Não é exagero dizer que os recentes acontecimentos envolvendo empresas estatais alçaram a ética nos negócios ao patamar de protagonista de uma nova etapa na história das relações políticas e empresariais em nosso país. A ética, a moralidade, a conduta de boa-fé e a discussão sobre os efeitos prejudiciais das práticas e posturas reprováveis nunca estiveram tão em evidência na sociedade brasileira. De um tema reservado às instituições, especialmente, ao poder judiciário, a ética e a legalidade ultrapassam o ambiente privado dos negócios e alcançam o dia a dia do cidadão, fazendo parte até das conversas mais triviais entre parentes, amigos, vizinhos ou meros conhecidos.
Muito disso se deve a uma conjunção de fatores. Se tais temas tivessem sido revelados em um ambiente nacional de crescimento econômico, aumento do emprego e da renda, redução da carga tributária, diminuição da violência e melhorias de qualidade dos serviços públicos, certamente a repercussão dos fatos seria outra. A crise que o Brasil enfrenta, no entanto, reforça a percepção geral de que as mazelas de hoje são fruto de decisões equivocadas de organizações, governos, instituições e, principalmente, de pessoas no passado. As posturas reprováveis desses agentes ganharam nome e sobrenome. São desvendados os caminhos das condutas e o papel de cada um dos atores em cada etapa. A sociedade, enfim, é capaz de reconhecer as falhas dos processos, identificar os culpados, cobrar medidas de correção, e, consequentemente, exigir punições.
Nesse contexto, encontramos uma figura central, mas cujo papel muitas vezes não tem se revelado tão claro: o advogado. Com a missão constitucional de defender pessoas e instituições, o julgamento moral sobre a sua figura é geralmente contraditório. Ao lado de um algoz da nação há sempre um defensor, e isto por si só já desperta algum incômodo aos que clamam por justiça. Por outro lado, é cada vez mais frequente o reconhecimento da importância do advogado nas corporações, especialmente no assessoramento dos negócios em nível executivo. As bancas e os departamentos jurídicos adquiriram peso decisório e relevância dentro das estruturas organizacionais, muitas vezes ligados diretamente à presidência ou ao conselho de administração das companhias.
Mas por que ainda se opõem dúvidas ao papel dos advogados? Não basta reconhecer a inerência da defesa dos direitos como premissa para o reconhecimento ético intrínseco à sua função? A atividade de advogar, por si só, não seria eticamente legítima, independentemente do comportamento ou das ações daquele para quem se advoga? Ou será que é preciso cobrar do advogado uma postura moralmente aceitável também em função da causa que está disposto a defender, correndo-se o risco de julgamento sem defensor? As respostas obviamente dependem de uma dialética mais profunda, mas ao menos uma conclusão parece inevitável: em qualquer hipótese, a função do advogado não pode representar o assessoramento de maus caminhos, ou seja, a recomendação do modo como atos moralmente reprováveis podem ser praticados sem que recebam a punição legalmente prevista. Não é esta a postura que a sociedade espera do advogado, e é contra ela que devemos advogar.
E mais: apesar do efeito positivo provocado pela atual onda de clareza a respeito do papel das instituições e dos indivíduos na defesa da ética nas organizações, a disseminação da cultura ética apenas não basta. A ética precisa da força das leis para se imprimir com efetividade. E aí está a importância do Direito e da postura ética do advogado, como ferramenta indispensável à administração da Justiça. Ao advogado recai o importante e nobre papel de estudar e desenvolver o Direito com vistas à promoção da ética nas relações jurídicas mais diversas, inclusive no ambiente de negócios, e contribuir de modo efetivo para o desempenho sustentável das organizações empresariais e da moralidade administrativa. Ao advogado compete promover, divulgar e transmitir conhecimentos à sociedade a fim de contribuir para a integridade dos negócios com a adequada relação dos empresários com o poder público, no sentido de um maior comprometimento ético, em um ambiente de segurança jurídica. É preciso fazer com que a sociedade reconheça este papel do advogado e a sua importância, e para isto é preciso dar o exemplo, reiteradamente, de maneira cada vez mais ostensiva. É preciso advogar pela ética, sempre!
É oportuno lembrar que foi há exatamente 188 anos, no dia 11 de agosto, que o então Imperador Dom Pedro I criou, ao mesmo tempo, dois cursos jurídicos no Brasil: um em Olinda e o outro em São Paulo, no Largo de São Francisco. Desde então, os advogados tiveram papel fundamental na construção de nossa nação, assumindo lutas memoráveis em defesa das liberdades, das instituições democráticas e contra todas as formas de opressão e desigualdades.
Hoje a advocacia tem uma nova e relevante missão: erguer a bandeira da ética e defender o equilíbrio do Estado Democrático de Direito.
É com esta reflexão que jubilamos o dia 11 de agosto, ao mesmo tempo em que convidamos todos os advogados a unirem esforços a fim de promovermos e qualificarmos o debate em torno do Direito e da ética nos negócios e nas instituições.