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A assistência jurídica em núcleos de prática jurídica e a possibilidade de extensão de prerrogativas da Defensoria Pública

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As prerrogativas devem ser usadas em prol dos usuários do serviço de assistência jurídica, e não como direito exclusivo do Defensor Público.

RESUMO: O presente artigo tem o condão de discutir questões práticas relativas à assistência jurídica integral e gratuita oferecida pelos Núcleos de Prática Jurídica e a possibilidade de extensão de prerrogativas da Defensoria Pública em favor dos usuários deste serviço.

Palavras-chave: Núcleo de Prática Jurídica. Assistência jurídica integral e gratuita. Convenio com Defensoria Pública. Prerrogativas.

SUMÁRIO: Introdução. 1. Assistencia jurídica integral e gratuita. 2. Dos modelos de assistência jurídica integral e gratuita. 2.1 Modelo Privado. 2.2 Modelo Público. 2.3 Modelo Misto. 3. Núcleos de Prática Jurídica. 3.1 As funções dos núcleos de prática jurídica e a necessidade de sua criação. 3.2 Os limites de atuação dos núcleos de prática jurídica de instituições de ensino conveniadas com a Defensoria Pública. 4. Da extensão das prerrogativas dos defensores públicos aos advogados dos núcleos de prática conveniados: afinal, as prerrogativas existem para que(m)?. Considerações Finais.


INTRODUÇÃO

Os Núcleos de Prática Jurídica ( NPJs) são tradicionalmente reconhecidos pelo seu caráter eminentemente pedagógico, ao passo em que estabelecem o primeiro contato do discente com questões práticas – e, muitas vezes, seu único contato com a realidade social vivenciada por pessoas carentes[1]–, auxiliando em sua formação acadêmica e profissional.

Por outro lado, tema pouco discutido – embora fundamental para a concretização do acesso à justiça - é a prestação dos serviços de assistência jurídica à comunidade promovida por esses núcleos. Essa temática revela-se de peculiar interesse, principalmente após a emergência de importantes atores sociais no cenário político brasileiro, como as entidades representativas da sociedade civil e a Defensoria Pública.

Embora inequívoca sua função pedagógica, pouco se fala desses núcleos enquanto recursos disponíveis para a universalização do acesso à justiça em sua vertente prestação da assistência jurídica integral e gratuita para o necessitado[2].

Neste passo, o presente artigo tem o condão de discutir, sob o prisma da advocacia desenvolvida nesses núcleos, questões relativas ao atendimento  e à possibilidade de extensão de prerrogativas aos prestadores de assistência jurídica integral e gratuita. Com esse fito, indispensável uma breve análise sobre os modelos de assistência jurídica existentes no contexto brasileiro atual; bem como dos limites de atuação dos núcleos conveniados.


1.  A assistência jurídica integral e gratuita

Em análise preliminar, insta contrastar a essência dos termos “assistência judiciária gratuita”, “gratuidade de justiça”[3] e a “assistência jurídica integral e gratuita”, os quais, embora sejam instrumentos voltados à concretização do acesso à Justiça, não se confundem.

De forma bem sintética, afirma-se que assistência judiciária gratuita é termo utilizado para definir o patrocínio de causa por um profissional qualificado, sem que sejam cobrados honorários do assistido; já gratuidade de justiça é empregado atualmente para efeitos de isenção das custas do processo, taxas judiciárias, ou dos emolumentos de cartório, que são os valores pagos ao Estado enquanto prestador da atividade jurisdicional e extrajudicial, podendo ser deferido quando utilizados tais serviços pelo necessitado do ponto de vista econômico.[4]

Em verdade, a distinção mais relevante é em relação ao termo “assistência judiciária”, indicado expressamente em diplomas legais mais antigos[5], e “assistência jurídica integral e gratuita”, introduzido pela Constituição Federal de 1988. O primeiro termo demonstra-se desatualizado em face aos avanços na própria teoria de acesso à justiça, visto que não basta o patrocínio de causas judiciais para fazer valer o direito da parte: deve-se pensar o direito muito além do âmbito judicial.

Com a massificação das demandas e a incapacidade estrutural do Estado-juiz, percebe-se que o acesso ao judiciário nem sempre é a medida mais célere e eficaz. A melhor solução, por vezes, pode-se dar de forma extrajudicial, sem a necessidade da promoção de uma ação, a qual geralmente é morosa e cheia de percalços.

