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Comportamento corrupto:

Se não sabem, são estúpidos; e, se sabem, são maus

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Agenda 18/08/2015 às 14:37

Comportamento corrupto: impessoalidade, distância e indiferença emocional

De todas estas investigações é legítimo perceber ou depreender a seguinte conclusão: qualquer coisa ou qualquer situação que faça com que um indivíduo se sinta distante (psicológica e emocionalmente), anônimo ou que lhe provoque um sentimento de impessoalidade e inexistência de nexo causal entre seu comportamento e a miséria ou o sofrimento dos demais, debilita seu sentido da responsabilidade pessoal e, em consequência, faz possível que possa atuar com maldade e imoralidade. E esta possibilidade aumenta quando se acrescenta outro fator: se a situação, sua função institucional ou alguma autoridade lhe dá permissão para atuar, de maneira antissocial ou desonesta, contra outras pessoas, o agente corrupto seguramente estará disposto, inclusive, a «fazer a guerra» em benefício próprio.

Uma explicação evolucionista do diferente comportamento das pessoas nas situações acima indicadas seria que durante a maior parte de nossa história evolutiva os seres humanos viveram em pequenos grupos onde se conheciam todos e onde a violência ou a maldade somente podia infligir-se de uma maneira direta, «pessoal» (golpear, estrangular, empurrar). Para tratar com estas situações desenvolvemos umas respostas emocionais aversivas imediatas, de base afetivo-emocional. O pensamento de arrojar a uma pessoa pela ponte, de deixar afogar-se a uma criança ou de praticar diretamente o ato de «roubar» dispara estas respostas emocionais aversivas. Pulsar um interruptor que desvia o trem, não enviar dinheiro para crianças que vivem em outros continentes ou desviar em proveito próprio dinheiro público destinados a vítimas que não se veem, não guarda nenhuma semelhança com qualquer probabilidade de haver ocorrido nas circunstâncias em que nossos ancestrais viveram no passado. Por isso, estes tipos de pensamentos ou condutas não disparam a mesma resposta emocional que arrojar uma pessoa às vias, deixar afogar-se a uma criança ou praticar um roubo à mão armada.

Este fenômeno, cuja distância com respeito à vítima facilita cometer uma agressão ou um ato imoral (ilícito), explica por que pessoas que não roubariam um dinheiro diretamente de outros podem cometer atos de corrupção devido à qualidade etérea e invisível de suas vítimas, que faz com que se perca essa relação pessoal ou direta que atuou de freio em nossa história evolutiva.[8] 

Ademais, essa sensação de impessoalidade e distância, somada à indiferença e ao exercício de uma função institucional tem múltiplas consequências para o agente corrupto, entre elas a suspensão da consciência em geral e da consciência de si mesmo. As limitações habituais da maldade e dos impulsos desonestos se diluem nos excessos da impessoalidade e da distância (psicológica e causal). O cinismo se impõe por cima do nível moral que reservamos a nossos congêneres verdadeiramente humanos e a percepção de impunidade suspende a consciência ética e o sentido de dever, desvaloriza a dimensão da responsabilidade pessoal, da obrigação, do compromisso, da fides, da boa fé, da moralidade, do sentimento de culpa, da vergonha e do medo, assim como da análise dos próprios atos em função de seus custos e benefícios.

Em última instância, reduz o interesse do agente corrupto em autoavaliar-se, projetando sua responsabilidade para o exterior, para as circunstâncias ou os demais, em lugar de dirigi-la ao interior, para si mesmo, para as deficiências e defeitos de seu próprio caráter. Já não há um sentido do bem nem do mal, não há sensação de culpabilidade por atos ilegais nem infernos por atos imorais. Quando os controles internos se suspendem, a conduta se acha por completo sob o controle externo da situação: o exterior se impõe ao interior. O que é possível e está disponível, o que é impessoal e está distante, impõe-se ao correto, ao bom, ao justo e ao virtuoso.

Chegado a esse ponto, a bússola moral desses indivíduos perde o norte. Não há aqui a menor consideração à advertência de Demócrito de que em um ato de maldade devemos envergonhar-nos principalmente diante de nós mesmos e que há uma regra que deve figurar como lei às portas da alma: «Nada hacer que sea indigno».


