Sabido que, diante de algum revés do cotidiano, é normal que o ser humano necessite de um tempo para assimilar os fatos que sobrevieram, para que, a partir de então, possa se adaptar às novas circunstâncias que lhe são postas – alteradas as circunstâncias no teatro de operações, a tática deve ser mudada.
Com efeito, não é diferente quando há a ruptura de um matrimônio ou união estável. Ambos os cônjuges, ante a falência da unidade familiar, saem do relacionamento, normalmente, com o ego ferido, além de guardarem mágoas e ressentimentos um do outro e, muitas vezes por falta de maturidade, não sabem lidar com as consequências deste acontecimento, haja vista que, em princípio, ninguém se casa pensando em um dia se divorciar.
Por conta dessa rescisão da entidade familiar, com a dissolução da sociedade ou vínculo conjugal, o marido se transforma em ex-marido e a mulher em ex-mulher, no entanto, os filhos continuam sendo eternamente filhos, ou seja, a relação parental se mantém hígida, extinguindo-se tão somente a relação conjugal. Assim, mesmo com a ruína do casamento ou da união estável, os direitos e obrigações inerentes ao poder familiar devem ser estritamente observados pelos pais, no intuito de preservar os interesses da prole e amainar os traumas causados pelo rompimento da estrutura familiar.
Ao ocorrer, destarte, a quebra do convívio dos pais, a entidade familiar resta comprometida, haja vista que eles deixam de tomar decisões de forma conjunta, o que acaba provocando a redistribuição dos papéis e atribuições dos genitores.
Nesse contexto é que a guarda compartilhada dos filhos entre o pai e a mãe ganha relevância, ou seja, tem-se um acordo de vontade entre os pais segundo o qual os filhos do casal ficarão temporadas iguais na casa de um e outro, já que, sem dúvida, lugar de filho é com o pai e a mãe.
ANÁLISE DO TEMA
Atualmente, a guarda de filhos menores ou incapazes pode ser unilateral – atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o substitua – ou compartilhada, quando há responsabilização conjunta dos pais.
Ocorre que, em cerca de 90% dos processos de divórcio, separação judicial ou união estável que tramitam nas Varas de Família pelo Brasil afora, e, principalmente, em casos em que não há acordo entre as partes, a guarda unilateral é concedida à mãe, pois ela teria, em tese, melhores condições para criar os filhos. Tal pensamento arcaico deriva do patriarcalismo, no qual imperava a divisão de tarefas entre os cônjuges: ao homem cabia a função de mantenedor do lar, enquanto à mulher tocava a incumbência de cuidar da casa e dos filhos.
Neste prisma, além de ter que suportar o distanciamento dos filhos, o papel do homem ou da mulher que não detém a guarda dos filhos foi reduzido a um mero pagador de pensão alimentícia, podendo visitar a sua prole somente nos dias e horários fixados pelo juiz, mormente em finais de semana alternados.
Conforme a lição de Maria Berenice Dias, com a qual nos coadunamos, com o rompimento da convivência dos pais há uma fragmentação de um dos componentes da autoridade parental. Ambos continuam detentores do poder familiar, mas, em regra, o filho fica sob a guarda de um, e ao outro é assegurado o direito de visitas. Quanto mais conflituoso o relacionamento entre os genitores, mais minuciosamente é regulamentado o direito de visitas, estabelecendo-se dias e horários de forma bastante rígida.1
Ocorre que, em muitos casos, nota-se que aquele pai ou mãe que detém a guarda da criança ou adolescente se aproveita desta condição para praticar atos de vingança contra o outro, por alguma desavença ou mágoa do relacionamento conjugal, usando, para tanto, o próprio filho para satisfazer a sua sanha vingativa, em detrimento do melhor interesse dos filhos, atitude esta tipificada como alienação parental, conforme estabelece o art. 2º, incisos I a VII, da Lei nº 12.318/10.
Considerando que a convivência ininterrupta de uma criança ou de um adolescente com seu pai e sua mãe é salutar para a construção de uma personalidade saudável, o legislador infraconstitucional já havia editado a Lei nº 11.698/08, que alterou os arts. 1.583 e 1.584, ambos do Código Civil, para trazer ao âmbito jurídico o instituto da guarda compartilhada, distinguindo-a da guarda unilateral.
