1. INTRODUÇÃO
O Direito, como ciência que é, necessita, para o melhor estudo, de uma análise sistemática do ordenamento jurídico. Com efeito, o jurista, enquanto concretizador das disposições abstratas normativas ou principióligicas, deve recorrer às mais diversas espécies de interpretação, principalmente, à sistemática e à teleológica, transcendendo os limites formais e materiais para alcançar a axiologia.
Por consectário, qualquer assunto, no complexo mundo do Direito, não caminha isolado e desprovido de valores. As normas e os princípios interagem entre si, de modo que se torna impossível delimitar um determinado assunto da massa de conceitos e classificações jurídicos.
Destarte, o estudo dos recursos administrativos referentes, mais especificamente, aos procedimentos licitatórios, objetivo máximo do presente trabalho, torna-se impossível sem uma análise geral concernente à Constituição, elencando, ao menos de forma sucinta, direitos e garantias, esses últimos verdadeiros instrumentos assecuratórios, bem como às leis e doutrina administrativas.
Nesse sentido, objetivar-se-á, mediante o exame das raízes do arcabouço constitucional, reais fundamentos (os direitos constitucionais pelo controle, pelo direito de petição e, finalmente, pelo recurso), o estudo dos aspectos essenciais dos recursos administrativos insertos na Lei 8.666 de 21 de junho de 1993, instituidora de normas para licitações e contratos da Administração Pública, como, p. ex., a classificação, características, contagem dos prazos etc.
2. DIREITOS CONSTITUCIONAIS
2.1.Pelo
controle (art. 70 da C.F)
2.1.1. Noção introdutória
O princípio da legalidade, com ênfase constitucional no ordenamento jurídico pátrio, aparece como verdadeiro pilar de existência do Estado Democrático de Direito, na medida em que carrega, em seu conteúdo, a garantia assecuratória da liberdade e da segurança jurídica, regulando, destarte, sob o fundamento do limite, as relações entre o indivíduo e o Estado.
Sucede que a eficácia de tal princípio tem que, necessariamente, abarcar o mundo concreto, transcendendo o limiar do abstrato. Portanto, nesse contexto, é imprescindível a existência de uma função fiscalizatória, cuja finalidade seja englobar os meios de impor à Administração o respeito à lei e ao dever da boa administração.
Sob esse vislumbrar, o constituinte originário dispôs, no art. 70 da Lei Maior, verbis:
"Art. 70. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle de cada Poder."
Ante a mencionada redação, notório, então, é o fim almejado pelo legislador no tocante à existência de um controle de legitimidade, de economicidade, fidelidade funcional dos agentes e, por fim, de resultados, de cumprimento de programa de trabalho e de metas. Ainda, explicita sistemas de controle financeiro-orcamentário, modos pelos quais o controle é exercido, quais sejam: o controle externo e o controle interno.
A seguir, será feita uma sucinta análise referente a ambos.
2.1.2. Controle interno
No dizer de Hely Lopes Meirelles, controle interno é:
"(...) aquele realizado pela entidade ou órgão responsável pela atividade controlada, no âmbito da própria Administração. Assim, qualquer controle efetivado pelo Executivo sobre seus servidores ou agentes é considerado interno, como interno será também o controle do Legislativo ou do judiciário, por seus órgãos da administração, sobre seu pessoal e os atos administrativos que pratique." (Direito Administrativo Brasileiro, 24a ed., pág. 600)
No mesmo sentido, há o entendimento de Maria Z. Di Pietro, que, resumidamente, afirma ser o controle interno o exercido por cada um dos Poderes sobre seus próprios atos e agentes.
Em verdade, tal terminologia aparece como um perfeito sinônimo para a expressão "controle administrativo", que vem a ser o poder de fiscalização e correção exercido pela Administração Pública sobre atos ilegais, inoportunos ou inconvenientes, bem como sobre seus agentes com as penalidades estatutárias. Deriva do poder-dever de autotutela que a Administração tem sobre seus próprios atos e agentes.
Importa ressaltar, a título de ênfase, que quando se fala em Administração Pública, quer-se significar o vocábulo em seu sentido objetivo, que designa a natureza da atividade exercida pelos diversos entes; nesse sentido a administração pública é a própria função administrativa que incumbe, apenas predominantemente, ao Poder Executivo.