Seres sem dignidade: retribuição e castigo

Se Dante Alighieri pudesse regressar, que círculo do inferno reservaria aos agentes corruptos? Para Dante, os pecados que brotam desta raiz são os piores, os «pecados do lobo», a condição espiritual de ter no interior de si mesmo um buraco negro tão profundo que nunca se poderá completar com quantidade alguma de poder ou de dinheiro. Para os que sofrem desse mal mortal, o que existe fora do ego só tem valor se o ego pode apropriar-se dele ou explorar-lhe. No inferno de Dante os culpáveis deste pecado se acham no nono círculo, congelados no lago de gelo. Por não haver-se ocupado em vida de outra coisa salvo de si mesmos, estão presos em um ego gelado para toda a eternidade.  

A corrupção é nossa própria versão (moderna) dos «pecados do lobo», a demonstração cristalina do que faz com que “el ser humano haga del ego su único bien, un bien que acaba siendo su prisión”. Uma cegueira mental que encerra o corrupto em um lugar sombrio, congelado em uma prisão autoimposta, donde recluso e carcereiro se fusionam em uma realidade egocêntrica (uma espécie de sórdida impessoalidade, servil indiferença e ablepsia empática autoimpostas) que lhe impede de ver os vínculos causais entre o ato praticado e as consequências negativas que suas ações  têm sobre outras pessoas.

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É evidente que o tema da corrupção já deu muito ao longo da história humana, e ainda dá muito de si. Mas sabemos tão pouco da corrupção que ninguém ainda foi capaz de ilhar suas causas, nem de averiguar categoricamente por que determinados desequilíbrios neuroquímicos afetam aos seres humanos de formas completamente distintas. De fato, ninguém sabe exatamente a causa, o sinistro, inescrutável e tóxico mundo (interior) dos motivos do «cidadão» corrupto, desses homens e mulheres sem dignidade, da esquizofrênica incapacidade para calibrar seu caráter e da demencial busca de autojustificação para seus atos nos rincões mais escuros de uma mente doentia - sua «consciência moral», se desejamos chamar assim. E o mais assombroso é que nenhum corrupto, ao distorcer ou ignorar deliberadamente essa sua natureza imoral, se considera como tal e que quanto maior é seu grau de impostura e adição ao crime, mais difícil é que se dê conta de sua maldade, “ya que atañe directamente a su carácter” (J. Epstein). Em qualquer caso, sempre trata de escapar das consequências dos próprios atos, com esse intento frenético e patológico de gozar das vantagens da imoralidade sem sofrer nenhum de seus inconvenientes.

Mas há algo mais. Nos delitos de corrupção, dado que se está dando mau uso a recursos públicos, o prejuízo é de toda a sociedade e, dado que toda a sociedade não é o nome próprio de uma pessoa ou de um sistema físico intencional concreto e identificável, com rosto próprio, resulta quase impossível que causar dano à sociedade gere sentimentos de arrependimento ou aversão. Em um mundo racional, seria óbvio supor que a consequência de causar dano a uma sociedade deveria ter um efeito persuasivo muito forte, maior que o de causar dano a uma única pessoa. Isto é relativamente claro porque em termos utilitários e de cálculo racional é pior causar dano a muitas pessoas que a um só indivíduo.

Nada obstante, não está claro que nos pareça ou que percebamos como mais grave causar dano a muitas pessoas de uma sociedade, especialmente quando não nos inteiramos quem são essas pessoas e não estamos convencidos (ou temos a “certeza”) de que efetivamente nosso ato lhes causa algum prejuízo tangível. Na verdade, tendemos a pensar que é mais persuasiva a imagem ou o som de uma pessoa morrendo cruelmente como resultado de um ato que executamos, que o argumento de que muitas pessoas serão afetadas por esse mesmo ato; sobretudo se o dano a essas pessoas somente se pode estabelecer mediante relações causais complexas, impessoais e distantes no tempo e no espaço (E. Salcedo-Albarán).[9]

Daí que, embora consciente que a maioria “de los penalistas se les eriza el vello corporal cuando oyen hablar de justificaciones retributivas de la pena o del punitivismo actual que día tras día endurece las penas” (J. A. García Amado), estou convencido de que, para certos delitos, quando o castigo ou a pena é proporcionalmente alta, sim que dissuade grandemente (desde que, evidentemente, ninguém seja castigado em medida maior do que por sua conduta merece).