Segundo a redação do § 1º do art. 1.583 do Código Civil, a guarda compartilhada pode ser compreendida como a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns. Logo, depreende-se que não há exclusividade para o pai ou para a mãe nesta modalidade de guarda, pois ambos devem convergir esforços em prol do bem-estar da criança ou do adolescente.
Neste aspecto, cabe esclarecer que a guarda alternada não se confunde com a guarda compartilhada, tendo em vista que, na primeira, há um revezamento de períodos exclusivos de guarda, enquanto que na segunda os pais, em igualdade de condições, exercem o poder familiar, ainda que a custódia física do filho esteja apenas com um deles. Assim, na guarda compartilhada – que tem como premissas básicas que tanto a mãe quanto o pai queiram ficar com os menores e que ambos tenham condições de cuidar das crianças – observa-se uma constituição de famílias multinucleares, nas quais os filhos desfrutam de dois lares, em harmonia, estimulando a manutenção de vínculos afetivos e o compartilhamento de responsabilidades, primordiais à saúde biopsíquica dos menores.
Por sua vez, os incisos I e II do art. 1.584 da Lei Adjetiva Civil, incluídos pela Lei nº 11.698/08, estabelecem que a guarda, quer seja unilateral ou compartilhada, pode ser requerida de comum acordo pelos pais ou decretada pelo juiz, em atenção às necessidades específicas do filho, ou em razão da distribuição de tempo necessário ao convívio deste com o pai e com a mãe.
Nesse diapasão, é importante registrar que o Senado Federal aprovou, em 26 de novembro de 2014, o Projeto de Lei da Câmara nº 117/03, de autoria do Deputado Federal Arnaldo Faria de Sá, para alterar os arts. 1.583, 1.584, 1.585 e 1.634 do Código Civil, estabelecer o significado de guarda compartilhada e dispor sobre a sua aplicação de um modo mais amplo, sob o argumento de que as disposições normativas sobre a matéria eram deveras superficiais, o que culminou com a promulgação da Lei nº 13.058, de 22 de dezembro de 2014.
Assim, o § 2º do art. 1.584 do Código Civil, com redação dada pela Lei nº 13.058/14, passou a estabelecer que quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guarda compartilhada, salvo se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor. Nesta senda, infere-se que o legislador não utilizou o termo “poderá ser aplicada” e, sim, “será aplicada”, o que permite concluir que a lei deu primazia à guarda compartilhada, haja vista ser esta a que melhor atende aos interesses da criança ou do adolescente, mesmo quando houver dissenso entre os genitores.
Nesse sentido, ainda, o § 3º do art. 1.584 do Código Civil, também com redação dada pela Lei nº 13.058/14, prescreve que, para estabelecer as atribuições do pai e da mãe, e os períodos de convivência sob guarda compartilhada, o juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, poderá basear-se em orientação técnico-profissional ou de equipe interdisciplinar, que deverá visar à divisão equilibrada do tempo entre o pai e a mãe.
No entanto, para a doutrina, quando não houver a possibilidade de acordo, dificilmente poderá o magistrado “impor” que a guarda seja exercida de forma compartilhada, haja vista que a ausência de harmonia do casal, de per si, colocaria em xeque a integridade dos filhos. Por isso, somente quando se vislumbrar “maturidade e respeito no tratamento recíproco dispensado pelos pais poderá, então, mediante acompanhamento psicológico, impor a medida”.2
Já o Superior Tribunal de Justiça, conhecido como “Tribunal da Cidadania”, manifestou-se no sentido de que é questionável a assertiva de que a litigiosidade entre os pais obstaria a fixação da guarda compartilhada, porquanto que, se assim o for, estaria se olvidando de toda a estruturação teórica, prática e legal que aponta para a adoção da guarda compartilhada como regra.
Ao proferir o seu voto no julgamento do Recurso Especial nº 1.251.000-MG (DJe 31.08.11), a Ministra Nancy Andrighi, relatora do feito, pontuou que a guarda compartilhada, apesar de não representar uma alteração legislativa substancial, haja vista que a interpretação sistemática dos dispositivos legais atinentes à guarda dos filhos já permitiria a sua aplicação, teve a felicidade de, além de instituir o poder familiar de forma corresponsável como regra, aboliu o vezo cultural que ainda norteava a criação dos filhos no pós-separação.
