Em 05 de fevereiro deste ano, foi publicada, em site especializado, a seguinte notícia: “Prescrição de prazo. Hotel não consegue impedir uso de marca por prescrição de direito”[1].
Na verdade, a notícia refere-se à sentença proferida no processo n. 0002736-76.2012.8.24.0082[2]. Nessa lide, apesar do autor da ação ter o registro vigente da marca ”Hotel Cambirela” no INPI, o seu direito de ação de requerer a abstenção de uso da sua marca registrada por terceiro foi considerado prescrito.
Na contagem do prazo prescricional, entretanto, ficou evidente o equívoco de tal interpretação: o d. Juiz entendeu que a “contagem do prazo prescricional iniciou com a utilização indevida da marca registrada do autor pelo réu, no momento do registro do nome empresarial deste último na Junta Comercial, o que ocorreu em 19/08/1991”.
A questão maior é que houve uma confusão entre o nome empresarial, a marca e o que foi decidido pelo Superior Tribunal de Justiça no RESP n. 1.357.912-SP.
Pois bem, o registro validamente expedido pelo INPI assegura ao titular da marca o seu uso exclusivo em todo o território nacional. Em relação ao nome empresarial, registrado na Junta Comercial (nome empresarial, que nada tem a ver com a marca a ser utilizada e explorada pela empresa), a tutela se circunscreve à unidade federativa de competência da Junta Comercial em que registrados os atos constitutivos da empresa (questão sujeita à controvérsia, mas, até aqui, pacífica na jurisprudência).
Para Fabio Ulhôa Coelho há quatro diferenças entre a marca e o nome empresarial que caracterizam a distinção: o órgão de registro (a marca deve ser registrada no INPI e o nome empresarial no respectivo órgão competente, por exemplo, na Junta Comercial do Estado), a âmbito territorial da tutela (a marca tem proteção nacional e o nome empresarial regional), o âmbito material (a marca é caracterizada pela especialidade, enquanto o nome empresarial não tem essa restrição) e o âmbito temporal (a vigência do registro da marca tem prazo determinado (decênio), que pode ser renovado; o nome empresarial, uma vez registrado, não tem prazo de proteção pré-determinado)[3].
Ou seja, o que nos interessa, neste momento, é a proteção à marca[4] e, não, ao nome empresarial. Ocorre que ao decidir o RESP n. 1.357.912-SP[5], o Superior Tribunal de Justiça manifestou-se em relação ao conflito entre a marca e o nome empresarial (isto é, não foi objeto de análise a questão acerca da suposta extinção da pretensão do direito do titular de exigir a abstenção do uso irregular da sua marca registrada).
Para a solução desse conflito, de fato, o Ministro Sidnei Beneti, em acórdão unânime, entendeu que o prazo prescricional para o titular da marca exercer o seu direito de requerer que o nome empresarial não coincida com a sua marca registrada começa a fluir da “data em que se deu o registro da marca no INPI”.
Veja: independente do acerto, ou não, dessa decisão, o acórdão trata exclusivamente do pedido de abstenção de uso da marca, pelo réu, em seu nome empresarial, registrado na Junta Comercial (no caso concreto, o réu já tinha o nome empresarial anos antes do registro da marca no INPI pelo autor).
No julgamento dos embargos de declaração interpostos (que questionavam exatamente este ponto, isto é, o réu pensava ter conseguido o direito de uso da marca registrada pelo autor, junto ao INPI, por causa da prescrição), o Ministro Relator foi preciso e claro: não se dicutia o pedido de abstenção do uso da marca, pois, esse havia sido julgado procedente pela sentença de primeiro grau, mas, tão somente, a resolução do conflito entre marca e nome empresarial.
Diante do exposto, pode-se concluir que o equívoco do julgado do belíssimo Estado de Santa Catarina foi misturar nome empresarial e marca. Logo, ressalvadas as controvérsias, parece-nos que a melhor doutrina é no sentido de que é direito do titular exigir, a qualquer tempo, que qualquer um deixe de usar ilegalmente a sua marca registrada (ressalvada, assim, apenas a hipótese feita pelo STJ quanto ao conflito entre marca e nome empresarial).
Em hipótese alguma deverá ser permitido que, em face de lapso temporal, o titular da marca registrada, vigente e em uso, tenha que aceitar o uso por terceiro (tal abuso deverá ser entendido como ato continuado, de relação de trato sucessivo[6], portanto, não sujeito ao prazo prescricional). Tal contrafação, sempre, deverá ser fortemente rechaçada pelo Judiciário (o infrator, neste caso, pratica a concorrência desleal e desrespeita à Constituição Federal, em total prejuízo ao consumidor a ao titular da marca registrada).
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CARVALHO, Nuno Pires. A estrutura dos sistemas de Patentes e de Marcas. Editora Lumen Juris. Rio de Janeiro, 2009.
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda, 1910-1989. Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa. 3 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.
GAMA CERQUEIRA, João da, Tratado da Propriedade Industrial, vol. II, 3ª. Ed., (anotado por Newton Silveira e Denis Borges Barbosa), Lumen Juris, 2010, vol. III.
[1]http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI215172,21048-Hotel+nao+consegue+impedir+uso+de+ marca+por+prescricao+de+direito, acessado dia 09 de agosto de 15, às 10h38
[2] Processo em curso perante a 1ª Vara Cível da Comarca de Florianópolis. A sentença ainda não transitou em julgado (aguarda-se decisão do TJ SC).
[3] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial, p. 186.
[4] http://manualdemarcas.inpi.gov.br/projects/manual/wiki/02_O_que_%C3%A9_marca#2-O-que-%C3%A9-marca, acessado dia 08 de agosto de 2015, às 11h24.
[5] REsp 1357912/SP, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/03/2014, DJe 10/04/2014
[6] O Superior Tribunal já reconheceu, em outros casos, que, quando se trata de ato continuado, o qual envolve relação de trato sucessivo, quanto ao valor a ser indenizado, a prescrição deveria atingir tão somente as parcelas vencidas contado o prazo prescricional a partir da propositura da ação - entendimento já acolhido no enunciado 85 da Súmula do STJ: “nas relações jurídicas de trato sucessivo em que a Fazenda Pública figure como devedora, quando não tiver sido negado o próprio direito reclamado, a prescrição atinge apenas as prestações vencidas antes do quinquênio anterior a propositura da ação”. Além disso, observar o decidido nos RESPS 1282969/SC e 1320842/PR.