Desde muito antes da seminal carta Oração aos Moços, de Rui Barbosa, sabe-se que a advocacia é a guardiã da democracia. Provém daí o papel essencial da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).
Para ficar claro, basta-nos recordar que antes do direito de ampla defesa, está o Princípio do Contraditório, ou seja, o direito de dizer contra, de desdizer o que fora dito nas acusações. Sem isso, ninguém se defende de nada. Ocorre que o mesmo princípio é a base da democracia, quando se avolumam os debates de ideias e de ideais. Sem que se apresentem teses contrárias – tese e antítese – não há defesa da verdade e nem síntese. A democracia supõe que a vontade da maioria seja respeitada, é óbvio, mas sem que se massacrem as minorias – e esta é a sua síntese, uma aposta da superação dos contrários em virtude de um consenso que leve à formação de maiorias subsequentes.
Nisto está a função civilizatória superior, impar, da democracia e, por isso, a democracia responde ao princípio da perfectibilidade. Não há involução democrática, democracia para menos ou para baixo (“quanto pior, melhor”), pois, se isto se dá dessa maneira, atente-se para outros fenômenos: fascismo, bonapartismo (manobra legal-militar que anula os cânones da democracia), ditadura civil, Estado Militar, cesarismo e outros tipos não-ideais de fazer política.
Portanto, quando o advogado defende o contraditório – além de defender seus clientes – defende algo muito mais majestoso, posto que atua em defesa da verdade democrática, aquela que surge do confronto de perspectivas, de interesses e de visões de mundo parceladas. O diálogo ou, melhor dizendo, a força dialógica que se opera na livre possibilidade de se manifestar nos autos, no processo, repercute a livre expressão que viceja no regime democrático. Se o advogado não tem liberdade para atuar, o correspondente político será o engessamento das condições políticas de confrontar a posição política predominante. Em suma: sem democracia, não há advocacia.
Assim, advogados que defendem regimes de exceção (ditaduras), que representam grupos criminosos (defendendo o crime e não, exatamente, a figura do criminoso) ou que forçam a delação premiada, quando esta soa como ameaça e não garantias ao constituinte, são advogados cesaristas. São advogados que requerem meios de exceção – alguns baseados na conduta do próprio general romano Caio Júlio César – para inviabilizar a livre manifestação da parte contrária. Advogados orgânicos, digamos assim, são aqueles que se engajam organicamente na defesa (legal e legítima) de suas causas. Desse modo, a defesa de suas causas está organicamente engajada na sobrevivência do regime político da democracia.
Advogados orgânicos (à democracia) tanto podem defender interesses patronais (do capital) quanto sindicais e sociais/setoriais; todavia, ambos serão legitimados, na ordem capitalista das coisas, enquanto se mantiverem fiéis ao Princípio do Contraditório. Se fizerem uso de subterfúgios, chicanas, empréstimos de poder para represar a ação adversa, imediatamente, serão considerados advogados cesaristas.
Contra esses, a OAB (órgão máximo da defesa legal da democracia, visto que pela lógica não poderia ser de outra forma), deverá sempre agir com rigor. Ao afastar maus profissionais, em verdade, fundamenta a depuração de todo o aparato social/institucional democrático. Meus representantes e amigos são todos orgânicos e os seus? Se não forem, mude de sede, venha para a democracia.
Sem democracia, não há advocacia.
Vinício Carrilho Martinez
Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito. Coordenador do Curso de Licenciatura em Pedagogia, da UFSCar. Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Departamento de Educação- Ded/CECH. Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS/UFSCar Head of BRaS Research Group – Constitucional Studies and BRaS Academic Committee Member. Advogado (OAB/108390).
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