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A autoridade da coisa julgada nas ações de investigação de paternidade

Agenda 01/05/2003 às 00:00

SUMÁRIO: I- Introdução. II- Considerações sobre a ação de investigação de paternidade. III- Os meios de prova da paternidade. IV- A coisa julgada nas ações de investigação de paternidade. V- A autoridade da coisa julgada nas ações de investigação de paternidade – posicionamentos jurisprudenciais acerca do tema. VI- Conclusão. VII- Bibliografia.


I- Introdução

O progresso científico trouxe grandes evoluções na prova da paternidade. Passou-se de sistemas de presunções e de mera exclusão da paternidade a sistemas, como o de Impressão Digital do DNA, com margem de certeza de até 99,9999% para exclusão ou conclusão da paternidade.

Diante desse contexto, faz-se interessante analisar a autoridade da coisa julgada das decisões que julgaram improcedente a ação de investigação de paternidade sob o fundamento de ausência de provas, quando à época da decisão inexistia possibilidade de realização do exame de DNA. E dessa forma analisar o comportamento do direito frente ao progresso da ciência, o conflito entre o positivismo e a prevalência da verdade real, do valor Justiça.

No presente trabalho serão abordadas algumas considerações sobre a ação de investigação de paternidade, a evolução dos meios de prova da paternidade, a autoridade da coisa julgada nas ações de investigação de paternidade e a posição dos tribunais a respeito desse tema.


II - Considerações sobre a ação de investigação de paternidade

O direito à filiação é um direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, sendo especialmente tutelado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 27). Está relacionado ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, pois está ligado às bases da espécie humana, configurando-se um direito fundamental.

A Constituição Federal de 1988 (art. 226) também se refere à paternidade responsável, compreendida não só como embasadora do planejamento familiar, mas também como empenho à satisfação dos direitos e interesses das crianças e do adolescente e o cumprimento dos deveres advindos do pátrio-poder.

Desse modo, ter reconhecida a filiação é direito fundamental da criança e do adolescente. O meio processual que garante a efetividade desse direito é a ação investigatória de paternidade, prevista em nosso ordenamento jurídico desde o Código Civil de 1916.

A ação de investigação de paternidade é uma ação de estado, personalíssima, indisponível e imprescritível, por isso pode ser proposta pelo filho em face do pai ou da mãe (artigo 1.606 do Novo Código Civil e artigo 350 do Código Civil de 1916). Segue a ação o rito comum ordinário, tendo natureza declaratória.

Tanto o filho, seu representante (se incapaz) ou seus herdeiros, desde que menor de idade ou incapaz [1], podem propô-la (art. 1.606 do Novo Código Civil). A legitimidade passiva é do pai ou da mãe (investigatória de maternidade), ou ainda de seus sucessores, se já houver falecido. O Ministério Público pode propô-la também, porque o interesse de estabelecer a paternidade é um interesse eminentemente público.

O doutrinador Whashington de Barros Monteiro [2] aduz que qualquer pessoa que tenha justo interesse, como o econômico e o moral, pode contestar a ação. Essa faculdade está prevista no art. 365 do Código Civil de 1916, mantido pelo art. 1.615 do Novo Código Civil.

A sentença que reconhecer a paternidade produz os mesmos efeitos do que o reconhecimento do filho (art. 366 do atual Código Civil e art. 1.616 do Novo Código Civil). Deve ser averbada no Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais, procedendo-se ao registro da paternidade na certidão de nascimento. A declaração do estado de filho vale contra todos, conferindo os direitos e deveres resultantes do pátrio poder ao investigante e ao investigado, se procedente.

Admite-se a cumulação da ação de investigação de paternidade com a ação de petição de herança, com a ação de alimentos e ainda com a ação de anulação de registro civil.

Ainda cabe ressaltar que o Código Civil de 1916 fazia restrições aos casos em que era possível a propositura de ação de investigação de paternidade. Em seu artigo 363, afirmava que somente o filho ilegítimo teria direito a ação, nos casos de concubinato, rapto e quando houvesse escrito daquele a quem se atribuía a paternidade, reconhecendo-a.

