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A antecipação de tutela:

análise jurisprudencial

Agenda 01/05/2003 às 00:00

INTRODUÇÃO

O presente trabalho não tem a pretensão de esgotar um assunto tão complexo como a antecipação da tutela, mas pretendemos trabalhar com as questões que entendemos ser relevantes, em relação ao tema.

Pensamos que, antes de adentrarmos especificamente nessas questões e analisar como têm se manifestado os Tribunais a respeito do assunto, se faz necessária uma breve exposição do Instituto para uma melhor compreensão do trabalho.

Quando o Estado assumiu o monopólio da jurisdição, ele pretendia realizar a solução de todos os conflitos evitando, desta forma a autotutela. Acontece que, com a multiplicação dos conflitos, a prestação jurisdicional tornou-se morosa, não conseguindo resolver de forma justa os problemas entre os indivíduos, uma vez que para que se tenha a realização da justiça é preciso que se tenha efetividade, dito de outra maneira, é preciso que não haja demora para o cumprimento da prestação jurisdicional.

Então, com o objetivo da efetividade da prestação jurisdicional, o Estado passou a criar meios para conseguir a realização da justiça.

Podemos dizer que, tanto a tutela cautelar quanto a tutela antecipatória serviram para, de alguma forma resolver o grave problema da morosidade da justiça.

Contudo, e nesse momento é muito importante ressaltar que os instrumentos da tutela cautelar e da tutela antecipatória não se confundem, ao contrário, têm objetivos diferentes.

A essência da distinção está nos objetivos. O objetivo da cautelar é proteger, enquanto que na antecipação de tutela o objetivo é realizar plenamente o direito proposto em causa, ainda que de forma provisória.

Como ensina o magistério do professor Humberto Theodoro Júnior, "a tutela cautelar apenas assegura a pretensão, enquanto que a tutela antecipatória realiza de imediato a pretensão. A antecipação de tutela somente é possível dentro da própria ação principal. Já a medida cautelar é objeto de ação separada, que pode ser ajuizada antes da ação principal ou no seu curso". [1] (grifei)

Para deferir a antecipação da tutela o juiz deverá observar os requisitos do artigo 273 do Código de Processo Civil, que são: a) requerimento da parte; b) Prova inequívoca; c) Verossimilhança da alegação; d) abuso do direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu.

Para que se possa garantir o contraditório, ainda que a posteriori, não se admite a antecipação de tutela nos casos de irreversibilidade do provimento antecipado.

O parágrafo 2º do artigo 273, do Código de Processo Civil afirma que "não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado".

O professor Luiz Fux critica o citado artigo porque, segundo ele, "em grande parte dos casos da prática judiciária, a tutela urgente é irreversível sob o ângulo da realizabilidade prática do direito". [2]

Comunga do mesmo entendimento o professor José Roberto dos Santos Bedaque para quem "a irreversibilidade, todavia, não pode constituir-se em impedimento absoluto à concessão da tutela antecipada. Além dos valores em conflito, deve-se levar em consideração, para a solução do problema, a circunstância de que a antecipação depende da verossimilhança do direito. Nessa medida, improvável tenha razão a parte contrária." [3]

Vale a pena lembrar que, de acordo com o parágrafo 4º do artigo em comento, a medida liminar poderá ser revogada ou modificada a qualquer tempo, o que destaca a provisoriedade da tutela.

No que concerne à legitimação, é preciso asseverar que tal instrumento se põe a disposição do autor. Todavia, o réu poderá pleitear a antecipação da tutela jurisdicional quando ele próprio ajuizou a demanda, como nos casos de reconvenção ou na resposta em ação de natureza dúplice (possessória, renovatória etc.), já que nesses casos o réu se torna demandante, não será mais parte passiva do processo.


I – ANÁLISE JURISPRUDENCIAL DAS QUESTÕES RELEVANTES

1.1 Possibilidade ou não da Antecipação da Tutela nas ações declaratórias

Vistas as questões principais, passaremos a analisar as questões mais intrigantes do tema e verificar como os tribunais têm decidido a respeito.