Além disso, por questões culturais, é grande o número de pessoas que não sabem exatamente quais direitos possuem; ou até mesmo possuem uma vaga ideia de seus direitos, mas não compreendem a maneira mais adequada para exercê-los. Assim, necessitam de um amparo técnico de qualidade, ou seja, um profissional especializado para orientar sobre os caminhos juridicamente possíveis. Busca-se, em suma, uma emancipação por meio da conscientização da população, também conhecida como “educação em direitos”.

Essa compreensão mais abrangente de assistência foi expressamente adotada pelo ordenamento jurídico brasileiro. Trata-se de verdadeira missão constitucional, cujo principal articulador – mas não exclusivo - é a Defensoria Pública, instituição que possui como uma de suas atribuições – talvez a mais importante – a promoção de uma mentalidade emancipatória à população.

Para efeitos do presente artigo, tais distinções devem ser mais uma vez invocadas, na medida em que se discute a prestação de assistência jurídica integral e gratuita oferecida por entidades vinculadas a faculdades e universidades públicas ou privadas, quais sejam, os Núcleos de Prática Jurídica.


2.  Dos modelos de assistência jurídica

Existem três modelos de assistência jurídica reconhecidos na já consagrada ótica de Mauro Cappelletti e Bryant Garth ( 1988, p. 35 – 46). Por fins didáticos e para adaptá-los à realidade brasileira, chamaremos de: modelo privado; público e misto, que serão esmiuçados a seguir.

2.1 Modelo Privado

Em linhas gerais, o modelo privado é composto basicamente por advogados particulares que prestam assistência jurídica a pessoas menos favorecidas, de forma voluntária ou obrigatória, podendo ou não receber a contraprestação pecuniária (honorários).

 No Brasil, estão presentes os advogados que exercem a profissão sem nada cobrar do usuário de seus serviços, forma esta de advocacia voluntária e não remunerada conhecida por “Advocacia Pro Bono”[6]; por outro lado, também existem aqueles causídicos que recebem uma contraprestação por parte do Estado[7], ao que se convencionou chamar de “ Modelo Judicare” (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 35), ou, no caso brasileiro, “Advocacia Dativa”.

2.2 Modelo Público

A Constituição Federal de 1988 trouxe importante inovação no tocante ao modelo público no País. Em primeiro lugar porque inaugurou a expressão “assistência jurídica”, conforme já indicado; em segundo, porque previu expressamente uma instituição estatal específica encarregada de promover tal finalidade[8].

De fato, houve uma evolução sem precedentes na história da assistência jurídica, na medida em que demandas individuais ou coletivas tradicionalmente negligenciadas passam a ser institucionalizadas e juridicamente exigidas. Ou seja, tais demandas são promovidas por meio do trabalho de funcionários públicos, capacitados na promoção e defesa dos direitos das pessoas necessitadas que, dada a dura realidade política, social e econômica do País, repetem-se.

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Há diversos exemplos dessa atuação: 1 - Na área de Família e Sucessões, o incontável número de pessoas que necessitam de alimentos, de pessoas que buscam regularizar situações fáticas decorrentes da morte ou incapacidade de entes familiares e que não tem condições financeiras para arcar com os altos custos de um processo; 2 – na área de Habitação e Urbanismo, sabemos que, embora uns recebam o “auxílio moradia”, mesmo recebendo salários muito acima da média dos trabalhadores nacionais, grande parte da população não possui as mesmas condições, acarretando no despejo e até mesmo na desocupação forçada de comunidades inteiras, prejudicando sobremaneira o direito fundamental à moradia digna.

Além da atuação ordinária na defesa e promoção dos direitos individuais da população necessitada, a Defensoria Pública também possui um olhar mais abrangente sobre as necessidades do seu serviço, devendo atuar inclusive no plano coletivo de maneira eficaz e estratégica[9].

Exemplo que vale ser citado vem da ausência de vagas em creche municipal. Apesar de ser um direito fundamental, a educação é sistematicamente esquecida pelos administradores públicos e cabe, sem prejuízo da atuação de outros atores sociais, à Defensoria Pública exigir sua concretização; ou, ainda , para denunciar e alijar os abusos ocorridos em desocupação forçada de comunidades carentes, etc.

