danos estéticos, danos morais coletivos, danos sociais e danos por perda de uma chance, que têm ganhado cada vez mais prestígio nas decisões proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça.

O entendimento acima exposto merece críticas, uma vez que o dano por perda de uma chance possui vasta divergência quanto à sua natureza jurídica, passando por autores que o consideram como um “novo dano”, um “agregador do dano moral”, “lucros cessantes” ou, de acordo com entendimento majoritário, uma “espécie de dano emergente” que convive harmoniosamente com o dano patrimonial e extrapatrimonial. Divergência essa que será analisada com profundidade nos capítulos subsequentes.

Traçaremos um breve paralelo entre os danos materiais e morais, sem maior preocupação com os “novos danos” acima exemplificados.

O dano material consiste na lesão sofrida pelo titular de bens e direitos que possam ser apreciados economicamente. Constitui o prejuízo que atinge o patrimônio corpóreo da vítima (GAGLIANO e PAMPLONA FILHO, 2013). O dispositivo 402 do Código Civil de 2002 trata dos danos patrimoniais. In verbis: “Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar”.

O supracitado artigo sugere no ordenamento jurídico uma subclassificação, dividindo o gênero “danos materiais” nas espécies “danos emergentes” e “lucros cessantes”. Os danos emergentes correspondem ao que se efetivamente perdeu, ou seja, o prejuízo economicamente apreciável de bem ou direito da vítima. Já os lucros cessantes correspondem ao que se razoavelmente deixou de lucrar, entendido como o que a pessoa não ganhou em virtude do dano.

A fim de esclarecer o assunto, Agostinho Alvim (1955, p. 206 apud GAGLIANO e PAMPLONA FILHO, 2013, p. 91) afirma que no dano emergente é “possível estabelecer, com precisão, o desfalque do nosso patrimônio, sem que as indagações se pertubem por penetrar no terreno hipotérico. Mas, com relação ao lucro cessante, o mesmo já não se dá”.

Vale ressaltar que, consoante o art. 403 do Diploma Civilista, apenas os danos emergentes e lucros cessantes diretos e imediatos, ou seja, aqueles que decorram diretamente da conduta ilícita serão considerados para efeito de indenização. In verbis: “Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual”.

Os danos morais ou extrapatrimoniais foram consolidados no Direito Brasileiro com o advento da Constituição Federal de 1988, consequência lógica do prestígio constitucional à pessoa humana.

A doutrina majoritária entende o dano moral como a lesão aos direitos da personalidade e Cavalieri Filho (2014, p. 106) elucida o que vem a ser os direitos personalíssimos:

Existe amplo consenso no sentido de serem classificados os direitos da personalidade em dois grupos: (i) direitos à integridade física, englobando o direito à vida, o direito ao próprio corpo; e (ii) direitos à integridade moral, rubrica na qual se inserem os direitos à vida privada, à intimidade, à honra, à imagem, dentre outros.

Pamplona Filho (2002, p. 40 apud GAGLIANO e PAMPLONA FILHO, 2013. p. 94) considera os direitos da personalidade como um dos exemplos possíveis de configuração do dano moral e o conceitua da seguinte maneira:

Trata-se, em outras palavras, do prejuízo ou lesão de direitos, cujo conteúdo não é pecuniário, nem comercialmente redutível a dinheiro, como é o caso dos direitos da personalidade, a saber, o direito à vida, à integridade física (direito ao corpo, vivo ou morto, e à voz), à integridade psíquica (liberdade, pensamento, criações intelectuais, privacidade e segredo) e à integridade moral (honra, imagem e identidade).

Deve-se atentar para o verdadeiro sentido da função reparatória do dano moral, que em hipótese alguma, visa determinar um preço para a dor ou sofrimento, servindo apenas como um meio de amenizar a consequências do prejuízo imaterial, de forma a compensar os males suportados (TARTUCE, 2013b).

Atualmente, o dano moral evoluiu e em recente enunciado aprovado na V Jornada de Direito Civil organizada pelo Conselho da Justiça Federal, fica claro que não há obrigatoriedade de sentimentos negativos para sua configuração, vejamos: “Enunciado 445: O dano moral indenizável não pressupõe necessariamente a verificação de sentimentos humanos desagradáveis como dor ou sofrimento”. A título de exemplo, a súmula 227 do STJ considerou a pessoa jurídica como sujeito passivo do dano moral (TARTUCE, 2013b).

Quanto à natureza jurídica, a corrente majoritária entende que o dano moral tem um caráter principal reparatório e um caráter acessório pedagógico. Este último visa coibir novas condutas semelhantes na sociedade, no entanto, vale ressaltar que não deverá ser utilizado sem o caráter principal. Quanto à tarifação, o dano moral não permite tabelamento por ser manifestamente inconstitucional, uma vez que fere a isonomia (art. 5º, CF/88) e a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF/88) (TARTUCE, 2013b).