Tais restrições não foram recepcionadas pela Constituição Federal de 1988, uma vez que ela prevê a igualdade entre os filhos, pondo fim à filiação ilegítima e, portanto, alargando a legitimação para a propositura da ação, abrangendo todo o filho que tiver dúvida quanto à paternidade. Em mesmo sentido é a Lei nº 10.406/02 que confere legitimidade ao filho, não fazendo restrição quanto à origem da filiação.

É necessário distinguir a ação de investigação de paternidade da ação negatória de paternidade. Nessa o suposto pai é que o legitimado ativo, propondo a ação para dirimir dúvida existente quanto à paternidade do filho. Também, cabe referir que é possível a propositura de ação de investigação de maternidade.


III - Os meios de prova da paternidade

Na ação de investigação de paternidade, a causa petendi é as relações sexuais mantidas entre o investigado e a mãe do investigante à época da concepção. Este é o fato e é ele que deve ser provado pelo investigante.

Os meios de prova da paternidade, como vínculo biológico, foram evoluindo ao longo dos tempos, acompanhando o progresso científico. Assim, na prova da investigação da paternidade tem-se como os principais meios de prova:

1. Meios não científicos:

a) Posse do estado de filho – é uma presunção, manifesta-se pela aparência de filho sustentada pelo investigante perante a sociedade. Quando o filho usa o nome do pai, recebe o tratamento de filho e tem a "fama" de filho em seu meio social, tem a posse do estado de filho do investigado. Tal presunção tem fraca força probante da paternidade biológica.

b) Prova testemunhal – como qualquer situação fática, a paternidade pode ser provada por testemunhas. O valor da prova testemunhal também é relativo. As testemunhas, nesse caso, pela natureza do fato a ser provado, fazem parte do círculo de convivência e amizade das partes, podendo ter suas declarações influenciadas por essas relações. Além disso, a paternidade é fato biológico, devendo ser comprovada por meios capazes de verificar essa vinculação.

c) Exame prosopográfico – verificação da semelhança física entre investigante e investigado, realizada pela justaposição de fotografias por cortes longitudinais e transversais. Esse meio de prova também é fraco, não autorizando à certeza quanto à paternidade, pois pessoas que não possuem relação de parentesco alguma podem ser fisicamente semelhantes.

2. Meios científicos:

Sendo o objeto de prova na ação de investigação a paternidade como vínculo biológico, genético, a ciência é o único meio de conferir certeza à filiação. São espécies desses meios:

a) Sistema ABO – tipagem sangüínea – não comprova positivamente a paternidade, apenas tem força para excluir a paternidade. É realizado pela verificação da tipagem sangüínea do investigado, do investigante e da mãe, realizando-se o cruzamento entre a do investigado e da mãe e verificando a possibilidade ou não de filiação. Somente exclui a paternidade, devido ao grande número de indivíduos com o mesmo tipo sangüíneo.

b) Sistema M e N – buscou aprimorar o sistema ABO, realizando-se a verificação não só dos grupos sangüíneos, mas também dos antígenos M e N, que formam os tipos sangüíneos M, MN e N. Também é meramente exclusivo da paternidade.

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c) Sistema Rh – da mesma forma do que os dois anteriores, só tem força para excluir a paternidade, porque o fator Rh é idêntico em grande número de pessoas.

d) Sistema de histocompatibilidade – antígeno leucocitário humano (HLA) – representou um grande avanço nos meios de investigação de paternidade, pois não tem caráter meramente exclusivo como os sistemas anteriores, conferindo certa certeza científica a respeito da paternidade. Foi aceito pela OMS em 1970 como meio de comprovação da paternidade. Para a análise colhia-se amostra de sangue do suposto pai, da mãe e do filho e fazia-se a separação dos leucócitos, a fim de verificar a incidência de antígenos capazes de excluir ou considerar viável a paternidade. Eram utilizados vários antígenos para reduzir a margem de erro, todavia não dava prova cabal da paternidade. A margem de acerto entre 86% e 99%.

