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A aplicação do princípio da adequação social e a venda de produtos piratas

Cuida-se de estudo sobre a aplicabilidade do princípio da adequação social nas condutas de vender ou expor à venda produtos piratas, tais como CDs e DVDs, numa visão doutrinária e jurisprudencial atual.

Introdução

Com a modernização da tecnologia, aumentou-se, igualmente, em uma progressão geométrica a falsificação de bens de qualidade, principalmente eletrônicos e reprodutores de mídia, popularmente chamados de produtos “piratas”.

Trata-se de produtos de origem duvidosa, cuja matéria-prima é de segunda linha com a qualidade muito inferior ao original, sem qualquer garantia ao consumidor. São produzidos e/ou comercializados de forma ilegal, revendidos na clandestinidade, em todos os centros metropolitanos.

Assim, o presente artigo pretende abordar os principais aspectos do princípio da adequação social e a sua aplicabilidade, ou não, para afastar a tipicidade da venda de produtos falsificados, em especial os chamados CDs e DVDs piratas.


O Princípio da Adequação Social

O Princípio da Adequação Social é um instrumento utilizado para afastar a tipicidade de determinada conduta em razão de ser socialmente aceita pela sociedade. Rogério Sanches ensina que “O princípio da adequação social foi idealizado por Hanz Welzel, definindo que apesar de uma conduta se subsumir ao modelo legal, não será considerada típica se for socialmente adequada ou reconhecida, isto é, se estiver de acordo com a ordem social da vida historicamente condicionada.” [1]

Esse princípio foi idealizado por Hanz Welzel e “exprime o pensamento de que ações realizadas no contexto de ordem social histórica da vida são ações socialmente adequadas – e, portanto, atípicas, ainda que correspondam à descrição do tipo legal”[2]. Nesse caso, a conduta, embora aparentemente típica (isto é, prevista em lei como delito), é socialmente aceita pela sociedade, excluindo a criminalidade do ato.

Questão importante a ser discutida é a natureza jurídica do princípio da adequação social. Exclui a conduta, a tipicidade, a antijuridicidade ou a culpabilidade da conduta? Ou ainda, é uma causa supralegal de excludente?

Embora existam alguns defensores de que a adequação social “seja justificante, como exculpante ou como princípio geral de interpretação da lei penal[3]” do ato, isto é, retira a antijuridicidade/ilicitude da conduta, prevalece hoje na doutrina e na jurisprudência que este princípio é causa de exclusão da tipicidade, conforme nos ensina Nucci:

Parece-nos que a adequação social é, sem dúvida, motivo para exclusão da tipicidade, justamente porque a conduta consensualmente aceita pela sociedade não se ajusta ao modelo legal incriminador, tendo em vista que este possui, como finalidade precípua, proibir condutas que firam bens jurídicos tutelados. Ora, se determinada conduta é acolhida como socialmente adequada deixa de ser considerada lesiva a qualquer bem jurídico, tornando-se um indiferente penal.[4]

Importante destacar a advertência de Cezar Roberto Bitencourt, no sentido de que a doutrina internacional entende que o princípio em estudo não é excludente da tipicidade, muito menos causa de justificação:

O certo é que a imprecisão do critério da ‘adequação social’ – diante das mais variadas possibilidades de sua ocorrência -, que, na melhor das hipóteses, não passa de um princípio sempre inseguro e relativo, explica por que os mais destacados penalistas internacionais, entre outros, não aceitam nem como excludente da tipicidade nem como causa de justificação. Aliás, nesse sentido, é muito ilustrativa a conclusão de Jescheck, ao afirmar que ‘a ideia da adequação social resulta, no entanto, num critério inútil para restringir os tipos penais, quando as regras usuais de interpretação possibilitam a sua delimitação correta. Nestes casos, é preferível a aplicação dos critérios de interpretação conhecidos, pois, dessa forma, se obtêm resultados comprováveis, enquanto que a adequação social não deixa de ser um princípio relativamente inseguro, razão pela qual só em última instância deveria ser utilizado.[5]

É certo que o direito penal pátrio admite o princípio da adequação social, como causa excludente de criminalidade, possuindo duas funções importantes: “(A) de restringir o âmbito de abrangência do tipo penal (limitando sua interpretação ao excluir as condutas socialmente aceitas) e (B) de orientar o legislador na seleção dos bens jurídicos a serem tutelados, atuando, também, no processo de descriminalização de condutas.[6]”

Portanto, o princípio da adequação social busca a intervenção mínima do Estado nas condutas que, embora a princípio lesem um bem jurídico tutelado pelo direito penal, são socialmente aceitas diante da ínfima lesão.