A despeito de ser o modelo que, em tese, vigora no Brasil  (REIS;JUNQUEIRA e ZVEIBIL, 2013 , p. 29), não se pode olvidar que possui críticas, das quais destacamos a necessidade de alto investimento pelo Estado para aparelhamento da instituição; bem como pela real dificuldade em dar tratamento individualizado com maior qualidade, visto que há poucos recursos humanos para este fim e uma demanda esmagadora por parte do elevado numero de usuários.

2.3 Modelo Misto

Tanto o Modelo Público (no Brasil, pela Defensoria Pública), quanto o Modelo Privado (seja pela Advocacia Pro bono ou pela Advocacia Dativa) têm a função precípua de garantir o Acesso à Justiça; contudo, os usuários não podem depender única e exclusivamente da caridade de Advogados Voluntários ou da disponibilidade financeira do Estado para arcar com os Advogados Dativos, tampouco de um crescimento milagroso dos recursos humanos e materiais por parte da Defensoria Pública.

Vale dizer, embora tenham razão de existir, cada qual com seus avanços e críticas, sozinhos tornam-se inegavelmente insuficientes para garantir o direito fundamental de Acesso à Justiça, de modo que, na prática, adota-se um modelo misto, coexistindo tais modalidades, visando ao atendimento mínimo de demandas que um país com tamanha desigualdade social como o Brasil lhe impõe.

Neste diapasão, indica-se a experiência paulista. Há alguns convênios realizados entre a Defensoria e outras instituições públicas e privadas. Exemplo disso é o convênio com a Seção de São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil ( OAB-SP) que não é obrigatório, tampouco exclusivo[10]. Os advogados inscritos e selecionados por este convênio também são chamados de “Advogados Dativos”, sendo remunerados pela própria Defensoria Pública do Estado de São Paulo (DPE-SP). Outro exemplo são os convênios existentes com Faculdades e Universidades públicas ou privadas, como o da Faculdade de Direito Professor Damásio de Jesus (NPJ – FDDJ), que atua por meio de seu respectivo Núcleo de Prática Jurídica.


3.  Núcleos de Prática Jurídica

3.1 As funções dos Núcleos de Prática Jurídica e a necessidade de sua criação

A formação acadêmica do aluno – notadamente em cursos pertencentes às Ciências Sociais, como é o caso do Direito – exige um olhar diferenciado, voltado para as situações do quotidiano, no qual se considere tanto as pequenas causas quanto os grandes acontecimentos decorrentes da vida em sociedade.

Tendo em vista essa preocupação pedagógica, busca-se complementar o ensino por meio da participação dos alunos em situações simuladas – e, em alguns casos, situações reais de atendimento ao público[11]. Desta maneira, evita-se um distanciamento cada vez maior dos acadêmicos em relação à realidade social, fomentando-se uma compreensão crítica e contextualizada de seu meio.

Em verdade, os Núcleos de Prática Jurídica das Universidades e Faculdades que prestam esse serviço de assistência jurídica integral e gratuita servem como um primeiro ou talvez o único contato do aluno com a prática do cotidiano jurídico da população carente– e daí sua relevância tanto para a academia quanto para a própria comunidade que recebe graciosamente tais serviços.

Afora essa função pedagógica, existe outra função que aflora: a social. Neste sentido, cumpre indicar que os Núcleos proporcionam contato mais intenso entre o corpo discente e os casos reais trazidos pela população, uma vez que por meio de atividades supervisionadas por professores e advogados - como o acompanhamento da orientação jurídica e patrocínio de causas reais - o aluno não apenas é estimulado a essa reflexão crítica, mas auxilia na própria prestação da assistência jurídica integral e gratuita.

Tal é a importância desses Núcleos que o Ministério da Educação (MEC) impõe a sua criação a todas as Universidades e Faculdades do Brasil, conforme consta nos artigos 2º, §1º, inciso IX, e 7º, §1º, da Resolução 09/2004 da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação (CES/ CNE - MEC), que institui as Diretrizes curriculares do curso de graduação em Direito:

“Art. 2º A organização do Curso de Graduação em Direito, observadas as Diretrizes Curriculares Nacionais se expressa através do seu projeto pedagógico, abrangendo o perfil do formando, as competências e habilidades, os conteúdos curriculares, o estágio curricular supervisionado, as atividades complementares, o sistema de avaliação, o trabalho de curso como componente curricular obrigatório do curso, o regime acadêmico de oferta, a duração do curso, sem prejuízo de outros aspectos que tornem consistente o referido projeto pedagógico.