d) Sistema da impressão digital do DNA – é conclusivo para o estabelecimento da paternidade, dando a certeza de 99,99% a 99,9999% da paternidade. O ácido desoxirribonucleico compõe os cromossomos do indivíduo, sendo sua bagagem genética, formando suas características e transmitindo-as a seus descendentes. Para a averiguação da paternidade são colhidas amostras do material genético da mãe, do suposto pai e do filho, extraído o DNA e comparado. Sendo iguais as bandas (fragmentos de DNA) do pai e do filho em relação à determinada característica, a paternidade será conclusiva. A possibilidade de dois indivíduos terem a mesma impressão digital do DNA é de 1 (uma) a cada 30 (trinta) bilhões, sendo virtualmente impossível que haja coincidência.

A verificação do DNA pode ser obtida até mesmo após a morte, mediante amostras de parentes próximos. A infalibilidade do exame não é absoluta, pois depende das condições e seriedade com que é realizado. Adotando-se a técnica correta, no entanto, apresenta certeza quase absoluta para a verificação da paternidade.

A importância do estudo dos meios de prova da paternidade é fundamental para a verificação da autoridade da sentença que a declara, pois da escolha do meio depende o grau de certeza da conclusão ou da exclusão da paternidade.

É necessário lembrar, no entanto, que embora os exames periciais tenham papel decisivo na comprovação da paternidade, o magistrado não está a eles adstrito. Pode o juiz ignorar o resultado do exame, mesmo que não seja essa a decisão recomendável, em decorrência do caráter fundamental do direito à filiação.


IV - A coisa julgada nas ações de investigação de paternidade

A coisa julgada é a qualidade da sentença trânsita em julgado que torna imutável – geralmente para as partes – dentro do processo e fora dele, o dispositivo da sentença ou do acórdão, isto é, no dizer de CINTRA [3]"a parte que contém a norma concreta, ou o preceito enunciado pelo juiz".

Somente as sentenças de mérito, proferidas em processo de jurisdição contenciosa fazem coisa julgada. A coisa julgada divide-se em coisa julgada formal e material, sendo que a primeira tem efeitos dentro do processo em que a sentença foi proferida, não sendo mais modificável. Já a coisa julgada material, como bem diz Ovídio Araújo Baptista da Silva [4], é a imutabilidade da sentença em processos futuros, o que MORAES [5] chama de eficácia "pan-processual".

A decisão da ação de investigação de paternidade, sendo de mérito, faz induvidosamente coisa julgada. Assim, a sentença que declara ou exclui a paternidade, faz, perante as mesmas partes, coisa julgada material. Note-se que, por força do art. 469 do Código de Processo Civil, somente o dispositivo, a declaração, seja positiva ou negativa, é que faz coisa julgada material.

O fundamento da coisa julgada tem origem na política processual. Existe para dar segurança, tranqüilidade e paz social aos jurisdicionados, evitando que conflitos venham ao Judiciário constantemente, sejam propostos e repropostos, estejam em permanente e infindável discussão. A força da coisa julgada é reconhecida constitucionalmente, pois o art. 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal garante que a lei nova não atingirá a coisa julgada.

A força da coisa julgada, todavia, em certas circunstâncias, vem sendo discutida e relativizada em relação à ação de investigação de paternidade, como se verá abaixo.


V – A autoridade da coisa julgada nas ações de investigação da paternidade - posicionamentos jurisprudenciais acerca do tema

Como acima mencionado, hoje tem-se discutido a relativização da autoridade da coisa julgada nas ações de investigação de paternidade. Naquelas ações em que a paternidade não foi declarada por ausência de provas, antes da possibilidade da realização de exames de Impressão Digital do DNA e que a ação rescisória já não possa mais ser proposta, a doutrina e a jurisprudência divergem sobre a possibilidade da propositura de nova ação para auferir a paternidade.

Há posições extremadas, tanto negando quanto admitindo a propositura de nova ação com fundamento na possibilidade de realizar prova utilizando o método do DNA. Assim:

a) Posição contrária: fundamenta-se na estabilidade jurídica trazida pela coisa julgada, fundamentando a impossibilidade de julgamento da nova ação pelo disposto no art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal e no art. 471 do Código de Processo Civil. Para essa corrente o valor preponderante é a segurança trazida pela coisa julgada, não interessando o surgimento de novo meio de prova.