Os trabalhos revisados por Roy Baumeister – ainda que não seja politicamente correto dizê-lo - demonstram claramente que o castigo é mais potente para dissuadir, corrigir e aprender que qualquer outra forma de «recompensa» que tenha por escopo salvar o infrator para que se torne útil à sociedade, apregoar o fim da sanção punitiva, preconizar a substituição da pena por uma pedagogia ou instrumental de controle informal do comportamento, pugnar por sanções penais mais brandas, adequar perfeitamente a pena ao criminoso e ao fato delituoso etc. Sem (justa) retribuição não há pena justa e o conjunto do corpo social se vê induzido a repudiar a ideia mesma de responsabilidade (“ese es exactamente el peligro de la corrupción: ridiculizar la honradez, convertirla en una excepción tan vana como trasnochada” – P. Bruckner).

A corrupção não entende de vítimas e, quando se acumula tolerante e/ou impunemente dentro de uma sociedade, uma pessoa, em muitos indivíduos ou em determinados grupos, acaba por transmitir a aterradora mensagem de que é aceitável comportar-se mal em grande escala - ali donde a corrupção triunfa, a moral capitula! E, que eu tenha notícia, nenhuma teoria inventada, por brutal que seja (ou tenha sido) em nome de seu próprio idealismo, conseguiu, até o momento, desarraigar com utopias a prática da corrupção daqueles que não conseguiram o que Platão considerava como o mais difícil do mundo: “experimentar e abandonar a vida pública com as mãos limpas”.

O mundo em que vivemos é demasiado complicado para que as fantasias que criamos o mantenham em ordem; e, quando não há castigo para os que cometem abusos e excessos, basta apenas um egoísta para arruinar a cooperação no grupo, diminuindo suas possibilidades de êxito. Isto valeu para os monos, valeu para os hominídeos e vale para qualquer grupo humano hoje – seja uma empresa, seja uma escola, seja um pelotão da infantaria naval, seja a administração pública...

Não olvidemos que tanto os atuais modelos teóricos como as evidências de provas experimentais indicam que, à falta de castigo, a solidariedade mútua e o significado social de uma vida digna não se sustentam na presença de aproveitadores, e decaem. Com o fim de que sobreviva a cooperação social, é imprescindível e iniludível controlar, julgar, condenar e punir os desonestos, quer sejam estúpidos ou maus. Se a responsabilidade e o castigo se eliminam, a sociedade se desmorona (M. Gazzaniga). A mera possibilidade de aplicar uma penalização não somente favorece atuações morais, senão que também funciona como uma forma eficaz de incrementar a cooperação: a moral e a cooperação prosperam se o controle e castigo são possíveis e deixam de funcionar se são eliminados (P. Churchland). Para dizê-lo do modo mais simples possível: a virtude unifica, os vícios dispersam e o castigo corrige.

De outro modo, teremos que esperar, segundo o suplemento à Terceira Parte da Suma Teológica, pela contemplação das penas dos agentes corruptos condenados no inferno para incrementar nossa felicidade (ou desfrutar da caída: «Schadenfreude») e saciar nosso sentimento ou genuína fome de justiça («Quum contraria juxta se posita  magis  elucescant, beati in regno coelesti videbunt poenas damnatorum, ut beatitudo illis magis complaceat»). Pessoalmente, desde meu assumido ceticismo e reconhecendo que, quando penso sobre a corrupção sai o pior de mim, limito-me a agourar - parafraseando a máxima de Jean Meslier - que a praga da corrupção só será definitivamente erradicada quando o último corrupto houver morto estrangulado com as tripas do último sacerdote pedófilo. Mas essa é outra história.  


Notas

[1] Tanto é assim que o comportamento humano também é compatível com a hipótese contrária: alguns políticos e funcionários são claramente honrados, não atacam a moral, não traem a ideia de virtude e não se empenham em destruir tudo aquilo o que uma sociedade decente defende. Embora existam razões suficientes para acreditar que estes tipos de políticos e funcionários sigam sendo uma espécie ameaçada, a mera existência dos mesmos deveria ser suficiente para pôr em dúvida as posturas que tendem a apresentar ao ser humano como uma criatura incapaz de frear o lado mais escuro, amoral e associal de sua natureza - o preço da «caída», a dívida que todos devemos satisfazer por causa do «pecado original».