A primeira questão que nos propomos a comentar é a possibilidade ou não da antecipação da tutela no caso de uma ação declaratória.

Há uma tendência jurisprudencial em não admitir a Tutela Antecipada quando se tratar de Ação Declaratória.

Trouxemos duas decisões para serem alvo de nosso comentário. A primeira, do 2º Tribunal de Alçada Cível de São Paulo e a Segunda, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais.

TUTELA ANTECIPATÓRIA – Concessão em ação declaratória – Impossibilidade – Espécie de demanda que se destina a eliminação da incerteza do direito ou da relação jurídica – Medida de antecipação que tem como característica a provisoriedade e é admitida nos casos em que ocorra a verossimilhança da alegação – Inteligência do art. 273 do CPC. (RT 793/306)

Trata-se do Agravo de Instrumento n.º 694.619-00/0 da 1ª Câmara do 2º Tribunal de Alçada Cível de São Paulo, julgado no dia 22/05/2001, em que o autor agrava decisão que deferiu tutela antecipada para fazer cessar os efeitos da fiança, nos autos da ação declaratória de exoneração que lhe promove a fiadora-ré.

O relator, em seu voto, sustenta que, "a tutela antecipatória não se harmoniza com a finalidade da ação declaratória e nãos e ajusta à natureza da ação constitutiva. Como a tutela antecipatória tem como característica a provisoriedade e é admitida nos casos em que ocorra a verossimilhança da alegação, não pode ser concedida em ação declaratória, que objetiva a eliminação da incerteza do direito ou da relação jurídica".

No mesmo sentido decidiu, em unanimidade, a 3ª Câmara do E. Tribunal de Justiça de Minas Gerais, no Agravo de Instrumento n.º 000175797-0/00, em que a agravante alegava que as cláusulas contidas no contrato de financiamento habitacional são abusivas e ferem os dispositivos contidos no Código de Defesa do Consumidor.

Ementa: Tutela. Antecipação. Sentença. Efeitos. Ação declaratória. Impossibilidade. Não podem ser antecipados os efeitos da tutela que não seriam concedidos na sentença de procedência do pedido. É inadmissível o pedido de tutela antecipada em ação declaratória. (Revista de Jurisprudência ADCOAS vol. 24. p. 208/210)

Apesar de os Tribunais se definirem no sentido do não cabimento de antecipação de tutela nas ações declaratórias, o mesmo não ocorre com a doutrina.

As decisões acima referidas compartilham do mesmo pensamento de parte da doutrina que entende que há uma impossibilidade lógica em se estabelecer a certeza em caráter provisório. Para eles, a certeza existe ou não. E, caso exista, ela só pode ser definitiva. E é esse o entendimento dos tribunais.

Contudo, parte da doutrina entre os quais se destaca o notável Theodoro Júnior, esse raciocínio, por mais que pareça lógico, não é razoável. Citando o Kazuo Watanabe argumenta que "em alguns tipos de ação, principalmente nos provimentos constitutivos e declaratórios, deverá o Juiz, em linha de princípio, limitar-se a antecipar alguns efeitos que correspondam a esses provimentos, e não o próprio provimento". E com Sérgio Sahione Fadel assevera que "nada existe na regulamentação legal da antecipação da tutela, no direito brasileiro, que exclua de sua área de incidência a tutela declaratória". [4]

Assim, com razão já decidiu a 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, no Agravo de Instrumento n.º 70001909027, julgado em 15.02.2001:

PROCESSUAL CIVIL E FALÊNCIA. ANTECIPAÇÃO DA TUTELA PARA REVERTER ARRECADAÇÃO DE BENS DE PROPRIEDADE DOS FALIDOS.

1. Antecipação da tutela em ação declaratória. Possibilidade no caso concreto em que o efeito buscado pela parte, além da declaração de inexistência de relação jurídica, é a liberação de bens arrecadados pela massa falida e de propriedade das pessoas físicas dos falidos. Há forte eficácia condenatória no pedido formulado. Possibilidade.