Crime de Violação de Direito Autoral

Consiste no crime de violação de direito autoral, descrito no artigo 184 do Código Penal, a conduta de violar direitos de autor e os que lhe são conexos, através de reprodução, com intuito de lucro direto ou indireto, qualquer meio ou processo, sem autorização expressa do autor ou representante, conforme o caso.

Contudo, para fins desse estudo, será limitada a conduta prevista no seu parágrafo segundo, isto é, a conduta de quem distribui, vende, expõe à venda, aluga, introduz no País, adquire, oculta, tem em depósito, com intuito de lucro direto ou indireto, original ou cópia de obra intelectual ou fonograma reproduzido com violação de direito de autor, do direito de artista intérprete ou executante ou do direito do produto de fonograma, ou ainda, aluga original ou cópia de obra intelectual ou fonograma, sem a expressa autorização dos titulares dos direitos ou de quem os represente. É nesse parágrafo que incorre a maioria dos vendedores de CDs e DVDs piratas.

Primeiramente, vale a pena delimitar o conceito de “direito autoral”. Bitencourt conceitua como sendo “os benefícios, vantagens, prerrogativas e direitos patrimoniais, morais e econômicos provenientes de criação artística, científicas, literárias e profissionais de seu criador, inventor ou autor. Direito autoral”[7], incluindo também os direitos conexos aos de autor.

Quanto ao tipo objetivo, Celso Delmanto define a conduta descrita neste artigo 184, § 2º do Código Penal: “quem, com intuito de lucro (ganho, vantagem, benefício), direto (em que não há intermediário, imediato), ou indireto (disfarçado, dissimulado, que se faz receber por intermédio de terceiro), pratica qualquer das seguintes condutas: distribui (dá, entrega, espalha), vende (aliena ou cede por certo preço), expõe à venda (põe à vista, apresenta em exposição, mostra para vender), aluga (local), introduz no País (importa), adquire (compra mediante pagamento), oculta (esconde), tem em depósito (possui guardado), original (feito em primeiro lugar) ou cópia (reprodução) de obra intelectual ou fonograma, acrescido do elemento normativo do tipo: reproduzido com violação do direito de autor, do direito de artista, intérprete ou executante ou do direito do produtor do fonograma”[8].

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A tutela do tipo penal é a proteção que a lei de propriedade intelectual garante a toda pessoa criadora de obras intelectuais, tanto na esfera patrimonial como pessoal.  

A Constituição Federal de 1988, no seu art. 5o, inciso XXVII, assegura: ‘aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar’. A matéria, hoje, está disciplinada na Lei 9.610/98.

Vê-se, desse modo, garantido ao autor o direito à paternidade da obra, bem como dela retirar os benefícios pecuniários advindos da sua reprodução, representação, execução, recitação, adaptação, transposição, arranjos, dramatização, tradução e radiodifusão.[9]

Neste mesmo sentido é o magistério de Vicente Maggio:

Essa figura qualificada visa punir a conduta dos agentes que exercem papel fundamental na cadeia da “pirataria”, qual seja: aqueles que expõem à venda e comercializam o original ou cópia de obra intelectual ou fonograma reproduzido com violação de direito do autor ou conexos. Exemplos: distribuidores, lojistas, camelôs, como também os donos de locadoras, quando alugam filmes piratas ou , mesmo originais, quando esses não possuem autorização para serem alugados[10].

Nesta forma qualificada punem-se “as condutas realizadas posteriormente à produção ou reprodução de obra intelectual ou fonograma com violação de direito autoral, desde que o agente aja com a finalidade de lucro (elemento subjetivo do tipo). O agente, na realidade não participa da produção ou reprodução da obra intelectual com violação de direito autoral, mas, tendo ciência dessa violação, contribui para o crime ao realizar as condutas acima mencionadas (vender, expor à venda, alugar etc.)”[11].