[2]“La corrupción es un cáncer de la política. Genera descrédito y desconfianza de la ciudadanía en las instituciones, desmoraliza a los trabajadores de los servicios públicos, corrompe a los proveedores que deben convertirse en corruptores y facilita la entrada en el circuito a empresarios delincuentes, abre paso a los procesos de privatización, y a la larga, afecta al conjunto de los ciudadanos contribuyentes, forzados a optar entre pagar servicios básicos como la sanidad o la educación al sector privado o aceptar la progresiva degradación de unos servicios públicos que terminan siendo residuales. La corrupción sociovergente […] no solo es corrupción; es un atentado directo a la calidad de vida de los ciudadanos“.(J. Borja) 

[3] Objetivamente, a corrupção é a arma da hipocrisia que abunda, uma depravação da moralidade que prende nas culturas em que se combinam quatro elementos principais e interconectados: (i) um sistema de relações e de organização, em que os laços e as fidelidades pessoais, corporativas e /ou políticas contam mais que qualquer consideração institucional, jurídica e de interesse geral; (ii) uma forte incapacidade de alguns políticos (e funcionários) para a responsabilidade e o comprometimento ético-social, gerando um crescente e perigoso divórcio entre representantes e representados; (iii) um arrogante narcisismo de determinadas pessoas, uma pervertida egolatria, que é indício de que não se consumou em muitos o desenvolvimento moral que faz de um indivíduo um sujeito moralmente adulto; (iv) uma forte incapacidade para o pensamento abstrato, por exemplo, Estado, ética pública, honradez, dignidade moral etc.

[4] Como se sabe, David Hume tratou de fundamentar a ética no naturalismo, baseando na existência de uma emoção simpática a capacidade de entender e valorar os problemas alheios. Hume empregava o termo «sympathy» («simpatia»), enquanto autores mais modernos, como Martin L. Hoffman, utilizam «empatia». Alguns autores fazem uma distinção entre estes dois termos, entendendo a «simpatia» centrada em um interesse pelos demais sem sentir necessariamente as mesmas emoções que os demais sentem, enquanto que a «empatia» se centra explicitamente no estabelecimento de uma correspondência entre as emoções de quem as manifesta e as do observador, isto é, imaginando-se a si mesmo «na pele de outra pessoa». Simon Baron-Cohen, por exemplo, amplia a definição de «empatia», sugerindo que requer não somente a capacidade de identificar os sentimentos e os pensamentos da outra pessoa, senão também de responder ante seus pensamentos e sentimentos com uma emoção adequada. Também há autores que concebem a «empatia» como uma capacidade neutra (que pode ser algo negativo) e a «simpatia», relacionada com a ação, como uma capacidade quase sempre positiva (Frans de Waal).

[5] Uma breve observação paralela: Se deixamos a um lado o conceito religioso do mal (um conceito moral inexistente na natureza), a alternativa  mais conhecida é a análise da teoria política de Hanna Arendt em termos da «banalidade do mal». Arendt assistiu, em qualidade de observadora, no tribunal de Jerusalém, o juízo contra Adolf Eichmann, um dos principais arquitetos do Endlosung der Judenfrage (a «solução final à questão judia»). Durante o juízo, para Arendt, resultou evidente que este homem não estava louco nem era diferente do resto dos mortais. Era bastante comum. É neste sentido que cunhou a frase: «a banalidade do mal». Ademais, a frase «a banalidade do mal» faz referência ao fato de que muitos alemães foram cúmplices no Holocausto. A muitos deles “no se les pudo acusar de crímenes de guerra más tarde, ya que tan sólo estaban realizando su trabajo, cumpliendo órdenes o simplemente habían sido responsables de un pequeño eslabón en la cadena” (S. Baron-Cohen). Eichmann e seus companheiros burocratas se viram imersos nos detalhes dos planos, como elaborar o horário dos trens que transportavam os judeus aos campos de concentração. Seguiram ordens de forma mecânica e sem questioná-las. Quase nada! Pois bem, a noção da «banalidade do mal» foi posta em tela de juízo. David Cesarini sustenta que Hanna Arendt somente esteve presente no começo do juízo, quando Eichmann queria parecer  o mais normal possível. De fato, “si se hubiese quedado más tiempo habría visto que en los asesinatos hacía uso de su creatividad, no solo se limitaba a seguir órdenes. En ese sentido, el comportamiento de Eichmann necesita explicarse no solo en términos de fuerzas sociales (aunque sean importantes), sino también en términos de factores individuales (su reducida empatía)”. (D. Cesarini, Eichmann: His life and crimes)     

[6] O método dos experimentos empregado neste programa científico serve, sobretudo, para dois propósitos: (i) identificar nossas intuições morais a fim de submeter à prova a validez das grandes doutrinas morais; (ii) ajudar a eliminar as teorias mais irrealistas, as que não têm para nada em conta a «natureza humana».

