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A justiça ambiental de acordo com a igualdade de recursos de Dworkin

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Agenda 17/07/2015 às 11:23

A JUSTIÇA AMBIENTAL DE ACORDO COM A IGUALDADE DE RECURSOS DE DWORKIN

Adotando-se a perspectiva de BRITO FILHO, segundo a qual teoria da igualdade de recursos de Dowrkin pode ser compreendida, em um viés prático, de modo a considerar como recursos a serem (re)distribuídos bens e oportunidades concretizados através dos direitos fundamentais46, constata-se evidente que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e sadio, para as presentes e futuras gerações pode ser tido como um recurso previsto na teria Dworkiniana.

Assim, acata-se a sugestão do próprio Dworkin, que como vimos, afirma que a utilização do mecanismo do leilão hipotético poderia proporcionar um padrão que sirva de paradigma para se julgar até que ponto uma distribuição real, qualquer que tenha sido o modo de se chegar a ela, aproxima-se da igualdade de recursos em dado momento47.

O debate distributivo trazido pelo movimento da justiça ambiental, está voltado para a desconcentração dos riscos ambientais de camadas populacionais socialmente vulneráveis48. É dizer, os riscos das atividades humanas na sociedade devem ser distribuídos de forma mais igualitária. Enfatiza-se a necessidade de uma redistribuição mais justa, dos riscos e bens ambientais, entre ricos e pobres e entre diferentes culturas e raças.

RAMMÊ considera que o forte viés redistributivo, trazido pelo movimento por justiça ambiental decorre de uma lógica bastante simples, a de que “a distribuição desigual dos riscos e males ambientais no espaço social se espelha na desigualdade social e no preconceito racial e cultural existentes na sociedade”49 e cita BAGGIO:

[...] as demandas por justiça ambiental surgem em um contexto de conflitos culturais muito próximo das lutas multiculturais, quer seja pela forte presença do elemento da identidade, que somado à desigualdade sócio-econômica, torna-se um fator determinante na caracterização da discriminação ambiental imposta a certos grupos, quer seja pela denúncia à insuficiência da neutralidade do Estado para atender às demandas coletivas inerentes aos movimentos sociais por justiça ambiental50.

De fato, a distribuição dos riscos ambientais reflete a iniquidade socioeconômica em países de todas as regiões do globo terrestre, originando reivindicações por uma justa distribuição que abranja, por exemplo, a injusta distribuição dos bens ambientais como água e ar limpos, alimentos saudáveis; a desproporcional disposição de resíduos perigosos e indústrias poluentes no espaço social, o número desproporcional de pessoas pobres trabalhando em ocupações perigosas, o desproporcional consumo de alimentos contaminados por pessoas pobres, a desproporcional exposição de comunidades pobres a poluentes que originam as mais diferentes doenças, bem assim, a flexibilização da aplicação de leis ambientais junto às comunidades pobres (ou minorias) vulneráveis.

Nesse aspecto, é possível utilizar a teoria dworkiniana de igualdade de recursos, através do leilão hipotético, como paradigma para analisar o quão desiguais são as sociedades de qualquer região do planeta.

De igual modo, é possível adotar instrumentos que têm por finalidade diminuir as desigualdades socioambientais, nos moldes dos mecanismos compensatórios propostos por Dworkin em sua teoria (seguros e tributação).

É nesse sentido a afirmação de ALIER

Quando existe informação suficiente sobre a probabilidade de risco e quando se alcança um acordo sobre os valores econômicos que são atribuídos aos danos – o que não é em absoluto uma questão trivial –, as externalidades podem ser internalizadas no sistema de preços através dos seguros. [...]

Quando os riscos são desconhecidos, e não podem ser estimados subjetivamente (tal como acontece com as novas tecnologias), outros instrumentos têm sido apresentados visando a implementar o “Princípio da Precaução”. Seria esse o caso, por exemplo, da obrigação de uma garantia (Costanza e Perrings, 1990) cobrindo o custo máximo no caso de acidente, a ser devolvida sem prejuízo na eventualidade de não ocorrer nenhum problema durante o período do projeto. Esse é um sistema apropriado para as plantas nucleares e para biotecnologias novas, embora requisite uma estimação de custo máximo (aliás, o custo de Chernobyl poderia ser antecipado?) e também um cronograma financeiro de difícil aplicação (pois requer centenas ou talvez milhares de anos).51.

