6. Drogas: Uma ameaça Transnacional
A droga não respeita fronteiras. O seu caráter transnacional de ameaça significa que nenhum país pode fazer frente por si só, o que necessita de ação integrativa para o combate eficaz e promoção da paz social.
É mister perturbar as rotas do tráfico, buscar o desenvolvimento social cooperativo entre governos para estancar as redes poderosas do crime organizado.
O mundo inteiro se organiza por meio de cooperação mútua, mormente aderindo a Convenções e Tratados internacionais. O Conselho de Segurança da ONU abordou a questão do tráfico de drogas como uma ameaça à segurança internacional.
O Secretário Geral, Ban Ki-moon advertiu que “o tráfico de drogas está se convertendo numa ameaça cada vez mais grave, que afeta todas as regiões do mundo”.
Os Estados são chamados a fortalecer a cooperação internacional, com base numa responsabilidade compartilhada de luta contra as drogas e atividades correlatas, como o tráfico de armas e branqueamento de bens, praticados com alta tecnologia, geralmente em atividades organizadas.
O crime organizado transnacional tem crescido a um ritmo sem precedentes nos últimos anos. Existem numerosos fatores para essa tendência.
A fragilidade da fiscalização na zona de fronteira é um dos principais fatores, a exigir adoção de política de controle eficiente e otimização de recursos existentes e mais investimentos neste setor.
O comércio internacional aumento grandiosamente, e os controles internacionais de fronteiras diminuíram, havendo um significativo aumento do tráfico ilícito de drogas, de armas e de outras commodities.
Colocam como responsáveis diretos o avanço das telecomunicações, tecnologia das informações, finanças internacionais, o que tem facilitado, sobremaneira, a circulação de capitais e de informações por meio de fronteiras.
7. Da descriminalização da posse de drogas para uso pessoal no Brasil
A posse de drogas para uso pessoal foi inicialmente disciplinada no artigo 281 do Código Penal Brasileiro, cujo dispositivo legal também tratava da conduta do traficante.
Mas se o crime é cometido por militar em lugar sujeito à administração militar, como enunciado no artigo 290 do Código Penal Militar, Decreto-Lei nº 1.001/69, a pena é de reclusão de até 05 anos.
O crime de posse para uso próprio e tráfico de drogas, na categoria militar, é previsto no Capítulo III, dos crimes contra a saúde pública, sendo o tráfico ilícito e a posse para uso pessoal, tratados no mesmo dispositivo legal, conforme se percebe abaixo.
Tráfico, posse ou uso de entorpecente ou substância de efeito similar
Art. 290. Receber, preparar, produzir, vender, fornecer, ainda que gratuitamente, ter em depósito, transportar, trazer consigo, ainda que para uso próprio, guardar, ministrar ou entregar de qualquer forma a consumo substância entorpecente, ou que determine dependência física ou psíquica, em lugar sujeito à administração militar, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena - reclusão, até cinco anos.
O § 1º elenca os casos assimilados em três incisos:
1º Na mesma pena incorre, ainda que o fato incriminado ocorra em lugar não sujeito à administração militar:
I - o militar que fornece, de qualquer forma, substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica a outro militar;
II - o militar que, em serviço ou em missão de natureza militar, no país ou no estrangeiro, pratica qualquer dos fatos especificados no artigo;
III - quem fornece, ministra ou entrega, de qualquer forma, substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica a militar em serviço, ou em manobras ou exercício.
É classificado como sendo crime impropriamente militar, porque vem previsto também na legislação comum, no caso, a Lei sobre Drogas. E somente adquire essa condição porque ocorre em lugar sujeito à administração militar ( ratione loci).