O magistrado entende que é possível a antecipação da tutela porque o efeito que se pretende é excluir o bem da arrecadação da falência, alegando que, estando presentes os requisitos que permitem a concessão da tutela antecipatória, esta não pode ser negada por se tratar de ação declaratória, ainda mais porque, no caso, antecipação da tutela não se revela irreversível e poderá ser revogada ou modificada a qualquer tempo, se prova em contrário sobrevier no processo de conhecimento.

1.2 Admissibilidade ou não da Antecipação antes da citação

Um dos grandes problemas do processo ordinário é a demora para a entrega da prestação jurisdicional, mas foi esse o procedimento escolhido pela doutrina tradicional para privilegiar o fator segurança nos processos.

Para o autor, o processo será mais efetivo o quanto mais rápido for alcançada a prestação jurisdicional. A demora do processo só vem a beneficiar o réu que não tem razão.

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Por esse motivo se necessita cada vez mais de tutelas de urgência para resolver com eficiência e utilidade os litígios.

Apesar de o fator tempo ser primordial para uma realização efetiva da função jurisdicional, não se pode perder de vista que alguns princípios como o da ampla defesa e o contraditório não podem, de forma alguma, ser relegados. A tutela sumária em favor do autor pode resultar em prejuízos irreparáveis para o réu que não teve oportunidade de ter um contraditório pleno.

O ilustre mestre Bedaque diz que "a concessão da antecipação de tutela inaudita altera parte, não encontra óbice legal". Para ele "a solução não viola o contraditório, pois a parte contrária, ao tomar conhecimento da medida, possui meios prontos e eficazes para alterá-la". [5]

Todavia ele adverte que o juiz só poderá antecipar a tutela sem a presença do réu se a sua convocação prejudicar a eficácia da medida.

O brilhante Luiz Guilherme Marinoni [6] entende, igualmente, que em alguns casos a ouvida do réu, antes do deferimento da tutela urgente, poderá comprometer a efetividade do procedimento. Dessa maneira, somente de acordo com o caso concreto é que se poderá conceder ou não a antecipação sem a oitiva do réu. Para Marinoni não há que se falar em lesão ao princípio do contraditório, uma vez que este poderá ser postecipado para permitir a efetividade da tutela dos direitos.

Os tribunais divergem quando se trata da possibilidade da antecipação sem a oitiva do réu.

Trouxemos a posição do Tribunal de Alçada de Minas Gerais, onde é admissível a antecipação, do Tribunal de Justiça do Mato Grosso, onde é inadmissível a antecipação antes da ouvida do réu e ainda, dos Tribunais de Justiça de São Paulo e do Rio Grande do Sul, onde se admite somente quando a convocação do réu contribuir para a consumação do dano que se pretende evitar.

TUTELA ANTECIPATÓRIA – Concessão antes da citação do réu – Admissibilidade, pois não se trata de juízo finalístico no processo. (TAMG – 7ª Câmara Cível – AI n.º 241.169-4 julgamento 18/09/1997 – Rel. Juiz Quintino do Prado - RT 749/418)

Ementa oficial: "Quando a lei criou o instituto da antecipação da tutela jurisdicional, à similitude das cautelares, não impediu que ela fosse outorgada antes da formação da triangularidade processual, bastando haver adminículos probatórios, de pronto, anexados ao exórdio. Provas boas, firmes e formadoras de certa convicção bastam para o deferimento da antecipação da tutela, mesmo porque não se trata de juízo finalístico".

O douto magistrado argumenta que, assim como existem as cautelares com liminares sem audiência da parte contrária, da mesma forma, por economia processual, a legislação pátria criou a antecipação de tutela, tornando incongruente que o instituto sofresse essa restrição, pois, assim, não estaria cumprindo sua finalidade própria.

No lado oposto encontra-se o Tribunal de Justiça do Mato Grosso, que entende que é inadmissível a antecipação da tutela, antes da citação do réu, com exceção da hipótese do §3º do artigo 461, do CPC.

TUTELA ANTECIPATÓRIA – Pretensão da concessão da medida antes da citação do réu – Inadmissibilidade ressalvada a hipótese do art. 461, §3º, do CPC – Necessidade do preenchimento de todos os requisitos elencados no art. 273 também do CPC.