Prosseguindo na análise concernente a essa espécie de controle, pode-se dizer que o mesmo, equivalente ao administrativo, divide-se, quanto ao objeto de atuação, em controle sobre agentes e sobre atos. Ambos com iniciativa de ofício ou mediante provocação do administrado (em sendo sobre atos, fala-se em recurso administrativo). É o que se observa no esquema a seguir:
De ofício
Sobre atos
Recursos administrativos
Controle interno = administrativo (Iniciativa do administrado)
Sobre agentes De ofício
Iniciativa do administrado
Inserto no Texto Maior, no art. 74, há a previsão de que o controle interno será mantido pelos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, de forma integrada, visando a: (1) avaliar o cumprimento das metas previstas no plano plurianual, a execução dos programas de governo e dos orçamentos da União; (2) comprovar a legalidade e avaliar os resultados, quanto à eficácia e eficiência, da gestão orçamentária, financeira e patrimonial nos órgãos e entidades da administração federal, bem como da aplicação dos recursos públicos por entidades de direito privado; (3) exercer o controle das operações de crédito, avais e garantias, bem como dos deveres e haveres da União; e (4) apoiar o controle externo no exercício de sua missão institucional.
Ademais, há, no § 1o do art. 74, a imposição de os responsáveis pelo controle interno darem ciência ao Tribunal de Contas, ao tomarem conhecimento de eventuais irregularidades, sob pena de responsabilidade solidária.
Finalmente, nas palavras de Di Pietro, "coloca-se o Tribunal de Contas como uma espécie de ouvidor geral a quem os cidadãos, partido políticos ou sindicatos podem denunciar irregularidades ou ilegalidades (§ 2o)" (Direito Administrativo, 12a ed. Pág. 577)
2.1.3. Controle externo
É o controle realizado por órgão estranho à Administração responsável pelo ato a ser controlado, ou seja, é o exercido por um dos Poderes sobre outro. No tocante ao controle procedido pela Administração direta sobre a indireta, Celso de Mello entende haver, com a ressalva de uma denominação paradoxal, um controle interno exterior. Di Pietro, por sua vez, mais logicamente, afirma ser externo o exercido pela Administração direta sobre à indireta.
Em conformidade com a boa lição de Celso de Mello, o controle externo compreende: (1) o controle parlamentar direto, ou seja, o exercido sem o auxílio do Tribunal de Contas. É o caso, p. ex., do art. 49, V da CF; (2) o controle exercido pelo Tribunal de Contas (órgão auxiliador do Legislativo). Está previsto no art. 71 da CF, quando da fiscalização contábil, financeira e orçamentária; e o (3) controle jurisdicional, que submete a exame do Judiciário, diante do art. 5o, XXXV da CF, sob os aspectos da legalidade e moralidade, os atos da Administração Pública de qualquer natureza.
Interessante ressalva é a nomenclatura utilizada por Di Pietro no tocante ao controle parlamentar direto e o exercido pelo Tribunal de Contas. Utiliza a autora, respectivamente, a denominação de controle político e controle financeiro. José Afonso da Silva fala, no caso do controle financeiro, em um "controle de natureza política, mas sujeito à prévia apreciação técnico-administrativa do Tribunal de Contas competente."
No caso específico do controle previsto no art. 74, controle externo financeiro, convém esclarecer a competência nos diversos âmbitos. No âmbito federal, conforme expressa disposição constitucional, caberá ao Congresso Nacional. Assim, nos âmbito estaduais e municipais, por analogia constitucional e em face da igualdade entre os entes políticos, competirá às respectivas Assembléias Legislativas e Câmaras Municipais como o auxílio dos Tribunais de Contas.
2.2. Pelo direito de petição
Previsto no art. 5o, XXXIV, o Right of Petition pode ser definido como o direito que pertence a uma pessoa de invocar a atenção dos poderes públicos, independentemente do pagamento de taxas, em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso do poder. Constitui, pois, uma prerrogativa democrática, cujo exercício está, necessariamente, vinculado à comprovação da existência de qualquer lesão a interesses próprios do peticionário.
É um direito assegurado a qualquer pessoa, física ou jurídica, nacional ou estrangeira contra atos ilegais ou abusivos de quaisquer dos Poderes, inclusive do Ministério Público.