O Prof. Jorge César de Assis, em sua Obra Comentários ao Código Penal Militar, Parte Geral, Editora Juruá, 1ª Edição. página 36, ensina com extrema maestria:
"Crime Militar Impróprio. São aqueles que estão definidos tanto no Código Penal Castrense como no Código Penal Comum e, por artifício legal tornam-se militares por enquadramento em uma das várias hipóteses do inciso II do artigo 9º do diploma militar repressivo. São os crimes que o Doutor CLOVIS BEVILÁQUA chamava de crimes militares por compreensão normal da função militar, ou seja," embora civis na sua essência, assumem feição militar, por serem cometidos por militares em sua função" . (Revista do STM, nº 6, 1980: 10/19)."
O delito inclui-se entre os que ofendem a incolumidade pública, sob o particular aspecto de sua saúde pública. Portanto, trata-se de delito de perigo abstrato.
Em 1976, entrou em vigor a Lei nº 6368, onde o artigo 16 tratava a posse de drogas para uso pessoal, in verbis:
Art. 16 - Adquirir, guardar ou trazer consigo, para uso próprio, substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e pagamento de 20 (vinte) a 50 (cinquenta) dias-multa
A Lei nº 11.343/06 revogou a Lei nº 6368/76, passando a prever no artigo 28, as condutas proibidas de posse de drogas ilícitas para uso pessoal, assim dispondo:
Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:I - advertência sobre os efeitos das drogas;II - prestação de serviços à comunidade;III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
O novo regramento fez parte daquilo que se convencionou chama no Brasil de justiça terapêutica ou medida de redução de danos em relação aos usuários de drogas.
Para o ilustre Professor Luiz Flávio Gomes houve a descriminalização da posse de droga para consumo pessoal, mas a conduta descrita no artigo 28 da Lei nº 11.343/06 continua sendo ilícita - uma infração, mas sem natureza penal, instituindo-se no Brasil o que se chama de infração sui generis.
Desta feita, é possível afirmar que nos dias atuais, não pode dizer que ter a posse de drogas para uso pessoal é crime no Brasil.
A conduta hoje é tão somente proibida, cuja repercussão gira em torno da aplicação das medidas de advertência sobre os efeitos das drogas, prestação de serviço à comunidade e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo, mas longe em dizer que tal conduta é criminalizada pelo Direito Penal desde a edição da Lei nº 11.343/2006.
Assim, a decisão do STF, se votar o colegiado acompanhando a decisão do ministro relator, evidentemente, não haverá descriminalização do porte de drogas para uso pessoal, mas tão reconhecer a atipicidade da conduta criminosa, mas com permanência da conduta proibida, como hoje se apresenta.
8. Da transmutação do juiz de direito em super-homem.
A partir de 2006, o nosso ordenamento jurídico transformou o Juiz de Direito em super-homem, quando impôs a ele o dever de advertir o usuário de drogas sobre os efeitos danosos da droga e ainda o exigiu que fizesse uma admoestação verbal em caso de recalcitrância das medidas impostas no artigo 28 da Lei nº 11.343/2006.
O juiz pode até ter conhecimento dos efeitos psíquicos e físicos de cada substância entorpecente, como maconha, haxixe, Skank, cocaína, crack, merla, mesclado, paco, heroína, codeína, morfina, LSD-25, ópio, ecstasy, o delta-9-tetrahidrocanabinol (D -9-THC, Erythroxylon Coca, o oxi, Óleo 3 G – Cocaína líquida, 3,4-metilenodioximetanfetamina e abreviado por MDMA, Crystal, Desirée ou Zirrê, krokodil, além de outras substâncias psicotrópicas previstas na Portaria 344/98, da ANVISA, mas seguramente, uma equipe multidisciplinar, com a presença de Assistentes Sociais, Psicólogos, Psiquiatras, advogados, sociólogos, além de outros especialistas, seria melhor indicada para orientar o cidadão drogadito localizado com uma porção de drogas para uso pessoal.