A fixação dos danos morais deve atender aos preceitos inseridos nos arts. 944 e 945 do Código Civil. Vejamos:

Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano. Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, eqüitativamente, a indenização.

Art. 945. Se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano.

A partir de tais preceitos, o Superior Tribunal de Justiça[2] firmou entendimento dominante ao fixar os critérios a serem observados pelos magistrados na mensuração do quantum indenizatório decorrente de dano moral. Deve-se observar o nível cultural do causador do dano; a condição socioeconômica do ofensor e do ofendido; a intensidade do dolo ou grau de culpa (se for o caso) do autor da ofensa; os efeitos do dano no psiquismo do ofendido; as repercussões do fato na comunidade em que vive a vítima e a função pedagógica da reparação moral, de forma a desestimular a prática de outros ilícitos similares.

Entretanto, entende-se que estes critérios não podem ser petrificados e devem ser analisados em cada caso concreto, devendo o juiz se pautar na proporcionalidade e razoabilidade para quantificar o valor do dano sofrido.

Após analisados os elementos, quais sejam, conduta humana, culpa lato sensu e dano, estamos aptos a entender o nexo causal. Gagliano e Pamplona Filho (2013, p. 137) afirmam ser “o liame que une a conduta do agente (positiva ou negativa) ao dano”.

Para Venosa (2013, p. 54):

É por meio do exame da relação causal que se conclui quem foi o causador do dano. Trata-se de elemento indispensável. A responsabilidade objetiva dispensa a culpa, mas nunca dispensará o nexo causal. Se a vítima, que experimentou um dano não identificar o nexo causal que leva ao ato danoso ao responsável, não há como ser ressarcida. Nem sempre é fácil, no caso concreto, estabelecer a relação de causa e efeito.

Cavalieri Filho (2014, p. 63) assevera que “o nexo causal é um elemento referencial entre a conduta e o resultado. É um conceito jurídico-normativo através do qual poderemos concluir quem foi o causador do dano”.

Por não ser puramente naturalístico e nem exclusivamente jurídico, o elemento estrutural em comento dá margem ao surgimento de várias teorias que o justificam. Entretanto, a doutrina majoritária entende que são três as principais teorias explicativas do nexo causal: a teoria da equivalência das condições; a teoria da causalidade adequada e a teoria da causalidade direta ou imediata (interrupção do nexo causal).

De acordo com o entusiasta do Direito Civil Constitucional, Gustavo Tepedino (2006, p. 67 apud TARTUCE, 2013, p. 454), a teoria da equivalência das condições engloba todos os fatos que, de alguma forma se relacionam com o evento danoso, ensejando responsabilidade civil, considerando que o dano não teria ocorrido se não houvesse “a presença de cada uma das condições que, na hipótese concreta, foram identificadas precedentemente ao resultado danoso”. Por ampliar de forma exagerada o nexo causal, essa teoria não se mostra conveniente, não sendo adotada no direito brasileiro.

Para a teoria da causalidade adequada, Cavalieri Filho (2014, p. 65) aponta que a causa “é o antecedente, não só necessário, mas, também adequado à produção do resultado. Logo, se várias condições concorreram para determinado resultado, nem todas serão causas, mas somente aquela que for mais adequada (...)”. Dessa forma, apenas o fato que tem relevância ao dano enseja reparação civil, devendo haver adequação no que tange à concorrência de causas (TARTUCE, 2013b). Esta teoria é adotada na legislação pátria, pois presente nos arts. 944 e 955 do Código Civil.

Gagliano e Pamplona Filho (2013, p. 142) brilhantemente traçam uma comparação entre a equivalência das condições e a causalidade adequada:

Se a teoria anterior peca por excesso, admitindo uma ilimitada investigação da cadeia causal, esta outra, a despeito de mais restrita, apresenta o inconveniente de admitir, um acentuado grau de discricionariedade do julgador, a quem incumbe avaliar, no plano abstrato, e segundo o curso normal das coisas, se o fato ocorrido no caso concreto pode ser considerado, realmente, causa do resultado danoso.

Os mesmos autores conceituam a terceira teoria, denominada teoria da causalidade direta ou imediata (interrupção do nexo causal), cuja causa “seria apenas o antecedente fático que, ligado por um vínculo de necessariedade ao resultado danoso, determinasse este último como uma consequência sua, direta e imediata”. Por esta teoria, tendo o credor ou o terceiro violado algum direito do devedor, será interrompido o nexo causal com a consequente desoneração do suposto agente causador do dano. Desta forma, somente os danos oriundos de efeitos comprovadamente necessários da conduta do agente devem ser dignos de reparação. O art. 403 do Código Civil adotou esta teoria (TARTUCE, 2013b).

Defensor desta última corrente teórica, Carlos Roberto Gonçalves (2014, p. 479) assevera:

A terceira teoria, a dos chamados danos diretos e imediatos, nada mais é do que um amálgma das anteriores, com certa amenização no que tange às extremas consequências a que se pudesse chegar na aplicação prática de tais teorias. Seria o desejável meio-termo, mais razoável.

