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Mais um caso de desvio de verbas a investigar.

O esquema da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte

Agenda 16/09/2015 às 10:22

Este texto faz análise concreta de necessidade de investigação de crime contra a Administração Pública. No caso, esquema montado na Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Norte.

O Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte investiga esquema montado no âmbito da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte por associação criminosa formada por alguns servidores com auxílio de um gerente do Banco Santander para desviar recursos em benefício próprio ou de terceiros.

De acordo com mapeamento do MPRN, aproximadamente 100 pessoas estavam na folha da Assembleia tendo a maioria vínculos com outras empresas e residindo até mesmo fora do Rio Grande do Norte.

Os valores desviados dos cofres da Casa Legislativa em favor de tais servidores contabilizam o montante de R$ 5.526.169,22.

A promotora de Justiça Keiviany Sena explicou que a investigação foi iniciada em 2009 com informações trazidas ao Ministério Público Estadual bem como a partir de relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), que apontava para operações financeiras atípicas no âmbito da Assembleia Legislativa.

Foi feito um recorte para investigar o “modus operandi” semelhante ao pagamento de salários do caso que ficou conhecido como o da máfia dos Gafanhotos.

A operação foi deflagrada pela Promotoria de Justiça de Defesa do Patrimônio Público de Natal e o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (GAECO), com apoio da Polícia Militar.

Do que se noticia os  desvios de recursos da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte, investigados na operação “Dama de Espadas” do Ministério Público Estadual, tiveram início no ano de 2006. As investigações começaram em 2009, após denúncias de ex-funcionários da Casa sobre a existência de funcionários fantasmas no quadro de pagamento.O período investigado é entre os anos de 2006 e 2011. De acordo com o MP, relatórios apontam saques de grandes valores diretamente no caixa do banco Santander localizado na sede da Assembleia Legislativa.O grupo envolvido no esquema articulava a inserção de nomes de nomes de pessoas na folha de pagamento e a emissão de cheques sem rigor no controle.

Para o caso será necessário investigar se há outros agentes públicos e particulares envolvidos e ainda se há envolvimento de parlamentar ou parlamentares na conduta que está sendo objeto de análise pelas autoridades competentes.

O caso narra crime funcional que teria sido cometido  por funcionário público, em ação continuada.

Os chamados crimes funcionais cometidos por funcionário público,  dividem-se: a) em próprios; b) impróprios.

Nos crimes funcionais próprios, a qualidade do funcionário público é elementar do tipo. Ausente a qualidade de servidor público a conduta é atípica: concussão, corrupção passiva, prevaricação.

Nos chamados crimes funcionais impróprios, observa-se que o fato seria igualmente criminoso mesmo se fosse cometido por particular. É o caso do peculato, que se for cometido por particular, e não por aquele, é crime de apropriação indébita, sendo crime contra o patrimônio.

Já se decidiu que o peculato absorve a falsidade, se esta constitui meio para a prática do desfalque. Por sua vez, o Supremo Tribunal Federal  já concluiu por concurso formal, RTJ 91/814.

Por sua vez, o mesmo Supremo Tribunal Federal, no passado, decidiu que só o peculato deve subsistir como infração punível, se a falsificação documental for efetivada como elemento indispensável à prática do desfalque.

Da mesma forma, o Tribunal de Justiça de São Paulo, RT 513/357, entendeu que objetivando a falsificação de papéis públicos a apropriação indevida do dinheiro do Estado, é o delito em apreço absorvido pelo do peculato.

Comete o crime de peculato, previsto no artigo 312 do Código Penal, o agente público que se apropria de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou os desvia, em proveito próprio ou alheio.

O agente deverá ter a posse que lhe foi confiada em razão do cargo, ou seja, em virtude de sua competência funcional.

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O peculato diz respeito a coisas fungíveis ou infungíveis. Envolve o que o Código Toscano, no artigo 56, chamava de quebra de caixa, que se configurava quando o funcionário deixava de apresentar os dinheiros devidos na época da respectiva prestação de contas.

Pratica o peculato o servidor que se apropria de dinheiro embora pretenda devolvê-lo por ocasião da prestação de contas. 

Pressuposto do crime é o fato de que o agente tenha a posse legítima de coisa móvel(dinheiro, valor ou qualquer outro bem). Não é a posse civil bastando a detenção.

Há ainda o crime de associação criminosa e de lavagem de dinheiro a ser investigado.

Por sua vez, o crime inserido no artigo 288 do Código Penal exige associação de mais de três pessoas, em quadrilha ou banco, para o fim de cometer crimes, pois é crime coletivo permanente, de perigo abstrato.

No tipo penal do artigo 288 do código Penal, entende-se que é necessário que, além dessa reunião, haja um vínculo associativo permanente para fins criminosos, uma predisposição comum de meios para a prática de uma série indeterminada de delitos e uma contínua vinculação entre os associados para a concretização do programa delinquencial(RT 493/322, 570/352,575/414, dentre outros).