Ementa Oficial: Em princípio, não existe a previsão de outorga da tutela antecipada, antes da citação do réu, com exceção da hipótese prevista no art. 461, §3º, do CPC. Não se deve confundir a tutela antecipada, que adentra no âmago da questão com as medidas cautelares, que buscam a garantia da efetividade do processo. Em homenagem à garantia do devido processo legal, a antecipação só será viável ante o preenchimento de todos os requisitos elencados no art. 273 do CPC, em casos especialíssimos, onde se faça necessária a antecipação provisória. (TJMT – 1ª Câmara – AI n.º 6.849, julgamento em 24.02.97, rel. Des. Salvador Pompeu de Barros Filho - RT 743/97)

O relator, em seu voto, argumenta que a concessão da medida antes da citação do réu só seria possível em casos especialíssimos, devidamente comprovados, como naqueles necessários à vida e à saúde, em respeito à pessoa humana. Logo, a concessão só poderá ser deferida após decorrido o prazo de resposta do réu e não inaudita altera pars.

Com a devida vênia, a mim me parece que o douto magistrado incorre em erro ao se valer do princípio do contraditório para negar a antecipação da tutela.

Com efeito, nesses casos o contraditório não será negado, o princípio do devido processo legal será respeitado, todavia, com o contraditório postergado nos casos em que a ciência do réu poderia tornar ineficaz a medida.

Esse é o entendimento dos mestres Bedaque e Marinoni e vem sendo o entendimento dos Tribunais de São Paulo e do Rio Grande do Sul.

Vejamos a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo:

TUTELA ANTECIPATÓRIA – Deferimento sem a audiência da parte contrária – admissibilidade somente quando a convocação do réu contribuir para a consumação do dano que se busca evitar – Inteligência do art. 273 do CPC. (TJSP – 3ª Câmara de Direito Privado – AI n.º 099.766-4/9, julgado em 02.02.99, rel. Des. Ênio Santarelli Zuliani – RT 764/221)

No caso em tela, apesar de o magistrado entender que é possível a antecipação da tutela inaudita altera parte, quando a convocação do réu prejudicar a medida, não estavam presentes elementos concretos que subsidiando o convencimento do julgador de que a citação fosse um obstáculo ou um mal para o processo, de sorte que não havendo os pressupostos encorajadores de uma audiência sem oitiva da parte contrária, foi mantido o indeferimento da tutela antecipada.

Por último, trazemos à colação uma decisão da 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em Agravo de Instrumento n.º 700022811541 o qual, entendemos ser necessário transcrevermos o voto do des. Cacildo de Andrade Xavier:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA SEM OUVIDA DA PARTE CONTRÁRIA.

Para o deferimento de pedido de antecipação de tutela impõem-se necessários a verossimilhança das alegações e fundado receio de dano irreparável. No caso, não restou demonstrada a urgência da medida, sobretudo sem a oitiva da parte contrária.

AGRAVO IMPROVIDO.

"Meu voto é no sentido de negar provimento ao agravo de instrumento.

O agravante visa, com o presente agravo de instrumento, seja revogada a decisão que indeferiu o pedido de antecipação de tutela "inaudita altera pars", para que fosse determinado ao agravado a entrega, no prazo de 10 dias, dos motores de acionamento dos mecanismos dos portões em questão e realizasse as obras necessárias para colocá-los em perfeitas condições de funcionamento e segurança, sob pena de multa cominatória.

No caso em tela, não restaram demonstrados a verossimilhança das alegações da recorrente e fundado receio de dano irreparável. Tenho que a situação do agravante não possui urgência a indicar a necessidade de antecipação de tutela imediata, sobretudo sem a ouvida da parte contrária.