Compartilha dessa posição a corrente majoritária da jurisprudência pátria, sendo conveniente citar algumas decisões:

"AÇÃO NEGATIVA DE PATERNIDADE. EXAME PELO DNA POSTERIOR AO PROCESSO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. COISA JULGADA.

1. SERIA TERRIFICANTE PARA O EXERCÍCIO DA JURISDIÇÃO QUE FOSSE ABANDONADA A REGRA ABSOLUTA DA COISA JULGADA QUE CONFERE AO PROCESSO JUDICIAL FORÇA PARA GARANTIR A CONVIVÊNCIA SOCIAL, DIRIMINDO OS CONFLITOS EXISTENTES. SE FORA DOS CASOS NOS QUAIS A PRÓPRIA LEI RETIRA A FORÇA DA COISA JULGADA, PUDESSE O MAGISTRADO ABRIR AS COMPORTAS DOS FEITOS JÁ JULGADOS PARA REVER AS DECISÕES NÃO HAVERIA COMO VENCER O CAOS SOCIAL QUE SE INSTALARIA. A REGRA DO ART. 468 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL É LIBERTADORA. ELA ASSEGURA QUE O EXERCÍCIO DA JURISDIÇÃO COMPLETA-SE COM O ÚLTIMO JULGADO, QUE SE TORNA INATINGÍVEL, INSUSCETÍVEL DE MODIFICAÇÃO. E A SABEDORIA DO CÓDIGO É REVELADA PELAS AMPLAS POSSIBILIDADES RECURSAIS, E ATÉ MESMO, PELA ABERTURA DA VIA RESCISÓRIA NAQUELES CASOS QUE ESTÃO ELENCADOS NO ART. 485.

2. ASSIM, A EXISTÊNCIA DE UM EXAME PELO DNA POSTERIOR AO FEITO JÁ JULGADO, COM DECISÃO TRANSITADA EM JULGADO, RECONHECENDO A PATERNIDADE, NÃO TEM O CONDÃO DE REABRIR A QUESTÃO COM UMA DECLARATÓRIA PARA NEGAR A PATERNIDADE, SENDO CERTO QUE O JULGADO ESTA COBERTO PELA CERTEZA JURÍDICA CONFERIDA PELA COISA JULGADA.

3. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO" (Recurso Especial nº 107248/GO, STJ, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJU 29.06.98, p. 160).

"INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. RENOVAÇÃO DA AÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. COISA JULGADA. IMPROCEDÊNCIA DE ANTERIOR AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE, ESTA SACRALIZADA A COISA JULGADA (ART.5º, INC. XXXV/CF88), NÃO PODENDO NOVA AÇÃO SER PROPOSTA APENAS PORQUE VIÁVEL, AGORA, REALIZAÇÃO DE EXAME PELO MÉTODO DO DNA. SENTENÇA QUE JULGOU EXTINTA A AÇÃO MANTIDA. APELAÇÃO DESPROVIDA, POR MAIORIA, VENCIDO O RELATOR " (Apelação nº 70003605425, TJRS, Des. Rui Portanova, data de julgamento: 07.03.02 )

Além dessas decisões, inúmeras outras poderiam ser citadas, pois esse é o posicionamento que ainda impera no Judiciário brasileiro, embora, com a devida vênia, não seja o mais correto.

Os fundamentos dos que não admitem a relativização da coisa julgada nas ações de investigação de paternidade, ou negatória de paternidade, decididas antes da possibilidade de realização de exame de DNA, contrariam o direito humano à filiação e a dignidade da pessoa humana. Admitem que, pelo pretexto da segurança das decisões, a verdade real seja abandonada em prol da manutenção do formalismo e do legalismo, esquecendo-se da Justiça, valor que fundamenta a função jurisdicional do Estado, com isso afrontando a liberdade, valor supremo em um Estado Democrático de Direito.