§ 1° O Projeto Pedagógico do curso, além da clara concepção do curso de Direito, com suas peculiaridades, seu currículo pleno e sua operacionalização, abrangerá, sem prejuízo de outros, os seguintes elementos estruturais: ( ...)

IX - concepção e composição das atividades de estágio curricular supervisionado, suas diferentes formas e condições de realização, bem como a forma de implantação e a estrutura do Núcleo de Prática Jurídica”;

“Art. 7º O Estágio Supervisionado é componente curricular obrigatório, indispensável à consolidação dos desempenhos profissionais desejados, inerentes ao perfil do formando, devendo cada instituição, por seus colegiados próprios, aprovar o correspondente regulamento, com suas diferentes modalidades de operacionalização.

§ 1º O Estágio de que trata este artigo será realizado na própria instituição, através do Núcleo de Prática Jurídica, que deverá estar estruturado e operacionalizado de acordo com regulamentação própria, aprovada pelo conselho competente, podendo, em parte, contemplar convênios com outras entidades ou instituições e escritórios de advocacia; em serviços de assistência judiciária implantados na instituição, nos órgãos do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública ou ainda em departamentos jurídicos oficiais, importando, em qualquer caso, na supervisão das atividades e na elaboração de relatórios que deverão ser encaminhados à Coordenação de Estágio das IES , para a avaliação pertinente.” ( grifo nosso)

Além do MEC, a própria Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), em seu Regimento Geral do Estatuto da OAB, no art. 27, §1º, faculta às instituições de ensino a criação dos Núcleos de Prática Jurídica:

“Art. 27. O estágio profissional de advocacia, inclusive para graduados, é requisito necessário à inscrição no quadro de estagiários da OAB e meio adequado de aprendizagem prática.

§ 1º O estágio profissional de advocacia pode ser oferecido pela instituição de ensino superior autorizada e credenciada, em convênio com a OAB, complementando-se a carga horária do estágio curricular supervisionado com atividades práticas típicas de advogado e de estudo do Estatuto e do Código de Ética e Disciplina, observado o tempo conjunto mínimo de 300 (trezentas) horas, distribuído em dois ou mais anos” ( grifo nosso)

Assim, se de um lado a OAB faculta a criação dos Núcleos de Prática Jurídica, de outro o MEC exige a sua criação e instalação no seio acadêmico; contudo, vale enfatizar que o modo de operar é de livre escolha de cada Universidade ou Faculdade, cabendo a elas, inclusive, deliberar convênio com outras instituições.

3.2 Os limites de atuação dos Núcleos de Prática Jurídica de instituições de ensino conveniadas com a Defensoria Pública

Conforme o art. 7º da Resolução 09/2014 CNE/CES, indicado no item anterior, a instituição de ensino pode optar pela prestação de assistência jurídica gratuita. Neste caso, há a possibilidade de realizar convênio com a Defensoria Pública do seu respectivo Estado, o qual não é obrigatório.

Os Núcleos de Prática Jurídica de Faculdades ou Universidades conveniadas com a Defensoria Pública possuem uma maior ou menor autonomia, a depender do contrato firmado entre as instituições. Na prática, há uma série de condições a serem preenchidas pelos conveniados, de maneira que se evidencia uma diminuta autonomia – exigindo-se, inclusive, o encaminhamento de relatórios mensais à Defensoria.

Ademais, não se pode escolher o modo de atuação e o público a ser atendido, na medida em que a escolha dos usuários e do tipo de ação cabível é feita pela própria instituição: os usuários somente serão atendidos pelos advogados do Núcleo mediante a apresentação de ofício de encaminhamento, no qual constam expressamente os limites de atuação do conveniado. Neste sentido, cumpre também mencionar o regramento específico adotado na Deliberação 89 de 2008 do Conselho Superior da Defensoria Pública do Estado de São Paulo (CS/DPE-SP) que, no seu artigo 2º, traz a definição de hipossuficiente econômico. Fora daqueles parâmetros institucionais é vedado ao Núcleo conveniado atuar.

Destarte, ao menos, no caso específico do Estado de São Paulo, os Núcleos de Prática Jurídica conveniados não podem atuar sem que o usuário tenha passado pela triagem realizada pela própria Defensoria e haja o respectivo ofício de encaminhamento. Isso demonstra que tais Núcleos atuam – ou ao menos são compelidos a atuar- nos mesmos moldes de Defensoria Pública, uma vez que é ela que determina tais requisitos, em consonância com seus próprios critérios institucionais.