Em nota nº 10ao artigo 273 do Código de Processo Civil, manifestou-se Nelson Nery Junior, assim:

"10. Liminar sem a ouvida do réu. Quando a citação do réu puder tornar ineficaz a medida, ou, também, quando a urgência indicar a necessidade de concessão imediata da tutela, o juiz poderá fazê-lo inaudita altera pars, que não constitui ofensa, mas sim limitação imanente do contraditório, que fica diferido para momento posterior do procedimento. Se para a concessão da liminar o juiz entender necessário, designará audiência de justificação prévia. Para ela deverá ser citado e intimado o réu, salvo se o conhecimento do réu puder tornar ineficaz a medida. Neste caso, a audiência de justificação prévia será realizada apenas com a presença do autor e seu advogado."

(in Código de Processo Civil- Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery, 2ª Edição, Editora Revista dos Tribunais, pág. 691)

Para o deferimento de pedido de antecipação de tutela impõem-se necessários a verossimilhança das alegações e fundado receio de dano irreparável. No caso, não restou demonstrada a urgência da medida, a ensejar o deferimento da tutela antecipada "inaudita altera pars".

Ante o exposto, nego provimento ao agravo de instrumento.

É o voto."

Entendemos acertadas as decisões dos Tribunais de Justiça de São Paulo e do Rio Grande do Sul, visto que, como dissemos parece de melhor alvitre a doutrina que admite a antecipação sem oitiva do réu somente quando a sua citação colocar em risco a eficácia da medida.

1.3 Concessão ex officio da tutela antecipada

No processo civil brasileiro vige o princípio da demanda, dito de outra forma, o juiz deve ser provocado para agir no processo.

Não obstante isso, e rompendo com o dogma da inércia da jurisdição, é permitido ao julgador conceder tutela cautelar de ofício e, de acordo com o magistério do professor Bedaque [7] várias outras hipóteses de tutela jurisdicional de ofício, em sede de tutela cognitiva, foram introduzidas a partir do Decreto-lei 7661/45. Mas essas são exceções à regra geral que é a da inércia da jurisdição.

No caso da Tutela antecipatória, o artigo 273 do Código de Processo Civil é bem claro ao exigir, como um dos requisitos para esse tipo de tutela, o requerimento da parte interessada, proibindo, assim, a concessão ex officio da tutela antecipada. Nesse sentido entendem os mestres Sérgio Bermudes e Vicente Greco Filho, entre outros.

Todavia, no entendimento do ilustre mestre Bedaque, acompanhado por Luiz Fux [8], "não se pode excluir situações excepcionais em que o juiz verifique a necessidade da antecipação, diante do risco iminente do perecimento do direito cuja tutela é pleiteada e do qual existam provas suficientes de sua verossimilhança". [9]

Nessa ordem de idéias, haverá momentos em que o juiz observará que, se não for antecipada a tutela, a decisão não terá efetividade.

Não haverá, ainda, ofensa ao princípio do contraditório, pois como a antecipação tem como característica a reversibilidade, haveria um contraditório diferido, sem prejuízo para a parte ré, além do que, o juiz verificando o erro poderá revogar a tutela.

A posição jurisprudencial, contudo, tem se mantido no sentido de não conceder a antecipação de tutela ex officio.

AGRAVO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. CONCESSÃO DE OFÍCIO. DESCABIMENTO.

Se a parte autora não requereu antecipação dos efeitos da tutela, não podem ser tais medidas concedidas de ofício pelo julgador.

AGRAVO PROVIDO.

(TJRS – 13ª Câmara Cível – AI n.º 70001165844, julgado em 31.08.2000, rel. Des. Márcio Borges Fortes)

O douto magistrado argumenta que, "as medidas liminares atacadas neste recurso não podem ser concedidas ex officio, motivo por que deve ser acatada a inconformidade do réu". E ainda, que a decisão deve ser revogada por ser extra petita, já que a antecipação não foi objeto de pedido na inicial.

Na lição do professor Bedaque o juiz neste caso não está ferindo o princípio dispositivo, muito menos julgando extra petita porque o fato de não se pleitear a tutela na inicial, os efeitos que decorrem da sentença estão nos limites do pedido.

Outra decisão que, vem a confirmar a posição jurisprudencial no sentido de não conceder a tutela de ofício é a do Tribunal Regional Federal da 1ª Região.