Emilio García Méndez [6] afirma que os direitos da criança, são direitos humanos e ainda aduz que:

"...las disposiciones relativas a los derechos de los niños...cumplen los seguientes cometidos: reafirmar que los niños, como personas humanas, tienen iguales derechos que todas las personas; especificar estos derechos para las particularidades de la vida y madurez de los niños; establecer derechos propios de los niños – como los derivados de la relación paterno-filial, o los derechos de participación -; regular los conflictos jurídicos derivados del incumplimiento de los derechos de los niños o de su colisión com los derechos de los adultos; y orientar y limitar las actuaciones de las autoridades públicas y las políticas públicas en relación a la infancia.

El reconocimiento jurídico del "interés superior del niño" tendrá relación com estas dos últimas finalidades, en cuanto actuará como "principio" que permita resolver conflictos de derechos en los que se vean involucrados los niños, en el macro de una política pública que reconozca como objetivo socialmente valioso los derechos de los niños y promueva su protección efectiva, a través del conjunto de mecanismos que conforman las políticas jurídicas y sociales"

Assim, não pode a coisa julgada – fruto de política processual – prevalecer sobre o direito à filiação, também reconhecido constitucionalmente (art. 226, §7º), um direito humano, ligado à dignidade da pessoa humana. A prevalência da verdade formal sobre a verdade real é uma afronta à liberdade e à dignidade da pessoa humana, violando a soberania popular e quebrando com o pacto social, legitimador da existência do Estado e da função jurisdicional.

b. Posição favorável – tem surgido na doutrina e em parte da jurisprudência o entendimento de que é possível a propositura de nova ação fundada na possibilidade de prova da paternidade pelo exame de DNA, inexistente à época da decisão.

Nesse sentido Maria Christina de Almeida [7] aduz que:

"...há a possibilidade de revisitar um julgado no qual não se tenha utilizado do critério científico na apuração da verdade para torná-lo cientificamente seguro, isto porque a sentença proferida pode, ou não, coincidir com a verdade real, dada a sua estabilidade jurídica como furto da persuasão íntima do julgador, e não uma convicção científica"

Algumas decisões dos tribunais brasileiros, por diversos fundamentos, têm aceitado esse posicionamento:

"PROCESSO CIVIL. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. REPETIÇÃO DE AÇÃO ANTERIORMENTE AJUIZADA, QUE TEVE SEU PEDIDO JULGADO IMPROCEDENTE POR FALTA DE PROVAS. COISA JULGADA. MITIGAÇÃO DOUTRINA. PRECEDENTES. DIREITO DE FAMÍLIA. EVOLUÇÃO. RECURSO ACOLHIDO.

I- Não excluída expressamente a paternidade do investigado na primitiva ação de investigação de paternidade, diante da precariedade da prova e ausência de indícios suficientes a caracterizar tanto a paternidade como a sua negativa, e considerando que, quando do ajuizamento da primeira ação, o exame pelo DNA ainda não era disponível e nem havia notoriedade a seu respeito, admite-se o ajuizamento de ação investigatória, ainda que tenha sido aforada uma anterior com sentença julgando improcedente o pedido.

II- Nos termos da orientação da Turma, "sempre recomendável à realização de perícia para investigação genética (HLA e DNA), porque permite ao julgador um juízo de fortíssima probabilidade, senão de certeza" na composição do conflito. Ademais, o progresso da ciência jurídica, em matéria de prova, está na substituição da verdade ficta pela verdade real.

III- A coisa julgada, em se tratando de ações de estado, como no caso de investigação de paternidade, deve ser interpretada modus in rebus. Nas palavras de respeitável e avançada doutrina, quando estudiosos hoje se aprofundam no reestudo do instituto, na busca sobretudo da realização do processo justo, "a coisa julgada existe como criação necessária à segurança prática das relações jurídicas e as dificuldades que se opõem à sua ruptura se explicam pela mesmíssima razão. Não se pode olvidar, todavia, que numa sociedade de homens livres, a Justiça tem de estar acima da segurança, porque sem Justiça não há liberdade".