A referida conduta pode ser praticada por qualquer pessoa e não se admite a sua forma culposa, somente a dolosa que é consubstanciada na vontade livre e consciente da pessoa de praticar a venda de produtos falsificados com o intuito de obter lucro (dolo específico), conforme ensina Mirabete: “O dolo do delito é a vontade de violar o direito autoral praticando uma das condutas mencionadas no dispositivo. O elemento subjetivo do tipo (dolo específico), consistente no intuito de lucro, direto ou indireto, é indispensável para a configuração dos crimes previstos nos §§ 1º, 2º e 3º, não sendo exigível quando se cuidar do delito descrito no caput do artigo”[12].

Importante acrescentar que “a modalidade qualificada exclui a hipótese de receptação, constituindo-se em participação posterior à consumação do injusto penal”[13], bem como “o simples fato de a obra intelectual não possuir registro não significa que a conduta do agente seja lícita, uma vez que o direito autoral surge com a criação da obra, e não com o seu registro, subsiste ainda nesse caso a infração penal”[14].

Por fim, é de se acrescentar que a consumação ocorre com a realização de todos os elementos do tipo penal, não sendo necessária a real aferição do lucro almejado. Em regra é delito formal, sendo permanente nas condutas de expor à venda, ocultar e ter em depósito.


Da venda de CDs e DVDs piratas e o princípio da adequação social

Pois bem, verificado o significado do princípio da adequação social, como excludente de criminalidade, pela aceitação da conduta pela sociedade, bem como o tipo objetivo do crime de violação de direito autoral, necessário se faz verificar a aplicação ou não desse princípio ao tipo penal de vender produtos falsificados. Sabe-se que a indústria de produtos digitais, roupas, entre outras, têm sido prejudicadas pelas vendas de produtos não originais, sofrendo perdas patrimoniais de elevadas e prejudicando também aqueles que fazem uso de produtos piratas.

Se, por um lado, há necessidade de respeitar os direitos autorais, por determinação legal, de outro lado, constata-se cada vez maior a aceitação da sociedade quanto à compra de produtos falsificados, muitos desses que apresentam características semelhantes aos dos produtos originais, o que torna difícil, muitas vezes, a olho nu, a diferenciação entre eles.

Essa crescente utilização de produtos falsificados fez com que muitas pessoas que fossem responsabilizadas criminalmente pela prática do crime de violação de direitos autorais, principalmente, em se tratando de Justiça Estadual, da crescente prisão de vendedores ambulantes de CDs e DVDs piratas. Eis o cerne do estudo: é aplicável o princípio da adequação social para esses casos de violação de direito autoral, pela venda de mídias falsificadas? Em outras palavras: é punível a conduta de vender CDs e DVDs piratas ou aplica-se a excludente de criminalidade da adequação social?

Alguns doutrinadores e julgadores, acolhendo a adequação social, defendem que, assim como o fato de furar a orelha de uma criança para colocar brinco, fazer uma tatuagem ou colocar um piercing (em tese, lesão corporal), a conduta é atípica (ou mesmo antijurídica), não consistindo em crime o ato de vender/expor à venda as mídias piratas.

Contudo, no julgamento do Habeas Corpus no 98.898/SP, junto Supremo Tribunal Federal, de relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski, impetrado pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo, ficou decidido que a prática da conduta de vender produtos piratas não pode ser considerada socialmente aceitável, persistindo a validade da norma incriminadora, conforme ementa:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME DE VIOLAÇÃO DE DIREITO AUTORAL. VENDA DE CD'S "PIRATAS". ALEGAÇÃO DE ATIPICIDADE DA CONDUTA POR FORÇA DO PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO SOCIAL. IMPROCEDÊNCIA. NORMA INCRIMINADORA EM PLENA VIGÊNCIA. ORDEM DENEGADA. I - A conduta do paciente amolda-se perfeitamente ao tipo penal previsto no art. 184, § 2º, do Código Penal. II - Não ilide a incidência da norma incriminadora a circunstância de que a sociedade alegadamente aceita e até estimula a prática do delito ao adquirir os produtos objeto originados de contrafação. III - Não se pode considerar socialmente tolerável uma conduta que causa enormes prejuízos ao Fisco pela burla do pagamento de impostos, à indústria fonográfica nacional e aos comerciantes regularmente estabelecidos. IV - Ordem denegada[15]