TUTELA ANTECIPATÓRIA – Concessão de ofício, pelo Magistrado – Inadmissibilidade – Necessidade de pedido expresso da parte autora – Observância do princípio da adstrição do Juiz ao pedido – Inteligência dos arts. 2º, 128 e 273 do CPC. (TRF 1ª Região, 1ª Turma, AI n.º 1997.01.00.018994-8-DF – rel Juiz convovado Velasco Nascimento – julgado em 18.08.98 – RT 760/425)

Ementa Oficial: A antecipação de tutela nos termos do caput do art. 273 do CPC, exige pedido expresso da parte autora. Sua concessão de ofício traz ofensa expressa a essa regra processual, além de hostilizar o princípio da adstrição do Juiz ao pedido, conforme disposto nos arts. 2º e 128 do Diploma Processual.

No caso em tela, a parte autora pediu o julgamento antecipado da lide, nos termos do artigo 330,I do CPC, por se tratar de matéria exclusivamente de direito, que independe de realização de provas e realização de audiência.

Ocorre que, como bem se pronunciou o douto magistrado, o julgamento antecipado da lide é instituto processual que não se confunde com a antecipação da tutela. Assim, os agravados não pediram antecipação de tutela concedida pela decisão recorrida e a ausência do pedido expresso torna a decisão combatida eivada de nulidade insanável, porque confronta às disposições do art. 273 do CPC.

Argumenta, ainda, que não há possibilidade de concessão da antecipação de tutela, total ou parcial, de ofício, sem ofensa ao princípio da demanda ou da iniciativa da parte.

Os dois acórdãos demonstram que os Tribunais vêm decidindo pela inadmissibilidade da concessão baseados na melhor doutrina, com a devida vênia a pensadores como José dos Santos Bedaque e Luiz Fux, que advogam pelo provimento, em alguns casos, da antecipação de tutela ex officio.

1.4 Possibilidade de Antecipação de tutela contra a Fazenda Pública

No que respeita a esse assunto, mister que se faça um comentário acerca da possibilidade ou não da antecipação de tutela contra a Fazenda Pública, uma vez que trata-se de terreno bastante arenoso no campo do direito processual civil, onde lavra funda divergência doutrinária.

Sustenta Humberto Theodoro Júnior [10] que, dada a diferença existente entre tutela antecipada e a medida cautelar, tem-se entendido que o particular, observados os requisitos do artigo 273, do CPC, tem direito de obter, provisoriamente, os efeitos que somente adviriam da sentença final de mérito, mesmo em face da Fazenda Pública.

Em posição contrária, surge forte corrente doutrinária com o entendimento de que o grande óbice para a concessão da tutela antecipada contra a Fazenda Pública é a necessidade do reexame necessário, sendo texto legal expresso ao negar eficácia à sentença proferida contra a Fazenda Pública antes do desfecho da devolução obrigatória.

Impende, nesse momento, trazer à baila a Lei 8.437/92 que em seu art. 1º diz "não ser cabível medida liminar contra os atos do Poder Público, no procedimento cautelar ou em quaisquer outras ações de natureza cautelar ou preventiva, toda vez que a providência semelhante não puder ser concedida em ações de mandado de segurança, em virtude de vedação.

Com base nessa lei, surgiram interpretações no sentido de que não caberia a antecipação de tutela contra a Fazenda Pública. Contudo, outra parte da doutrina argumentava que a vedação da lei é somente em relação à concessão de liminares, em ações cautelares ou preventivas, não sendo proibido no caso da tutela antecipatória.

Em 1997 foi editada a Medida Provisória 1.570, transformada na Lei n.º 9.494/97.

O citado dispositivo legal veda a concessão da tutela antecipatória contra a Fazenda Pública em determinadas situações.

Acontece que, como ensina o insigne Luiz Guilherme Marinoni, o direito de acesso à justiça, que compreende uma tutela jurisdicional adequada e efetiva, albergado na Constituição Federal não pode ser negado quando se tratar de tutela contra a Fazenda Pública.