Faz-se necessário a estabilidade e permanência com o fim de cometer crimes, uma organização entre seus membros que revele um acordo com relação a duradoura atuação em comum.

No magistério de Heleno Cláudio Fragoso( Lições de direito penal, 3ª edição, Rio de Janeiro, Forense, 1981, volume III, pág. 288) que se contrapõe ao de Nelson Hungria(Comentários ao Código Penal,5ª edição, Forense, 1981, volume IX, pág. 178), não se exclui o delito, se a quadrilha for constituída para a prática de crime continuado(RJTJESP 33/273, 42/378, RT 538:389.90). Crimes autônomos, relativamente à quadrilha, podem, em tese, configurar forma continuada ou mesmo a habitualidade, como já decidiu o Superior Tribunal de Justiça no HC 4.029, DJU de 16 de dezembro de 1996, pág. 50.950.

Sendo assim o crime de quadrilha se caracteriza não só por serem mais de três os membros como ainda apresentar-se a associação criminosa com as características de estabilidade ou permanência com o fim de cometer crimes, com uma organização entre seus membros que revele acordo sobre a duradoura atuação em comum (RT 296/114, 464/410, 459/357).

Costuma-se dizer que é possível provar a existência do crime consubstanciado no artigo 288 do Código Penal diante da estreita ligação entre os membros de um grupo, com reuniões, decisões comuns, preparo de planos(RT 255/339).

Veio, finalmente, a Lei 12.850, de 2 de agosto de 2013, definindo organização criminosa e ainda dispondo sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal, revogando-se a Lei 9.034, de 3 de maio de 1995 e, ao final, passando a chamar de associação criminosa, o crime previsto no artigo 288 do Código Penal, com a seguinte redação: ¨Associarem-se 3(três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes¨, com pena prevista de 1(um) ano a 3(três) anos, aumentando-se a pena até a metade se a associação é armada ou se houver a participação de criança ou adolescente.

Por essa lei, editada em face do princípio da legalidade, que deve ser respeitado em matéria legal, considera-se  organização criminosa a associação de 4(quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com o objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais(crime ou contravenção penal), cujas penas máximas sejam superiores a 4(quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.

Temos aqui aquelas associações criminosas que tenham por desiderato a prática de infrações que vão além das fronteiras nacionais, englobando mais de uma nação. Para tanto, será necessário tratado ou convenção internacional que discipline os casos de apenação com relação a crimes cujo resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro ou reciprocamente.

Com a edição da Lei 12.683, de 9 de julho de 2012,  temos um novo regime jurídico para os crimes de ¨lavagem¨ ou ocultação de bens, direitos e valores no Brasil.

É crime, do que se lê do artigo 1º do diploma legal,  ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal. Para tanto, disciplina-se uma pena in abstrato de reclusão, que vai de 3(três) anos a 10(dez) anos e multa. Tal pena é  bem mais razoável do que a prevista no substitutivo ao PLS 209/2003, de 3(três) a 18(dezoito) anos, o que se revelava um absurdo, fugindo de qualquer razoabilidade. Mas é maior do que a de certos modelos jurídicos, como, por exemplo, o alemão, onde se prevê no § 261, inciso I, daquele modelo penal, pena privativa de liberdade de 3(três) meses a 5(cinco) anos e diversa da encontrada, na Itália, para o crime de riciclaggio, pena de 4(quatro) anos a 12(doze) anos e multa, contendo causa especial de diminuição da pena em um terço quando os delitos antecedentes forem punidos com pena de prisão inferior a cinco anos(artigo 648). Na Argentina, o artigo 278 do Código Penal(alterado pela Lei 25.246, de 2000) prevê pena de 2(dois) anos a 10(dez) anos de prisão e multa para o crime de lavado de dinheiro.

Reforça a nova Lei do crime  de Lavagem de Dinheiro, Lei 12.683/12, a importância do Conselho de Controle de Atividades Financeiras – COAF, com a finalidade de disciplinar, aplicar penas administrativas, receber, examinar e identificar as ocorrências suspeitas de atividades ilícitas previstas na lei, sem prejuízo da competência de instituições como o Banco Central(autoridade bancária), da Receita Federal do Brasil, em assuntos tributários, que conservará os dados fiscais dos contribuintes pelo prazo mínimo de 5(cinco) anos, contado a partir do início do exercício seguinte ao da declaração da renda respectiva ou ao do pagamento do tributo, levando em conta o conceito de decadência tributária.O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do HC n.º 191.378 - DF, em que foi Relator o Ministro Sebastião Reis Júnior, entendeu que a quebra do sigilo fiscal, bancário e telefônico baseado exclusivamente em relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), do Ministério da Fazenda, é inconstitucional. Isso porque as provas colhidas a partir da quebra de sigilo fiscal, bancário e telefônico somente serão admitidas se demonstrada, de forma concreta e fundamentada, sua indispensabilidade pela inexistência de outros meios de provas possíveis. O sigilo é a regra, a quebra a exceção, máxime num Estado Democrático de Direito onde se observam o respeito aos direitos fundamentais, verdadeiras cláusulas pétreas   garantidoras.