Em que pesem os argumentos da Defensoria Pública (impetrante do HC em questão), “o fato de a sociedade tolerar a prática do deito em questão não implicaria dizer que o comportamento do paciente poderia ser considerado lícito. Salientou-se, ademais, que a violação de direito autoral e a comercialização de produtos piratas sempre fora objeto de fiscalização e repressão. Afirmou-se que a conduta descrita nos autos causaria enormes prejuízos ao Fisco pela burla do pagamento de impostos, à indústria fonográfica e aos comerciantes regularmente estabelecidos”[16].

Neste sentido, extrai-se do voto do Ministro Relator, reportando-se à manifestação do representante do Ministério Público Federal, a inaplicabilidade da adequação social no caso:

(...) não se pode admitir como socialmente lícita, no presente caso, a conduta reiterada de violação de direito autoral.

De fato, existe desvirtuada condução da questão, por vezes garantindo-se até mesmo condições de comercialização e segurança à venda de produtos piratas por ambulantes. É evidente, também, que o desemprego constitui um dos problemas mais críticos enfrentados pela sociedade brasileira, uma vez que alcança uma expressiva parcela da força de trabalho do país.

(...)

Além disso, a prática de violação de direito autoral e comercialização de produtos piratas sempre foi objeto de fiscalização e repressão, em certas épocas mais efetiva, em outros momentos menos intensa, mas sempre foi considerada ilícita. Tanto é verdade que quem vende CD’s e DVD’s piratas age com apreensão e temor de perda das mercadorias e até mesmo de prisão, buscando sempre ações que possam antever ou iludir a ação fiscal e policial. Daí, portanto, quem age escondido e com receio de ser preso ou ter seus produtos apreendidos não o faz com a complacência social.

De outra parte, não se pode considerar socialmente tolerável uma conduta, como a descrita nos autos, que causa enormes prejuízos ao Fisco pela burla do pagamento de impostos, à indústria fonográfica nacional e aos comerciantes regularmente estabelecidos.[17].

O referido julgado foi precedente para a não aplicação da adequação social na venda de produtos falsificados. Tal entendimento passou a ser aplicado em casos junto ao Superior Tribunal de Justiça[18], que culminou com a criação da Súmula 502, que dispõem que “presentes a materialidade e a autoria, afigura-se típica, em relação ao crime previsto no art. 184, § 2º, do CP, a conduta de expor à venda CDs e DVDs piratas.”[19]

Aliás, o tema foi objeto de recurso repetitivo do Superior Tribunal de Justiça, conforme ementa a seguir:

RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. PENAL. OFENSA AO ART. 184, § 2°, DO CP. OCORRÊNCIA.  VENDA DE CD'S E DVD'S "PIRATAS". ALEGADA ATIPICIDADE DA CONDUTA. PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO SOCIAL. INAPLICABILIDADE. 1. A jurisprudência desta Corte e do Supremo Tribunal Federal orienta-se no sentido de considerar típica, formal e materialmente, a conduta prevista no artigo 184, § 2º, do Código Penal, afastando, assim, a aplicação do princípio da adequação social, de quem expõe à venda CD'S E DVD'S "piratas". 2. Na hipótese, estando comprovadas a materialidade e a autoria, afigura-se inviável afastar a consequência penal daí resultante com suporte no referido princípio. 3. Recurso especial provido. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08/2008[20].

Outros Tribunais também vêm adotando o aresto paradigmático, inclusive, a fim de evitar qualquer juízo de retratação, conforme se verificam dos Tribunais Estaduais do Paraná, São Paulo, Rio Grande do Sul e Minas Gerais, respectivamente:

APELAÇÃO CRIMINAL - ART. 184, § 2º, DO CÓDIGO PENAL - VIOLAÇÃO DE DIREITO AUTORAL - SENTENÇA CONDENATÓRIA RECURSO DEFENSIVO PELA APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO SOCIAL - IMPOSSIBILIDADE - MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS - CONDUTA TÍPICA E PUNÍVEL - INTELIGÊNCIA DA SÚMULA Nº 502 DO STJ - SENTENÇA MANTIDA - RECURSO DESPROVIDO. "Apelação Crime. Art. 184, § 2º, do Código Penal. Absolvição. Princípios da adequação social e intervenção mínima. Não acolhimento. Inaplicabilidade desses preceitos ao crime em análise. Entendimento consolidado na jurisprudência .Apelo conhecido, porém não provido. 1. Consoante entendimento firmado no âmbito das Cortes Superiores, é inaplicável ao crime de violação de direito autoral o princípio da adequação social, não sendo, portanto, penalmente insignificante a conduta de transportar 250 DVD’s de origem pirata, com a finalidade de mercancia." (TJPR - 5ª C. Crim. - AC nº 1.201.169-1 - Rel. Conv. Juiz Rogério Etzel - DJ 03/09/2014)[21].

Violação de direito autoral. Manter em depósito e expor à venda cópias de CDs e DVDs falsificados. Perícia que examinou o material apreendido e concluiu serem produtos contrafeitos. Materialidade e autoria demonstradas; Violação de direito autoral. Princípio da Adequação Social. Inocorrência. Conduta conceituada como criminosa independentemente de eventual tolerância que a sociedade tenha com esse crime. Condenação mantida. Recurso improvido.[22]

CÓDIGO PENAL. CRIMES CONTRA A PROPRIEDADE INTELECTUAL. ART. 184, § 2º. VIOLAÇÃO DE DIREITO AUTORAL. COMERCIALIZAÇÃO DE MÍDIAS DIGITAIS INAUTÊNTICAS (...). ADEQUAÇÃO SOCIAL. O fato de ser admitida a conduta, por parte da população, não a torna lícita. INSIGNIFICÂNCIA. Embora classificado o crime contra a propriedade intelectual, na realidade a pirataria ofende diversos outros bens jurídicos e interesses, públicos e sociais, motivo pelo qual não pode ser considerado insignificante. (...)[23].

APELAÇÃO CRIMINAL - RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO - VIOLAÇÃO DE DIREITO AUTORAL - ATIPICIDADE DE CONDUTA POR FORÇA DO PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO SOCIAL - INAPLICABILIDADE. A prática rotineira de pirataria no país e o fato de, muitas vezes, haver tolerância das autoridades públicas em relação à venda de CDs e DVDs piratas não pode significar que a conduta não seja mais tida como típica, ou que haja exclusão de culpabilidade. Assim, embora praticado em grande escala, o comércio de mercadorias "falsificadas" não pode ser tido como socialmente aceitável, a ponto de autorizar o julgador a descriminalizar condutas tipificadas na lei penal como crime, sendo tal tarefa do legislador.[24]

Como visto, os fundamentos para a não aplicação da adequação social para venda de produtos piratas são as consequências sociais e financeiras causadas pelos prejuízos diretos e indiretos a empresários e autores das obras, bem como o desemprego e a redução do recolhimento de impostos pelo fisco, prejudicando também o Estado.

Assim, pode-se concluir que, muito embora a venda de produtos falsificados seja aceita e tolerada por parte da sociedade, não se aplica o princípio da adequação social com o intuito de afastar a sua tipicidade, a conduta de vender ou expor à venda produtos piratas. Em outras palavras, a norma incriminadora prevista no artigo 184, § 2º do Código Penal permanece intacta, isto é, válida e aplicável, para aqueles que infringem a norma, vendendo/expondo à venda, nos centros urbanos, mídias piratas, devendo ser responsabilizado criminalmente pelo ato ilícito.


Referências bibliográficas

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal - Parte Geral. vol. 1. 17 ed. São Paulo: Saraiva, 2000.

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CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: Parte Especial. 4. Ed. São Paulo: Saraiva, 2004. Vol. 2.

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CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal. Parte Geral. 2 ed. Volume único. Salvador: Editora JusPodivm, 2014.

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DELMANTO, Celso. Et alii. Código Penal Comentado. 8. Ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

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MIRABETE, Julio Fabbrini. Direito Penal: Parte Especial. 29 ed. São P aulo: Atlas, 2012. Vol. II.

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. Parte Geral e Parte Especial. 6 ed. Revista, ampliada e atualizada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.