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Nos EUA, na década de 1970, criou-se a legislação do Superfund 52 , que é um fundo financeiro com receita oriunda de impostos especiais sobre indústrias químicas e de petróleo que financia operações de recuperação ambiental e indenização para os atingidos por impactos decorrentes de empreendimentos potencialmente degradadores.

Mecanismos de compensação como o Superfund, aliados ao reconhecimento do êxito de práticas alternativas fundadas em vários sistemas de manejo comunitário de populações com maior afinidade tradicional com a natureza fazem-nos caminhar mais próximo da justiça ambiental.


ESBOÇO CONCLUSIVO

Após analisar de maneira muito sintetizada a teoria de justiça de Ronald Dworkin, em sua obra “A virtude soberana: a teoria e a prática da igualdade”, fundada na igualdade de recursos, na concepção da liberdade como valor complementar à igualdade, e no conceito de comunidade liberal que respeita os diversos modos de viver; constata-se que o conceito de justiça ambiental, que reivindica uma redistribuição mais justa, dos riscos e bens ambientais, entre ricos e pobres, e entre diferentes culturas e raças, se adequa à teoria de Dworkin.

Além disso, observa-se que não só é possível utilizar a teoria do filósofo americano como diretriz para solução dos chamados conflitos ecológicos distributivos trazidos por Joan Martinez Alier, como também, que aquela é adequada para evitar que novos conflitos desse jaez surjam.


REFERÊNCIAS

ALIER, Joan Martinez. O ecologismo dos pobres: conflitos ambientais e linguagens de valorização . São Paulo: Ed. Contexto. 2012.

BRITO FILHO, José Cláudio Monteiro de. Ações Afirmativas. 2ª Edição. São Paulo: Ltr, 2013.

DWORKIN, Ronald. A virtude soberana: a teoria e a prática da igualdade. Tradução Jussara Simões. 2ª edição. São Paulo: Martins Fontes, 2011.

FERRAZ, Octávio Luiz Motta. Justiça distributiva para formigas e cigarras. Novos estud. – CEBRAP [online]. 2007, n.77 [cited 2009-12-16], pp. 243-253.Disponível em : <https://www.scielo.br /scielo. php?script=sci_arttext&pid=S0101-33002007000100013&lng=en&nrm=iso>. ISSN 0101-3300. doi:10.1590/S0101-33002007000100013. Acesso em 17.10.2013.

PATULLO, Marcos Paulo Falcone. A igualdade no pensamento de Ronald Dworkin. Dissertação (Mestrado em Direito Político e Econômico) – Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2010.

RAMMÊ, Rogério Santos. Da justiça ambiental aos direitos e deveres ecológicos: conjecturas políticos-filosóficas para uma nova ordem jurídico-ecológica. Dados eletrônicos. – Caxias do Sul, RS: Educs,2012.

SANDEL, Michael J. Justiça o que é fazer a coisa certa. Trad. Heoloisa Matias e Maria Alice Máximo. 8ª Edição. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012.


Notas

1 O libertarismo é uma corrente teórica da filosofia política na qual seus adeptos defendem a liberdade enquanto direito quase que absoluto, especialmente no que se refere à liberdade econômica (mercados livres) e, em virtude de tal direito, se opõem à regulamentação estatal, que deverá ser mínima. Rejeitam o paternalismo estatal (v.g. leis que objetivam proteger os cidadãos, como obrigatoriedade do uso de cinto de segurança ou capacetes), legislações que promovam noções de virtude ou para expressar convicções morais da maioria, e a redistribuição de renda ou riqueza. Seu expoente teórico é o autor Robert Nozick para quem, os indivíduos tem direito de fazer o que quiserem com aquilo que lhes pertence, desde que sejam respeitados os direitos dos outros de fazer o mesmo. Vide SANDEL, Michael J. Justiça o que é fazer a coisa certa. Trad. Heoloisa Matias e Maria Alice Máximo. 8ª Edição. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012. Pag. 78/79.

