O estudioso do Direito Tributário vive uma constante guerra de interesses entre o Fisco e o Contribuinte. Nessa guerra, o campo é o ordenamento jurídico - nele incluído não só a norma posta, mas também o entendimento dos estudiosos (doutrina) e dos juízes (jurisprudência) – e a arma é a interpretação, isto é, dar sentido e alcance aos vocábulos normativos. Exemplo disso é o que ocorre hoje com o que se entende por “planejamento tributário”. Existe hoje um entendimento superficialmente consolidado de que tal expediente é ilícito. No Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), última instância administrativa da esfera federal, esse é um termo proibido que traduz evasão fiscal – redução ilícita da carga tributária. E pelo visto esse conceito está contaminando o senso comum: recentemente, a Folha de São Paulo ao se referir ao planejamento tributário conceituo-o como “artifício contábil usado pelas empresas para pagar menos impostos”[1]. Definitivamente, esta ideia consolidada despreza a importância do instituto e os seus fundamentos inclusive constitucionais, favorecendo, escancaradamente, o Fisco.
Planejamento tributário pode ser definido como forma de redução da carga tributária. O contribuinte pode se valer de determinados expedientes para não pagar ou adiar determinados tributos. É o caso, por exemplo, da adoção de determinadas reestruturações societárias ou opção de regimes no complexo âmbito do Imposto de Renda (se real ou presumido). Vale frisar que não é toda e qualquer redução da carga tributária que traduz planejamento tributário: há de ser lícita – elisão fiscal – e não ilícita – evasão fiscal. E para a caracterização da licitude ou ilicitude de determinado planejamento, o estudioso deve avaliar alguns critérios doutrinariamente desenvolvidos, a saber: momento, legalidade dos atos e existência ou não de simulação ou fraude à lei. Enfim, faz-se necessária uma minuciosa análise fático-jurídica que exige do intérprete amplo conhecimento da legislação – quer tributária, quer civil/comercial – para se concluir pela licitude ou ilicitude de determinada redução tributária.
Apenas com base nessa breve conceituação já é possível verificar que o planejamento tributário não pode ser tido “a priori” como algo ilícito. Aliás, existe inclusive fundamento constitucional para o planejamento tributário. É o que se extrai dos direitos fundamentais à livre iniciativa e de propriedade, insertos no artigo 5º, incisos XIII e XXII, da Constituição Federal. Ademais, pagar tributo além do que o devido é confisco, o que é expressamente vedado pela Constituição em seu artigo 150, inciso IV. Ora, querer economizar tributo é direito constitucional e não ilícito tributário.
De todo modo, também aqui não se nega que são cometidos abusos por parte dos contribuintes. Sob o manto da legalidade outrora concedida ao planejamento tributário, empresas utilizam-se de manobras jurídicas para reduzir a carga tributária. São os casos de criação duvidosa de empresas tão somente para lesar o Fisco ou utilização de créditos tributários sem o respectivo respaldo legal. Ocorre que no que diz respeito ao planejamento tributário esses abusos devem ser analisados sob a ótica da Lei e caso a caso, dada a especificidade fática inerente ao instituto.
Por tudo, verifica-se que o planejamento tributário é instituto do direito tributário muito mais abrangente que o conceito superficialmente consolidado no âmbito administrativo e que agora vem contaminando o senso comum. É importante desvendar o mistério da matéria de modo a que se conceba o verdadeiro sentido e alcance desse expediente que além de ser respaldado em direitos fundamentais também é um importante veículo de desenvolvimento social, econômico e jurídico.
[1] Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mercado/me2908201106.htm