[7] Não resulta fácil (e tampouco traz publicidade ou fama) identificar ou individualizar um agente corrupto em um sistema de relações e de organização em que há um sem-número de envolvidos direta ou indiretamente, e que se caracteriza por uma insolvência moral compartida, dominações e interesses recíprocos, cumplicidades múltiples e ganâncias colaterais, desonestidades aprendidas e insensibilidades voluntárias. No fundo, trata-se de uma forma de «desindividualização» coletiva. (P. Zimbardo)

[8] Este mecanismo explica os problemas para levar a cabo o Holocausto que tiveram que enfrentar os nazistas. Quando utilizavam métodos muito diretos como disparar frontalmente às pessoas, os soldados vomitavam, sofriam crises nervosas, havia que ajudar-lhes com álcool e drogas, e muitos deles não podiam realizar essas matanças. Quando o método utilizado passou a ser as câmaras de gás, se facilitou enormemente a execução dessas atrocidades. Isto explica também o porquê de um soldado americano, que não daria um sopapo a uma criança indefesa, ser capaz de disparar um míssil desde um F-18 a centos de quilômetros do objetivo e provocar a morte de 200 crianças igualmente indefesas. Nos famosos experimentos Milgram, quando a vítima estava na mesma habitação que o sujeito experimental e este podia ouvir seus gritos, e inclusive tinha que participar ativamente em sujeitar-lhe para administrar a descarga elétrica, a porcentagem de sujeitos que se negou a seguir administrando os shocks eléctricos aumentava notavelmente. Nas palavras de Pascal Bruckner: “Los periodistas llaman «kilómetro sentimental» a la ley según la cual nuestro interés por los demás es inversamente proporcional a la distancia que nos separa de ellos: un muerto en casa es un drama, diez mil allende los mares una anécdota”. Em suma: é necessária a pessoalidade, a cercania emocional, a ação presente e que esta dane um sistema físico cuja antropomorfização seja praticamente imediata para gerar um sentimento de dor, angústia ou mal-estar próprio e, com isto, arrependimento em caso de que o ato seja cometido em primeira pessoa ou aversão em caso de que o ato somente seja percebido.    