Não obstante a doutrina e a jurisprudência se mostrarem hesitantes com relação à aplicação da segunda ou da terceira teoria, qualquer discussão nesse sentido se mostra estéril na prática jurídica, uma vez que o legislador optou por inserir as duas teorias no Código Civil e, portanto, sob a ótica legal, ambas teorias coexistem no ordenamento.

Gustavo Tepedino (2001, p. 6 apud PETEFFI DA SILVA, 2013, p. 43) afirma que “na prática as duas teorias chegam a resultados ‘substancialmente idênticos’, pois todos se empenham no mister de encontrar a ‘causalidade necessária’, entre a ação ou omissão do agente e o resultado danoso”.

Após a análise conceitual e suas implicações doutrinárias, deve-se, de forma objetiva, tratar das excludentes totais do nexo causal. A doutrina majoritária, ao acolher a teoria do dano direto e imediato, selecionou três excludentes, quais sejam: a culpa exclusiva da vítima, a culpa excluiva de terceiro e o caso fortuito e a força maior. Gagliano e Pamplona Filho (2013, p. 153) acreditam que as causas excludentes do nexo causal “devem ser entendidas todas as circunstâncias que, por atacar um dos elementos ou pressupostos gerais da responsabilidade civil, rompendo o nexo causal, terminam por fulminar qualquer pretensão indenizatória”.

Quando houver atuação culposa exclusiva da vítima, estaremos diante de uma excludente. Vejamos um exemplo. Imagine que um motorista, obedecendo fielmente às regras de trânsito, acaba atropelando uma pessoa que se atira à frente do carro com a intenção de cometer suicídio. Obviamente, neste caso, não há como configurar o nexo causal entre a conduta e o dano, devendo incidir a culpa exclusiva da vítima (GAGLIANO e PAMPLONA FILHO, 2013). Vale ressaltar que apenas a atuação exclusiva da vítima gera a exoneração do dever de indenizar, ou seja, quando houver causas concorrentes, a indenização deverá apenas ser minorada proporcionalmente às respectivas ações ou omissões (TARTUCE, 2013b).

No que tange à atuação exclusiva de terceiro, ilustra-se com o seguinte exemplo. Imagine novamente um motorista que, dirigindo seu veículo de médio porte conforme a lei de trânsito atropela um pedestre, em virtude de ter sido abalroado por um caminhão, cujo motorista agira com imprduência. É caso claro de culpa exclusiva de terceiro, pois não se pode atribuir nexo de causalidade entre o atropelamento efetuado pelo motorista do veículo médio (conduta) e o prejuizo ocasionado ao pedestre (dano) (GAGLIANO e PAMPLONA FILHO, 2013). A consequência é a mesma da culpa exclusiva da vítima, qual seja, a exoneração do dever de indenizar se não for o caso de culpa concorrente.

O caso fortuito e a força maior provocam intensa discussão doutrinária e jurisprudencial com relação às hipóteses geradoras. Utilizando-se das lições do renomado civilista Orlando Gomes, Tartuce (GOMES, 2003 apud TARTUCE, 2013, p. 456) define, com fins didáticos, “o caso fortuito como o evento totalmente imprevisível decorrente de ato humano ou de evento natural. Já a força maior constitui um evento previsível, mas inevitável ou irresistível, decorrente de uma ou outra causa”. Entretanto, tal posicionamento encontra críticas pelos adeptos da parcela da doutrina e jurisprudência que veem os institutos como sinônimos.

Diante deste tema, foi aprovado enunciado na V Jornada de Direito Civil esclarecendo as hipóteses em que é possível considerar o caso fortuito e a força maior como excludentes de nexo causal. Vejamos o teor do enunciado n. 443: “O caso fortuito e a força maior somente serão considerados como excludentes da responsabilidade civil quando o fato gerador do dano não for conexo à atividade desenvolvida” (TARTUCE, 2013b).

Vale salientar que, via de regra, as excludentes de nexo causal podem ser observadas tanto na responsabilidade civil subjetiva, quanto na objetiva, devendo-se atentar para as hipóteses previstas na legislação civilista que descartam a possibilidade de o réu alegar alguma excludente, como é o caso do transportador de pessoas perante o passageiro vitimado, situação na qual aquele não poderá alegar a seu favor a culpa exclusiva de terceiro (TARTUCE, 2013b).

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Sobre o autor
Gabriel Junqueira Campos

Advogado em Juiz de Fora - MG. Bacharel em Direito pelas Faculdades Integradas Vianna Júnior.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAMPOS, Gabriel Junqueira. A perda de uma chance no direito brasileiro:: um dano autônomo ao resultado final esperado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4417, 5 ago. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/40498. Acesso em: 23 abr. 2024.

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