IV- Este tribunal tem buscado, em sua jurisprudência, firmar posições que atendam aos fins sociais do processo e às exigências do bem comum" (Recurso Especial nº 226436/PR, STJ, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJU 04.02.02, p. 370)

"INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. COISA JULGADA. POSSÍVEL A RENOVAÇÃO DE DEMANDA INVESTIGATÓRIA QUANDO A AÇÃO ANTERIOR FOI JULGADA IMPROCEDENTE POR FALTA DE PROVAS E NÃO FOI REALIZADO O EXAME DE DNA. OS PRECEITOS CONSTITUCIONAIS E DA LEGISLAÇÃO DE PROTEÇÃO DO MENOR SE SOBREPÕEM AO INSTITUTO DA COISA JULGADA, POIS NÃO HÁ COMO NEGAR A BUSCA DA ORIGEM BIOLÓGICA. ALIMENTOS. PROCEDENTE A AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE A VERBA ALIMENTAR DEVE SER CONCEDIDA". (Agravo de Instrumento nº 70004042958, TJRS, Des. Maria Berenice Dias, data de julgamento: 15.05.02)

"PROCESSO CIVIL. COISA JULGADA. AÇÃO DE ESTADO. AÇÃO INVESTIGATÓRIA DE PATERNIDADE

1. A ação de investigação de paternidade, porque uma ação de estado, é daquelas onde não se materializa a coisa julgada. A segurança jurídica cede ante valores mais altos, seja o de o filho saber quem é seu pai, seja o de que os registros públicos devem espelhar a verdade real.

2. A lei não pode tirar o direito de a pessoa saber se realmente a outra é seu ancestral. O processo não merece ser resumido a apenas um formalismo, sem qualquer compromisso com a substância das coisas." (JTDF, Agravo de Instrumento nº 2446-4/98, Acórdão nº 115354, Rel. Des. Waldir Leôncio Júnior)

Como se observa são pelo menos três os fundamentos para a permissibilidade da propositura de nova ação. Alguns, como a última ementa, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, fundamentam a decisão afirmando que as ações de estado não fazem coisa julgada material, do que, todavia discordamos.

Segundo Caio Mário da Silva Pereira [8], posição compartilhada pela maioria da doutrina, as ações de estado fazem coisa julgada, somente sendo especial à autoridade da coisa julgada, pois tem valor absoluto, oponível erga omnes. Assim, ao contrário de não formarem coisa julgada material, as ações de estado têm mais força ainda nessa qualidade da sentença, pois a decisão é oponível contra todos.

Outra corrente, citada na fundamentação do voto do Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, no julgamento do Recurso Especial nº 226.436/PR, entende que as ações que foram julgadas improcedentes por falta de provas não fazem coisa julgada material. Essa posição, por não encontrar apoio na lei e nem na maioria da doutrina, que considera essa decisão de mérito e confere autoridade de coisa julgada material, não é a mais correta.

O terceiro posicionamento, que fundamenta praticamente todas as decisões favoráveis, é o da prevalência do interesse do filho em ver reconhecida sua paternidade frente à verdade formal estabelecida pela coisa julgada material.

Esse, sem dúvida é o posicionamento que mais se coaduna com o Estado Democrático de Direito e com os demais princípios dele advindos, como o princípio da dignidade da pessoa humana e com o direito humano à filiação. Não há como conceber que uma verdade formal prevaleça sobre o direito de uma pessoa ter um pai.

Não se pode ignorar que o direito não está alheio às inovações científicas e à evolução da civilização, contentando-se com uma verdade forjada pelo dever do magistrado de proferir decisão, em detrimento de uma verdade biológica à época da sentença não constatável.

A segurança representada pela coisa julgada (art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal) e o direito à filiação e à paternidade responsável (art. 226 da Constituição Federal), intimamente ligados ao princípio da dignidade da pessoa humana, devem ser sopesados e, aplicando-se o princípio da proporcionalidade, impera que prevaleça o direito do filho em saber quem é seu ascendente.

Desse modo, tem-se como relativa à coisa julgada nas ações de investigação de paternidade em que foi negada a paternidade antes da viabilidade do exame de DNA, pela natureza fundamental do direito à filiação.