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SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal. Parte Geral. 3 ed. Revista e ampliada. Curitiba: ICPC, 2008.


Notas

[1] CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal. Parte Geral. 2 ed. Volume único. Salvador: Editora JusPodivm, 2014. p. 80.

[2] SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal. Parte Geral. 3 ed. Revista e ampliada. Curitiba: ICPC, 2008. p. 109.

[3] SANTOS, Juarez Cirino dos. Op. Cit.p. 109.

[4] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. Parte Geral e Parte Especial. 6 ed. Revista, ampliada e atualizada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 223.

[5] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal - Parte Geral. vol. 1. 17 ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 18.

[6] CUNHA, Rogério Sanches. Op. Cit. p. 80.

[7] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. 5. Ed. São Paulo: Saraiva, 2009. Vol. 3. P. 349.

[8] DELMANTO, Celso. Et alii. Código Penal Comentado. 8. Ed. São Paulo: Saraiva, 2010. P. 666.

[9] CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal. Parte Especial. 7 ed. Volume único. Salvador: Editora Juspodivm, 2015. p. 386.

[10] MAGGIO, Vicente de Paula Rodrigues. Curso de Direito Penal: Parte Especial. Salvador: Jus Podivum, 2015. Vol. 2 p. 421.

[11] CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: Parte Especial. 4. Ed. São Paulo: Saraiva, 2004. Vol. 2. P. 565.

[12] MIRABETE, Julio Fabbrini. Direito Penal: Parte Especial. 29 ed. São P aulo: Atlas, 2012. Vol. II, p. 348

[13] COSTA, Alvaro Mayrink da. Direito Penal: Parte Especial. 5. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. P. 1229.

[14] PRADO, Luiz Regis. Comentários ao Código Penal. 5. Ed. São Paulo: RT, 2010. P. 631.

[15] STF. HC 98898, Relator(a):  Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, julgado em 20/04/2010, DJe-091 DIVULG 20-05-2010 PUBLIC 21-05-2010 EMENT VOL-02402-04 PP-00778 RTJ VOL-00216- PP-00404 RSJADV jun., 2010, p. 47-50 RT v. 99, n. 901, 2010, p. 513-518.

[16] CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: Parte Especial. 5. Ed. Salvador: Jus Podivum, 2013. P. 431.

[17] Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=611533. Acesso em 18 de agosto de 2015.

[18] AgRg nos EDcl no AREsp 265891 RS, AgRg no AREsp 97669 SC, AgRg no REsp 1306420 MS, AgRg no REsp 1356243 MS, HC 175811 MG, por exemplo.

[19] Súmula 502, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 23/10/2013, DJe 28/10/2013

[20] STJ. REsp 1193196/MG, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 26/09/2012, DJe 04/12/2012

[21] TJPR - 5ª C.Criminal - AC - 1255785-8 - Toledo -  Rel.: Eduardo Fagundes - Unânime -  - J. 05.03.2015)

[22] TJSP. Ap. Crim 0018553-19.2012.8.26.0344. Rel. Alexandre Almeida. 4ª C. Criminal Extraordinária. Julg. 12.08.2015.

[23] TJRS. Apelação Crime Nº 70063500110, Quarta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ivan Leomar Bruxel, Julgado em 11/06/2015

[24] TJMG -  Apelação Criminal  1.0521.10.005412-6/001, Relator(a): Des.(a) Maria Luíza de Marilac , 3ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 02/06/2015, publicação da súmula em 12/06/2015

Sobre os autores
Irving Marc Shikasho Nagima

Bacharel em Direito. Especialista em Direito Criminal. Advogado Licenciado. Ex-Assessor de Juiz. Assessor de Desembargador. Autor do livro "Ações Cíveis de Direito Bancário", publicado pela Editora Del Rey. Coautor do livro "Estudos de Direito Criminal", publicado pela editora Urbi et Orbi.

Bernardo Haiduk

Bacharel em Direito. Pós-graduando em Direito Processual Civil. Advogado licenciado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NAGIMA, Irving Marc Shikasho; HAIDUK, Bernardo. A aplicação do princípio da adequação social e a venda de produtos piratas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4445, 2 set. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/42134. Acesso em: 22 nov. 2024.

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