No entender de M. Zanella Di Pietro, o direito de petição é apontado como um dos fundamentos constitucionais dos recursos administrativos. Escreve a renomada autora, verbis:
"Dentro do direito de petição estão agasalhados inúmeras modalidades de recursos administrativos (...) É o caso da representação, da reclamação administrativa, do pedido de reconsideração, dos recursos hierárquicos próprios e impróprios da revisão." Direito Administrativ, 12a ed., pág. 579)
Na lição de Diógenes Gasparini, o direito de petição aparece como um instrumento que propicia à Administração Pública, no sentido objetivo, o reexame de suas próprias decisões e atividades. Elenca ainda como meio: pedido de reconsideração, a reclamação administrativa e o recurso administrativo.
Parece-nos com razão Di Pietro, porquanto o direito de petição é anterior ao recurso administrativo, na medida em que, segundo José Afonso da Silva, é um garantia assecuratória do direito geral à legalidade da Administração. Portanto, o administrado faz-se valer de seu direito de petição para ingressar com um recurso administrativo.
2.3.Pela via de recurso (direito ao duplo grau)
A Carta Magna assegura, aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, no art. 5o, LV, o contraditório e a ampla defesa, como os meios e recursos a ela inerentes. Destarte, doutrinariamente, fala-se em recursos judiciais e administrativos.
Os recursos judiciais confirmam o duplo grau de jurisdição previsto na Lei Maior. José de Albuquerque Rocha explica:
"Consiste o duplo grau no direito da parte sucumbente de acudir a outro órgão jurisdicional, com idêntico poder e amplitude de conhecimento do órgão recorrido, para que este dite nova decisão substitutiva da precedente." (Teoria Geral do Processo, 4a ed., pág. 53)
Os recursos administrativos, entretanto, enquanto concernentes à autotutela administrativa, são alvo do princípio da pluralidade de instâncias, segundo o qual é permitido à Administração Pública a revisão de seus próprios atos, quando ilegais, inconvenientes ou inoportunos. Nesse diapasão, há o entendimento da Suprema Corte, verbis:
Súmula 346. "(...) a administração pode declarrar nulidade de seus próprios atos"
Súmula 473. "(...) a administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial."
Haverá tantas instâncias administrativas quantas autoridades forem com atribuições superportas na estruturação hierárquica. Por conseguinte, o administrado que se sentir lesado em decorrência de decisão administrativa, pode ir propondo recursos hierárquicos até chegar à máxima autoridade da organização administrativa.
Os recursos hierárquicos são, no dizer de Hely Lopes, verbis:
"(...) aqueles pedidos que as partes dirigem à instância superior da própria Administração, propiciando o reaxame do ato inferior sob todos os seus aspectos" (Direito Administrativo Brasileiro, 24a ed., pág. 609)
Importante ressalvar que, no estrito caso da esfera federal, conforme disposição expressa do art. 57 da Lei 9.784 de 29 de janeiro de 1999, o direito de recorrer foi limitado, salvo disposição legal diversa, a três instâncias administrativas.
3. LEI 8.666/93 (ARTS. 87, 88 E 109)
3.1. Noções introdutórias e controle
Nas sábias palavras de Celso de Mello, licitação é, verbis:
"o procedimento administrativo pelo qual uma pessoa governamental, pretendendo alienar, adquirir ou locar bens, realizar obras ou serviços, outorgar concessões, permissões de obra, serviço ou de uso exclusivo de bem público, segundo condições por ela estipulados previamente, convoca interessados na apresentação de propostas, a fim de selecionar a que se revele mais conveniente em função de parâmetros antecipadamente estabelecidos e divulgados." (Curso de Direito Administrativo, 10a ed., p´g. 333)
Assim, sendo o procedimento licitatório um procedimento administrativo, encontra-se ele vinculado, direta e necessariamente, a atos reguladores (lei, regulamento, edital, proposta), devendo, pois, estar submetido ao princípio da legalidade. Com efeito, qual segurança teria o particular, caso a Administração, enquanto promovente de um certame licitatório, desrespeitasse as regras previamente estabelecidas?
Diante dessa mal-querida possibilidade, há, por conseguinte, no tocante à licitação, instrumentos visando a controlar o certame promovido pela Administração Pública ou de quem lhe faça as vezes, conferindo a igualdade, legalidade, impressoalidade, moralidade, probidade, publicidade devidos.
