No dia 6 de julho, o atual presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), proferiu inaceitável pronunciamento, noticiado por toda a imprensa, alegando, entre outras aleivosias, que a Ordem dos Advogados do Brasil “não tem muita credibilidade já há muito tempo... que não tem eleição direta, que não prestam contas, como autarquia que eles são... esse roubo que é o Exame de Ordem... a OAB é um cartel eleito por eleição indireta, que movimenta bilhões sem fiscalização”.
Com efeito, trata-se de repudiável manifestação, pois além de não corresponder ao comportamento que se espera de um parlamentar federal ao tratar sobre a Ordem dos Advogados do Brasil, suas colocações atentam contra os direitos e interesses dos advogados, bem assim da dignidade e do prestígio da classe dos juristas em geral, ignorando as decisões do Supremo Tribunal Federal sobre a natureza jurídica da OAB e sobre a constitucionalidade do Exame de Ordem.
A atribuição de autarquia conferida pelo deputado Eduardo Cunha à OAB é totalmente equivocada, uma vez que ela não mantém com órgãos da Administração Pública qualquer vínculo funcional ou hierárquico (art. 44, § 1º., da Lei n. 8.906/94), tendo o STF reafirmado na ADI nº. 3026, que a OAB seria uma instituição sui generis e não uma autarquia, razão pela qual não se submeteria à fiscalização contábil, financeira e orçamentária do TCU ou dos TCE’s.
Sucede, pois, que compete ao Conselho Federal e aos Conselhos Seccionais apreciar os seus relatórios anuais e deliberar sobre o balanço e as contas de suas diretorias, das Caixas de Assistência dos Advogados e das subseções, havendo necessidade de prestação de contas na forma do Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia e da OAB.
No que tange ao impropério feito pelo presidente da Câmara dos Deputados sobre o Exame de Ordem, mais uma vez ele revela menosprezo ao já quanto decidido, à unanimidade, pelos ministros do STF, no RE 603.583/RS, julgado em 26/10/2011, onde ficou consignado na ementa que: "o Exame de Ordem, inicialmente previsto no artigo 48, inciso III, da Lei nº 4.215/63 e hoje no artigo 84 da Lei nº 8.906/94, no que a atuação profissional repercute no campo de interesse de terceiros, mostra-se consentâneo com a Constituição Federal, que remete às qualificações previstas em lei".
No voto do relator, ministro Marco Aurélio, ficou estabelecido que "o advogado ocupa papel central e fundamental na manutenção do Estado Democrático de Direito. (...) Todo advogado é um potencial defensor do Direito, e essa nobre missão não pode ser olvidada. O constituinte foi altissonante e preciso ao proclamar, no art. 133 da Lei Maior, que o advogado mostra-se indispensável à administração da Justiça. Insisto: justiça enquadra-se como bem de primeira necessidade; a injustiça, como um mal a ser combatido". Por isso afirmou que "transparece claro o interesse social relativo à existência de mecanismos de controle — objetivos e impessoais — concernentes à prática da advocacia".
No julgamento, o STF disse, ainda, que o trabalho, além da dimensão subjetiva, também ostenta relevância que transcende os interesses do próprio indivíduo. "Em alguns casos, o mister desempenhado pelo profissional resulta em assunção de riscos — os quais podem ser individuais ou coletivos. Quando (...) o risco é suportado pela coletividade, então cabe limitar o acesso à profissão e respectivo exercício, exatamente em função do interesse coletivo. Daí a cláusula constante da parte final do inciso XIII do artigo 5º da Carta Federal, de ressalva das qualificações legais exigidas pela lei. Ela é a salvaguarda de que as profissões que representam riscos à coletividade serão limitadas, serão exercidas somente por aqueles indivíduos conhecedores da técnica".
Deixou expresso ainda o Supremo Tribunal Federal que o Exame de Ordem "é compatível com o juízo de proporcionalidade e não alcançou o núcleo essencial da garantia constitucional da liberdade de ofício".
De fato, o STF examinou, neste ponto, a conformação do exame aos chamados "limites dos limites" (Schranken-Schranken, na expressão da doutrina alemã), concluindo pela constitucionalidade do Exame de Ordem ante a observância da exigência de observância da reserva de lei, da proporcionalidade e da proibição de afronta ao núcleo essencial do direito fundamental.
Recentemente, o Colégio de Presidentes dos Institutos dos Advogados do Brasil obteve apoio expresso do vice-presidente da República, Michel Temer, que na qualidade de deputado constituinte inseriu o art. 133 na Constituição Federal: “O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.”
Se a Magistratura e o Ministério Público dependem de concurso público, ou seja, o filtro necessário diante da grandiosidade do múnus público da carreira jurídica, exatamente no mesmo sentido é necessário o exame de ordem para a carreira da Advocacia, mantendo-se equilíbrio da administração da justiça e a garantia contra o péssimo ensino jurídico no País, para habilitação adequada de quem é a voz constitucional do cidadão.