Do art. 269, inciso IV, do CPC
Embora o art. 269, inciso IV, do CPC disponha que há resolução de mérito quando o juiz pronunciar a decadência ou a prescrição, a jurisprudência tem defendido que, nesses casos, trata-se de prejudicial de mérito. Confira o dispositivo legal:
Art. 269. Haverá resolução de mérito:
I - quando o juiz acolher ou rejeitar o pedido do autor;
II - quando o réu reconhecer a procedência do pedido;
III - quando as partes transigirem;
IV - quando o juiz pronunciar a decadência ou a prescrição;
V - quando o autor renunciar ao direito sobre que se funda a ação.
(grifei)
Veja alguns julgados em que a decadência é tratada como prejudicial de mérito:
PREJUDICIAL DE MÉRITO. DECADÊNCIA. Tendo decorrido mais de 120 dias entre o ato coator e o ajuizamento do writ, inarredável a conclusão de que o prazo decadencial fora extrapolado, razão por que se deve extinguir o feito com resolução do mérito, nos termos do artigo 269, IV do CPC. Ação mandamental decadente.
(TRT-16 281200900016000 MA 00281-2009-000-16-00-0, Relator: LUIZ COSMO DA SILVA JÚNIOR, Data de Julgamento: 14/10/2010, Data de Publicação: 19/10/2010)
(grifei)
AÇÃO ORDINÁRIA DE RESCISÃO DE CONTRATO DE LOCAÇÃO, DE LOJA EM SHOPPING CENTER. PROPAGANDA ENGANOSA. RESCISÃO CONTRATUAL, COM PERDAS E DANOS. PRELIMINARE. ILEGITIMIDADE ATIVA. REJEITADA. PREJUDICIAL AO MÉRITO. DECADÊNCIA. AFASTADA. RECURSO QUE SE NEGA PROVIMENTO. . Preliminar. Ilegitimidade Ativa. A empresa e a sócia desta têm interesse de agir e estão legitimadas para tanto, a primeira porque foi que pagou a res sperata e ambas pelo descumprimento do contrato. Rejeitada. - Prejudicial ao mérito. Decadência. É inaplicável o art. 26, II, do Código de Defesa do Consumidor, por não se tratar da alegação de vícios aparentes da coisa, ou de difícil fácil constatação. Rejeitada. - Mérito. Contrato de Locação firmado pela propaganda de que no local seriam instaladas diversas empresas "âncoras", fundamentais para o ramo que pretendiam explorar. Provada a propaganda enganosa. - Recurso improvido.
(TJ-PE - APL: 3487820008171130 PE 0000348-78.2000.8.17.1130, Relator: Bartolomeu Bueno, Data de Julgamento: 22/03/2012, 3ª Câmara Cível, Data de Publicação: 63)
(grifei)
RECURSO ELEITORAL. REPRESENTAÇÃO ELEITORAL. PESSOA FÍSICA. DOAÇÃO ACIMA DO LIMITE LEGAL. PREJUDICIAL DE MÉRITO DE DECADÊNCIA. REJEITADA. PRELIMINAR DE PROVA ILÍCITA. REJEITADA. MÉRITO. DOAÇÃO ACIMA DO LIMITE LEGAL. IMPROVIMENTO. 1. O ajuizamento da Representação, ainda que perante órgão judiciário incompetente, mas dentro do prazo fixado pelo C. Tribunal Superior Eleitoral, impede que se consuma a decadência, uma vez que terá sido ajuizada "opportuno tempore". Preliminar rejeitada. 2. Quebra de sigilo fiscal, obtido por determinação judicial, após propositura da ação não constituiu prova ilícita. Preliminar rejeitada. 3. Averiguada a doação de quantia acima dos limites fixados pela norma legal, a multa do § 3º do art. 23 da Lei das Eleições é de aplicação impositiva, resguardado os princípios da proporcionalidade e razoabilidadede. 4. Recurso improvido.
(TRE-PA - RE: 36053 PA , Relator: LUIZ GONZAGA DA COSTA NETO, Data de Julgamento: 05/06/2012, Data de Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Tomo 105, Data 14/6/2012, Página 6)
(grifei)
Percebe-se, pois, que nos casos acima mencionados, a decadência antecede o direito material em discussão, razão pela qual é considerada como prejudicial de mérito. Significa dizer que, uma vez acatada, sequer se aprecia a questão de fundo.