Esses controles, verdadeiros meios de proporcionar o resultado justo e lícito, no entender de Diógenes Gasparini, verbis:
"(...) viabilizam-se pelos recursos administrativos, isto é, os interpostos no âmbito da entidade responsável pelo ato, decisão ou comportamento impugnado, e mediante ações judiciais, ou seja, as impetradas na esfera judicial contra atos, comportamentos e decisões em razão da ilegalidade que encerram." (Direito Administrativo, 4a ed., pág. 365)E prossegue, verbis:
"(...) Observe-se que, independentemente da interposição dessas medias, cabe à entidade licitante revogar e invalidar seus atos sempre que afrontarem o ordenamento jurídico, em obediência ao princípio da autotutela. Esse comportamento é o que se chama de autocontrole ou controle interno." (Direito Administrativo, 4a ed., pág. 365)
Destarte, pode-se afirmar que o controle da licitação pode ser interno ou externo. O primeiro poderá ocorrer ex officio, com a possibilidade de anulação do atos ilegais e revogação dos inconvenientes e inoportunos, ou mediante provocação do interessado, quando haverá os recursos administrativos. O externo, por usa vez, existirá quando o particular ingressas na esfera judicial pleiteando a invalidação dos atos, comportamentos e decisões não elaborados em consonância com a legalidade.
A seguir, serão analisados, conforme índice, os recursos administrativos, observando, nos limites da licitação, o conceito, bem como suas espécies.
3.2. Recursos administrativos
3.2.1. Noções gerais de recursos insertos no contexto da Licitação
Recursos administrativos, lato sensu, em termos de licitação, são os instrumentos instauradores do processo de reexame interno de ato, decisão ou comportamento da entidade licitante. Com esse fim específico, aparecem as petições de recurso, de representação e de pedido de reconsideração.
A lei 8.666 de 21 de junho de 1993, em seu art. 109, prevê os recursos administrativos cabíveis dos atos decorrentes da licitação e do contrato, quais sejam: recurso, representação e pedido de reconsideração.
Os mencionados recursos, como a lógica jurídica ordena, entretanto, somente podem ser interpostos por quem tem legítimo interesse, justificador do ingresso do recurso, na licitação, no contrato ou cadastramento. Por consectário, a título exemplificativo, têm legítimo interesse: (1) o licitante inabilitado pela comissão de licitação (art. 109, I, "a"); (2) o contratado sancionado com a pena de advertência, suspensão temporária ou de multa; (3) o interessado que teve indeferido o pedido de inscrição em registro cadastral, sua alteração ou cancelamento pela competente comissão de cadastramento. Em princípio, pois, somente os envolvidos direta ou indiretamente, na licitação, no contrato ou no registro cadastral, podem recorrer. Ressalvas há, entretanto, na lei, concernentes ao absolutamente externos, no tocante à fiscalização (arts. 4o, 7o, § 8o, 15, § 6o, 41, § 1o).
Com relação aos efeitos dos recursos providos, esses retroagem à data do ato, decisão ou comportamento recorrido. Note-se que, sendo improvidoo recurso, ao menos, em tese, no âmbito interno, não há outro meio capaz de sanar a suposta falha, cabendo, destarte, ao Judiciário, com a ressalva da prescrição do direito de agir, o novo combate ao comportamento.
A lei 8.666, ainda, explicita os prazos para a interposição de recursos. Visou, em verdade, o legislador pátrio, sob o fundamento da segurança e certeza jurídica, à consolidação das decisões. Por conseguinte, no entender de Diógenes Gasparini, os recursos devem ser impetrados nos prazos fixados, futuramente estudados, sob pena de decadência.
Interpostos os recursos, deles serão comunicados os demais licitantes, que poderão impugná-los também no prazo de 5 (cinco) dias úteis o, se de convite tratar, no prazo de 2 (dois) dias úteis. O recurso será dirigido à autoridade superior, por intermédio da que praticou o ato recorrido, a qual poderá reconsiderar sua decisão, no prazo de 5 (cinco) dias úteis, ou, nesse mesmo prazo, fazê-lo subir, devidamente informado, devendo, neste caso, a decisão ser proferida dentro do prazo de 5 (cinco) dias úteis, contado do recebimento do recurso, sob pena de responsabilidade (§ 4o do art. 109).
A seguir, serão estudados as espécies de recursos cabíveis decorrentes da licitação e do contrato, a saber: recurso hierárquico, representação e pedido de reconsideração.