Mais adiante, concluiu a ministra que “a guarda compartilhada é o ideal a ser buscado no exercício do poder familiar entre pais separados, mesmo que demande deles reestruturações, concessões e adequações diversas, para que seus filhos possam usufruir, durante sua formação, do ideal psicológico de duplo referencial”.3
Sem dúvida, mister se faz buscar o ideal psicológico de duplo referencial para os filhos de pais separados, porém, a prática forense nos mostra que, em matéria de família, cada caso é um caso, e que jamais se pode cogitar uma espécie de “piloto automático” para os processos. Assim, a nosso sentir, a guarda compartilhada não deve ser concedida quando, no caso concreto, há uma grande e evidente animosidade entre os pais e o rompimento da relação já é fruto de todo esse desgaste conjugal, no período pós-separação, ocasião em que as rusgas e os sentimentos pessoais acabam falando mais alto, inviabilizando o bom convívio, o compartilhamento da guarda e o conviver do filho em harmonia em ambos os lares – apesar de todo o esforço e boa vontade do juiz –, pois, daí, ao invés de o menor ter dois guardiões, acabaria, na prática, correndo o risco de ter nenhum, dado o grau de desentendimento e conflituosidade entre os pais, e a medida pode não surtir o efeito desejado, porque o infante não teria efetivamente a figura forte e necessária de um guardião, aquele que lhe representa e lhe provê a saúde, a educação, o amparo psicológico, intelectual, emocional etc.
Óbvio que é impossível regulamentar por decisão judicial todas as situações que envolvam a vida de uma criança ou adolescente em uma demanda judicial. Disto decorre a necessidade de o magistrado presidente do processo verificar as circunstâncias do caso concreto e, em função delas, conhecendo a relevância da questão, decidir com muita sensibilidade acerca da guarda, a fim de não fomentar ainda mais animosidade no seio familiar, em detrimento dos filhos que continuariam a presenciar, quase que diariamente, o repise das celeumas que geraram a separação dos pais em evidente prejuízo à sua formação psicológica.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Não há como fechar os olhos para o avanço da sociedade. O Direito, por ser uma Ciência dinâmica, não pode ficar alheio a este movimento, pois a sua função precípua é regular as condutas sociais com o objetivo de preservar a ordem jurídica e trazer a pacificação social, estando sempre na esteira do fato social – um passo a sua retaguarda.
Com o advento da Emenda Constitucional nº 66/10, que deu nova redação ao art. 226 da Constituição Federal, suprimindo o requisito de prévia separação judicial por mais de um ano ou de comprovada separação de fato por mais de dois anos para a dissolução do casamento civil, houve um aumento no número de divórcios registrados. Neste cenário, os filhos são os mais prejudicados, pois, além de suportar o distanciamento dos pais, sofrem com a batalha judicial travada pelos genitores a respeito de quem ficará com a sua guarda, pois, pode haver ex-marido, ex-companheiro, ex-esposa ou ex-companheira, mas não existe e nunca haverá a figura do ex-filho ou da ex-filha; filho é, e sempre será, filho.
Portanto, é de se concluir que a recente alteração legislativa pertinente à guarda compartilhada representa um avanço no campo do Direito de Família – pois visa ao bem-estar dos filhos – e deve ter preferência sobre as demais modalidades de guarda, porque tem como função precípua preservar os laços afetivos entre pais e filhos, visando ao desenvolvimento psicoemocional da criança e do adolescente e, sobretudo, conferir maior densidade aos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, estatuídos nos arts. 1º, inciso III, e 226, § 7º, da Carta Republicana, respectivamente.
Porém, é necessário ressaltar que, a nosso ver, o instituto da guarda judicial compartilhada não deve ser aplicado de forma indiscriminada ou imposta, devendo o magistrado da Vara de Família, com base em estudos realizados por equipe multidisciplinar (psicólogos e assistentes sociais) e nas peculiaridades do caso concreto, constatadas em audiência de instrução e julgamento, decidir, com muita cautela e sensibilidade, qual das modalidades de guarda atende ao melhor interesse do menor.
NOTAS
1 In: Manual de Direito das Famílias. 9. ed. São Paulo: RT, 2013, p. 452.
2 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de Direito Civil: Direito de Família. V. 6. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 610.
3 No mesmo sentido: REsp nº 1.428.596-RS, Terceira Turma, Rel.ª Min.ª Nancy Andrighi, DJe 25.06.14.