Uma vez que o Código de Processo Civil prevê que o julgamento da decadência é mérito, a jurisprudência adotou, então, a expressão “prejudicial de mérito” com a finalidade de destacar que o pedido pode não ser apreciado quando acatado o argumento de ocorrência da decadência. É como se dentro do mérito houvesse a subdivisão prejudicial de mérito e mérito propriamente dito.
A partir daí, surge a indagação acerca da decadência no Direito Tributário. Também seria considerada como prejudicial de mérito?
Do art. 156, inciso V, do CTN
Conforme dispõe o art. 156, inciso V, do CTN, a decadência é modalidade de extinção do crédito tributário. In verbis:
Art. 156. Extinguem o crédito tributário:
I - o pagamento;
II - a compensação;
III - a transação;
IV - remissão;
V - a prescrição e a decadência;
VI - a conversão de depósito em renda;
VII - o pagamento antecipado e a homologação do lançamento nos termos do disposto no artigo 150 e seus §§ 1º e 4º;
VIII - a consignação em pagamento, nos termos do disposto no § 2º do artigo 164;
IX - a decisão administrativa irreformável, assim entendida a definitiva na órbita administrativa, que não mais possa ser objeto de ação anulatória;
X - a decisão judicial passada em julgado.
XI – a dação em pagamento em bens imóveis, na forma e condições estabelecidas em lei. (Incluído pela Lcp nº 104, de 10.1.2001)
Parágrafo único. A lei disporá quanto aos efeitos da extinção total ou parcial do crédito sobre a ulterior verificação da irregularidade da sua constituição, observado o disposto nos artigos 144 e 149.
(grifei)
Denota-se que, em se tratando de Direito Tributário, a decadência extingue o crédito tributário. Nas demandas judiciais, como também nas administrativas, o mérito dos processos tributários, em sua grande maioria, gira em torno da procedência ou não do lançamento que constituiu o crédito.
Ora, se a decadência extingue o crédito, a meu ver, não há como considerá-la como prejudicial de mérito, porquanto ela põe fim à discussão do próprio mérito. É a extinção do direito material que se debate.
Veja que a decadência no Direito Processual sempre se refere ao prazo que o autor da ação deve observar para garantir o direito em discussão. Já no âmbito tributário, o Fisco deve observar o prazo decadencial antes de constituir o crédito tributário. Se assim não fizer, o próprio crédito considerar-se-á extinto.
Observe que no processo administrativo ou judicial em que se discute o montante constituído por meio de auto de infração (lançamento de ofício), constatada a ocorrência da decadência, o próprio lançamento não mais subsiste. Nitidamente, não há como entender que a decadência, neste caso, é uma prejudicial de mérito. É, senão, o próprio mérito.
Tal distinção é de suma importância no caso de julgamento de um auto de infração por um órgão colegiado. Suponha que apenas o relator entenda que o lançamento foi alcançado pela decadência por entender que se aplica o art. 150, § 4º, do CTN (decadência no lançamento por homologação) e os demais julgadores apliquem o art. 173, inciso I, do mesmo diploma legal (decadência no lançamento de ofício). Julgará, então, o relator pela improcedência da autuação, mesmo que vencido. Esse será seu voto de mérito.
Diferentemente, em matéria não tributária, se o relator for vencido quanto ao reconhecimento da ocorrência da prejudicial de decadência, deverá adentrar o mérito propriamente dito. Então, seu voto terá duas partes: será pela ocorrência da decadência (prejudicial de mérito – vencido) e, no mérito propriamente dito, o seu voto ainda poderá ser vencedor.
Conclusão
Diante do exposto, não é possível considerar, no âmbito do Direito Tributário, a decadência como prejudicial de mérito. A sua ocorrência atinge o próprio crédito tributário e, portanto, o mérito da demanda. É, pois, uma imprecisão considerá-la como uma prejudicial.
Referência bibliográfica
BORGES, José Souto Maior. Lançamento tributário. 2 ed., São Paulo: Malheiros, 1999.
COÊLHO, S. C. N. Processo administrativo tributário, Caderno de Pesquisas Tributárias – nova série, n. 5, Coord. de Ives Gandra. São Paulo: Centro de Extensão Universitária/Revista dos Tribunais, 1999.