O tratamento do usuário de drogas por equipe multidisciplinar já faz parte do voto do relator do processo, ministro Gilmar Ferreira Mendes, na sua parte dispositiva:
"Diligenciar, no prazo de seis meses, a contar desta decisão, por meio de articulação com Tribunais de Justiça, Conselho Nacional do Ministério Público, Ministério da Justiça e Ministério da Saúde, sem prejuízo de outros órgãos, os encaminhamentos necessários à aplicação, no que couber, das medidas previstas no art. 28 da Lei 11.343/2006, em procedimento cível, com ênfase em atuação de caráter multidisciplinar"
Das conclusões.
Ficou evidenciado que a questão do enfrentamento das drogas no Brasil remonta desde as Ordenações Filipinas e se arrasta até os dias atuais.
Diversos foram os momentos históricos com suas respecitivas repercussões no campo do direito penal.
Percebe-se que hoje o indivíduo que for localizado portando pequena porção de drogas, e provado que destinava para o seu uso próprio não pode ser enquadrado como criminoso, em razão da resposta penal não se permitir a aplicação nem de reclusão e nem de detenção na espécie, e muito menos prisão simples, não podendo dizer que tenha praticado uma infração penal, ou seja, crime ou contravenção, conforme definido no Decreto nº 3.914/41.
Assim, apesar do autor da posse de drogas para uso pessoal, nos dias hodiernos não se enquadrar na etiqueta de criminoso, a sua conduta continua sendo proibida, podendo ser aplicada a ele as medidas alternativas previstas no artigo 28 da Lei nº 11.343/2006.
Aliás, o projeto de lei do Senado nº 236/2012, em seu artigo 212, § 2º, já diz não haver crime se o agente adquire, guarda, tem em depósito, transporta ou traz consigo drogas para consumo pessoal ou semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de drogas para consumo pessoal.
E ainda exige que para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, à conduta, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, bem como às circunstâncias sociais e pessoais do agente.
O referido projeto ainda estabelece critérios objetivos, preocupação demonstrada no voto do relator Gilmar Mendes, para determinar a quantidade de drogas a caracterizar a posse para uso pessoal, segundo o qual salvo prova em contrário, presume-se a destinação da droga para uso pessoal quando a quantidade apreendida for suficiente para o consumo médio individual por cinco dias, conforme definido pela autoridade administrativa de saúde.
A meu sentir, se o colegiado da Suprema Corte acompanhar o voto já proferido pelo ministro-relator, Gilmar Ferreira Mendes, como tudo indica que vai acontecer, o que ocorrerá será tão somente decidir que a conduta de trazer consigo drogas para uso pessoal, não será considerada conduta criminosa, ou seja, reafirmar e dizer aquilo que desde de 2006 já deixou de ser conduta criminosa no Brasil.
Por fim, é possível afirmar que a posse de drogas para uso pessoal deixou de ser crime no Brasil desde 2006, com a edição da Lei sobre drogas, Lei nº 11.343/2006, e, portando, o não conhecimento do Recurso Extraordinario pelo STF se mostra o melhor caminho a percorrer.
Ou simplesmente acompanhar o voto do relator para dizer aquilo que todo mundo já sabe. As medidas previstas no artigo 28 da Lei nº 11.343/2006, não têm efeitos penais.
"Declarar a inconstitucionalidade, sem redução de texto, do art. 28 da Lei 11.343/2006, de forma a afastar do referido dispositivo todo e qualquer efeito de natureza penal. Todavia, restam mantidas, no que couber, até o advento de legislação específica, as medidas ali previstas, com natureza administrativa"
E arrematando, tem-se que a decisão da Suprema Corte não poderá enfrentar a liberação das drogas, que continua proibida no Brasil, com adoção e imposição das medidas terapêuticas previstas no artigo 28 da Lei nº 11.343/2006, sob pena de julgamento extra petita conferido ao Recurso Extraordinário interposto pela Defensoria Pública de São Paulo, que, seguramente, deve ter outras prioridades para tratar no tumultuado estado de São Paulo, inclusive, contribuir com as autoridades sanitárias para solucionar o grave e escandaloso caso das cracolândias nas ruas da capital paulista, expondo as mazelas do país para o mundo todo.
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