De acordo com o citado mestre, "dizer que não há direito à tutela antecipatória contra a Fazenda Pública em caso de ‘fundado receio de dano’ é o mesmo que dizer que o direito do cidadão pode ser lesado quando a Fazenda Pública for ré (...) Por outro lado, não admitir a tutela antecipatória fundada em abuso de direito de defesa contra a Fazenda Pública significa aceitar que a Fazenda Pública pode abusar do seu direito de defesa e que o autor da demanda contra ela é obrigado a suportar, além da conta, o tempo de demora do processo" [11].

O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, em sua 4ª Câmara já decidiu, com unanimidade, que é possível a concessão de tutela antecipatória contra a Fazenda Pública.

TUTELA ANTECIPATÓRIA – Concessão contra a Fazenda Pública – Admissibilidade desde que observado o princípio do contraditório.(TJRJ – AI n.º 3.478/97, julgado em 17.03.98, rel. Des. Wilson Marques. RT 753/343)

Ementa da Redação: É admissível a antecipação de tutela contra a Fazenda Pública, desde que observado o princípio do contraditório, que somente poderá ser afastado diante de disposição expressa em sentido contrário.

No caso em exame, o douto magistrado argumenta que a decisão de antecipação de tutela é uma decisão interlocutória. Dessa forma, como não se trata de sentença, não caberia o reexame necessário do artigo 475, do CPC.

Diz ainda que, como não se trata de tutela definitiva, também não há que se falar em reexame necessário.

O julgador, todavia, entende que só poderá ser concedida a medida contra a Fazenda, se for respeitado o contraditório.

Entendemos, então, que para o eminente magistrado, é admissível a antecipação da tutela contra a Fazenda Pública, uma vez que sustenta que a decisão que concede a tutela antecipada não é sentença, não estando sujeita, portanto, ao que determina o artigo 475, do Código de Processo Civil.

Anote-se que o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul vem decidindo que pode ser concedida a antecipação da tutela quando, em situações excepcionais de risco à vida e à saúde.

Agravo de instrumento – internamento para tratamento hospitalar objetivando adquirir o paciente condições clínicas e físicas indispensáveis à realização de cirurgia necessária e urgente – possibilidade da concessão de tutela antecipada contra a Fazenda Pública em situações excepcionais de risco à vida e à saúde, valores que se sobrepõem a quaisquer normas.

Agravo provido.

Nesta decisão, foi deferida medida liminar de antecipação de tutela, visto que in casu, estava em jogo o direito à vida, que se sobrepõe a todos os outros.

Ocorre que, algumas vezes, o juiz deve ponderar acerca do valor jurídico dos bens em confronto, pois em casos como este, a negação da tutela pode acarretar prejuízos irreversíveis para o autor.

Digna de aplauso tal decisão em que o magistrado, prudentemente, ao considerar o valor vida superior aos outros interesses em jogo, concedeu, liminarmente, a antecipação de tutela contra a Fazenda Pública.

Impende asseverar, ainda, que, nessas situações, é pacífico tal entendimento no referido Tribunal de Justiça.

Apesar de termos demonstrado algumas decisões em que foi admitida a concessão de antecipação de tutela contra a Fazenda Pública, não é o que acontece na maioria dos Tribunais brasileiros. Ao contrário, as decisões que vêm aumentando numericamente são as que não concedem esse tipo de tutela.

TUTELA ANTECIPATÓRIA – Concessão contra a Fazenda Pública – Inadmissibilidade, por configurar-se em um adiantamento da sentença, em caráter provisório – Instituto que é incompatível com a regra do duplo grau de jurisdição necessário – Interpretação do art. 1º da Lei 9.494/97. (TJSP – 7ª Câmara de Direito Público – AI n.º 110.286.5/0, julgado em 23.08.1999. rel. Des. Sérgio Pitombo RT 771/228)

Ementa da Redação: É inadmissível a concessão de tutela antecipada, que se configura em um adiantamento da sentença, em caráter provisório, quando demandada for a Fazenda Pública, conforme se depreende da leitura do art. 1º da Lei 9.494/97, por ser tal instituto incompatível com o duplo grau de jurisdição necessário.