2 BRITO FILHO, José Cláudio Monteiro de. Ações Afirmativas. 2ª Edição. São Paulo: Ltr, 2013. Capítulo II.

3 VITA, Álvaro. A justiça igualitária e seus críticos. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 24. Apud PATULLO, Marcos Paulo Falcone. A igualdade no pensamento de Ronald Dworkin. Dissertação (Mestrado em Direito Político e Econômico) – Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2010. pag. 44.

4 Uma Breve história da justiça distributiva. Tradução de Álvaro de Vitaa. Sâo Paulo: Martins Fontes, 2006. pág. 169 Apud BRITO FILHO, José Cláudio Monteiro de. Ações Afirmativas. 2ª Edição. São Paulo: Ltr, 2013. pag. 48.

5 BRITO FILHO, José Cláudio Monteiro de. Ações Afirmativas. 2ª Edição. São Paulo: Ltr, 2013. pag. 49.

6 DWORKIN, Ronald. A virtude soberana: a teoria e a prática da igualdade. Tradução Jussara Simões. 2ª edição. São Paulo: Martins Fontes, 2011. pag. 4.

7 PATULLO, Marcos Paulo Falcone. A igualdade no pensamento de Ronald Dworkin. Dissertação (Mestrado em Direito Político e Econômico) – Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2010. pag. 18.

8 DWORKIN, Ronald. A virtude soberana: teoria e prática da igualdade. Tradução Jussara Simões. 2ª edição. São Paulo: Martins Fontes, 2011. pag. I.

9 Idem.

10 op. cit. pag. XII.

11 Trata-se da igual consideração que, assim como o Estado tem dever de observar para com os indivíduos, deve ser aplicada, de igual modo entre os particulares.

12 DWORKIN, Ronald. A virtude soberana: teoria e prática da igualdade. Tradução Jussara Simões. 2ª edição. São Paulo: Martins Fontes, 2011. pag. XVI.

13 FERRAZ, Octávio Luiz Motta. Justiça distributiva para formigas e cigarras. Novos estud. – CEBRAP [online]. 2007, n.77 [cited 2009-12-16], pp. 243-253.Disponível em : <https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-33002007000100013&lng=en&nrm=iso>. ISSN 0101-3300. doi:10.1590/S0101-33002007000100013. Acesso em 17.12.2009. Apud PATULLO, Marcos Paulo Falcone. A igualdade no pensamento de Ronald Dworkin. Dissertação (Mestrado em Direito Político e Econômico) – Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2010. Pag. 23.

14 BRITO FILHO, José Cláudio Monteiro de. Ações Afirmativas. 2ª Edição. São Paulo: Ltr, 2013. pag. 49.

15 DWORKIN, Ronald. A virtude soberana: teoria e prática da igualdade. Tradução Jussara Simões. 2ª edição. São Paulo: Martins Fontes, 2011. pag. 80.

16 PATULLO, Marcos Paulo Falcone. A igualdade no pensamento de Ronald Dworkin. Dissertação (Mestrado em Direito Político e Econômico) – Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2010. Pag. 42.

17 op. cit. pag. 81.

18 DWORKIN, Ronald. A virtude soberana: a teoria e a prática da igualdade. Tradução Jussara Simões. 2ª edição. São Paulo: Martins Fontes, 2011. pag. 101.

19 Idem. pag. 89.

20 É o que afirma BRITO FILHO, com o qual concordamos, para quem, do ponto de vista prático, a teoria do autor faz mais sentido quando a consideramos como uma teoria que pretende a distribuição de recursos (bens e oportunidades) fundamentais. vide BRITO FILHO, José Cláudio Monteiro de. Ações Afirmativas. 2ª Edição. São Paulo: Ltr, 2013. pag. 50.

21 DWORKIN, Ronald. A virtude soberana: a teoria e a prática da igualdade. Tradução Jussara Simões. 2ª edição. São Paulo: Martins Fontes, 2011. pag. 249..

22 DWORKIN, Ronald. A virtude soberana: a teoria e a prática da igualdade. Tradução Jussara Simões. 2ª edição. São Paulo: Martins Fontes, 2011. pag. 291.

23 ALIER, Joan Martinez. O ecologismo dos pobres: conflitos ambientais e linguagens de valorização . São Paulo: Ed. Contexto. 2012. Pág. 110

24 op. cit. pag. 113.