VI- Conclusão

O direito à filiação é um direito humano fundamental, reconhecido constitucionalmente e integrante da dignidade da pessoa humana, princípio basilar da República Federativa do Brasil. Assim, tendo por base esses fundamentos pode o filho propor nova ação de investigação de paternidade, quando já existiu pronunciamento judicial que fez coisa julgada material acerca da paternidade, se à época não lhe era viável a realização do exame de DNA.

Esse posicionamento coaduna-se com os fins do Estado e da jurisdição – pacificação justa. Já que não se pode conceber que em um Estado Democrático de Direito prevaleça uma verdade meramente formal, por motivos de conveniência política, sobre a verdade real, cientificamente comprovável.


VII- Notas

01. Aqui há divergência, alguns entendem que os sucessores não tem legitimação para propor a ação, outros dizem os sucessores tem legitimação irrestrita e o Novo Código Civil dispõe que somente no caso de falecer menor ou incapaz poderá ser proposta a ação pelo sucessor (art. 1.606 da Lei 10.406/02).

02. MONTEIRO, Whashington de Barros. Curso de direito civil. V2. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 263.

03. CINTRA, Antonio Carlos de Araújo. GRINOVER, Ada Pellegrini. DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 16ª ed. São Paulo: Malheiros Editores LTDA, 2000. p.307.

04. SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Curso de Processo Civil. 5ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000.p. 485.

05. MORAES, Paulo Valério Dal Pai. Conteúdo interno da sentença: eficácia e coisa julgada. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997.p. 41.

06. MÉNDEZ, Emilio García. Infancia, ley y democracia en América Latina. Tomo I. Santa Fe de Bogotá: Editorial Temis –Ediciones Depalma, 1999. pp. 72/73.

07. ALMEIDA, Maria Christina de. Investigação de paternidade e DNA: aspectos polêmicos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. pp. 98 e 99.

08. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. V.1. 19ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p.166.


VIII- Bibliografia

1. ALMEIDA, Maria Christina de. Investigação de paternidade e DNA: aspectos polêmicos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.

2.CINTRA, Antonio Carlos de Araújo. GRINOVER, Ada Pellegrini. DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 16ª ed. São Paulo: Malheiros Editores LTDA, 2000.

3. DIAS, Berenice. PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito de família e o novo código civil. 1ª ed. 2. tir. Belo Horizonte: Del Rey, 2002.

4. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. V.5. 17ªed. São Paulo: Saraiva, 2002.

5. FILHO, Wladimir Braga. A relativização da coisa julgada nas ações de investigação de paternidade. In: Farol Jurídico. [Internet] http://www.faroljurídico.adv.br/novo_site/friend.php?op=FriendSend&sid=407 [Capturado em 03.Ago.2002].

6. MÉNDEZ, Emilio García. Infancia, ley y democracia en América Latina. Tomo I. Santa Fe de Bogotá: Editorial Temis –Ediciones Depalma, 1999.

7. MONTEIRO, Whashington de Barros. Curso de direito civil. V.2. São Paulo: Saraiva, 1996.

8. MORAES, Paulo Valério Dal Pai. Conteúdo interno da sentença: eficácia e coisa julgada. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997.

9. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. V.1. 19ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999.

10. SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 18ª ed. São Paulo: Malheiros Editores LTDA, 2000.

11. SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Curso de Processo Civil. 5ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000.

12.TESHEINER, José Maria Rosa. Relativização da coisa julgada. [Internet] http://www.tex.pro.br/wwwroot/33de020302/relativizaçãodacoisajulgada.htm. [Capturado em 03.Ago.2002].

Sobre a autora
Marcela de Jesus Boldori Fernandes

Procuradora Federal, Graduada pela Universidade Federal de Santa Maria, RS, e Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade do Sul de Santa Catarina- UNISUL

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERNANDES, Marcela Jesus Boldori. A autoridade da coisa julgada nas ações de investigação de paternidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 65, 1 mai. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4061. Acesso em: 23 dez. 2024.

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