3.2.2. Recurso hierárquico
Sucintamente, esse é o meio adequado para o superior rever o ato, decisão ou comportamento de seu subordinado. Cabe, conforme mandamento legal expresso no art. 109, I, nos casos de: (1) habilitação ou inabilitação; (2) julgamento de propostas; (3) anulação ou revogação da licitação; (4) indeferimento do pedido de inscrição em registro-cadastral, sua alteração ou cancelamento; (5) rescisão do contrato, a que se refere o inciso I do art. 79; (6) aplicação das penas de advertência, suspensão temporária ou de multa.
Sob pena de decadência, deve ser interposto no prazo de cinco dias (inciso I do art. 109), ressalvados os casos de licitações efetuadas na modalidade de "carta-convite", quando há redução para 2 (dois) dias úteis, conforme § 6o da lei 8.666, com redação dada pela lei 8.883, de 8 de junho de 1994. Em ambos os casos, conta-se a partir da intimação do ato ou da lavratura da ata.
A petição, formalização do ato de impetrar recurso, deve expor os fatos, indicando o direito supostamente violado, bem como requerendo a providência restauradora. Os documentos pertinentes, adequados e comprovadores das alegações devem estar anexos à peça. Como já ressaltado, deve ser a petição dirigida à autoridade competente (§ 4o do art. 109), que comunicará, então, aos demais licitantes integrantes do certame. Esses poderão, como está posto no § 3o do art. 109, no prazo de 5 (cinco) dias úteis a partir da data da comunicação (ressalvados os casos da modalidade licitatória de carta-convite, quando prazo é de dois dias úteis), impugná-lo, necessariamente em forma de petição escrita, alegando o que for de seus interesses.
Com fins enfáticos e visando a uma melhor compreensão do procedimento, convém repetir que, diante das disposições previstas no § 4o do art. 109, findo esse prazo, a autoridade tem cinco dias úteis para reconsiderar sua decisão ou encaminhá-lo à autoridade superior competente para conhecê-lo e dar-lhe ou não o devido provimento. Nesse último caso, dever a autoridade, sob pena de responsabilização, proferir a decisão no prazo de 5 (cinco) dias úteis.
Com relação aos efeitos, o legislador nacional, ainda, dispôs, verbis:
"Art. 109.
(...)
I - recurso, no prazo de 5 (cinco) dias úteis a contar da intimação do ato ou da lavratura da ata, nos casos de:
a) habilitação ou inabilitação do licitante;
b) julgamento das propostas;
(...)
§ 2o O recurso previsto nas alíneas "a" e "b" do inciso I deste artigo terá efeito suspensivo, podendo a autoridade competente, motivadamente e presentes razões de interesse público, atribuir ao recurso interposto eficácia suspensiva aos demais recursos." (Grifos nossos)
Por conseguinte, quando o recurso for impetrado contra o ato de habilitação ou contra o julgamento terá efeito suspensivo, que pode ser explicado nas palavras de Maria Z. Di Pietro, como:
"O efeito suspensivo, como o próprio nome diz, suspende os efeitos do ato até a decisão do recurso; ele só existe quando a lei o preveja expressamente." (Direito Administrativo, 12a ed., pág. 578)
Convém repetir a lição de Hely Lopes, verbis:
"O recurso administrativo com efeito suspensivo produz de imediato, a nosso ver, duas conseqüências fundamentais: o impedimento da fluência do prazo prescricional e a impossibilidade jurídica de utilização das vias judiciárias para ataque ao ato pendente de decisão administrativa. (Direito Administrativo Brasileiro, 24a ed., pág. 606/607)
Realmente, quando a lei prevê recurso com efeito suspensivo, o ato não produz qualquer efeito e, por consectário, não causa lesão ao bem jurídico, enquanto não decidido o recurso interposto no prazo legal. Não havendo lesão, faltará, então, interesse de agir, que conforme ensinamento de Luiz Rodrigues Wambier, em seu Curso Avançado de Processo Civil, Vol.1, baseia-se no binômio necessidade-utilidade. Todavia, mui oportunamente, Maria Z. Di Pietro esclarece, verbis:
"(...)que ninguém é obrigado a recorrer às vias administrativas de modo que, querendo, pode o interessado deixar exaurir o prazo para recorrer e propor ação judicial, isto porque, exaurido aquele prazo, o ato já começa a causar lesão. A partir daí, começa a correr a prescriçãojudicial e surge o interesse de agir para ingresso em juízo." (Direito Administrativo, 12a ed., pág. 578)
Destarte, voltando a tratar dos recursos hierárquicos, excetuando-se os impetrados contra o ato de habilitação ou contra o julgamento das propostas, todos os demais (inclusive a representação e o pedido de reconsideração), a priori, terão efeitos devolutivos. Esse efeito é a qualidade natural que permite, à autoridade competente para conhecê-lo, o poder de rever todo o processado e decidir segundo esse entendimento, ou seja, ele devolve o exame da matéria à autoridade competente para decidir.