 Aplicou-se  a teoria dos frutos da árvore envenenada, prevista no artigo 157, parágrafo primeiro, do Código de Processo Penal, que determina que são inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras. Pode-se falar em exceções, como a teoria da descoberta inevitável, desde que surja, durante a diligência, algo novo que, por si só, não impeça o prosseguimento da investigação. Mas esse dado é excepcional, a fugir da regra. Um inquérito assim feito deve ser objeto de trancamento, via habeas corpus, e tidas como nulas as provas obtidas em desrespeito às garantias individuais.

Era o caso conhecido como Boi Barrica/Faktor(2008) em que o Ministério Público Federal denunciou dezesseis pessoas. Entre os indícios de crime apontados pelo Ministério Público estava um relatório do COAF no qual se mostrava que uma das pessoas sujeitas à investigação havia sacado dois milhões de reais em dinheiro vivo.

Data vênia a decisão não levou em conta que o COAF é um órgão de inteligência que tem, entre outros fins, municiar investigações de crimes financeiros.

Se há indicídios da prática de um  crime financeiro e havia necessidade de investiga-lo assim como  a eventual lavagem de dinheiro, a análise pelo COAF, dentro dos limites legais, era o caminho a encontrar para apuração do crime.

No caso do Brasil, a Lei 9.613/98 criou o COAF(artigos 14 a 17), como unidade de inteligência financeira do sistema nacional de prevenção, estabeleceu regras de adequação para certos sujeitos obrigados, integrantes de setores econômicos relevantes(artigos 9 a 11); instituiu responsabilidade administrativa dos sujeitos obrigados(artigo 12) e, finalmente, criou o cadastro nacional dos clientes do sistema financeiro nacional(artigo 10 – A).

A lei brasileira seguiu o modelo sugerido pelo Grupo de Ação Financeira Internacional(GAFI), criado em 1989, sob os auspícios da OCDE e do G-8. No ano seguinte, o GAFI, Financial Action Task Force, expediu suas 40 recomendações, que servem de baliza para a prevenção e o combate ao crime de lavagem de dinheiro. O GAFI reúne as unidades de inteligência financeira dos vários países chamados cooperantes, inclusive o COAF e tem representações regionais.

O trabalho do COAF é  importante, visando a :

- identificação de todos os autores e coautores do crime e a localização dos ativos reciclados, de modo a permitir a condenação dos culpados e o perdimento do proveito, produto e instrumentos do crime.

 O Banco Central, como autoridade monetária, à luz da Lei 4595/64, recebe as notícias das instituições financeiras sujeitas à sua fiscalização e as repassa ao COAF. O mesmo padrão é seguido por outras autarquias como a SUSEP e a CVM (Comissão de Valores Mobiliários).

   Cite-se, por sua importância, na matéria, a Carta Circular BACEN 2826/01, norma secundária, que se circunscreve ao universo das entidades financeiras, onde se lista uma série de atividades suspeitas que devem ser acompanhadas pelos Bancos e comunicadas ao Banco Central:

- alterações substanciais na rotina bancária;

 - grande atividade por wire transfer;

- operações sem sentido econômico;

- uso de várias contas simultaneamente;

- movimentação incompatível com o negócio ou profissão;

- relações com paraísos fiscais;

- estruturação de operações com fracionamento de depósitos ou remessas;

- recusa em informar origem de recursos ou a própria entidade;

- inconsistência documental;

A decisão historiada, com o devido respeito, negou vigência à lei, anulando toda uma operação e estabelecendo jurisprudência contrária a melhor interpretação do sistema processual penal. Negou ainda vigência a normas internacionais na matéria.

 A jurisprudência em discussão termina por exigir uma verdadeira prova diabólica, pois se a única pista veio do relatório do COAF, cuja confidencialidade é absoluta, não há outro meio de prova que possa inspirar qualquer providência, que não as aventadas na quebra proibida.

Serve, pois, de exemplo para as operações em andamento.

De toda sorte o fato teria acontecido num dos Estados mais pobres da Federação. Há deficiência em saúde, educação, segurança. A classe politica, após sucessivas mudanças no Executivo e no Legislativo, não trouxe um quadro de mudanças para uma economia que vive do turismo e de promessas.

O caso, pois, deve ser investigado pelo Ministério Público, titular da ação penal pública, em todas as suas circunstâncias cabendo ao Judiciário Estadual instruir e julgar as ações penais que venham a ser ajuizadas.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. Mais um caso de desvio de verbas a investigar.: O esquema da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4459, 16 set. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/42193. Acesso em: 21 nov. 2024.

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