25 Idem.

26 Ibdem.

27 ALIER, Joan Martinez. O ecologismo dos pobres: conflitos ambientais e linguagens de valorização . São Paulo: Ed. Contexto. 2012. pag. 341.

28 LEFF, Enrique. Saber ambiental: sustentabilidade, racionalidade, complexidade, poder. Trad. de Lúcia Mathilde Endlich Orth. Petrópolis: Vozes, 2009. p. 72. Apud RAMMÊ, Rogério Santos. Da justiça ambiental aos direitos e deveres ecológicos: conjecturas políticos-filosóficas para uma nova ordem jurídico-ecológica. Dados eletrônicos. – Caxias do Sul, RS: Educs,2012. pag. 29.

29 RAMMÊ, Rogério Santos. Da justiça ambiental aos direitos e deveres ecológicos: conjecturas políticos-filosóficas para uma nova ordem jurídico-ecológica. Dados eletrônicos. – Caxias do Sul, RS: Educs,2012. pag. 29.

30 Idem.

31 ALIER, Joan Martinez. O ecologismo dos pobres: conflitos ambientais e linguagens de valorização . São Paulo: Ed. Contexto. 2012. pag. 230.

32 idem. 231.

33 RAMMÊ, Rogério Santos. Da justiça ambiental aos direitos e deveres ecológicos: conjecturas políticos-filosóficas para uma nova ordem jurídico-ecológica. Dados eletrônicos. – Caxias do Sul, RS: Educs,2012. pag. 16.

34 op. cit. pag. 13.

35 ALIER, Joan Martinez. op. cit. pag. 235.

36 Idem . pag. 239.

37 Ibdem. O Autor exemplifica os casos do conflito europeu a respeito dos riscos nucleares explicitados nos enfretamentos de Gorleben ou de Creys-Malville, a polêmica europeia contra a “carne com hormônios” procedente dos EUA, o conflito sobre a represa das Três Gargantas, na China.

38 ALIER, Joan Martinez. O ecologismo dos pobres: conflitos ambientais e linguagens de valorização . São Paulo: Ed. Contexto. 2012. pag. 264.

39 Idem. Pag. 270-274.

40 ALIER, Joan Martinez. op. cit. pag. 271.

41 Idem. pag. 273

42 Ibdem. pag. 274-275

43 Idem. pag. 275.

44 Idem. pag. 277.

45Idem. pag. 280.

46 BRITO FILHO, José Cláudio Monteiro de. Ações Afirmativas. 2ª Edição. São Paulo: Ltr, 2013. pag. 50.

47 DWORKIN, Ronald. A virtude soberana: a teoria e a prática da igualdade. Tradução Jussara Simões. 2ª edição. São Paulo: Martins Fontes, 2011. pag. 89.

48 RAMMÊ, Rogério Santos. Da justiça ambiental aos direitos e deveres ecológicos: conjecturas políticos-filosóficas para uma nova ordem jurídico-ecológica. Dados eletrônicos. – Caxias do Sul, RS: Educs,2012. pag. 101.

49 op. cit. 101

50 BAGGIO, Roberta Caminero. Justiça Ambiental entre redistribuição e reconhecimento: a necessária democratização da proteção da natureza. 2008. 259 f. Tese (Doutorado em Direito) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, SC, 2008. Apud RAMMÊ, Rogério Santos. Da justiça ambiental aos direitos e deveres ecológicos: conjecturas políticos-filosóficas para uma nova ordem jurídico-ecológica. Dados eletrônicos. – Caxias do Sul, RS: Educs,2012. pag. 101.

51 ALIER, Joan Martinez. O ecologismo dos pobres: conflitos ambientais e linguagens de valorização . São Paulo: Ed. Contexto. 2012. pag.252.

52 Cuja denominação oficial é Comprehensive Environmental Response Compesation and Liability Act – CERCLA.

Sobre o autor
Mauricio Nunes da Silva

Graduado em Direito pela Universidade Federal do Pará - UFPA (2006). Especialista em Direito Administrativo e Administração Pública pela Universidade da Amazônia (2008). Mestre em Direito do Programa de Pós-graduação em Direito - PPGD da UFPA. Defensor Público do Estado do Pará. Professor de Direito Constitucional e Processo Constitucional do Curso de Direito da Faculdade Maurício de Nassau em Belém/PA.

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