No mesmo sentido decidiu o Tribunal de Alçada Cível de São Paulo, in verbis:

TUTELA ANTECIPATÓRIA – Pedido formulado contra a Fazenda Pública, visando impedir a inscrição de débito fiscal em certidão de dívida ativa – Inadmissibilidade – Hipótese em que a sentença de mérito está sujeita a reexame necessário em Segunda instância, só produzindo efeitos depois de confirmada pelo Tribunal – Interpretação do art. 1º da Lei 9.494/97 e art. 475 do CPC. (TACivSP – AI n.º 904.542-7, 11ª Câmara – j. 29.11.1999. rel. Juiz Ary Bauer RT 778/296)

Ementa da Redação: Conforme se depreende da leitura do art. 1º da Lei 9.494/97, não se admite o pedido de antecipação da tutela, visando impedir a inscrição de débito fiscal em certidão de dívida ativa, pois, de acordo com o disposto no art. 475 do CPC, a sentença de mérito contra a Fazenda Pública está sujeita a reexame necessário em Segunda instância, só produzindo efeitos depois de confirmada pelo Tribunal.

Trouxemos para análise uma decisão do Tribunal de Justiça de Goiás, confirmando uma tendência nacional em se negar a antecipação de tutela contra a Fazenda Pública.

Tutela Antecipatória. Incompatibilidade do art. 273 com o art. 475, II, ambos do CPC. "É impossível a concessão da tutela antecipada contra a União, o Estado e o Município, sob pena de burlar a legislação prevista no art. 475, II, do CPC". (TJGO - AI n.º23.531-5/180, julgado em 10.04.2001, rel Des. Fenelon Teodoro Reis. Revista de Jurisprudência ADCOAS vol.21, set/2001 p. 216/218)

Por último, temos uma decisão do C. Superior Tribunal de Justiça, no mesmo sentido:

Processual Civil. Fazenda Pública. Tutela Antecipada. Incompatibilidade com o princípio do reexame necessário. ADC 04/DF – STF. Concessão de liminar.

1.O instituto da tutela antecipada, assim como qualquer medida de caráter liminar contra a Fazenda Pública, não se compatibiliza com o princípio do duplo grau de jurisdição necessário, eis que a decisão só se torna exeqüível após a sua confirmação pelo Tribunal "ad quem".

Como dissemos acima, o principal óbice para a concessão da antecipação de tutela é o reexame necessário. Esse é o argumento mais invocado nas decisões em que não se concede a antecipação.

Assim, baseados neste fundamento vêm decidindo os principais tribunais pela não concessão da antecipação de tutela contra a Fazenda Pública.


NOTAS

01. Theodoro Júnior, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 1 Rio de Janeiro: Revista Forense, 1999. p. 370.

02. Fux, Luiz. Tutela antecipada e locações. 2ª edição. Rio de Janeiro: Destaque, 1996. p. 105.

03. Bedaque, José Roberto dos Santos. Tutela Cautelar e Antecipada: Tutelas Sumárias e de Urgência. São Paulo: Malheiros Editores, 1998. p. 328.

04. Theodoro Júnior. Humberto. Antecipação de Tutela em ações declaratórias e constitutivas. In, Revista dos Tribunais, vol. 763/ maio de 1999. p. 17/18.

05. Bedaque, José Roberto dos Santos. op. cit. p. 346/347.

06. Marinoni. Luiz Guilherme. A Antecipação da Tutela. 6ª edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2000. p.140

07. Bedaque, José Roberto dos Santos. op. cit. p. 351.

08. Fux. Luiz. op.cit. p. 104

09. Bedaque, José Roberto dos Santos. op. cit. p.352

10. Theodoro Júnior. Humberto. Tutela antecipada. In Aspectos polêmicos da antecipação de tutela, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.

11. Marinoni. Luiz Guilherme. op. cit. p. 218.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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www.stj.gov.br

Sobre o autor
Weverson Viegas

advogado em Campos dos Goytacazes (RJ), mestrando em Direito na Faculdade de Direito de Campos

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VIEGAS, Weverson. A antecipação de tutela:: análise jurisprudencial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 65, 1 mai. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4064. Acesso em: 22 dez. 2024.

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