4. Da extensão das prerrogativas dos Defensores Públicos aos Advogados dos Núcleos de Prática Conveniados: afinal, as prerrogativas existem para que(m)?

Primeiramente, vale lembrar que a Defensoria Pública é órgão essencial à Administração da Justiça e recebeu status constitucional com a promulgação da Carta de 1988, mais precisamente no artigo 134 da Constituição Federal[12]. Com o advento da EC/80, recebeu maior destaque, cuja redação incluiu os termos “permanente” e “expressão e instrumento do regime democrático”, assim como ganhou seção autônoma, distanciando-se geograficamente da advocacia pública e privada no texto constitucional.

No que tange à sua regulamentação, trata-se de competência legislativa concorrente, cabendo, desta forma, à União estabelecer as normas gerais e, suplementarmente, aos Estados membros da federação, na forma do art. 24, XIII, da Constituição Federal. Com efeito, sobreveio a Lei Complementar 80/94 estabelecendo normais gerais em matéria de Defensoria Pública,  o qual trouxe , em seu artigo 182, I, o seguinte enunciado sobre prerrogativas:

“Art. 128. São prerrogativas dos membros da Defensoria Pública do Estado, dentre outras que a lei local estabelecer:

I - receber, inclusive quando necessário, mediante entrega dos autos com vista, intimação pessoal em qualquer processo e grau de jurisdição ou instância administrativa, contando-se-lhes em dobro todos os prazos” ( grifo nosso)

Embora o artigo indique expressamente que são prerrogativas dos “membros da Defensoria Pública”, surge a seguinte questão: tratam-se de prerrogativas  exclusivas do Defensor Público ou servem de instrumento para a defesa dos interesses do usuário?

Nos tribunais, há entendimento segundo o qual não é exclusividade do Defensor Público, possibilitando a extensão dessas prerrogativas com esteio no artigo 5º, §5º, da antiga Lei 1060/50[13], que dispõe:

“§ 5° Nos Estados onde a Assistência Judiciária seja organizada e por eles mantida, o Defensor Público, ou quem exerça cargo equivalente, será intimado pessoalmente de todos os atos do processo, em ambas as Instâncias, contando-se-lhes em dobro todos os prazos” ( grifo nosso)

Aliás, neste diapasão, reconhecendo inclusive o importante papel social dos Núcleos de Prática Jurídica conveniados, decidiu José Antonio Lavouras Haicki, magistrado da 6ª Vara Cível do Foro Central da Comarca de São Paulo, nos autos nº 0062122-26.2012.8.26.0100[14]:

“Considerando que os interesses do Requerido J. M. de F. nesta demanda estão sendo patrocinados pelo prestigioso Núcleo de Prática Jurídica da Faculdade de Direito Professor Damásio de Jesus, o qual, como é cediço, presta serviços de advocacia em razão de convênio firmado com a não menos prestigiosa Defensoria Pública do Estado de São Paulo, temos que o caso vertente subsume-se à hipótese de incidência do artigo 5º, § 5º, da Lei Federal nº 1.060, de 05 de fevereiro de 1950 (Lei da Assistência Judiciária), porquanto os insignes Advogados signatários da petição acostada a fls. 74/77, doutores N. F., OAB/SP nº ..., e R. R. B. L., OAB/SP nº ..., integrantes daquela instituição, exercem, induvidosa e irrefragavelmente, na condição de longa manus, "cargo equivalente" ao de Defensor Público, o que significa dizer, em bom vernáculo, que deverão ser intimados pessoalmente de todos os atos do processo, em todas as Instâncias, "contando-se-lhes em dobro todos os prazos", o que deverá ser rigorosamente observado pelo Cartório.”

De outra banda, não se desconhece a existência de vozes na doutrina especializada que já refutavam tal entendimento, a exemplo de Frederico Rodrigues Viana de Lima (2011, p. 306), sob argumento de que quem exerce “cargo equivalente” ao Defensor Público deve ser necessariamente agente público, não se estendendo, portanto, tais prerrogativas aos Advogados Dativos, cujos assistidos sejam beneficiários da justiça gratuita.