Escreveu-se acima a priori, porquanto a própria redação do § 4o do art. 109, reza que, quando motivado e presentes razões de interesse público, pode a autoridade competente atribuir ao recurso interposto eficácia suspensiva aos demais recursos.
Provido o recurso, seus efeitos retroagem à data o ato, decisão ou comportamento impugnado.
No referente à contagem dos prazos, essa será analisada, a seguir, no Capítulo 4.
3.2.3. Representação
A representação está prevista no inciso II do art. 109 da Lei 8.666/93. Tal recurso somente é cabível nos casos de decisão relacionada como o objeto da licitação ou do contrato de que não caiba recurso hierárquico e pode ser conceituada como a petição dirigida a quem de direito, expondo situação determinada ou geral e solicitando providências na defesa de seus interesses.
No tocante aos diversos aspectos concernentes à essa espécie de recurso, quais sejam, p. ex, autoridade a quem deve ser endereçado, ao encaminhamento, comunicação aos demais interessados, prazos pertinentes, ao recorrente etc, esses são equivalentes aos do recurso hierárquico. Com relação ao efeito, a lei diz trata-se de devolutivo, com a ressalva de possível recebimento com efeito suspensivo, ante a existência de interesse público com devida motivação.
Importante ressalva é feita por Diógenes Gasparini ao diferenciar a representação, enquanto espécie de recurso administrativo, prevista no art. 109, II, da representação disposta no art. 113, § 1o , que diz¸ verbis:
"Art. 113.
(...)
§ 1o Qualquer licitante, contratado ou pessoa física ou jurídica poderá representar ao Tribunal de Contas ou aos órgãos integrantes do sistema de controle interno contra irregularidades na aplicação desta Lei, para os fins do disposto neste artigo."
Ensina o eminente administrativista, verbis:
"A representação mencionada no inc. II do art. 109 da Lei federal n. 8.666/93 é recurso, enquanto a referida no § 1o do art. 113 dessa mesma lei é mera denúncia, tal qual está consignado no § 2o do art. 74 da Lei Maior. Mediante aquela quer-se uma revisão do ato, decisão ou comportamento da autoridade recorrida, ao passo que, por esta, deseja-se a legalidade e moralidade dos atos, decisões e comportamentos denunciados e, evidentemente, a nulidade da medida irregular, ilegal ou imoral e a punição dos responsáveis. Não se está pela denúncia, pelo menos, buscando a revisão de qualquer dos atos, decisões ou comportamentos denunciados (...) " (Direto Administrativo, 4a ed., pág. 369)
Com efeito, a denúncia funciona, no ordenamento jurídico pátrio, como designativo utilizado com o intuito de alertar a autoridade competente para conduta administrativa apresentada como censurável.
3.2.4. Pedido de reconsideração
Está disposto no inciso III do art. 109 da lei 8.666/93 o pedido de reconsideração, cabível com relação a ato de Ministro de Estado ou Secretário estadual ou municipal, no caso de aplicação da pena de declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração. Inobstante seja dirigido ao próprio autor do ato, não se trata de simples súplica, mas verdadeiro recurso.
É imprescindível que seja impetrado por pessoa legítima, ou seja, por quem sofreu a sanção, possuindo para tal o prazo de 10 (dez) dias úteis contados a partir da intimação do ato. Não tem efeito suspensivo, salvo se assim for recebido. Sua interposição é formalizada por petição em que o recorrente expões os fatos, indica o direito que entende ter sido violado e requer a revisão do ato, decisão ou comportamento impugnado.
Diógenes Gasparini crê inconstitucional a parte do dispositivo que atribui a secretários a decisão desse recurso no âmbito dos demais entres federados (Estado, Distrito Federal, Município) por ser matéria de direito administrativo, fugindo ao poder da União a possibilidade de atribuição de competências dessa natureza a agentes de tais entidades.