[9] Nota bene: Uma das propostas para combater a corrupção consiste na ideia de prevenção feita a partir das emoções (a partir da ação de mecanismos neuronais e psicológicos automáticos), que poderia ter uma efetividade mais ágil e se aplicaria a uma maior quantidade de pessoas. Segundo essa proposta, somente através da geração de cenários para que a sociedade em geral se enfrente cara a cara com as vítimas da corrupção, dar-se-ão as condições emocionais necessárias para que qualquer prática de corrupção comece a reconhecer-se como uma prática criminal comum. Quer dizer, dadas as condições emocionais para que a sociedade reconheça que a corrupção é um delito, estará aberto o caminho para um câmbio cultural de rechaço e aversão a esta prática, reconhecendo-a como um delito mais que atenta contra a integridade das pessoas. E uma vez que se identifiquem os vínculos causais entre um ato de corrupção e as consequências danosas que este ato tem sobre outras pessoas, começaremos a admitir que a corrupção, como todos os crimes, perturba a ordem econômica, social, política e, em últimas, atenta contra o bem-estar da sociedade em seu conjunto. “Por el contrario - afirma E. Salcedo-Albarán e colaboradores (que estudam certas condutas criminais utilizando os neurônios espelho e a Teoria da Mente - ToM) -, “si continúa la situación en que quien comete un acto de corrupción nunca se entera de que dicho acto tuvo implicaciones sobre el bienestar de otras personas, entonces ni siquiera el propio corrupto se reconocerá como criminal o infractor”. O único inconveniente é que o universo de pessoas frente ao qual este tipo de estratégia pode resultar efetivo é mínimo e francamente limitado. Pretender e/ou insistir que todos deveríamos seguir determinadas estratégias, técnicas, fórmulas ou emoções «corretas» e «compartidas» é simplemente um ato de fé ou de um otimismo pasmoso. Porque se isto fosse possível não existiria, por exemplo, a obesidade, nem o consumo de drogas, o alcoolismo ou as corrupções. Explicaríamos às pessoas obesas que têm que levar uma dieta equilibrada e fazer exercício e pronto, solucionado, não haveria obesidade. Aos consumidores lhes explicaríamos que não têm que consumir, que isso está prejudicando sua vida e suas relações; aos corruptos que seus crimes produzem consequências negativas para a sociedade, perturbam a ordem econômica, social e política, e atentam contra a integridade e o bem-estar de outras pessoas... e eles diriam: “É verdade, não me havia dado conta!”… E problema resolvido, mundo feliz. Mas não crê o leitor que um obeso, um consumidor ou um corrupto sabe melhor que ninguém o que deveria fazer? Muitas vezes parece que albergamos a estranha ideia de que se alguém é capaz de fazer uma coisa todo mundo pode fazê-la. Que se alguém é capaz de fazer uma dieta, todos podem fazê-lo. Não nos damos conta de que as pessoas são diferentes em tudo: na velocidade com que digerimos uma salada, na  velocidade com a que corremos, na velocidade com que aprendemos ou abraçamos determinado assunto, em nosso interesse pela comida ou pelo sexo, em nossa capacidade de autocontrole etc. Parece que é impossível que entendamos que, quando um endocrinologista dá umas instruções a 100 pessoas com relação à dieta, as 50 pessoas que as seguem são diferentes das 50 que não as seguem, que a efetividade da dieta variará de pessoa para pessoa, totalmente. (P. Malo)

Sobre os autores
Atahualpa Fernandez

Membro do Ministério Público da União/MPU/MPT/Brasil (Fiscal/Public Prosecutor); Doutor (Ph.D.) Filosofía Jurídica, Moral y Política/ Universidad de Barcelona/España; Postdoctorado (Postdoctoral research) Teoría Social, Ética y Economia/ Universitat Pompeu Fabra/Barcelona/España; Mestre (LL.M.) Ciências Jurídico-civilísticas/Universidade de Coimbra/Portugal; Postdoctorado (Postdoctoral research)/Center for Evolutionary Psychology da University of California/Santa Barbara/USA; Postdoctorado (Postdoctoral research)/ Faculty of Law/CAU- Christian-Albrechts-Universität zu Kiel/Schleswig-Holstein/Deutschland; Postdoctorado (Postdoctoral research) Neurociencia Cognitiva/ Universitat de les Illes Balears-UIB/España; Especialista Direito Público/UFPa./Brasil; Profesor Colaborador Honorífico (Associate Professor) e Investigador da Universitat de les Illes Balears, Cognición y Evolución Humana / Laboratório de Sistemática Humana/ Evocog. Grupo de Cognición y Evolución humana/Unidad Asociada al IFISC (CSIC-UIB)/Instituto de Física Interdisciplinar y Sistemas Complejos/UIB/España; Independent Researcher.

Marly Fernandez

Doutora em Humanidades y Ciencias Sociales pela Universitat de les Illes Balears- UIB (Espanha). Mestra em Cognición y Evolución Humana pela Universitat de les Illes Balears- UIB (Espanha). Mestra em Teoría del Derecho pela Universidad de Barcelona- UB (Espanha). Pós-doutorado (Filogènesi de la moral y Evolució ontogènica) pelo Laboratório de Sistemática Humana- UIB (Espanha). Investigadora da Universitat de les Illes Balears- UIB pelo Laboratório de Sistemática Humana/ Evocog (Espanha). Membro do Grupo de Cognición y Evolución humana/Unidad Asociada al IFISC (CSIC-UIB) do Instituto de Física Interdisciplinar y Sistemas Complejos/UIB (Espanha).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERNANDEZ, Atahualpa; FERNANDEZ, Marly. Comportamento corrupto:: Se não sabem, são estúpidos; e, se sabem, são maus. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4430, 18 ago. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/41869. Acesso em: 26 dez. 2024.

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