Em que pese respeitarmos este último entendimento, cumpre ressaltar que, no caso específico dos Núcleos de Prática conveniados, estes não possuem plena liberdade de atuação, pois estão vinculados às demandas encaminhadas pela própria Defensoria Pública, de modo que, se recusadas as prerrogativas pelo simples fato de serem convênios, estaremos em face de uma verdadeira loteria para o usuário. Explicamos: quem realiza a primeira triagem e analisa a necessidade de assistência à determinada pessoa é a própria Defensoria Pública. Se a instituição entender que é necessária a sua atuação, distribuirá internamente a alguma regional sua ou encaminhará à instituição com ela conveniada. Ou seja, a pessoa que procurou os serviços específicos da Defensoria Pública não tem qualquer controle se realmente será atendida por um Defensor Público (agente público) ou encaminhada a alguma entidade conveniada (Advogados Particulares) – e, consequentemente, o assistido terá tratamento diferenciado em relação às prerrogativas.

Ainda, sobre a questão das prerrogativas, vale trazer à baila as lições de REIS, JUNQUEIRA e ZVEIBIL ( 2013, p. 169):  “A prerrogativa do defensor é escudo do usuário em face do Estado e de terceiros(...)”. Prosseguem os autores (2013, p. 169):

“(...) Daí a importância fundamental de termos em mente que todas as garantias e prerrogativas são meios indispensáveis ao exercício das funções institucionais, não se configurando, portanto, como simples direitos dos defensores públicos ou privilégio da Instituição, mas como garantias e prerrogativas acima de tudo da cidadania.” ( grifo nosso)

Por esse prisma, pode-se aduzir que as prerrogativas não são meras liberalidades concedidas ao Defensor ou à Defensoria Pública. Pelo contrário, trata-se de um importante instrumento de acesso à justiça que garante ao usuário do serviço público a efetivação de seus direitos, ou, em uma visão mais ampla, da própria “cidadania”.

Ora, se as prerrogativas existem como instrumento de efetivação de direitos não pode ser ele aplicado apenas a uns usuários e não a outros. Aqui, não se quer desmerecer o papel do Defensor Público, muito pelo contrário: um país com grande desigualdade social como o Brasil deve ter uma Defensoria Pública mais forte e atuante – e essa compreensão é endossada internacionalmente pela Organização dos Estados Americanos, da qual o Brasil é importante membro[15]. Contudo, como se sabe, a Instituição ainda briga por sua afirmação e não possui, infelizmente, número de membros nem estrutura suficientes para atender à crescente demanda, necessitando do auxílio de convênios.

Com efeito, se prevalecesse que as prerrogativas são apenas dos agentes públicos (Defensor Público ou quem lhe faça às vezes, como Procuradores do Estado [16]) haveria uma grande loteria: se o usuário fosse assistido por Defensor Público teria a prerrogativa do prazo em dobro e vista pessoal; por sua vez, se atendido por Advogado pertencente a uma instituição conveniada não teria nenhuma das prerrogativas previstas em lei, de modo a mitigar os instrumentos desse profissional, prejudicando assim a defesa dos interesses do próprio assistido– o que se mostra de todo desarrazoado.

Ademais, esse tratamento randômico e injustificadamente desigual conferido ao usuário não atinge apenas a esfera individual, mas acaba infirmando a própria “cidadania”, segundo a ótica já trazida. Deve ser, portanto, considerado inconcebível em um Estado Democrática de Direito, que tem como objetivos fundamentais a construção de uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I, CRFB) e a redução das desigualdades sociais e regionais (art. 3º, III, CRFB).

Neste ponto, de maneira acertada, o Novo Código de Processo Civil ( Lei 13.105/2015), no seu artigo 183, §3º, sedimentou ao menos a questão do prazo em dobro, estendendo tal prerrogativa aos Núcleos de Prática Jurídica e demais instituições conveniadas à Defensoria Pública[17]

Sobre os autores
Marcio Spagnuolo Furtado

Advogado do Núcleo de Prática da Faculdade Damásio Direito – NPJ/FDD Pós-Graduando em Direito Penal e Criminologia pelo Instituto de Criminologia e Política Criminal do Paraná –ICPC/Uninter

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HUDLER, Daniel Jacomelli; FURTADO, MARCIO SPAGNUOLO, Marcio Spagnuolo Furtado. A assistência jurídica em núcleos de prática jurídica e a possibilidade de extensão de prerrogativas da Defensoria Pública. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4438, 26 ago. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/41510. Acesso em: 23 dez. 2024.

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