Com a devida vênia, não estamos de acordo com o entendimento do renomado jurista. Isso porque deve-se interpretar as normas jurídicas sistematicamente e sempre em conformidade com o Texto Maior, levando em consideração os princípios do Direito, anteriores e superiores à norma jurídica.
O inciso XXVII do art. 22, diz ser competência privativa da União legislar sobre, verbis:
"normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1o, III."
Assim, poder-se-ia realmente pensar que a previsão de que o pedido de reconsideração, nos âmbitos estaduais e municipais, respectivamente, das decisões dos Secretários Estaduais e Municipais, não seria matéria geral, cuja competência, conforme disposto é da União, mas específica aos demais entes políticos componentes da Federação, quais sejam, os Estados, Distrito Federal e os Municípios.
Sucede que, antes de adotar tal entendimento, deve-se, necessariamente, atentar, sob o risco de equívocos, para o principio da igualdade dos entes políticos. A igualdade deve ser analisada sob todos os aspectos. Por exemplo, a Constituição Federal silencia, quando trata de medida provisória, se essa pode ser editada pelos governadores dos estados. O silêncio, entretanto, apenas significa que, caso venha a estar expresso na Constituição do estado, pode o governador, enquanto chefe do Executivo local, editar tais espécies normativas. Ou seja, a taciturnidade, em virtude da estrutura igualitária e autonômica da Federação, permite que o chefe do poder executivo do estado, assim como o presidente, também chefe do poder executivo a nível nacional, editem medidas provisórias. Não poderia, destarte, estabelecer a Constituição do Ceará a possibilidade de o Secretário Estadual editar tais espécies de normas. Isto é, os cargos de presidente e governador, sob o vislumbrar da estrutura do poder, equivalem.
Do mesmo modo, equivalem, em termos estruturais hierárquicas, os cargos de Ministro de Estado, Secretários Estaduais e Municipais. Por conseguinte, ainda que a lei silenciasse, sob o fundamento da igualdade entre os entes políticos, deveria ser atribuído exatamente a eles essa competência.
Em face do exposto, não há que se dizer que a indicação da competência para revisão, decorrente de pedido de reconsideração, de atos dos Secretários Estaduais e Municipais é inconstitucional por se tratar de matéria específica.
4. PRAZOS
4.1. Início e fim em dia de expediente (art. 110, § único, Lei 8.666)
Não há, com relação à contagem dos prazos, o que se explicar. A disposição legal é clara:
Art. 110. Na contagem dos prazos estabelecidos nesta Lei, excluir-se-á o dia do início e incluir-se-á o do vencimento, e considerar-se-ão os dias consecutivos, exceto quando for explicitamente disposto em contrário.
Parágrafo único. Só se iniciam e vencem os prazos referidos neste artigo em dia de expediente no órgão ou na entidade.
Somente à título explicativo, expediente vem a ser no dizer de Aurélio Buarque de Holanda, horário de funcionamento das repartições públicas.
5. CONCLUSÃO
Em face de todo o exposto, apenas ratificam-se as palavras postas na introdução. Para se entender determinado direito, deve o jurista retornar às origens garantidoras desse direito, para, posteriormente, analisá-lo em todos os seus aspectos característicos.
Por conseguinte, o direito pelos recursos administrativos, no contexto das licitações públicas, remetem o estudioso ao exame dos direitos constitucionais pelo controle, recursos e pelo direito de petição, sob o vislumbrar, não apenas das normas, enquanto leis, mas, ainda, dos princípios gerais do direito, fonte fundamentadora das disposições legais, bem como da doutrina mais diversificada possível concernente ao assunto.
Foi possível, destarte, o intenso estudo do tema posto, vez que o presente não se limitou a colacionar a doutrina de eminentes juristas, mas transcendeu e fez o Direito retomar a sua essência, qual seja, "a controvérsia."
6. BIBLIOGRAFIA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL INTERPRETADA PELO STF. São Paulo : Editora Juarez de Oliveira, 1999.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo : Atlas, 2000.
GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. São Paulo : Saraiva, 1995.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo : Malheiros, 1999.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo : Malheiros, 1998.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo : Atlas, 1999.
ROCHA, José de Albuquerque. Teoria Geral do Processo. São Paulo : Malheiros, 1999
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo : Malheiros, 1998.
WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso Avançado de Processo Civil. São Paulo : RT, 2000, vol. 1.